terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

MALDITA SOMBRINHA

                                          

                        Minha mãe sempre foi de uma prestimosidade a toda prova e cheia de cuidados com todos os filhos.
                        O tempo, aquele dia estava muito feio. Nuvens negras e carregadas passeavam alegres no céu fazendo faísca com seus puns barulhentos. Eu estava admirando as diferentes figuras formadas por estas criaturas do céu. Era um homem deitado logo depois um coelho correndo ou então um galo cantando. Era tudo tão rápido tão mágico tão lindo que eu ficava desejando um dia poder fazer o mesmo numa folha de papel.
                        Estava absorto, perdido em pensamentos por algum instante embevecido namorando aquelas nuvens. Achava-as linda, graciosas, mas que às vezes mijava aqui na terra.
                        Minha mãe tinha outra explicação para estes traques e para este líquido vomitado pelas nuvens. – Meu filho, dizia ela, São Pedro esta lavando o céu e para lavar é necessário afastar os móveis, cadeiras e mesas do lugar e jogar muita água e é por isto os grandes barulhos e a água que cai.
                        Não botava muita fé nisso; Divertia-me os ruidosos puns e fugia da urina quando as nuvens mijavam.
                        Ainda absorto com tudo isto minha mãe chega perto de mim e fala:
                        - Guri, vá pegar suas coisas que está na hora de ir para a escola.
                        Freqüentava já, nesta época o segundo ano do grupo escolar. Tinha nove anos e já quase um homem maduro embora ainda sem pelo no saco e na cara.
                        Coloquei meu guarda-pó branco, cruzei no pescoço as alças do embornal de tecido – costurado pela minha mãe e já ia saindo quando minha mãe me interpelou: - Lavou as mãos, penteou os cabelos? E lá ia ela fazer uma vistoria completa nas orelhas, unhas e cabelo.
                        Quando finalmente ia saindo me entregou sua sombrinha de seda toda florida com um colorido muito lindo, mas admiravelmente extravagante. Antigamente não se escamoteava facilmente as sombrinhas; Eram enormes e continuavam enormes o tempo todo e muito maior quando abertas, escancaradas, chamando a atenção como putas velhas de pernas abertas.
                        - Não minha mãe, eu não vou levar isto, imediatamente interpus à sua vontade acrescentando – nem vai chover hoje.
                        Neste momento as nuvens filhas de uma puta, rindo e fazendo diversas caretas no céu soltaram estrondosos puns obrigando minha mãe a fazer três vezes o sinal da cruz.
                        Não tive argumento contra este fato.
                        Peguei a maldita colorida e tentei camuflar por entre o embornal e o guarda-pó. Meu andar ficou troncho, mas consegui chegar até o Grupo e me esgueirar até a sala de aula. Dispensei as brincadeiras no pátio antes da aula e consegui camuflar a sombrinha perto da parede.
                        A aula era sobre... Nem sei sobre o que era só sei que passei o tempo todo rezando para que aquelas malditas nuvens fossem embora. Elas me acompanharam de casa até o grupo e ficaram soltando traques em cima da escola. Eu as escutava rindo e dizendo: - Quando a aula terminar eu vou mijar em você, e gargalhavam, peidavam e soltavam labaredas que riscavam rapidamente o céu.
                        Minha carteira ficava perto da parede debaixo da janela e o tempo todo de duração da aula eu fiquei ouvindo isto.
                        - Vou mijar em você... Vou mijar em você – e gargalhavam, gargalhavam sem parar.
                        Certo momento, perdi a paciência e gritei:
                        - Chega de peidar e mijar sua filha de uma puta.
                        A classe toda se virou boquiaberta para mim.
                        Fui levado para a Diretoria
                        O diretor perguntou:
                        - Por que você disse isto para sua professora?
                        - Eu não disse isto para ela eu disse isto para as nuvens, tentei explicar ao Diretor. Foi em vão; além do sermão e de me chamar de doido levei 10 palmatórias na palma da mão e voltei envergonhado para sala de aula com uma tarefa a mais: escrever 500 vezes “não devo xingar a minha professora”.
                        E as nuvens continuavam lá, peidando, arrotando e vomitando fogo.
                        O sinal tocou e em alvoroço todos saíram da sala.
                        Camuflei novamente a sombrinha entre o embornal e o guarda-pó e meio troncho saí da sala. A água descia à cântaros.
                        A turma se acotovelava a saída uns abrindo guarda-chuva e outros esperando a chuva passar. Por entre a turba, debaixo daquele aguaceiro saí disfarçadamente, vagarosamente, troncho como se nada estivesse acontecendo até virar a esquina.
                        Tirei a maldita sombrinha da camuflagem para facilitar minha movimentação e saí em desesperada corrida até em casa.
                        Cheguei encharcado dos pés a cabeça. Já na porta de entrada virei-me mostrando uma banana com os braços para as nuvens, entrei em casa completamente molhado, joguei a sombrinha a um canto e recebi uma puta bronca da minha mãe por estar todo molhado.
                        - A sombrinha não quis abrir, disse pra ela.

                                                                                   Por: Mario dos Santos Lima    abril/07

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

CIRCULAR QUE NÃO FOI PARA APARECIDADA DO NORTE

Eu sempre fui de uma religiosidade fiel e a toda prova. Quase fui padre, mas acharam que eu seria mais útil a Deus fora da batina preta e me botaram para correr do seminário, mas mesmo depois servindo nas tropas do glorioso exército, vestindo a farda verde oliva levava a palavra de Deus aqueles infiéis e quase pagãos enfileirados comigo.
Depois da caserna me achava em São Mateus, por alguns meses, e já sem trabalho, roupa e comida roguei desesperado a mãe maior, à sempre pronta e protetora Aparecida que me ajudasse no concurso para ingresso como trabalhador na Petrobrás. Prometi que quando pudesse iria fazer uma visita até Aparecida do Norte e pagaria a promessa. Fui atendido e fiquei na dívida com a santa.
Alguns meses depois fui encaminhado pela Petrobrás à cidade de Tremembé para estágio de aperfeiçoamento e nivelamento. Fiquei feliz, pois lá fica bem próximo da cidade de Aparecida. Vou poder então pagar a minha dívida com a santa sem muito custo.
A cidade de Tremembé linda e pequena quase engolida pela serra da Mantiqueira é banhada pelo Rio Paraíba. Cidade de Monteiro Lobato. Fiquei contente, quase desmaiei de alegria em saber que foram destas águas, lá em Aparecida que alguns pescadores retiraram a santa que quase morria afogada.
Como um bandeirante comecei então a fazer sondagens e explorar a região, principalmente em Taubaté.
Um dia, perambulando de um canto ao outro, descobri por acaso um ônibus estacionado e algumas pessoas adentrando-o. O que mais me chamou a atenção foi na testada do ônibus estar a placa indicativa com o nome Aparecida.
Cheguei perto e de imediato perguntei ao motorista:
- Este ônibus vai a Aparecida?
- Vai sim, respondeu-me ele gentilmente.
- E qual o preço da passagem? Indaguei curioso.
O valor que ele me informou era algo irrisório, e desta forma pedi que confirmasse e ele garantiu que era aquele mesmo.
Perguntei do horário e ele respondeu que era de hora em hora.
Desta maneira, com este preço e estes horários vou todos os finais de semana para agradecer a santa e pedir mais alguma coisa para mim, pensei já determinado e pronto para a ação. Voltei todo contente para casa e já fazendo os planos de no próximo final de semana estar em Aparecida.
Junto comigo, de São Mateus também vieram mais dez estagiários para a operação de treinamento e nivelamento na Petrobrás.
A maioria deles ateus confessos, mas alguns com o ranço religioso herdado de seus pais. Comentei com os mais piedosos a grande descoberta e formulei o convite de viagem. A grande maioria, no entanto queria explorar a vida feminina, um tanto pacata de Tremembé. Eles estavam em outra sintonia, não tinham que agradecer a ninguém e nem pagar promessas alguma. De todos, apenas dois se entusiasmaram com a idéia e principalmente com o preço da passagem. Queriam mesmo é fazer turismo, mas ficou tudo combinado de na próxima semana estarmos em Aparecida do Norte.
Sábado amanheceu maravilhoso com os pássaros entoando hinos celestiais. Tudo contribuía para a nossa felicidade – Conhecer Aparecida, e particularmente estar bem perto da santa e dizer de quanto eu sou grato a ela pela ajuda, e depois, junto com os outros ,, semi ateus dar umas voltas e tirar algumas fotos com minha kodak pinta vermelha.
O ônibus que nos levou de Tremembé a Taubaté gastou mais ou menos trinta minutos entre pegar passageiros e deixa-los ao longo dos oito quilômetros de estrada.
Chegamos finalmente e fomos ao ponto do ônibus rapidamente, pois faltavam apenas 10 minutos para ele sair. Caminhamos os três a passos rápidos e finalmente avistamos ao longe o danado que nos esperava.
Olhei e fiquei admirado com a multidão de fieis que embarcavam. Embarcamos e como sardinhas em lata ficamos em pé, pois os assentos já estavam ocupados pelos fieis que madrugaram antes.
- Tudo pelo santo sacrifício, pensei eu.
Eu calculei umas duas horas de viagem e perguntei preocupado para meus amigos que de pé também estavam sendo espremidos:
- Tudo bem com vocês? Vão resistir à viagem?
Responderam laconicamente que sim.
O motorista ligou o motor e o ônibus começou o que seria uma grande viagem. Peguei um terço e comecei a rezar umas ave-marias e uns pais-nosso. Quis pedir para o povo que me acompanhasse na reza e até quis entoar alguns hinos religiosos, mas me contive pensando que talvez a grande maioria daqueles fieis fossem tão pagãos quanto meus dois amigos e estavam ali apenas para ir conhecer a cidade de Aparecida.
Fui rezando baixinho mil orações.
Nem me dei conta de que o ônibus parava em todos os cantos, mas uma coisa me estranhou, foi o fato de que muita gente pedia para descer.
- Será que é por causa da grande lotação? Pensei eu entre uma ave Maria e outra.
Depois de mais de uma hora de viagem o ônibus parou e começou a descer todo mundo. Pensei eu que seria uma parada para comer e tirar a água depositada na bexiga.
- Eu não vou comer e nem preciso urinar, por isto vou ficar aqui dentro, pensei comigo.
Perguntei aos meus sofridos amigos
- Se quiserem descer, fiquem a vontade.
- Não, estamos bem, responderam de imediato.
Desce um, desce outro e finalmente ficamos eu e meus dois amigos, ainda de pé no corredor do ônibus.
- Vocês não vão descer? Perguntou o motorista saindo de seu assento.
- Não, nós vamos ficar, obrigado, respondemos os três em uníssono como se tivéssemos combinado e ensaiado esta resposta.
- Vocês tem que descer, pois aqui é o ponto final
Quando o motorista disse isto, procurei pela janela do ônibus a Igreja de Nossa Senhora ou a rodoviária e só vi casas e o inicio de uma favela.
- Meu Deus, será que teremos que andar muito até a cidade? Preocupadamente pensei.
Calmamente, deixando meus amigos para trás no corredor fui até o motorista e perguntei.
- Aqui é Aparecida?
- Sim, aqui é a vila Aparecida.
- Mas, e a cidade de Aparecida?
- Vocês vão ter que voltar até a cidade e na rodoviária pegar o Pássaro Marron para Aparecida.
Quando meus amigos ouviram isto, para não me matar, despojaram-me de todos os meus pertences e dinheiro inclusive o terço. Voltei a pé para Tremembé.


Por: Mario dos Santos Lima
Curitiba, 29 de outubro de 2010.