Minha mãe sempre foi de uma prestimosidade a toda prova e cheia de cuidados com todos os filhos.
O tempo, aquele dia estava muito feio. Nuvens negras e carregadas passeavam alegres no céu fazendo faísca com seus puns barulhentos. Eu estava admirando as diferentes figuras formadas por estas criaturas do céu. Era um homem deitado logo depois um coelho correndo ou então um galo cantando. Era tudo tão rápido tão mágico tão lindo que eu ficava desejando um dia poder fazer o mesmo numa folha de papel.
Estava absorto, perdido em pensamentos por algum instante embevecido namorando aquelas nuvens. Achava-as linda, graciosas, mas que às vezes mijava aqui na terra.
Minha mãe tinha outra explicação para estes traques e para este líquido vomitado pelas nuvens. – Meu filho, dizia ela, São Pedro esta lavando o céu e para lavar é necessário afastar os móveis, cadeiras e mesas do lugar e jogar muita água e é por isto os grandes barulhos e a água que cai.
Não botava muita fé nisso; Divertia-me os ruidosos puns e fugia da urina quando as nuvens mijavam.
Ainda absorto com tudo isto minha mãe chega perto de mim e fala:
- Guri, vá pegar suas coisas que está na hora de ir para a escola.
Freqüentava já, nesta época o segundo ano do grupo escolar. Tinha nove anos e já quase um homem maduro embora ainda sem pelo no saco e na cara.
Coloquei meu guarda-pó branco, cruzei no pescoço as alças do embornal de tecido – costurado pela minha mãe e já ia saindo quando minha mãe me interpelou: - Lavou as mãos, penteou os cabelos? E lá ia ela fazer uma vistoria completa nas orelhas, unhas e cabelo.
Quando finalmente ia saindo me entregou sua sombrinha de seda toda florida com um colorido muito lindo, mas admiravelmente extravagante. Antigamente não se escamoteava facilmente as sombrinhas; Eram enormes e continuavam enormes o tempo todo e muito maior quando abertas, escancaradas, chamando a atenção como putas velhas de pernas abertas.
- Não minha mãe, eu não vou levar isto, imediatamente interpus à sua vontade acrescentando – nem vai chover hoje.
Neste momento as nuvens filhas de uma puta, rindo e fazendo diversas caretas no céu soltaram estrondosos puns obrigando minha mãe a fazer três vezes o sinal da cruz.
Não tive argumento contra este fato.
Peguei a maldita colorida e tentei camuflar por entre o embornal e o guarda-pó. Meu andar ficou troncho, mas consegui chegar até o Grupo e me esgueirar até a sala de aula. Dispensei as brincadeiras no pátio antes da aula e consegui camuflar a sombrinha perto da parede.
A aula era sobre... Nem sei sobre o que era só sei que passei o tempo todo rezando para que aquelas malditas nuvens fossem embora. Elas me acompanharam de casa até o grupo e ficaram soltando traques em cima da escola. Eu as escutava rindo e dizendo: - Quando a aula terminar eu vou mijar em você, e gargalhavam, peidavam e soltavam labaredas que riscavam rapidamente o céu.
Minha carteira ficava perto da parede debaixo da janela e o tempo todo de duração da aula eu fiquei ouvindo isto.
- Vou mijar em você... Vou mijar em você – e gargalhavam, gargalhavam sem parar.
Certo momento, perdi a paciência e gritei:
- Chega de peidar e mijar sua filha de uma puta.
A classe toda se virou boquiaberta para mim.
Fui levado para a Diretoria
O diretor perguntou:
- Por que você disse isto para sua professora?
- Eu não disse isto para ela eu disse isto para as nuvens, tentei explicar ao Diretor. Foi em vão; além do sermão e de me chamar de doido levei 10 palmatórias na palma da mão e voltei envergonhado para sala de aula com uma tarefa a mais: escrever 500 vezes “não devo xingar a minha professora”.
E as nuvens continuavam lá, peidando, arrotando e vomitando fogo.
O sinal tocou e em alvoroço todos saíram da sala.
Camuflei novamente a sombrinha entre o embornal e o guarda-pó e meio troncho saí da sala. A água descia à cântaros.
A turma se acotovelava a saída uns abrindo guarda-chuva e outros esperando a chuva passar. Por entre a turba, debaixo daquele aguaceiro saí disfarçadamente, vagarosamente, troncho como se nada estivesse acontecendo até virar a esquina.
Tirei a maldita sombrinha da camuflagem para facilitar minha movimentação e saí em desesperada corrida até em casa.
Cheguei encharcado dos pés a cabeça. Já na porta de entrada virei-me mostrando uma banana com os braços para as nuvens, entrei em casa completamente molhado, joguei a sombrinha a um canto e recebi uma puta bronca da minha mãe por estar todo molhado.
- A sombrinha não quis abrir, disse pra ela.