sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

SÃO MATEUS EM 1963

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terça-feira, 12 de dezembro de 2017

DESASTRADO CORTE DE CABELO

Meti a máquina na cabeça dele e comecei a desastrada operação. No meu tempo de moleque pequeno, lembro-me perfeitamente que quase todos os filhos, seguiam, por uma razão ou por outra, a mesma profissão do pai. Se o pai era marceneiro o filho seria ótimo em fazer móveis; Se o pai era alfaiate o filho seria hábil na tesoura; e assim por diante. Hoje a coisa está bastante mudada, os filhos rebeldes, cada um segue a carreira que mais se identifica com eles. Mas tem muitos deles, que ainda seguem orgulhosos a profissão do pai. A tarefa, quando passada de pai para filho, traz a experiência vivida de muitas e muitas batalhas. É, com certeza, uma vantagem competitiva. Assim, com esta bagagem toda acumulada, o filho será o senhor absoluto da situação. Infelizmente eu não tive de meu pai a experiência de um barbeiro. Ele era do comércio, e por isto me dei mal na aventura de querer ser um barbeiro. Quando muito, hoje eu sou barbeiro, pelas ruas de minha cidade, na condução da tropa de cavalos e éguas que existe no motor de meu carro. Se bem, que me lembro ainda, que meus pais tinham uma máquina de cortar cabelo. Quando as cabeleiras, minha e de meu irmão, estavam além do limite, volta e meia, eles davam umas tosadas no topete com a maravilhosa máquina. Parecia incrivelmente fácil. Eu acho que meu sentimento intenso começou por ai, mas, infelizmente, sem nunca ter a oportunidade da prática. No seminário, com oitenta moleques para cortar o cabelo, sempre tinha alguém, que por experiência vivida, cortava o cabelo da gurizada. E minha paixão pela profissão aumentava mais e mais. O crek crek da máquina me hipnotizava. Aqueles cabelos caindo das cabeças, indo se acomodar no piso, era para mim um espetáculo jamais vivido por alguém. Embora tivesse vontade, no seminário nunca cortei o cabelo de ninguém , e nem me atrevi pedir para fazê-lo. Mas um dia de férias, em casa surgiu a oportunidade. - Silvestre, você precisa cortar o cabelo! escutei minha mãe implorando isto para meu irmão. Ele tinha medo da máquina de cortar cabelo da mesma forma que o gato escaldado com água quente tem medo de água fria. - Minha mãe, eu corto o cabelo dele! disse com convicção. - Mas você sabe fazer isto? perguntou incrédula ela. - Aprendi, e pratiquei muito no seminário! Disse minha tremenda mentira. Com muito custo e uma boa lábia, consegui fazer com que meu irmão sentasse no caixote em cima da cadeira. Peguei a máquina, fiz o sinal da cruz pedindo para que os anjos me ajudassem, mas eu acho que eles estavam de folga ou queriam me sacanear. A máquina na minha mão se debateu de um lado ao outro gritando: - Você não sabe fazer isto! Largue de mim seu padreco mentiroso! - Cale a boca, máquina imprestável! gritei furioso para ela. Meu irmão, arregalou os olhos, e medrosamente virou uma estátua. Com a mão trêmula e indeciso me perguntei. - Como é que eu começo este troço? Será que é de baixo para cima ou de cima para baixo? Suava frio. Meti a máquina na parte frontal da cabeça dele. e comecei a desastrada operação. Deixei a máquina no grau zero e aí comecei o escalpo. Já nos primeiros clek, clek a máquina de repente parou engastada de cabelos. Um grito de dor soou vizinhança afora. Minha mãe apavorada, saiu prá fora e quando viu aquilo caiu desmaiada. Meu irmão, com a máquina atolada no meio da cabeleira, com o sangue correndo pela testa, gritava feito um loco de dor. Eu, desesperado, não sabia se o levava ao hospital ou a uma barbearia. Botei o moleque nas costas e sai em busca de socorro. O barbeiro, numa operação delicada, livrou a cabeça de meu irmão da maldita máquina. Ele olhou demoradamente para mim decretando seu cruel veredicto, enquanto colocava mercúrio e esparadrapo no ferimento da cabeça de meu irmão: - Guri, nunca mais pegue numa máquina de cortar cabelo, ela é uma arma perigosa em sua mão! Morreu, então aí, o desejo meu de ser barbeiro. MARIO DOS SANTOS LIMA

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

ARENA DE FUTEBOL OU DE GLADIADORES?

A violência do futebol tem a sua origem. Quando eu assisto a um jogo de futebol que invariavelmente termina em pancadaria generalizada me reporto aos gladiadores. Só que naquela época a encrenca era dentro da arena e nunca fora dela. Às vezes desigual como, por exemplo, homens versus leões, mas a carnificina se restringia aquele cercado e o sangue corria apenas ali e deslizava até ao ralo e nunca para fora da arena. Os gladiadores eram lutadores escravos treinados na Roma Antiga. Eles se enfrentavam com a finalidade de entreter o público como o futebol o é hoje também. O duelo só terminava quando um dos contendores morria ou ficava desarmado ou gravemente ferido. No futebol também nós vemos isto, pernas quebradas, braços e cabeças rachadas e para completar as cusparadas fazem parte do espetáculo. O futebol termina sutilmente com a marcação ou não de gols. Bem ao contrário do público do Coliseu os torcedores insanos do futebol quase sempre invadem o campo ou jogam bombas, sacos com urina ou merda e outros materiais nos jogadores. As lutas dos gladiadores já aconteciam a mais de 280 anos antes de Cristo, no começo da Primeira Guerra Púnica, e por serem consideradas violentas foram proibidas no reinado de Constantino I, no ano 325 da era cristã. Para compensar isto criaram então as rinhas de briga de galos para satisfazer, com esta barbárie, a um público que necessita ficar babando, de olhos estalados, aguardando o final trágico de um dos animais penados. Diz a literatura que o futebol data do século III antes de Cristo na China e que evoluiu em regras e violência até a Inglaterra no século 12 da era cristã. Por volta de 1300, estes jogos eram marcados, entre os habitantes de vilarejos próximos, com várias formas e regras de acordo com suas regiões, e alguns jogos até mesmo sem nenhuma regra com excessiva violência que resultava em brigas, destruições e até mesmo mortes. Por conta disto o Rei Eduardo II proibiu a prática do futebol no Reino Unido alegando ser um esporte anticristão. Ainda bem que o coitado e inocente Rei Eduardo não nasceu na nossa era. Os gladiadores foram proibidos de lutar por Constantino I, a briga de galo foi proibida por Jânio Quadros e o futebol proibido por Eduardo II, mas hoje toda esta violência animalesca ficou aculturada, e podemos assistir em qualquer lugar principalmente nos campos de futebol. A briga de galos e a luta dos gladiadores sempre foram praticadas por dois contendores, e muito respeitadas pelo seu público. O futebol, no entanto deveria ser praticado por vinte e dois contendores, mas acaba sendo por uma multidão englobando os jogadores juizes e o público. O campo de futebol é um palco que não se restringe somente na arena como o coliseu ou a rinha de galos. É um palco de selvageria dentro, mas diferentemente da rinha e o coliseu é uma guerra sangrenta de paus, pedras, socos e pontapés nas arquibancadas, nas ruas e ônibus também. Além do resultado do placar, é também o resultado de mortos nos cemitérios e feridos nos hospitais. Os gladiadores tinham treinamentos em escolas especiais conhecidas como ludus. Os jogadores de futebol como os galos de brigas também têm estes treinamentos. Quando os gladiadores iam lutar em outras cidades seus treinadores, chamados lanistas (provavelmente derivado da palavra carniceiro) iam juntos. No futebol também tem os lanistas (torcidas organizadas) que sempre acompanham os jogadores. Quando o jogo termina sempre acabam apanhando de outras torcidas organizadas. Toda esta encrenca, este ranço de furor já está no sangue desde a concepção do individuo principalmente macho. Eu me lembro quando guri participava, por conta de ser o proprietário da bola, do time de futebol da molecada da cercania de casa. A gente mais treinava socos e pontapés do que jogava. Quase nenhum time se arriscava a vir jogar conosco ou nosso time a ir jogar noutras regiões ou ruas. Mesmo nos treinamentos sempre saia um bate boca e uns tapas pela cara e uns socos pelo nariz, era este o sinal de que o final do treino tinha chegado. Certo dia, um dos moleques da minha rua veio com a notícia de que no domingo a tarde estaria ali o time de Santa Sofia. Santa Sofia era uma fazenda de café aproximadamente a uns dez quilômetros da cidade. A molecada toda se reuniu e deu uma geral no campo. Catou alguns pedaços de paus e tijolos esparramados pelo campo, espantou os lagartos e tatus entocados, passou a foice para abaixar um pouco o mato; demarcou com cal as divisas do campo; Deu uma amarrada nos paus das traves e ajudou a concertar a bola que já estava com a barrigada de fora. O domingo chegou de sol escaldante. Logo após o almoço alguns moleques, molequinhos alienígenas começaram a chegar. Ficamos a um canto só observando. O jogo de futebol deve ter onze jogadores de cada lado e três juizes – um de campo e dois que atuam pelas laterais. Juizes nunca foram necessários para as nossas contendas. Como o time deles só conseguiu chegar com nove jogadores nós então escalamos honestamente nove e duzentos ficaram do lado de fora dando aquela força necessária. E o jogo teve início. Eu não tinha muita noção de futebol, mas como era dono da bola jogava no gol. O jogo terminou antes do final com o placar favorável ao nosso time com o maior quebra pau da história daquela rua. Duzentos massacrando nove. O comentário perdurou por meses. Naquela época não havia jornal, mas se houvesse com certeza estaria estampado na primeira página: - “Os reis do futebol e da luta livre são invencíveis. São cruéis com seus adversários”. O tempo passa, a vida continua e da memória se apagam muitas coisas. Uns moleques ficam outros se mudam e muitos vão chegando. Um dia o moleque chefe da nossa rua chegou e anunciou eufórico antes do treino ter início: - Domingo à tarde vamos jogar em Santa Sofia. - Que legal gritamos em coro e iniciamos um treino bem forçado que terminou como sempre em pancadaria. Domingo chegou e lá fomos nós os quinze de estilingue no pescoço e pedras no bolso. Passamos pela chácara do Totó apanhando algumas canas e roubando alguns ovos dos ninhos que ainda estavam quentinhos das bundas das galinhas. Levamos tiros de sal que não nos atingiu. Passamos pelo campo dos japoneses, gritando impropérios para a raça. Nadamos nos riachos para nos refrescar do sol. Cruzamos a primeira mata e contornamos a segunda. Atiramos em passarinhos, enfrentamos cobras que fugiam cuspindo veneno e roubamos melancias. Para percorrer os dez quilômetros levamos aproximadamente três horas. Chegamos ofegantes e cansados, tiramos água de um poço e imediatamente os onze escalados estavam postados em campo. O ambiente parecia bastante hostil. Acredito que havia mais de quinhentas pessoas armadas de paus e pedras para dar apoio ao jogo. O cemitério ficava contíguo ao campo e pude ver lá dentro uma enorme vala aberta esperando pelos defuntos. O coveiro olhou para mim e deu uma baita gargalhada. Uma coruja pipilou agourenta trepada numa velha cruz podre e quase tombada. Passou então um calafrio danado pela minha espinha. O jogo teve início tenso e nervoso com onze do nosso lado e quinze do lado deles sem juiz ou bandeirinhas. O nosso time era valente, mas estava respeitando o poderio do time adversário. O jogo transcorria numa calmaria violenta e aos vinte minutos já tínhamos levado quatro bolas no fundo do chiqueiro. As traves não tinham rede e os travessões que eu defendia terminavam num lamaçal de porcos. Eu tive que ir buscar a maldita bola sob as vaias daquela multidão quatro vezes no meio deste imundo lodaçal. Logo em seguida ao ter levado o quarto gol um dos nossos fez uma lambança inacreditável e conseguiu marcar um gol fenomenal. Este gol foi o estopim de que a galera precisava. Gerou um tremendo protesto dos quinze jogadores adversários e dos mais de quinhentos espectadores que começaram invadir o campo com pedras e paus. A morte se acomodou tranquilamente de um lado do campo e de braços abertos nos esperava feliz. Quando eu vi o enorme tumulto se agigantar, olhei o cemitério, a coruja e o coveiro, e não tive dúvidas, mostrando a banana com os braços ao coveiro corri. Atravessei o lodo, passei por debaixo da cerca de arame farpado deixando pedaços de carne nas farpas, e já estava no meio do pasto para uma retirada estratégica quando os componentes do nosso time, debaixo de pedras e paus conseguiram fazer a mesma coisa. Logo atrás a multidão enfurecida invadia o pasto com altos berros de guerra atirando paus e pedras. Acabei levando uma pedrada nas costas. Estaríamos completamente fudidos e enterrados se não fossem os dois toros que estavam já de língua de fora e de olhos virados cobrindo suas amadas vaquinhas no meio do verde pasto. Com o tumulto e umas pedradas no dorso a excitação dos touros acabou e eles furiosos investiram contra aquela multidão enlouquecida que medrosa, em desembalada corrida retornaram para o campo, e nós em ritmo de retorno de uma guerra, quebrados, machucados, ensangüentados e gemendo fizemos o caminho de volta para casa. Perdemos no jogo e na briga. Um dia eles também vão esquecer e virão jogar em nossa rua. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA