segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

UM PEIDO NO ELEVADOR

No quinto andar entrou um bêbado. Quem nunca se viu em apuros em alguma ocasião? Ou esteve em situação angustiosa e constrangedora? Nunca? Então você é um saco de batatas amarrado pelo meio jogado a um canto! Um bundão mesmo! Eu já passei por diversos momentos inusitados e complicados. Um desses momentos foi proporcionado por um filho de uma puta de um peido. Ou melhor, por vários. Bem! O peido tem diversas categorias: O maroto silencioso; O mal criado e fanfarrão que sai fazendo um barulhão danado; O gentil que dá o aviso primeiro e depois arrebenta as pregas; O peido sem cheiro que sai do cú da mãe do chefe; O peido corneteiro que sai em alta pressão fazendo o fiofó sonorizar uma estranha melodia; Tem, entre muitos, o que não fede e nem cheira, e aquele que fede prá caralho. Não sou mestre em flatulências, mas sou mestre em soltá-los controladamente. Mas um dia desses o processo falhou. O som que ouvimos é produzido pela vibração da abertura anal. O som sempre vai depender da velocidade da expulsão do gás e de quanto estreita for a abertura dos músculos do fiofó. O cheiro depende muito da comida ingerida pelo peidão profissional. Certa feita fui a uma festa caipira, e lá ingeri quantidade de batata doce, cebola e repolho, acima da permitida pela lei estomacal. A festa acontecia no trigésimo quarto andar, no salão de festas do edifício. A certa altura da comemoração senti um grande desconforto na região mole, onde se acomoda meu umbigo, e forte pressão no final de meu tubo digestivo. Pedi licença e saí. O elevador chegou, a porta se abriu, eu entrei, e ela fechou. Meu fiofó entendeu que tinha entrado na privada e gritou um peido fedido como se dissesse: - Até que enfim estou livre! O peido saiu safado, meio molhado, alto que chegou a estremecer as paredes do elevador. O peido meio sonâmbulo, fedido feito carniça, saiu tonto claustrofóbico, tentando escapar do ambiente de qualquer forma. Ao olhar-me no espelho, que se encontrava em uma das paredes, um tanto envergonhado, e já meio sufocado pelo cheiro do metano, abri a porta no próximo andar para sair. Tentei, apenas. Duas lindas meninas entraram no trigésimo andar e apertaram o botão do térreo. Não sai para não ser réu confesso do pum, e usando meu dote artístico, coloquei a mão no nariz dizendo: - Um filho da puta peidou a abandonou miseravelmente o peido no elevador. O peido, dedo duro, que estava covardemente escondido atrás de mim se manifesta dizendo: - O cú que peidou foi o dele! Suando frio, tentando segurar a próxima flatulência, não consegui resistir, e um peido corneteiro escapou safado do meu fiofó. Elas me olharam enojadas, desceram no vigésimo oitavo andar dizendo: - Porcão! No vigésimo sétimo andar entraram duas senhorinhas de idade avançada. Tentei segurar, mas um peido em alto som veio cumprimentar barulhento as velhinhas. Em vão quis disfarçar, assobiando uma música qualquer. Elas me olharam, e uma para outra sarcasticamente comentou: - Esta molecada de hoje não respeita mais ninguém. Uma delas pegou o guarda-chuva e lascou na minha cabeça. Desceram rapidinho no vigésimo quinto andar. Então, puto da vida, com galo na cabeça e dor abdominal, liberei total. Soltei uma série de novos peidos. Todos mal cheirosos. Eles se reuniram no ambiente apertado, e numa dança maluca federam incrivelmente. O elevador estava feito uma bomba pronta para explodir, e eu completamente atordoado, drogado, sem saber o que fazer. No quinto andar entrou um bêbado. A coisa ficou preta e explosiva – gás metano mais etílico. O filho de uma puta não tinha perdido o senso de humor e gritou: - Abriram a tampa da fossa! E completou com um! iipuuu! Com dificuldade pegou um cigarro, acomodou na boca, e sacou a caixa de fósforo. Quando vi aquilo gritei desesperado: - Não faça isso, seu filho de uma puta! O elevador vai explodir! Tarde demais. Um clarão e bum. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 8 de dezembro de 2013

O MÉDICO E A CARIDADE

- Doutor, vim pedir sua benevolência! Segundo o juramento de Hipócrates, o papel do médico é exercer a medicina com ética, compaixão e benevolência frente a seus pacientes. Pelos idos do ano cinqüenta, na pequena e pacata cidade de Venceslau, residia e exercia a medicina o doutor Mendes. Além de médico competente, e muito respeitado, era bem abonado financeiramente. Católico praticante. Meu pai, altruísta que era, vicentino, recebia durante a semana a relação dos necessitados, e disponibilizava o sábado e domingo para suas visitas a estas famílias carentes, para distribuir alimentos, conselhos e fazer encaminhamentos. Naquela época a nossa vida familiar era modesta, sem muitos recursos, mas tínhamos como riqueza o exemplo de generosidade e honestidade praticada pelo nosso bondoso pai. Ele não se intimidava com nada, enfrentava qualquer dificuldade, e quando o negócio era rogar um favor para os desvalidos, lá ia ele, de porta em porta, pedir ajuda para esta ou aquela família. Um dia, - isto foi ele que me contou - encontrou uma dessas miseráveis família, onde a mulher encontrava-se gravemente enferma, necessitando de auxilio médico urgente. Meu pai, na visita do sábado, ao constatar a gravidade do problema, e as condições miseráveis em que vivia esta pobre mãe e seus cinco filhos pequenos, não teve dúvida, partiu em busca de socorro. Bateu palmas no portão e um senhor, aparentando 50 anos, tranquilamente veio atender, perguntando: - Boa tarde! Alguma coisa que eu possa ajudar? Meu pai, de pronto respondeu. - Boa tarde! O doutor poderia me acompanhar para atender uma paciente que está passando muito mal? - Sim, posso sim! e completou - Chame, por favor, uma charrete! Enquanto ele entrou para pegar os apetrechos da profissão médica, meu pai providenciou a charrete. Deu ao charreteiro o endereço. O ploc, ploc do cavalo, pelas ruas da cidade, com seus peidos frouxos, dava ao ambiente interno da charrete um ar de melancólica ansiedade. Dr. Mendes olhou, perscrutou, pensou, olhou novamente, fez um ar de preocupação, puxou o receituário e prescreveu o medicamento. Entregou ao meu pai dizendo: - Mande aviar imediatamente esta receita, e qualquer coisa me deixe informado. Os dois retornaram, e já na frente da casa do doutor Mendes, meu pai pergunta: - Quanto foi a visita? Não sei exatamente o valor que naquela época ele cobrou de meu pai, mas só sei que ele cobrou 50% a mais, por ter sido uma visita na casa do paciente. Meu pai embaraçado, completamente desconsertado - não queria, e não esperava aquela resposta - pigarreou, olhou de um lado ao outro, tomou coragem e falou em tom suplicante: - Mas doutor! e a sua compaixão e benevolência para com os necessitados? O médico olhou demoradamente para meu pai e respondeu cruelmente: - Seu Chico, você veio solicitar meus préstimos como médico; Você não veio pedir uma caridade, portanto o que você me deve é este valor. Meu pai desconcertado, sacou de sua carteira os últimos cruzeiros que tinha; Pagou o médico e o charreteiro, e voltou mais pobre para casa. Meu pai acabou fazendo uma caridade além de sua posse, e aprendeu com isso a lição; Assim, toda vez que necessitava de um médico, para algum miserável, batia palmas no portão e quando Dr. Mendes aparecia ele perguntava: - Vim pedir sua benevolência, sua caridade! O doutor poderia me acompanhar para atender um pobre miserável? Ele olhava para meu pai, sorria satisfeito, pegava seus apetrechos médicos, e lá iam os dois, como grandes amigos, atender um ou outro mais necessitado. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

CORTE DE CABELO

Meti a máquina na cabeça dele e comecei a desastrada operação. No meu tempo de moleque pequeno, lembro-me perfeitamente que quase todos os filhos, seguiam, por uma razão ou por outra, a mesma profissão do pai. Se o pai era marceneiro o filho seria ótimo em fazer móveis; Se o pai era alfaiate o filho seria hábil na tesoura; e assim por diante. Hoje a coisa está bastante mudada, os filhos rebeldes, cada um segue a carreira que mais se identifica com eles. Mas tem muitos deles, que ainda seguem orgulhosos a profissão do pai. A tarefa, quando passada de pai para filho, traz a experiência vivida de muitas e muitas batalhas. É, com certeza, uma vantagem competitiva. Assim, com esta bagagem toda acumulada, o filho será o senhor absoluto da situação. Infelizmente eu não tive de meu pai a experiência de um barbeiro. Ele era do comércio, e por isto me dei mal na aventura de querer ser um barbeiro. Quando muito, hoje eu sou barbeiro, pelas ruas de minha cidade, na condução da tropa de cavalos e éguas que existe no motor de meu carro. Se bem, que me lembro ainda, que meus pais tinham uma máquina de cortar cabelo. Quando as cabeleiras, minha e de meu irmão, estavam além do limite, volta e meia, eles davam umas tosadas no topete com a maravilhosa máquina. Parecia incrivelmente fácil. Eu acho que meu sentimento intenso começou por ai, mas, infelizmente, sem nunca ter a oportunidade da prática. No seminário, com oitenta moleques para cortar o cabelo, sempre tinha alguém, que por experiência vivida, cortava o cabelo da gurizada. E minha paixão pela profissão aumentava mais e mais. O crek crek da máquina me hipnotizava. Aqueles cabelos caindo das cabeças, indo se acomodar no piso, era para mim um espetáculo jamais vivido por alguém. Embora tivesse vontade, no seminário nunca cortei o cabelo de ninguém , e nem me atrevi pedir para fazê-lo. Mas um dia de férias, em casa surgiu a oportunidade. - Silvestre, você precisa cortar o cabelo! escutei minha mãe implorando isto para meu irmão. Ele tinha medo da máquina de cortar cabelo da mesma forma que o gato escaldado com água quente tem medo de água fria. - Minha mãe, eu corto o cabelo dele! disse com convicção. - Mas você sabe fazer isto? perguntou incrédula ela. - Aprendi, e pratiquei muito no seminário! Disse minha tremenda mentira. Com muito custo e uma boa lábia, consegui fazer com que meu irmão sentasse no caixote em cima da cadeira. Peguei a máquina, fiz o sinal da cruz pedindo para que os anjos me ajudassem, mas eu acho que eles estavam de folga ou queriam me sacanear. A máquina na minha mão se debateu de um lado ao outro gritando: - Você não sabe fazer isto! Largue de mim seu padreco mentiroso! - Cale a boca, máquina imprestável! gritei furioso para ela. Meu irmão, arregalou os olhos, e medrosamente virou uma estátua. Com a mão trêmula e indeciso me perguntei. - Como é que eu começo este troço? Será que é de baixo para cima ou de cima para baixo? Suava frio. Meti a máquina na parte frontal da cabeça dele. e comecei a desastrada operação. Deixei a máquina no grau zero e aí comecei o escalpo. Já nos primeiros clek, clek a máquina de repente parou engastada de cabelos. Um grito de dor soou vizinhança afora. Minha mãe apavorada, saiu prá fora e quando viu aquilo caiu desmaiada. Meu irmão, com a máquina atolada no meio da cabeleira, com o sangue correndo pela testa, gritava feito um loco de dor. Eu, desesperado, não sabia se o levava ao hospital ou a uma barbearia. Botei o moleque nas costas e sai em busca de socorro. O barbeiro, numa operação delicada, livrou a cabeça de meu irmão da maldita máquina. Ele olhou demoradamente para mim decretando seu cruel veredicto, enquanto colocava mercúrio e esparadrapo no ferimento da cabeça de meu irmão: - Guri, nunca mais pegue numa máquina de cortar cabelo, ela é uma arma perigosa em sua mão! Morreu, então aí, o desejo meu de ser barbeiro. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 20 de outubro de 2013

TIRO DE SAL E PIMENTA NAS COSTAS.

- Você já experimentou colocar sal na ferida? Colocar pimenta no fiofó? Então, com certeza não imagina a dor filho de uma puta, que isto representa. Não imagino, nunca fiz, mas contaram-me isto. O campo de beisebol japonês achava-se próximo da primeira mata, não muito distante da cidade. Era chamada de primeira, porque este capão de mata virgem localizava-se um pouco antes do segundo capão, que ficava mais além. Bem, o campo de beisebol encontrava-se também tentadoramente próxima a uma chácara. Nesta chácara plantava-se cana para a fabricação de rapadura. Todo moleque gosta de mascar uma cana. No campo de beisebol era proibido, para a molecada, praticar futebol, da mesma forma que o chacareiro proibia a retirada de cana. Embora sob o protesto veemente do casal de japoneses, que morava ali a fim de cuidar do campo, a molecada, inclusive eu, sempre praticava as gostosas peladas. Da mesma forma que era terminantemente proibido a retirada de cana da chácara, mas a molecada roubava mesmo assim. Tudo que é proibido tem um sabor diferente. É mais tentador. Requer estratégia para a execução. Pelo que tenho lembrança do campo de beisebol, foram muitas correrias com ameaças, ditas em língua estranha, pelo casal de nipônicos. Do canavial, bem do canavial vou relatar agora. Quase sempre, em final de tarde, lá ia o bando, com bola debaixo do braço, para o campo de beisebol. A estratégia era, enquanto o menos fanático por esporte, tentava ganhar tempo, negociando com o casal nipônico, o restante, com um olho na negociação e outro na bola, jogava futebol naquele enorme campo. Uma vez que a negociação tinha chegado ao final sem o resultado pretendido, e com o negociador desesperadamente em fuga, a turma se punha em desembalada correria. Passavam pelo canavial, e tal qual um grupo destemido de combatentes, cada qual empunhando sua arma, desfilavam alegres de volta para casa com uma rama de cana de açúcar nos ombros. A coisa funcionava assim: Um guri ficava de vigia, só como observador, enquanto restante praticava o delito. Muito tempo a coisa funcionou bem - o vigia, num eminente perigo, dava o sinal, e a molecada saia, feito uns filhos de uma puta, correndo do canavial. Mas um dia... O desclassificado, o inconseqüente chacareiro, colocou de tocaia um jagunço armado com um espingarda de dois canos. O cerimonial aconteceu como sempre: - a molecada correndo do casal nipônico, mostrando a língua, abaixando os calções para mostrar a bunda, e fazendo o arrastão no canavial. Naquele dia o vigia não teve tempo de avisar. A emboscada estava pronta. Um tiro fez se ouvir, logo em seguida o outro. Muita correria, e a gritaria da molecada. Descarregada a arma o mal pago vendo aquela multidão de moleques gritando, assustou-se, e se escafedeu embrenhando-se no canavial. Lá de cima eu assisti tudo sem nada poder fazer. Moleques apavorados em fuga para um lado, e jagunço desesperado para outro. Na batalha, infelizmente houve duas baixas; Um moleque e a bola de capotão. O infeliz desvalido, todo mijado e cagado, gritando feito um condenado, era trazido carregado por dois companheiros. Tinha levado uma carga de sal grosso nas costas. A bola estraçalhada ficou para trás. Com uma bandeira branca, pedindo paz, pedindo trégua, levamos o ensangüentado gritão até a porta da casa do casal nipônico. A japonesa deixou de lado seu papel de fiel guardiã para assumir papel de mãe e enfermeira. Esfregou as costas do moleque com uma grossa escova, e com uma pinça de madeira, que mais tarde descobri que era o hashi, retirou, um a um, os grãos de sal encravados na pele do desesperado e ensangüentado moleque. Seus gritos, como uivos, até hoje ainda podem ser captados pelos potentes microfones da NASA. Não sei se a japonesa rezava, se esbravejava, se xingava ou reclamava, mas acabei entendendo que um tal de Buda, que gosta muito de cana e que não gosta de moleques e de futebol permitiu que o capeta atirasse. Diz a lenda que o jagunço ficou mais desesperado ainda quando descobriu que o moleque abatido era seu próprio filho, e que a bola pertencia ao filho do chacareiro. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

URUBU NO CINEMA

Estes animais empenados, que vivem soltos pelas alturas, chamados urubus, são feios e sujos, mas com muitos truques para sobreviver no seu dia dia. O urubu, por ser analfabeto de pai e mãe, e desajeitado, foi cruelmente descriminado pela fauna, e por isso, para se manter, anda virando os lixões e comendo carniça por aí. Para espantar os predadores, e se refrescar defeca e urina nas próprias pernas. Quando alguém tenta pegá-lo, santo deus dos céus! o filho de uma puta, para aliviar, expele o excedente da enfedorentada carga de carniça, que está no bucho, usando contra o inimigo como bomba de efeito moral. Um urubu bem emplumado, e com a carniça armazenada na moela, pesa mais de vinte quilos. Se você quiser ver um desses planadores nervoso e enlouquecido, coloque-o em uma gaiola. Aí, nessa situação, o seu grasnado é pior que música punk pancadão. A pacata cidade de Venceslau, lá pelos idos de cinqüenta, era pequena, mas não deixava de ter a molecada que gostava de aprontar umas e outras fazendo mil diabruras e molecagens. No meio deles tinha um, que em especial se sobrepunha pela esperteza, e cruel capacidade de aprontar poucas e boas. Vou chamá-lo aqui de Bagre, visto que hoje é pessoa de renome e imaculada figura na região. Qualquer coisa de sacanagem que acontecesse na cidade, sem erro de errar, o povo apontava para o Bagre. - Foi o Bagre! não vi, mas posso afiançar que foi ele. O tal de Bagre era terrível e implacável. Só não estava preso por falta de provas, e porque a molecada muitas vezes se aproveitava da fama dele para aprontar algumas também. O currículo do Bagre, no quesito sacanagem, era de causar inveja para qualquer Tom Sawyer ou pica pau. Se aconteceu alguma coisa de errado na cidade, não tinha erro, era senso comum: - foi o Bagre! e pronto. E o Bagre não deixava de se divertir com isso. Naquele sábado a primeira seção do cinema estava para iniciar. A fila do lado de fora, para a segunda seção, se perdia dobrando a quadra. O calor, dentro do cinema, de 40 graus era insuportável, e as madames com seus leques abertos ventilavam o rosto maquiado. O perfume abanado de mil essências parecia de uma floricultura. Foi dado o sinal e pontualmente as dezenove horas a seção teve início. Olhos atentos na tela, e mil mãos de casais apaixonados, se afagavam timidamente em caricias tantas. O filme era de suspense, e uma coisa estranha começou a fazer parte do espetáculo exatamente no delicioso momento em que cada um, na sua poltrona vendo o filme, tremia de medo, com o cu na mão. Foi assim que aconteceu. Durante a exibição do filme, de repente, como numa visão infernal de terror de final dos tempos, ouviu-se o som estranho dum punk gralhando desesperado, e imediatamente exalou-se pelo recinto um cheiro horrível de merda temperado com urina. O povo sem entender das modernidades dos filmes do seu tempo, imaginaram que fossem cenas reais acompanhando o filme. O plac plac cadenciado das asas pretas de enormes asas, mijando e cagando não só nas suas pernas, mas nas cabeças dos espectadores deu um toque maior de realismo. Mas quando a ave negra pôs prá fora o excesso de carga putrificada de suas entranhas é que o povo se deu conta da merda em que se encontravam. O enorme urubu venceu o espaço, que ia do banheiro a tela, em poucos segundos, o suficiente para fazer o maior estrago ao passar pelo público, e depois ao se chocar violentamente rasgando a tela de exibição do filme. O povo gritava desesperado com as narinas tampadas pelos dedos; Nem Dantes conseguiu tamanha clareza ao descrever o inferno como aquilo que aconteceu no cinema. Depois de algum tempo é que o dono do cinema se deu conta do que estava acontecendo. Trancou imediatamente todas as portas, acendeu as luzes e gritou pelo alto falante: - Bagre, você está fodido! a policia está aqui e vai te prender! Enquanto o povo em desespero se entreolhava na busca do filho de uma puta que fez aquilo, recebia descarga de mais urina e mais merda do urubu que desesperado sobrevoava procurando uma saída. - Bagre "têge" preso! não adianta se esconder seu vagabundo desordeiro! Enquanto a polícia gritava pelo nome do meliante, o fedor do ambiente aumenta, e franzinas mulheres fedidas desmaiavam aqui e acolá. O Tiro de Guerra veio para organizar a bagunça e definiu: - Primeiro as mulheres grávidas, os anciãos e por fim os marmanjos! Queriam por toda a lei finalmente pegar o Bagre. O Bagre realmente estava sem saída. Estava literalmente fodido. O urubu finalmente cansado, trombando novamente contra a tela, foi pego desacordado e levado pelos policiais para prestar esclarecimentos. E o calhorda desordeiro que aprontou a encrenca não tinha sido encontrado ainda. E a pergunta que todos faziam: - Onde está o Bagre? A fila indiana enorme era passada em revista. Por falta de tela a segunda seção foi cancelada. Depois de muito tempo, quando a última vítima cagada e fedida era passada em revista, as autoridades puderam realmente verificar que, vasculhando todo o ambiente, o Bagre se escafedeu. Decepcionados, tanto os donos do cine como a autoridades policiais, ficaram ao descobrir, ali mesmo na confusão, informados pelo chefe de estação de trem, que no dia anterior o Bagre tinha tomado o trem rumo a São Paulo. Como a norma jurídica tem como característica a generalidade, ou seja, é aplicada igualmente para todos, e não havendo o suposto transgressor humano, o delegado optou por prender o urubu por invasão de propriedade alheia e causar tumulto generalizado. Diz a lenda que ele morreu triste acorrentado. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 6 de outubro de 2013

UM CORPO NO NECROTÉRIO

O defunto, meio morto meio atordoado, ainda teve forças para mostrar para mim, com o dedo da mão direita, um gesto obsceno. O necrotério sempre foi, e sempre será para mim, um lugar fúnebre, agourento; É um lugar de arrepiar os pelinhos do anus, pois ali jamais poderão ser realizadas festas, bacanais e outras coisas alegres da vida. Ali tudo é morto. É um lugar despido de qualquer coisa, não tem televisão, rádio, telefone, cadeiras, revistas para ler, nem um quadro, nada mesmo, a não ser uma mesa, de fria pedra, para deitar confortavelmente pelado o vivente que acabou de esticar a canela. É um lugar tétrico e mal cheiroso - cheira normalmente a formol. É um espaço que fica afastado, e pertence normalmente a um hospital. É um lugar que o cadáver, depois de sacrificado pela morte, espera a visita do legista e da polícia. O legista para constatar que realmente o dito cujo esticado se escafedeu desta vida, e a polícia, no caso do defunto estar vivo, prendê-lo por ele estar simulando a própria morte. Eu não tenho medo de fantasmas, de cemitério, de escuro, de boi tatá e outras fantasias e medonhas histórias que contam por aí, mas do maldito necrotério, este lugar sim, me dá calafrios. Este lugar faz mal para meu estômago e para minha vista. Não suporto ver um exibicionista cadáver despido, e muito menos chegar perto em carinhosas apalpadelas. Qualquer coisa morta causa-me repulsa, até mesmo o corpo sem vida de uma mosca. Pelos idos de um mil novecentos e sessenta e cinco São Mateus era uma pequena e pacata cidade do interior do Paraná. Poucos habitantes e poucas notícias. Numa madrugada fria de domingo o cadáver, de uma infeliz criatura acidentada, acabou, já sem vida, dando entrada no hospital, e levado direto ao necrotério para averiguações de praxe. Naquele dia, já bem cedo, meu sogro e eu, em visita de caridade aos enfermos, fomos guindados pelo enfermeiro para uma ajuda nada costumeira. Levou-nos até ao necrotério. - Estou sozinho e necessito de uma ajuda de vocês, disse-nos ele enquanto o seguíamos. Eu não conhecia e nem sabia que existia tal lugar, mas quando ele abriu a porta e vi um corpo, de avantajado tamanho, desnudo, ensangüentado, inerte na maca, só não desmaiei despencando ao chão porque me grudei no batente da porta. - Preciso que vocês me ajudem a colocar este corpo na mesa de pedra! falou calma e normalmente o enfermeiro como se aquilo fosse uma atividade simples e rotineira. Meu sogro imediatamente tomou a frente e ordenou: - Mario, você pega por debaixo da cabeça, eu pego por debaixo da bunda e o enfermeiro pega pelas pernas! Eu vi aquele filho de uma puta morto rindo para mim, com olhos em piscadelas dizendo: - Pega em mim seu cagão medroso! Fiquei petrificado fundido no piso. - Por que será que esta maldita cidade ainda não acordou? perguntava-me alucinado. Eu divaguei desesperado, congelado, com os pés preso no piso, olhando aquele corpo morto, mas que ria descaradamente de mim. Olhando aquele cafajeste defunto fazendo troça de mim, pedia ajuda dos céus: - Meu Deus, por favor acorde alguém e traga-o até aqui! Com certeza a população dormente, preguiçosa estava deixando escapar um grande acontecimento; - "Cadê as pessoas curiosas, apinhadas na porta do necrotério"? eu perscrutava incrédulo. -"Se este povo dorminhoco estivesse acordado não faltaria mão de obra fúnebre para esta logística necroterial". O medo e a fé fizeram com que continuasse a minha oração. - Meu Deus! Responda-me! por que não aparece nenhum filho de uma puta para transportar, da maca até a mesa, este corpo maldito sem vida? Por que? Em vão para o infinito céu eu gritei, mas Deus, por certo também estava dormindo ou com repulsa do morto, mas o certo mesmo, este deus queria é mesmo foder com minha tranqüilidade. O indecente peladão sem vida, parecia ler meus pensamentos, e arrogante, gozador, tripudiando gritava para mim: - Pega em mim seu covardão! Passe em meu corpo gelado sua mão quentinha! Vamos, venha! teu sogro está esperando! Meu sogro posicionado com a mão por debaixo da bunda do miserável defunto sinistramente ordena; - O que você está esperando, pega logo aí! Não tive outra saída, fiz uma careta de nojo para o morto, posicionando uma mão por debaixo da paleta fria do cadáver, e outra por debaixo da cabeça, deixando seu braço solto, caído por entre minhas pernas. Quando levantamos aquele corpo frio, mole feito uma gelatina, eu juro que vi, ouvi e senti, embora meu sogro rindo disse que não. Mas eu senti, sim eu senti primeiro estranhamente aquele braço frio roçando por entre minhas pernas, e daí senti que o filho de uma puta cadavérico tarado, amassando meus grãos, grudou no meu cacete; O maldito olhou cinicamente para mim, e em riso histérico disse: - Céus! que bofe gostoso! Vem comigo meu bem! Com aquele imbecil tarado, rindo em piscadelas, com seu braço frio no meio de minhas pernas, não tive outra alternativa que abortar a operação deixando-o pendurado nos braços do meu sogro. E lá fui eu, em desembalada correria, abandonando o imundo lugar, tentando limpar minhas mãos na calça. Arisquei uma olhadela parta trás, e vi meu sogro furioso tentando recolher o morto que acabou caindo ao chão. O defunto, meio morto meio atordoado, ainda teve forças para mostrar para mim, com o dedo da mão direita, um gesto obsceno. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 22 de setembro de 2013

MIJANDO NA BUNDA DA NOIVA

E ela pensou que aquilo fosse normal. O casamento antigamente era, como regra geral, um compromisso, sério, inviolável e obedecia, até chegar ao pé do altar, procedimentos rigorosos. A noiva casava virgem e só ia ter contato com a coisa dura na lua de mel. Deus quando criou o mundo fez com que houvesse exceção em tudo, por esta razão, mesmo na antiguidade, quando o namoro era debaixo de mil olhares, a cobra sorrateira dava um jeito e se escondia na toca, e assim muitas noivas acabavam casando grávidas. Aos homens era dado o direito de freqüentar as escolas de sacanagem desde o primário até se doutorar nos prostíbulos. Tinha ótimas professoras lá. Os próprios pais levavam seus filhos e os entregavam as putas dizendo: - Ele é donzelo ainda! pode tirar a virgindade dele! No casamento que vou descrever aqui eu não estava não, mas escutei, um dia, a fulana contando em detalhes sua noite de núpcias para minha mãe. Vamos aos fatos então. Ela, meninota virgem de dezessete anos, provavelmente acreditando ainda na cegonha, e ele moço experiente de 25 anos, pós doutorado em putaria, e com passagem por diversos puteiros, estavam celebrando o casamento que acabava de acontecer. O dia morria feliz abençoando o casal, e a noite os abraçava ansiosa esperando pelos primeiros afetos dos dois na cama. Tudo era muito simples. O quarto dos dois estava preparado. O colchão de casal na cama patente, preparado com palhas de milho bem escolhidas, foi um presente de uma amiga dela. Tudo estava impecável, e até o urinol novinho brilhava debaixo da cama. Como em toda festa de casamento a cerveja não pode faltar, neste casamento a Brahma Chopp correu solta de boca em boca. Gritos bêbados de viva os noivos se ouvia aqui e acolá. Entre uma dança e outra a noivo entornava um caneco de cerveja. Já quase chamando Jesus de Genésio se despediu dos convivas, e arrastou a noiva para os aposentos do sangramento. Logo após o ato ele tinha que pendurar o lençol manchado de sangue na janela. Bêbados e não bêbados, os convivas se assentaram aguardando impacientes a janela se abrir. E o tempo passou. E a janela naquela noite não se abriu, e os convivas, nos diz que diz, envenenavam a situação colocando dúvida na virgindade da noiva. Um a um foram de arrasto, cambaleando ou carregados para casa. Na realidade o que aconteceu foi o seguinte. A noiva virgem se apresentou nua e despida, e continuou virgem nesta noite por incompetência do noivo. O noivo em alta dosagem viu embaçado duas lindas noivas peladas, e se pinchou no meia das duas caindo fora da cama. A noiva com muito custo colocou o brutamonte em cima da cama retirando seus sapatos, calça e camisa. Não quis retirar a cueca porque esta cena seria dantesca demais para ela. O noivo roncava feito um doido, e ela timidamente se aconchegou junto a ele. Lá pelas tantas ela sentiu a coisa um pouco mais volumosa pressionando sua bunda e pensou: - Ai Jesus, me proteja, talvez seja agora! Um pouco de esfregação, e alguns resmungos dele. Não levou muito tempo e ela sentiu sua bunda aquecida. Aquecida e molhada. Como ela nunca tinha tido relação sexual ou que alguém orientasse ou dissesse alguma coisa a respeito disso, imaginou que aquilo era normal. O processo levou mais de um minuto até que ela percebesse realmente o que estava acontecendo, e assim puteada, vendo que ele ainda dormia, gritou chorando. - Seu safado, sem vergonha, você me urinou toda! A situação era calamitosa para o noivo bêbado. Além de ter urinado na bunda da noiva, encharcou todo o colchão, alagando completamente o quarto. O povo de manhã, não entendendo bem o que tinha acontecido, ao invés do lençol tingido de sangue, depararam com um colchão pendurado na cerca. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

CORRENDO ATRÁS DO VENTO: O DESASTRE DA PRIMEIRA VEZ

CORRENDO ATRÁS DO VENTO: O DESASTRE DA PRIMEIRA VEZ: Fiquei confuso e não sabia o que fazer. Fiz do jeito que entendi, e acabou dando em merda. Em meados dos anos cinqüenta, as emissoras...

Mario dos Santos Lima

terça-feira, 17 de setembro de 2013

O DESASTRE DA PRIMEIRA VEZ

Fiquei confuso e não sabia o que fazer. Fiz do jeito que entendi, e acabou dando em merda. Em meados dos anos cinqüenta, as emissoras de rádio eram já mais modernas que as de trinta. O estúdio era composto por uma cabine de locução, que ficava hermeticamente fechado, onde o locutor fazia seus comentários e anúncios musicais. A mesa de som ficava logo a frente da janela de vidro para facilitar o controle, e leitura dos sinais que o locutor fazia para o técnico de som. O técnico de som era o indivíduo multifunção que tinha que estar com um olho no locutor, e outro nos pratos do toca disco, com as mãos prontas para acionar o vinil, - que poderia ser de sete, deis e doze polegadas - e jingles comerciais, e também com o ouvido atento aos telefonemas dos ouvintes pedindo músicas. A mesa de som era uma parafernália dos diabos com dois pratos para tocar os discos de vinil, jingles, e botões para fechar ou abrir o som da cabine do locutor, e outros dispositivos para alterar a rotação dos discos para trinta, quarenta ou setenta e oito rotações. Era uma academia de contorcionismo. Atrás da mesa de som, uma infinidade de discos de vinil, na vertical, separados por estilos de músicas, que obrigatoriamente tinha que ser memorizado pelo técnico de som. Os jingles ficavam empilhados a sua frente para facilitar o manuseio. Comparado aos dias de hoje era como se você entrasse, pela primeira vez, numa cabine de um jato, e tentasse decolá-lo. Ainda virgem, saído do seminário, tive que garimpar um emprego para receber proventos para meu sustento primário. A estação de rádio pertencia a um dos sócios de meu pai, e por conta disso, todo o processo de recrutamento, e seleção foi simplificado com a frase: Você está empregado, e vai apenas passar por um treinamento para assumir a mesa de som. Fiquei feliz, e imediatamente comecei o projeto de meus sonhos futuros. Não pretendia ser um Roquete Pinto, mas almejava sair na capa da revista do rádio. Sonhava em ser famoso. Hoje, quando entro em uma missão difícil e complicada, sempre me coloco superior e enfrento com galhardia o desafio proposto. Não tenho medo. Eu gosto, e me saio bem. Mas, naquele dia, quando entrei naquele estúdio, e vi admirado como o cara, feito um doido, resolvia magistralmente tudo, me perguntei imediatamente apavorado: - É no lugar dele que vou ficar? Tô fudido! Arrepiaram todos os pelos de meu saco, e um frio desconfortavelmente subiu do meu fundilho indo safado morar na minha nuca. - por Deus que não conseguirei! foi minha conclusão que direcionei desastrosamente para meu cérebro. Quando a gente pensa negativamente o universo inteiro conspira contra nós, e então a coisa não dá certo mesmo, e a gente se fode de verde e amarelo. E eu me fodi. Dois dias foi o tempo de meu treinamento. O maldito técnico de som, que era meu instrutor, trabalhava alucinado dando as mil e uma explicações do que estava fazendo, e dos cuidados que eu tinha que ter com isso e com aquilo, mas sem me colocar na atividade prática. Um procedimento complicado do caralho! Na teoria eu consegui captar perfeitamente a coisa, mas a maldita prática, sem a prática, foi me deixando cada vez mais apavorado. E foi assim que o filho de uma puta de meu instrutor, o dono absoluto do posto, no terceiro dia, talvez por um desarranjo intestinal, me colocou em sinuca enviando um bilhete qualquer, endereçado ao gerente da estação do radio, com a seguinte lacônica instrução. - Não poderei ir hoje, mas o processo de continuidade não será quebrado porque o Mário já sabe tudo! O filho de uma puta trabalhava há mais de dois anos nesta função, e o corno pensou que em dois dias eu fosse mágico capaz para absorver os dois anos de prática dele. Tremendo feito vara verde num vendaval, sentei na cadeira onde nunca havia sentado antes, e que jamais deveria ter sentado naquela situação. Olhei confuso,e tentei começar a tarefa, que para mim naquele momento era radical. Mas, antes tive que levantar de imediato por complicações de afrouxamento do tubo digestivo. Atrasei a abertura do programa por mais de dez minutos porque tive que trocar de cueca por duas vezes. O locutor colocou um fundo musical, e ficou me aguardando. Finalmente cheguei, sentei-me naquela cadeira, olhei agora de frente tudo aquilo, e fiz uma oração: - Que Deus me proteja e que o diabo esteja longe. Eu acho que Deus, zangado ainda, por eu ter abandonado o seminário recolheu todos os seus anjos do recinto. Não quis me ouvir, e por esta razão deixou o capeta tomar conta da situação. O capeta ficou feliz, e fez de tudo para ver o circo pegar fogo. Respirei fundo, fiquei confuso sem saber o que fazer. Consegui, com muito custo, meter o dedo num botão qualquer e colocar o som na cabine. O locutor iniciou então sua locução dando o sinal que pediria uma música. Busquei o vinil; por sorte minha, era música tocada a todo instante com Nelson Gonçalves. Com alivio, sabia onde se encontrava o maldito. Posicionei o vinil no prato com a agulha no ponto para iniciar a música. O locutor anunciou finalmente a canção que seria uma dedicação de uma fulana apaixonada para o seu homem. Ele deu o sinal, e eu fazendo o sinal da cruz, fechando os olhos, liguei o toca disco. Início do desastre! Esqueci de mudar a rotação de quarenta e quatro para setenta e oito. Nelson cantou rápido e fininho tal qual um castrado. Percebi o erro, e incontinente troquei a rotação. O erro permaneceu, não me ocorreu trocar a agulha. Afobado meti a mão no vinil, riscando e detonando o disco. No desastre meus dedos acabaram tocando o botão do liga e desliga, fazendo o som retornar para a cabine. O locutor, de olhos arregalados, não percebeu que agora ele estava ao vivo, e vendo enlouquecido tudo o que acontecia gritou, para mim e para os ouvintes: - Puta que pariu! Caralho! Que merda está acontecendo aqui? Na praça principal da cidade tinha um alto-falante que transmitia toda a programação da rádio. E, ouviu-se em uníssono, naquele momento, por toda a cidade um Ohhhhhh! que se prolongou em sinal de protesto perdendo-se no universo. Finalmente tive um momento de lucidez e sem querer acabei retirando a estação de rádio fora do ar. Imagine um cara exigente, meticuloso, que quer tudo em ordem e tudo nos conformes! Conseguiu agregar? Pois este era o gerente da estação de rádio. Imagine agora um cara fudido, transtornado, virado num dragão caolho, sem uma perna, com os grãos do saco espremidos, e soltando fogo pelas ventas! Imaginou? Pois este era o gerente da estação, travestido, que vi entrando no estúdio naquele momento. Ele fazia merchandising da rádio na cidade, e quando ouviu a catástrofe situação retornou incontinente, feito um louco, entrando alucinado no estúdio; Estupidamente desrespeitou-me como o filho do patrão, colocando-me sem cerimônias para fora da mesa de som para assumir minhas funções. Saí de fininho, e nunca mais voltei, nem mesmo para receber parte de meu salário. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 8 de setembro de 2013

ORIGEM DO TROVÃO

Eu, quando guri, sempre brigava com as malditas nuvens que vomitavam chuva. Dizem que de louco e físico cada um tem um pouco, mas disso tudo eu fui lesado. Definitivamente não sou físico, mas vou explicar de como eu entendia, quando criança, aquele barulhão filho de uma puta que acontecia lá nas alturas do céu. Muito das coisas aprendi com minha mãe. O trovão já era tema de muitos estudo pelos antigos filósofos e, segundo pesquisa, foi Aristóteles, pai que era de muitos filhos, ao ser inquirido a origem do trovão, imediatamente, para se livrar da molecada, deu uma explicação plausível sobre a barulheira toda que acontece lá pelos altos.. Ele disse para seus filhos, e depois dizia para seu alunos, que o trovão é o som provocado pela trombada das nuvens umas contra as outras. Era bem engraçado, mas eu imaginava as nuvens como carros, soltos, desgovernados, de um lado para outro, lá nas alturas. Quando era guri pequeno entendia que as nuvens eram dirigidas pelos anjos e almas boas que moravam nela, mas pelo jeito traquinas, e com pouca experiência no trânsito, provocando assim as focinhadas das nuvens. Lendo Aristóteles fico imaginando, nestes choques violentos das nuvens, os anjos e almas caindo lá do alto. Talvez seja por isso que anjos e almas nascem novamente ou vem povoar as casas mal assombradas. Tenho uma vaga lembrança de uma aula de física que assisti, na qual o professor dizia que, o trovão é um evento, que acontece pela velocidade incrível do raio, que vai passando, e rasgando tudo pelo caminho criando um vácuo super aquecido que acaba explodindo. Depois desta aula, eu olhava para o céu nublado e via o raio, sendo montado por um imbecil qualquer - uma dessas almas que não tem o que fazer. O raio xucro, querendo derrubar a alma inoportuna, galopava feito um lazarento, como se tivesse pimenta no fundilho, peidando feito um doido. Corcoveia daqui, corcoveia dali! Corcoveava e ao passar corcoveando em alta velocidade, provocava uma confusão entre as nuvens, as quais ao se chocarem, derrubavam muitas almas e muitos anjos, em forma de chuva na terra. Os urros nas nuvens, na realidade eram os gritos de desespero das almas que tentavam se segurar para não caírem. Uma vez alguém me disse que o trovão é um gigantesco empurrão de ondas sonoras. Eu olhava para as nuvens, e via as almas mais saradonas surfando estas ondas, e com isto provocando o som do trovão. De todas estas figuras, entre Aristóteles, professor de física e outros, a minha mãe foi a que mais me convenceu com sua sábia teoria. - Meus filhos, dizia ela explicando a origem do trovão, é São Pedro lavando o céu e afastando os móveis. Imediatamente eu imaginava a nossa casa sendo lavada. E continuava ela na sua didática explanação: - A chuva é a água que São Pedro lava o céu. Quando a nossa casa era lavada, eu via debaixo do assoalhado a água vazando pelas frestas em forma de chuva. Era a prática na teoria. Eu sempre imaginava todos os santos e anjos empurrando, de um lado para outro, os imensos móveis lá no céu. Pelas frestas do assoalhado do céu eu via a água que corria em profusão. Quando trovoava, incontinente pensava: - Lá vem a turma fazer faxina! Ao ameaçar um temporal, minha mãe imediatamente nos punha por debaixo da mesa, e corria, medrosa, queimar alguns ramos verdes. Ela dizia para nós, justificando a mesa como proteção: - Quando estão lavando o céu é muito perigoso para nós as coisas que acabam caindo lá de cima! De fato, as chuvas de pedra me davam medo. Para minha mãe era apenas o medo do temporal destelhar a casa, e cacos de telha cair por cima de nossas cabeças. Ainda hoje, quando avisto alguma nuvem que passa sorrateira, rápida, ziguezagueando pelo céu, com saudade vejo minha mãe toda feliz brincando nela. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 31 de agosto de 2013

SENTA QUE O LEÃO É MANSO!

Isto vai dar merda! Minha mãe era especialista, entre muitas coisas, a de contar piadas e causos engraçados para nós. Eu me acercava dela e me divertia, me deliciava pelo modo como ela fazia a narrativa; Era uma verdadeira atriz nas representações, nos trejeitos e nas caretas. Suas palavras eram mágicas, e eu conseguia ver as cenas como se dentro delas estivesse. Ela contou muitos causos e nos divertiu muito. Muitos deles ela criou, outros ela retirou do almanaque de farmácia. Tenho na lembrança muitos deles e vou me deliciar como se ao lado dela estivesse ouvindo seu falar, suas graças e seu riso solto, na causo lúdico, ou talvez medonho, de um circo. Ela sempre começava assim: Era uma vez. Se acocorem, sentem-se onde der, e ouçam a história que ela um dia me contou! Era uma vez um rapaz muito relaxado que andava maltrapilho, não porque não pudesse se vestir bem, mas porque desta forma gostava de se apresentar. Muitas vezes acabava dando vexame mostrando aos outros as partes íntimas que não deveriam estar em exposição. Uma vez de cócoras, jogando bolinha de gude, deixou dependuradas ao relento suas bolas. O balançar daqui e dali despertou o apetite de um gato que por ali passava e nhac, cravou com os dentes uma das bolas. O rapaz deu um berro, impulsionando um salto mortal levando consigo o gato grudado na bola. Muitos dias tiveram que passar até a completa cura de seu grão perfurado e inchado, mas mesmo assim ele não aprendeu a lição, e deixava os ditos cujos de seu saco livre para quem quisesse ver, ou para provocar repudio de virgens e viúvas santificadas. As meninas evitavam se aproximar dele, e por isso o apelidaram de o "saco pelado". Um dia apareceu na cidade um circo. Era um circo com muitos animais, e o espetáculo principal era o domador de leão exibindo-se dentro da jaula, fazendo o rei da floresta obedecê-lo e urrar violentamente. O saco pelado deu um jeito, e conseguiu furar o cerco dos vigias adentrando sorrateiramente no circo. O picadeiro estava circundado pela arquibancada, em tábuas de madeira, que recebia milhares de bundas, que se assentavam aguardando o início do espetáculo. O saco pelado olhou perscrutando um lugar para acomodar seu fundilho quase desnudo. Olhou aqui, olhou acolá, e vislumbrou um lugar. O lugar tinha sido rejeitado porque era o encontro de duas tábuas, gerando assim um certo desconforto bundal. O saco pelado não pensou muito, foi lá e se assentou folgadamente, de saco solto, como sempre se assentava. - Minhas senhoras e meus senhores agora o ponto alto do espetáculo! gritou no meio do picadeiro o dono do circo. Abriu-se a cortina, e trouxeram para o centro do picadeiro uma jaula com um leão enfurecido. Do lado de fora o domador vinha estalando o chicote. O povo medrosamente aplaudiu A portinhola da gaiola abriu-se dando permissão para a entrada do valente domador. O leão esfomeado pensou: - Lá vem este filho de uma puta novamente estalando este chicotinho de merda! Urrou ameaçando dar um tapinha no domador. O povo em silêncio, roendo a unha pensava em uníssono: - Isto vai dar merda! E deu. O leão deu uma dentada no braço do seu tirano carrasco, sentou em cima dele dando uma bela mijada. Com duas patadas destruiu a jaula, e se pós na arquibancada no meio do povo, que em pavorosa de pé tentava se livrar da fera. E o leão enfurecido com um tapinha aqui, uma abocanhada ali, ia se suprindo de pedaços de carne humana. E o povo, em debandada correria, gritava desvairado. No meio da confusão, uma voz desesperada se ouviu clamorosa: - Sentem que o leão é manso! eu conheço este bichinho! Mas ninguém o escutava. O povo ao levantar fez com que as tábuas envergadas voltassem ao normal juntando-se uma as outras, deixando do lado de baixo os grão do saco pelado. Ele sentado, com o saco preso entre as tábuas, continuava gritando desesperado. - Sentem por favor, que o leãozinho é manso! Mas o leão, não estava nem aí, uivava, fazendo a festa. O saco pelado nunca mais foi visto, apenas encontraram dele os grãos preso debaixo da arquibancada. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 24 de agosto de 2013

Sempre gostei dos animais de um modo geral. Já tive até um cavalo, fruto que foi da troca por uma bola. Era tão velho, e desdentado que o infeliz acabou morrendo, no portão de minha casa, logo após a permuta. Era menino ainda, e pedia insistentemente ao meu pai um cachorro, para que eu pudesse com ele brincar pelas pradarias, pular valetas e se banhar nos riachos. Seria meu companheiro para todas as horas, e dormiria no meu quarto ao pé da cama. Meu pai resistia a idéia. Não queria ter mais uma boca para alimentar, e também não queria aumentar os latidos e uivos noturnos de que a rua era campeã. Mas eu não abandonava meu desejo. Meu sonho era ter comigo este companheiro. Vivia arquitetando em sonhos como seria nossos folguedos. Era um dia chuvoso, que despencava cinzento e friorento lá no horizonte. Meu caminhar era solitário como solitários são todos os caminhares das crianças. Absorto divagava com o meu imaginário companheiro, e nesta fantasia doida, corria alegre jogando pedaços de pau para que ele, aos pulos e feliz latindo trouxesse para mim. Flutuando meus pensamentos ao sabor do vento, andava a esmo quando ouvi, ali na valete, esquelético, sarnento, quase sem a pelagem, uivando melancolicamente um cachorro pedindo misericórdia. Olhei demoradamente para aquele animal pestilento, perdido em pulgas, e constatei que ele não representava o companheiro que tanto tinha idealizado. Alem de feio, pulguento, estava completamente combalido. Continuei olhando, e me veio na lembrança dos cuidados com que minha mãe tratava de meus ferimentos, e com que rapidez eu me restabelecia. Pensei, olhando demoradamente para o cachorro: - Vou levá-lo, e minha mãe vai tratar dele, e por certo vou ter rapidamente curado o companheiro que tanto quero. Peguei-o com cuidado acomodando em meus braços, e ele ganiu, não sei se de dor ou sabe lá Deus porque. Olhei para ele, mais uma vez agora já em meus braços e disse: - Você vai ser meu grande amigo, e companheiro! olhava condoído para ele que, quase desfalecido, se dependurava em meus braços. Meus passos eram agora mais vigorosos e rápidos. Minha ansiedade era maior ainda. Pensava nele já curado, e serelepe pulando, de um canto ao outro, nos folguedos comigo. O pensamento era tão real que meu coração se descompassou. Esbaforido cheguei em casa e fui apresentar o cão a minha mãe; Ela quase caiu de costa quando viu aquele canino quase cadáver, feito uma gelatina pendurado em meus braços, e me perguntou: - O que isto meu filho! Você trás para casa um animal sarnento, quase morrendo! O que faz ele em seus braços? Por favor, vá imediatamente tomar um banho, completou ela. - Eu o trouxe para a senhora tratar dele! - incontinente respondi. Minha mãe olhou, com seu olhar de compaixão, primeiramente para mim e em seguida para o pobre animal e sentenciou: - Mas ele está morrendo! não podemos fazer nada. Brotou em mim um desespero e gritei: - Não, não é verdade! ele é meu companheiro e não vai morrer! E eu continuava sustentando o animal em meus braços. Minha mãe se acercou de nós, colocou sua mão em meu ombro, e partilhando de meu sofrimento não disse mais nada. Eu desesperado, aflito, olhando o cachorro moribundo, vi, que num esforço medonho, ele levantou a cabeça, olhou-me com um olhar de felicidade, lambeu minha mão, pendendo morto sua cabeça em meus braços. por: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 10 de agosto de 2013

UMA SAUDADE, UMA ESPERANÇA E UMA LÁGRIMA

UMA SAUDADE, UMA ESPERANÇA E UMA LÁGRIMA Lá estava ela, arquejada, maltrapilha, sentada a beira da praia, impassível de olhos perdidos no horizonte, e de mil pensamentos misturados com o murmurar das ondas. Seus cabelos brancos e em desalinho, brigavam com a brisa úmida do mar. Absorta, perdida no tempo, ninguém a tirava daquele lugar. Seu único filho, no vigor dos seus 18 anos fôra convocado para lutar numa tal guerra bem longe dali. Em súplicas ela tinha desesperadamente implorado ao general que não levasse seu filho. Ela era viúva e clamava de mãos postas, lágrimas nos olhos e de olhar fixo no dele. Quase se ajoelhando pedia com insistência: - Não leve, não leve meu filho! Ele é meu tesouro, o único que tenho! Por favor meu senhor, tenha piedade de mim! - A pátria precisa dele, respondeu o implacável general. O jovem todo orgulhoso ansiava pela partida. Para ele era a coisa mais linda e bela defender, em luta, a sua pátria, mas para a mãe era o perigo eminente de perder a coisa mais preciosa que ela tinha. Os dias passaram rápidos e o grande e sofrido momento chegou. O navio no cais esperava aquele bando inocente que, com certeza, estavam indo para o holocausto, por uma luta que nem mesmo eles sabiam contra quem e porquê. Todo feliz, caminhando em direção ao cais, lado a lado com sua mãe, nem percebeu as lágrimas que corriam do rosto dela. Num abraço demorado, quase sem palavras ele disse para sua mãe, beijando-lhe a mão: - Não fique triste mãezinha! um dia voltarei e ficaremos juntos, muito bem, e felizes. Mais um abraço demorado aconteceu, e muitas lágrimas em soluço se perderam. Ele em silêncio enxugou com seus dedos as lágrimas que corriam em sua face, e aproveitou para enxugar as lágrimas do rosto de sua mãe também. Olhou demoradamente para ela, num sorriso desconexo, virou-se, e perdeu-se no meio da tropa. Como cordeiros para a imolação, um a um, em fila indiana percorriam a pinguela até serem engolidos pelo navio. O navio, impassível, de bojo cheio, roucamente apita dando sinal da partida. Milhares de lenços branco acenando enquanto, pouco a pouco, ele vai desaparecendo na curva que a água faz lá mais adiante. Todos se foram, apenas ela permaneceu, por longo tempo, como que petrificada, olhando tristemente o horizonte perdido no azul do mar. Voltou tal qual robotizada para casa. Os dias, um a um, foram consumindo a alegria de viver daquela mulher. A cada barco que ancorava, a cada apito de navio rescendia nela a chama da esperança, e lá ia ela aguardar pacientemente a chegada do filho amado que nunca vinha. Um dia, bateram a sua porta. Ela abriu-a vagarosamente, e viu a sua frente um oficial do exército. Ele trazia em seus braços uma bandeira e um comunicado: - Sentimos muito, mas seu filho morreu heroicamente em combate. Perfilou, fez continência e entregou a bandeira. Num primeiro momento ela gritou, chorou, amaldiçoou e em seguida começou a gritar: - E mentira! É mentira! o meu menino não morreu! Ele disse que vai voltar! Eu sei que ele vai voltar. Dias após dias, anos após anos, resmungando palavras desconexas, lá ia ela até o cais. Sentada num banquinho tosco, permanecia o tempo todo olhando ansiosa o horizonte perdido nas águas do mar. E nessa espera, um dia, alguém a encontrou sem vida, mas viu que de seu rosto desprendia um lindo sorriso, e de seus olhos semi abertos ainda corriam algumas lágrimas.

domingo, 28 de julho de 2013

A FORÇA DE UMA PALAVRA

A palavra tem força? Eu afianço que sim, pois já passei por tal experiência. A escritora Rosenfeld já escreveu no seu artigo que "a palavra pode levantar ou derrubar, agradar ou desagradar, emocionar ou irritar, trazer para perto ou afastar. Pode ser mel ou fel, tanto para quem ouve como para quem fala". A palavra pode ser violentamente vomitada, ou então, deslizar pelos lábios como brisa suave. Conforme o som da palavra dita, ela vai fosforilando, numa dança louca, em movimentos lentos que partem da boca, e se aperfeiçoa num escutar tranqüilo. De um jeito ou de outro ela transforma. É simplesmente o resultado do efeito do movimento da asa da borboleta. Tudo pode acontecer. A vida nos surpreende. Era uma tarde fria e chuvosa. A lama teimava em sujar os calçados, e a roupa daqueles homens que abriam as valetas para alicerçar as bases primeiras da Refinaria. Um a um, vinham até mim para assinar os documentos ou recibos de adiantamento. O jovem, na fila, passou a mão nas calças para limpar o barro, e num gaguejar terrível perguntou: - onde coloco meu dedo? Olhei com assombro para ele e perguntei: - De onde você é? - Sou do Ceará, respondeu-me envergonhado, com dificuldade, atropelando as palavras. - É a primeira vez que vejo um Cearense analfabeto! estou decepcionado com você. Fui duro com ele porque sou contrário que alguém seja privado da leitura e da escrita. Sou muito mais severo e pouco tolerante quando isto aconteça com um jovem. Ele sujou o documento com seu dedo e se afastou cabisbaixo. Uma surpresa boa alguns dias depois aconteceu. Voltava do almoço e aquele gago analfabeto estancou na minha frente e gaguejando perguntou: - Você me ajuda nas minhas tarefas? - Este cara está de sacanagem comigo! pensei cá com meus botões, e grosseiramente perguntei: - Ajudar no que?. - Matriculei-me num curso de alfabetização para adultos, e tenho dúvidas, com relação a alguns deveres que o professor me passou. Quase cai de costa. Aceitei de imediato ajudá-lo, e assim dia pós dia, eu trocava meu horário de descanso pós almoço pela ajuda aquele analfabeto. Para incentivá-lo a corrigir a gagueira, falava sempre do grande orador grego Demóstenes, que à força de perseverança, ultrapassou o problema da gaguez, declamando poemas, enquanto corria contra o vento, com a boca cheia de pedras. Saí da Petrobrás e nunca mais ouvi falar do jovem gago analfabeto. O domingo amanheceu lindo, e me preparava para ir a missa no Colégio que ficava em frente a nossa casa. Alguém bate palmas no portão. - Deve ser o pedinte de sempre, comentei com a Alice. Antes de preparar os alimentos para ir entregar ao mendigo, resolvi dar uma espiadela. - Não me parece ser pedinte não! comentei. É um cara bem vestido. - Pois não? - Seu Mario, não me reconhece? Fez-se ouvir aquela voz lá no portão. Tenho alunos tantos, sou consultor, quem sabe, talvez alguém desse meio. Fui sorridente até o portão e disse: - Não estou reconhecendo você não! - Vim convidá-lo para minha formatura! - Muito obrigado, mas quem é você. Abri o portão convidando-o para entrar, e ele em tom sério disse: - Um dia alguém cutucou profundamente o meu íntimo quando disse: "É a primeira vez que vejo um cearense analfabeto" Fiquei pasmo! Que mudança! Quase não acreditei. - E a gagueira? perguntei incontinente. - Segui o exemplo de Diógenes, não com as pedras na boca, é claro, disse me ele rindo, lembrando de sua gagueira. Hoje não me recordo se foi direito ou engenharia civil que ele concluiu. Fui a formatura e pude ver, com certo orgulho, aquele formando fazendo o discurso da turma. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

quinta-feira, 25 de julho de 2013

A DELICIOSA COMIDA DE MINHA VÓ

A vontade ou o desejo é a capacidade através da qual tomamos posição frente ao que nos interessa custe o que custar. É a intenção forte levada para um determinado objetivo. É ver, por exemplo uma apetitosa guloseima e partir com tudo para conquistá-la ou saboreá-la. Minha vó Francisca era, dentre muitas qualidades que tinha, uma eximia mestre cuca. Suas deliciosas comidas, feitas com esmero e carinho, trazia não só os famintos de casa à mesa, mas também, atraídos pelo irresistível aroma desprendido das panelas de ferro da cozinha dela, os apreciadores da boa comida, que por ventura pelo caminho ao derredor estivessem passando. Ninguém resistia, muito menos o meu pai, moleque pequeno ainda. Meu vô Moises, lapiana da gema, além de cuidar dos afazeres do sítio, quase sempre, pelo seu caráter, pelo seu exemplo impecável de vida, era convidado a fazer parte do corpo de jurados. Encilhava seu cavalo e punha pé na estrada até a cidade. O sítio distava perto de légua e meia da Lapa. Muitas vezes o trabalho do conselho de sentença se prolongava noite a dentro, fazendo com que meu avô retornasse tarde para casa. No caminho ele já vinha, antecipadamente, se deliciando com a comida quentinha que minha avó preparava para esperá-lo. O trote cadenciado do animal ia paulatinamente engolindo a estrada diminuindo a distância. Nas noites de luar a lua, lá no alto acompanhava o trotear e abençoava o cavaleiro com sua luz. Nas noites escuras, ou chuvosas, apenas o piar das corujas saudava o destemido caminhante. Ao vencer a última curva da vereda, lá estava, pendurado na varanda iluminando todo pátio, o lampião a querosene. Pelo ruído do patear, e o resfolegar alto do animal, minha avó apreçava a janta arrumando a mesa, e ia ao pé da porta, no alpendre esperar sorrindo meu avô. Aos poucos o vulto escuro, lá na curva, se aproximava tomando luz e tomando forma. - Como foi o júri hoje? perguntava minha avó abraçando-o carinhosamente. - Fui escolhido novamente, respondia com um sorriso afetuoso. Tirava as botas, ajudado pela vó Francisca, lavava os pés e alargava as narinas para perceber melhor o aroma que vinha da panela e dizia. - Pelo cheiro temos aquele arroz gostoso que só você sabe preparar! não é mesmo? - E o Chiquinho? pergunta meu avô pelo meu pai. - Já está dormindo. Sempre que meu avô tardava em chegar, meu pai, fazia suas manhas, rolando e teimando daqui e acolá; Era posto a deitar pela minha avó, mas, lamentavelmente, o cheiro do tempero delicioso do arroz que ela preparava era o antídoto que vinha perturbar o sono dele. Esgueirado por detrás da porta do quarto, sondava pela fresta o momento da chegada de seu pai Moises. E a cena se repetia sempre como numa ensaio de teatro. O Chiquinho surgia da penumbra do quarto, com a cara lambuzada de sono, e os olhos morteiros de culpa pedindo clemência para sua mãe, puxava a cadeira e sentava incontinente ao lado de seu pai. - E você ainda não dormiu, moleque? Dizia sua mãe entre amorosa e brava. Sorria para meu avô como que dizendo: - Este menino não tem jeito não! Dando uma piscadela, meu avô passava a mão na cabeça de meu pai. No silêncio da noite no crepitar das brasas do fogão, e amparada pelo fumegar do lampião pendurado na parede, os dois sofregamente comiam aquele manjar preparado por mãos divinais. Minha vó, a um canto da mesa, feliz acompanhava a cena. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 6 de julho de 2013

O LADRÃO EUNUCO

Ela dá uma cutucada e grita: - Seu filho de uma puta! Para quem não sabe, eunuco não é um viado. Eunuco é, segundo relatos antigos, o servo castrado para cuidar das mulheres do rei. O eunuco não tendo condições de ter qualquer tipo de relação sexual, não poderia, por esta razão, dar umas trepadinhas nas beldades do monarca. Quanto a isto o soberano ficava tranqüilo. É claro que o castrado recebia, de quando em quando, uns trocadinhos por fora, e facilitava os tarados necessitados do castelo. Bem, a história é outra. Minha filha Izabela freqüenta um curso noturno para os semi analfabetos na língua inglesa. Do local do curso até a casa dela tem uma boa distância, pessimamente iluminada, e freqüentada por malandros e vadios cachorros que se amoitam na calada da noite. Ela desenvolve ações sociais, e é portadora de um bom coração. Adotou, por segurança, um desses vadios quadrúpedes desta rua. O adotado, já sabia o horário do final da aula, deixava o coral de uivos e vinha para frente da escola esperar minha filha. Com um olhar de puta velha carente, de rabo abanando, ficava de olho na porta de saída. Ela saia e ele a acompanhava até a entrada de seu condomínio. Tudo isto ele fazia por conta de um pedaço de pão ou bolacha. E o inesperado aconteceu. Amanheceu um dia incrivelmente frio e chuvoso, e o maldito chuvisqueiro não parou hora alguma. A aula de inglês termina, a porta se abre, e lá estava ele, todo molhado, feliz abanando a cauda. Minha filha, debaixo do guarda chuva, arremessa um pedaço de pão, passa a mão na cabeça dele, e a largos passos se dirige a sua casa. A chuva caia pesada, e os dois rumo à casa. Aqui e ali, um ou outro pedinte, e malandros por debaixo das marquises. A cachorrada enciumada, não se sabe, ladrava enlouquecida para ela ou para seu amigo pulguento. Destemido o guapeca, olhava seus semelhantes, mas seguia fiel a sua protetora. Por certo pensava: - Hei de protegê-la com unhas e dentes! O sarnento molhado seguia os paços encharcados nas poças de água. Era o próprio escudeiro seguindo seu herói. De repente um carro para, e salta dele um truculento, que via, na bolsa que minha filha carregava, o dinheiro transformando-se em fumaça. Derrubou minha filha agarrando sua bolsa. A luta era desigual. Por certo o cachorro entendeu que o miserável queria o pão ou a bolacha que ela carregava. Latiu primeiro para impor respeito. Seu latido fraco e esganiçado de nada adiantou. Então avançou e começou com dentadas para tentar afugentar o ladrão. A luta era ferrenha agora. Minha filha defendendo a bolsa, o cachorro defendendo seu pão e o ladrão querendo o dinheiro. Ela, no alto poder de sua raiva, quebra o guarda chuva nas canelas do ladrão enquanto o cachorro gruda, com uma dentada, o saco do miserável Ela, num golpe certeiro,dá uma cutucada nos grãos dele, e grita: - Seu filho de uma puta! Ouviu-se um grito de terror e o som de dois plim, plim no chão. O bandido eunuco fugiu deixando o carro e as bolas perdidas no asfalto. Minha filha, perdida em lágrimas, deitada no asfalto, toda molhada, era consolada pelo seu adotado que lhe lambia o rosto e suas mãos, dizendo feliz: - Parabéns Izabela, você lutou valentemente defendendo meu pão e minhas bolachas. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 22 de junho de 2013

UM PAÍS DE MULAS

Conta a lenda que em um certo lugar, prá lá de distante, e desconhecido, viviam as mulas, numa situação cômoda, relinchando feliz. Muita pastagem e água limpa à vontade. Esta terra era coberta por um verdejante e viçoso capim, cercada de rios e lagos que da cor deles se confundia com a do céu. Estas mulas não se incomodavam com nada pois tinham nas verdes pastagens a alimentação, e bem alimentadas, é claro, tinham saúde. Estas mulas tinham muito espaço disponível. Dormiam juntas ao relento, porque não tinham teto, no entanto, na santa ignorância delas, eram felizes. Eram analfabetas e só sabiam relinchar. A educação básica e profissionalizante era proibida pelos deuses. Não precisavam se alfabetizar e nem se incomodar com coisa alguma, visto que seus deuses proviam tudo, com uma tal bolsa grama. Os deuses eram mulas aceitos e eleitos pelo povo mula. Eram mais sabidas, tinham foro privilegiado e queriam o poder pelo poder. Os deuses viviam em campos muito mais verdejantes e saudáveis e comiam manas especiais produzidas pela grama com imposto pago pelas mulas, e dormiam em cocheiras foliadas em ouro. Tudo ia indo muito bem, até que um dia o monstro chamado maldição desceu sobre este longínquo lugar. A maldição veio transvestida de uma mula enorme, de tamanho descomunal que ressurgiu, com certeza, dentre os mortos. Trazia, como arma, uma inveja e ganância do tamanho de seu tamanho. O congresso dos deuses mulas legislava sempre em favor próprio. Como não poderia deixar de ser, em primeiro lugar, para melhorar a vida deles, e depois, as migalhas do que sobrava, era destinada então para o povo mula, em forma de bolsa grama, bolsa ignorância, e outras bolsas tantas. A maldição mula, para criar confusão, assoprou na orelha grande de cada deus, sugerindo a construção de um enorme circo nas verdes planícies do povo mula. E os deuses mula viram nessa sugestão uma grande oportunidade para desviar mais e mais grama para o bucho deles, e para as cocheiras fiscais. Concordaram, e anunciaram em rede relincho, ao povo mula a grandiosa obra, mas sem justificar e informar para que serviria esta maldita construção. O circo começou a ser erigido. As mulas analfabetas pastavam despreocupadas. Nos verdes prados nada a elas faltava. Bem alimentadas, com a imensidão de pasto, a saúde vicejava. O sistema de comunicação era de relincho em relincho de uma para outra. No vale verdejante reinava a paz; pertencia ao povo mula sem qualquer depredador mula presente. Mas a extravagante obra tomava forma e invadia espaço.. Os deuses estavam felizes com a construção superfaturada que trazia a eles muita grama para seus celeiros. O circo estava ocupando o pasto, e o canteiro de obras estava depredando a grama existente. A construção atraiu terríveis animais de fora e com isso apareceram os tigres, leões e hienas. As mulas começaram a sofrer agressões, estupros, e mortes. A situação começou a ficar insuportável. A água dos rios e lagos antes limpos agora recebiam detritos fecais, e a grama arrancada aos montões diminuía a olhos vistos. Foi proibido, por decreto, o relinchar para não atrapalhar a concentração dos operários. Sem relincho as mulas não se comunicavam. Enquanto os deuses se refestelavam em doçuras em suas lindas cocheiras, as mulas amargavam um pasto cada vez menor e de grama cada vez mais rala. O povo mula era mutilado, comido pelos terríveis carnívoros que não gostavam de grama. Já magras as mulas começaram a ficar doentes. A estratégia da maldição estava dando resultados. A maldição queria ver o circo pegar fogo, e então começou a futricar nas orelhas do povo mula: - Vocês são bestas filhas de uma égua rampeira! Não devem aceitar esta situação! Devem se reunir em bando patear expulsando os intrusos, e dar um coice no traseiros destes deuses imbecis e aproveitadores. Devem parar a construção deste circo que só está consumindo a grama e não vai trazer qualquer benefícios para vocês. Esta obra não vai servir nem para cocheira. Vocês devem votar contra a PEC ignorância. Pronto! a mulada estava alvoroçada e puta da vida com a situação. A mulada finalmente acordou. As mulas saíram para o pasto relinchando a ordem do dia. - Mulas unidas jamais serão vencidas! Abaixo o circo! Abaixo os deuses! abaixo os miseráveis animais predadores! Queremos o nosso verdejante pasto de volta e nossos rios e lagos despoluídos! Queremos relinchar livremente! Pateando a tropa de mulas cercou o circo, e fez com que os leões, tigres e hienas batessem em retirada. Os deuses apavorados se reuniram, e prometeram em rede nacional desmanchar o circo, e voltar a planície como antes era. A mulada aproveitou e pediu que os deuses mulas fossem fazer festa em outro lugar. Fossem para a rampeira que os pariu. Os deuses em prantos, por ter perdido a teta, se foram. Por unanimidade as mulas concordaram que o melhor também seria mandar junto aos deuses a mula maldição. E assim se cumpriu. A mulada hoje vive sem o desmando dos déspotas mulas deuses, se preparando para votar em outros deuses que tragam a elas paz, prosperidade, saúde, segurança e educação. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sexta-feira, 31 de maio de 2013

UM FANTASMA ASSUSTADO

O cavalo parou, relinchou, empinou e quase botou o cavaleiro ao chão. Em qualquer situação, quando ficamos assustados, encurralados, o cérebro recebe uma grande descarga de adrenalina. Este neuro transmissor é um cara que acaba barrando funções menos importantes no cérebro, priorizando os mecanismos necessários para escapar da ameaça. Por esta razão, num lapso de tempo, vemos e criamos fantasmas, fazendo coisas que até Deus duvida. Dificilmente num momento de pavor o indivíduo vai merdear as calças, porque este neuro transmissor acaba colocando uma tranca no final do tubo digestivo. Por isto, eu acho, que existe uma ligação que vai do cérebro ao anus. O medo, ou o susto, acaba fechando todas as saídas. Vem daí aí o famoso dito de que está tão fechado que nem agulha passa por lá. Mas, quando depois a situação está dominada, tudo se afrouxa, e até o cérebro vem tripa abaixo deixando o ex-assustado completamente lambuzado e fedido. A madrugada era de pouco luar, mas a estradinha a frente, se exibia sensual deitada se contorcendo de um lado ao outro apoiada pela floresta nativa. O caminho era sinuoso, revelando aqui e ali, nas poças d'água um luar quase apagado. Tudo era silêncio, quebrado apenas pelo vôo rápido de uma ave noturna, e pelo piar tristonho da coruja em um toco qualquer. O sereno da madrugada lambia úmido o rosto do cavalheiro. O vento sorrateiro, brincando com as folhagens, criava vultos fantasmagóricos. O ploc, ploc das patas cadenciadas do cavalo acordava os pássaros e assustava os fantasmas em serviço. De repente, mais adiante, onde a curva da estrada ia morrer, uma moita de araçá cria vida e começa se agitar. Para o cavaleiro e o cavalo, o pouco luar criava naquele pé de araçá um fenômeno, no mínimo assustador. O cavaleiro parou apreensivo. O cavalo, com os olhos maior que a cabeça, resfolegava aflito. - Se for fantasma, nada poderá fazer contra nós, apenas nos assustar, mas se for alguém, tentando nos amedrontar, vai se dar mal, pensou o corajoso cavaleiro. - Eia, vamos embora! Ordenou com um leve passar de escora e um estalo do chicote. Avançaram medrosamente, e quando já perto, a moita, quase saindo do lugar, escandalosamente se movimentou. O cavalo parou, relinchou, empinou e quase botou o cavaleiro ao chão. Por entre a ramagem da moita surgiram, curiosos, medrosos, perscrutando, dois olhos vermelhos, enormes refletidos pela lua. O cavalo deu outra empinada, cuspiu da cela o cavalheiro e saiu feito um raio pelo contorcido caminho. O cavaleiro, incontinente, desconhecendo o perigo, voou para cima da moita. Pelo que parece, naquele momento, o fantasma misteriosamente se materializou, e assustado, numa luta corporal, de vida e morte, grunhiu desesperadamente desfechando, como se fosse de um sabre, um corte no braço do abraço que o cavaleiro estava dando. Ferido, confuso, sozinho e assustado, o cavaleiro pode ver, se perdendo por entre a ramagem o assustado e confuso Javali que ainda, lá de longe, gritou: - Cara doido! querendo me assustar com seu abraço? O susto passou. Sentiu-se sozinho, lambuzado e fedido no meio da moita de araçá.. Riu muito, e voltando a pé para casa, imaginava que história, sobre isto, contaria para seus amigos. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 25 de maio de 2013

UM ENGRAXATE PRINCIPIANTE

O engraxate, nos dias de hoje, é uma figura em extinção. Normalmente, são senhores, experientes que a duras penas procuram manter a classe ainda viva. No meu tempo de garoto, entre 9 a 13 anos, era comum o bando de engraxates pelas ruas. Os moleques tinham pontos fixos e muitas vezes tentavam conseguir mais de um, e por esta invasão provocavam muitas brigas. Para ser engraxate, naquele tempo, era preciso ter algumas características básicas de um empreendedor de hoje. Precisava, principalmente , ter experiência no ofício. Não podia ter medo de enfrentar as dificuldades, saber inovar, e principalmente ser persistente. Todo guri que se prestava, tinha como sonho construir sua própria caixa de engraxar e sair pelas ruas, com ela nas costas, praticando o ofício. Eu não fugi a regra. A caixa de engraxar representava uma figura que conhecemos por trapézio. Basicamente montada por duas bases paralelas, uma menor e outra maior, e dois lados, não paralelos, que uniam estas duas bases. Normalmente, a base menor era formada por um caibro chanfrado nos seus lados para receber os lados não paralelos da caixa. O topo do caibro era chanfrado também, onde era pregado a madeira de apoio ao pé. Dentro da caixa eram armazenados os materiais necessário para o cumprimento do ofício de engraxate - As latas de graxas de cada cor; as escovas de dente para cada graxa; uma garrafa com água; um pano para limpeza do calçado; escovas para o brilho, pelo menos para cada cor de graxa; flanelas para cores diferentes e protetores de meia. Eu era um praticante do ofício desde bem pequeno. Meu pai me ensinou e eu, como paga pelos conhecimentos adquiridos, engraxava todas as semanas os sapatos dele. Não ganhava dinheiro mais ganhava experiência. E assim, um dia... Para ganhar alguns trocados e poder ir ao matinê e comprar alguns gibis, ampliei meu campo de ação atingindo um mercado diferenciado - comecei a prestar serviço para algumas famílias de alto poder aquisitivo, destas que tem mais calçados que pés para calçá-los. Já estava quase com minha liberdade econômica decretada, quando surgiu o desejo de ampliar ainda mais o mercado, e atingir outro segmento - O segmento das ruas, onde os andantes precisavam manter sempre brilhantes seus lindos sapatos. Eu olhava com inveja aquela molecada, com as caixas nas costas.Necessitava urgente conhecer melhor este nicho e traçar as estratégia de ação. Estudava comigo, no grupo escolar, um moleque engraxate. Ele sabendo de meus desejos me incentivou, ajudando no meu intento. Para minha aprendizagem, ofereceu-se para me levar nas suas andanças como companheiro nas engraxadas. Apresentou-me a seu grupo, num ponto frente a um bar. A aceitação pelo grupo foi imediata. Nos primeiros dias iniciei, ao lado dele, apenas observando. Aos poucos fui me aventurando na busca do cliente. Entendi que nesta profissão você tem que usar um marketing pessoal muito agressivo - deve ser falante, simpático, mas continuar sendo moleque. Conhecer o gosto e o jeito de cada cliente é fundamental. Aprendi tudo isto com meu amigo, e até iniciei, algumas vezes, engraxando alguns calçados de seus fregueses com a caixa dele. Gostei e me achei capaz. Teria agora que ter minhas próprias ferramentas e correr na conquista do mercado, trazendo clientes para minha caixa de engraxate. Esta era a meta. Com a ajuda de meu amigo, fiz a caixa, e com o dinheiro que tinha economizado comprei e preparei o material para o inicio das atividades. Pronto! lá estava eu indo todo feliz transvestido de engraxate com a caixa nas costas. O mercado exigia, e era uma estratégia de marketing pessoal, o garoto ir engraxar descalço, camisa semi aberta, calça curta e cabelos limpos e em desalinho. Eu era o protótipo do engraxate. Comecei o trabalho. O mercado dos engraxates era dividido em alguns segmentos - A estação de trem, a porta dos bares e o melhor segmento deles era os salões de barbearia. Na porta do bar que estagiei, protegido pelo meu amigo, fiz algumas engraxadas, sentindo-me interdependente, senhor de si. Com a autoconfiança adquirida, no dia seguinte, querendo administrar o negócio com independência, e atingir níveis crescentes de competitividade e rentabilidade, em busca de mais oportunidades, eu e minha caixa fomos a porta de um bar um pouco mais movimentado - era um ponto de ônibus. Minha auto confiança esbarrou no conflito de interesses. No momento em que começava a atender o meu primeiro freguês, naquele movimentado bar, fez com que o grupo de engraxates que dominava aquele ponto viesse animadamente até mim, e sem perguntas ou qualquer tipo de explicação, cobrisse meu pobre esqueleto de porradas por todos os lados, Quebraram minha linda caixa, pisoteando toda minha ferramenta de trabalho, Fui obrigado a bater em retirada. Entendi o recado que me deram! Sou um forasteiro, um invasor. Todo esfolado e dolorido, voltei ao antigo segmento de mercado, mais seguro, de pleno domínio meu, e sem os truculentos concorrentes. Até hoje, eu acho que, naquele tempo, não ampliei o negócio por falta de persistência. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 19 de maio de 2013

O CAMINHO PARA O CEMITÉRIO

E o corpo embalsamado permanece, e irá permanecer ainda por muito tempo, na tapera! Seu Zé estava conformado. Sua morte estava com data marcada, e pronto! Ele amealhou durante sua vida alguns centavos a mais, mas vivia parcamente, como Deus queria, numa tapera lá no limiar da cidade. Um dia alguém, bem vestido, com uma pasta executiva na mão, chegou-se, bateu palma, e ao ouvir o chegante seu Zé grita lá de dentro: - Pode entrar! E, autorizado, entrou vagarosamente dizendo: - Seu Zé, vim vender um plano funerário. - O que, vivente? o que você ta trazendo prá mim? perguntou perplexo o franzino e mal cuidado Zé. Vendedor que é de fato vendedor, vende geladeira no pólo norte com a mesma facilidade que um bêbado empurrado rola escada abaixo. Argumentou isto e aquilo, apresentou as facilidades de uso e... Eu acho que este vendedor estava em treinamento, e como prova final para ser aprovado para o cargo, teria que vender um plano a um miserável qualquer. E seu Zé foi a vítima. - Mas eu não tenho dinheiro para pagar! - Não se preocupe, assine aqui e eu pago este auxilio funeral. E vendeu o plano. Agora seu Zé estava feliz protegido para uma boa morte. De tudo que o apavorava era não ter um lugar para cair morto. Agora tinha, e dos grã-finos, elegante mesmo. O plano era lindo. Dava direito a caixão, flores, 2 carpideiras, um carro preto para levar o esquife até o cemitério e pelo menos 4 pessoas para pegar nas alças do caixão e carregar até a cova. A rua até o campo santo estaria revestido de pétalas de flores, e isto foi o que mais o encantou - A rua toda transformada num tapete de flores. Seu Zé embora magro, grisalho, aparentava saúde, mas um dia a coisa aconteceu. Levantou cedo, como sempre fazia, e ao se por de pé, sentiu uma dor aguda no baixo ventre. A dor se embrenhou por entre as tripas, e seu Zé, se contorcendo todo, foi ao pronto socorro. A espera foi longa e a dor lancinante fez com que, langoroso, caminhasse, diversas vezes, de um ponto ao outro para beber água, e voltar a sentar. Dormiu, acordou e finalmente chamaram pelo seu nome. - O que você tem? perguntou o médico. - Se for dinheiro, não tenho nada, ainda tentou abrandar a dor com uma gracinha, mas acabou revelando o que estava sentido no seu combalido corpo. O médico examinou, examinou, franziu a testa, olhou com aquela cara de Maria Madalena menstruada para o Zé, e antes que ele falasse qualquer coisa o Zé interpela: - É grave seu doutor? Vou morrer? tenho quanto tempo de vida? Quase todo médico é um vidente, e olhando aquele esqueleto a sua frente e conhecendo a gravidade do problema disse: - Você tem medo da morte? - Tenho não seu dotô. - Tem plano de saúde? - Só tenho plano funerário. - Tem alguém que possa cuidar do senhor? - Tenho só meu guapeca pulguento. O médico, pelo diagnóstico, sabia que o miserável estava com os dias contados e desamparado dos planos de saúde. Pegou carinhosamente suas mãos e olhando fixamente nos seus olhos disse lentamente: - Aproveite fazer tudo o que quiser, pois você tem no máximo três meses de vida. Seu Zé agradeceu e saiu da sala do médico confortado, incrivelmente feliz, como se tivesse saindo de uma Igreja, de um puteiro ou então de um boteco. Sentiu uma vontade enorme de cantar, e começou a cantar com sua voz desafinada, mas alegre. Cantou, e cantou muito na dolência da morte. Criou coragem, e finalmente, depois de muitos anos, declarou seu amor para aquela que a vida toda foi seu amor secreto. Gritou no portão da casa dela: - Eu te amo!, eu te amo! mas ela não escutou porque já velha e surda. E fez isto todos os dias durante os três meses, e ninguém o contratou como cantor e nem a velha surda veio declarar seu amor por ele. Ele não se importou com isto. Chegou o dia e ele feliz morreu. Lá estava o esquife parecendo um buque de flores ladeado pelas carpideiras e pelos quatro carregadores. O carro fúnebre estava a postos, mas as flores, que despejaram na rua principal que leva ao cemitério, desapareceram nas crateras desta via mal cuidada. O cortejo teve que tomar outro rumo para desviar dos enormes buracos. E seu Zé, mesmo morto, mostrou uma expressão de tristeza, e para espanto de todos, o espírito dele materializou-se, abriu a tampa do caixão, sentou-se, pediu para parar, desceu, subiu em cima do ataúde e disse: - Podem me levar de volta para a minha tapera! Eu paguei um pacote completo para o funeral, e está faltando a rua do cemitério coberta de flores. E completou: - Quero ficar em casa até que este maldito prefeito tampe os buracos da rua que leva ao cemitério. Dito isto o espírito desapareceu e seu Zé, de expressão aborrecida, deitou novamente no caixão. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

terça-feira, 7 de maio de 2013

UM MONSTRO DO RABO PELUDO

Aquele sábado estava ensolarado, um tanto morno, sem qualquer vestígio de nuvens que manchasse a imensidão azul; era de fato um lindo sábado. Enquanto eu iniciava a limpeza geral e lavagem do carro a Alice, puxando o carrinho, seguia até a feira, que ficava ali na esquina próxima, para as compras de verduras. A feira era tradicional aos sábados, e ocupava a rua toda, com as barraquinhas, nas calçadas, de um lado e do outro da rua, formando um corredor entre elas. Nesse corredor fervilhava gente, que aos encontrões, no vai e vem com seu carrinhos e sacolas, comprava coisas aqui e acolá. Os carrinhos de feiras, naquela época eram todos iguais. O fabricante deles deveria ser um empreendedor monopolista; Com certeza um inventor de saco cheio com a mulher, sogra e filhas, que gostavam de ir a feira, e usavam o porta mala do carro dele, uma Ferrari, para transportar as verduras. A Alice, como tantos outros, tinha por hábito deixar o carrinho no corredor, e de um lado ao outro, passando por diversas barracas, buscava pelas verduras e legumes, pesquisando preço e qualidade. O nosso médico proibiu qualquer comida gordurosa e a nutricionista elaborou um cardápio com muitas verduras e legumes. A Alice fazia questão de seguir religiosamente o que estava prescrito. Eu ainda estava no processo do embelezamento do meu fusca 66 quando vejo surgir, do meio da multidão, a minha graciosa loira, puxando o carrinho de feira repleto de compra. Larguei o que fazia e fui ajudá-la. Deixei o carrinho no meio da cozinha e voltei para a minha atividade inicial. Tudo parecia normal, mas de repente ouço um grito de pavor vindo de dentro da casa. O grito ecoou pelas cercanias fazendo os vizinhos saírem à rua, e o povo da feira bater em retirada. De cabelos arrepiados e de expressão assustadora, sai de dentro de casa a Alice gritando: - Tem um monstro peludo lá dentro e ele está no carrinho de verdura! Ela estava desfigurada, em estado de choque. Corri para protegê-la sentando-a no banco do carro. Alguém trouxe água com açúcar para ela. Eu e uma dezena de vizinhos, armados de cacetes, facas e até revolver, fomos cuidadosamente adentrando a casa afim de liquidar o monstro. O pavor é o saco encolhido do medo. O medo cria imagens fantasiosas, e proporciona com isto um estado de alerta e de auto defesa. Desta forma ficamos à mercê da fantasia. Naquele momento, pelo meu anus não passava uma fina agulha de costura, e sentia o gosto de meus grãos, que se recolheram covardes quase na minha garganta. Ao abrir, vagarosamente, medrosamente, a porta da cozinha, o ranger dela fez arrepiar cada pêlo que cobria meu corpo. Eis que lá estava ele, intacto, do jeito que deixei, esperando para ser descarregado e sem vestígios do monstro. Entreolhamo-nos, e nos nossos olhos pairou silenciosa a pergunta: - E o monstro? onde está este famigerado monstro? Procuramos, com cautela, por todos os cantos; atrás das portas; dentro dos guarda-roupas; debaixo da cama, e nem vestígio do maldito. Alguém grita apavorado lá da cozinha: - Encontrei o monstro! o rabo peludo dele está aqui para fora do carrinho. Incontinente, estávamos na cozinha olhando para o carrinho. Enfiado por debaixo das verduras, deixando o rabo peludo vazado por entre as fendas do carrinho, lá estava o monstro. O que estava armado, não perdeu tempo, descarregou o revólver. Aguardamos alguns minutos, e como o monstro não se mexeu, supostamente estando morto, resolvemos, com cuidado, esvaziar o carrinho. Enquanto o processo era executado alguém comenta: - Quero ser convidado para sua feijoada! Olhando curioso para aquele monte de orelhas de porco, pés de porco e rabo peludo de porco que estavam dentro do carrinho, todo perfurado de balas, conclui: - A Alice, com certeza, na hora de vir embora, pegou trocado o carrinho! Já refeitos do medo, olhando uns para outros, caímos na gargalhada. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

segunda-feira, 29 de abril de 2013

A MARCA NA FORQUILHA DO ESTILINGUE

O estilingue, na mão de um moleque de práticas perversas, é uma arma de grande poder de destruição da passarada e das vidraças, ou então, apenas um adereço no pescoço de um guri que quer apenas exibi-lo para se impor perante o grupo. Hoje o celular, em tudo, substituiu este artefato - é uma arma de auto-destruição. No meu tempo, um moleque traquinas era paramentado principalmente com um embornal carregado de bolotas de barro queimado e pedregulho, vestido apenas de calção rasgado, e no peito pelado a forquilha do estilingue pendurado no pescoço. Meu pai, preocupado com a educação dos filhos, naquele tempo sempre me dizia: - Meu filho, nós temos dois anjos,um mau e outro bom. Cabe a cada um ouvir e se responsabilizar pela escolha e pelo que se faz. Por conta disso, acabei materializando e posicionando, em cada ombro, os dois anjinhos. O bom, de um lado, todo de branco, de asas lindas e transparentes, um tanto chato e afeminado, vivia dando bons conselhos. No outro ombro, o considerado ruim, todo de vermelho, chifrudo, cornudo por certo, querendo ser amigo, vivia instigando maldades e afirmando que isto era muito divertido. Presenciei e tive que apartar muita contenda entre estas duas criaturinhas. Era de costume marcar no cabo da forquilha os passarinhos abatidos. A forquilha do meu estilingue permaneceu virgem por muito e muito tempo. As oportunidades para desvirginar o cabo não faltavam. O anjinho mau me cutucava sempre quando, lá num galho mais adiante, aparecia um voante: - Mate aquele com tua cetra! Você vai conseguir! O anjo bom gritava no outro ouvido: - Não faça isto com o coitadinho! Sempre o instinto mau vencia e lá estava eu, com a bolota de barro na malha mirando o empenado voante. Shelept, e la ia o projétil, cortando o ar, gananciosamente em busca do alvo. O anjo mau às gargalhadas, sentado no meu ombro, batia palmas observando a pedra, que voava em direção ao pássaro, enquanto isso, o anjo bom, tentava, por todos os meios, desviar a pelota da rota. E conseguia. Eu errava mais uma vez o alvo, e por incrível que pareça, me deixando feliz. Tinha moleque que o cabo da forquilha de seu estilingue era enorme só para conter os milhares de risquinhos, marcando a quantidade de pássaros abatidos. O do meu pobre estilingue era do tamanho normal, apenas ensebado. Se me perguntassem de quantas marcas o cabo de meu estilingue tinha, eu simplesmente respondia: - Este é novo! os outros estão em casa. Um dia a oportunidade surgiu. A tarde já ia dando mostras de cansada, e com isto, aos poucos, se vestia com seu manto escuro. Estava sentado, debaixo de uma enorme árvore, descansando da correria do dia antes de me recolher em casa. Um bando de andorinhas, em revoada aos milhares, procurava abrigo, e foi exatamente nesta árvore que desceram. Com o peso a árvore quase veio ao chão. Eu debaixo dela não acreditava no que via. Estava completamente municiado e tendo o apoio irrestrito do anjinho cornudo que aos pulos no meu ombro gritava: - Hoje você vai fazer muitos riscos no cabo de seu estilingue! O anjinho bom, apavorado, já estava lá em cima na árvore tentando espantar a passarada. A passarada, aos milhares, chilreava já quase dormitando. Carreguei minha arma e a estiquei apontando para o alto. Soltei a pelota. Nesse momento uma grande confusão lá em cima e a passarada iniciava o vôo em fuga, e eu pensei: - Maldito anjinho bom, espantou minhas vítimas! O anjinho cornudo ficou possesso e disse palavrões no meu ouvido. A pelota rasgou o espaço e atravessou a folhagem da árvore. Alguma coisa cruzou na frente da trajetória do projétil vindo despencar lá do alto aos meus pés. Era um gavião enorme, com um pássaro ainda pequeno entre suas garras, e meu anjinho preso no bico. Naquele momento entendi que a passarada entrou em revoada não por causa de meu anjinho e sim por causa da predadora. O gavião estava atordoado e a jovenzinha penada se debatia entre as garras da ave de rapina. Meu anjinho, meio tonto, meio depenado se recompunha aflito a um lado. Enquanto libertava a pequena criatura das garras afiadas da monstrenga, o anjinho mau gritava a todo pulmão: - Mate as duas! Mate! Mate que você poderá fazer dois risquinhos no cabo de sua cetra! Mate! Mate! Neste momento, toda apavorada pousa na minha mão uma passarinha que feliz, com lágrimas em seus olhinhos, choraminga para mim. - Muito obrigado, guri por salvar meu filho querido. Mãe e filho levantaram vôo, e junto com eles lá se foi o risquinho desejado. A pedrada não foi suficiente para quebrar nada no gavião, mas antes de levantar vôo, puto da vida me diz: - Moleque imprestável, você quase me matou, e para completar atrapalhou minha caçada, e agora não tenho comida para levar para meus filhotes. O anjo vermelho ria dando cambalhotas no meu ombro, dizendo: - Bem feito, ficou sem os risquinhos, seu babaca! Puto da vida, meti a mão com força no meu ombro matando de vez o anjinho pestilento. Cheiro de enxofre, e penas vermelhas por todos os lados, foi o que sobrou do maldito. O anjo bom, agora sem emprego, bateu asas e foi morar em outro ombro. Peguei a forquilha e feliz fiz a tão desejada marca pensando. - Na verdade não foi um pássaro que matei, mas o diabinho cornudo, e ele tinha asas , e é como se fosse um passarinho, e completei meu pensamento: - Ninguém vai precisar saber! E fui feliz para casa. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 20 de abril de 2013

O PORNOGRÁFICO MENINO HOLANDÊS

A troça, ou chamada comumente de trote, é geralmente uma situação armada para produzir o que seu agressor arquiteta, e imagina que seja um resultado físico ou emocional humorístico, às custas da sua vítima. Hoje em dia isto é crime chamado de bulling. Mas vamos a história. A vítima foi um inocente menino holandês. Moleque no meu tempo de guri, para ser dos bons, tinha que ser arteiro. Aprender e falar besteiras; Pegar ovos dos ninhos das galinhas; Pegar, às escondidas, frutas no pomar de um velho ranzinza; Tocar, e sair correndo, as campainhas das portas das casas; Mostrar, mesmo imberbe, orgulhoso o número de pentelhos que brotavam cobrindo o saco; Andar descalço, sem camisa, de calção rústico e rasgado; Mapear todos os ninhos dos passarinhos; Jogar futebol na rua com bola construída de meia; Andar armado de estilingue no pescoço e bolsos cheios de pelotas; Subir em árvores; Fazer e empinar papagaio; Rodar pião; Jogar bolinha de gude; e quando tinha uma guria no grupo brincar com ela de paciente e médico, e se apaixonar doidamente por uma menina ranheta qualquer. Estávamos, no finalzinho da tarde, brincando de betes quando lá na esquina, meio arredio, medroso, um tanto acabrunhado, se aproximou um moleque de cabelos muito mais loiros que os loiros cabelos do mais loiro da turma. Olhamos desconfiados imaginando que fosse espião de algum outro bando. Corremos até ele, fazendo um círculo a sua volta, indagando: - O que você quer? Com os olhos assustados e lábios trêmulos, numa dicção arrastada, quase incompreensível e um tanto obscuro, tivemos dele, como resposta: - Mim holandês. O entendimento é um processo que se relaciona com a totalidade dos elementos que fazem parte da estrutura do relacionamento. Se você é desprovido da voz ou do ouvido, faz-se entender pelos gestos. Em pouco tempo o menino holandês estava perfeitamente adaptado e enturmado na nossa gangue. Algumas dificuldades de comunicação começaram a surgir, e decidimos que ele deveria aprender a nossa língua. Resolvemos que ele iria aprender tudo, mas seria do nosso jeito moleque travesso. E as aulas começaram quase que imediatamente. O pequeno holandês estava cada vez mais feliz, e nós nos divertindo muito com isto. A mão era pé; A cabeça era bunda; A língua era o pinto; Pão era bosta e assim na maior sacanagem avançávamos no projeto de alfabetização pornográfica para aquele pequeno e inocente gringo. De todas as partes do corpo, eliminamos o cu, pois para o holandês cu era vaca, e com isto não teria muita graça para nós. Paramos completamente, por dias seguidos, de praticar qualquer tipo de jogo ou brincadeira para se dedicar única e exclusivamente à missão hilária de ensinar a língua portuguesa equivocada ao nosso novo integrante. O aluno progredia muito bem ao som de nossas gargalhadas. A rua, palco de nossas brincadeiras, era um verdadeiro big brother. Das janelas semi abertas, olhos curiosos, maliciosos e contestadores vazavam espiando a nossa safadeza. Um dia a coisa deu em merda. O pai do menino levou-o a uma festa religiosa, e todo feliz pediu para que ele exibisse tudo o que tinha aprendido na escola do beco. - Mostra, meu filho o que você aprendeu com seus amigos! Falando em holandês suplicou ansioso o pai. E ele, lamentavelmente começou a falar. As moças, meninas e mulheres horrorizadas, escandalizadas, em debandada correria, como aves assustadas, escafederam-se da sala, e os homens, às gargalhadas, escutavam o pequeno holandês que pedia bosta para comer e no lugar de pedir água para beber, pediu para uma senhora de idade fazer sexo com ele. Os anjos fugiram, mas Deus ria às escondidas. As mulheres se evaporaram da sala, e os homens se divertiam instigando mais e mais o pequeno pornográfico. O pai, todo orgulhoso, querendo entender e participar daquilo tudo, pergunta a um poliglota o que estava acontecendo. O poliglota todo temeroso, medroso, meio constrangido, levou-o até um canto, e ao pé da orelha explicou, tin tin por tin tin, tudo o que estava acontecendo . A reação foi imediata. Pegando pelas mãos o escabreado pai do menino levou-o incontinente para casa. Dias mais tarde, abandonando a nobre missão de professores pornográficos, voltamos as nossas inocentes brincadeiras de rodar pião, jogar futebol com bola feito de meia, brincar de esconde esconde. Nunca mais vimos o menino, mas a lista de reclamações das malditas mulheres, que espiavam curiosas, se masturbando, pelas gretas das janelas, deixou em cada um de nós as marcas das varas de marmelo na bunda como paga pelas aulas ministradas. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 14 de abril de 2013

EXCOMUNGADO

Entende-se por excomunhão a punição religiosa aplicada, por quem de direito, para retirar ou suspender um crente descrente, baderneiro de uma comunidade religiosa. A palavra significa literalmente colocar alguém fora da comunhão. A excomunhão, no entender de algum praticante, vai retirar dos braços de um deus o infiel, e jogá-lo no garfo tridente e quente do capeta. É um jogo político lá dos altos, entre o criador e seu adversário capeta, assessorado pelos praticantes aqui da terra. Bem, quando garoto eu tinha muito medo da excomunhão, e por isso procurava ser aparentemente obediente, não praticando muitas traquinagens, pelo menos aquelas que ficavam muito na vista. Eu era um verdadeiro santo enquanto dormia, e meus pais tinham verdadeiro orgulho de meu exemplar comportamento debaixo das cobertas. Por puro interesse, e não para compartilhar com esta divina política, gostava de ajudar o Frei Dionísio nas cerimônias religiosas e alguns afazeres na Igreja. Sempre rolava, depois das rezas, um bom vinho, - o vinho do padre, - acompanhado de uns quitutes que sua boa mãe velhinha fazia. O Frei Dionísio, além de tempestuoso na lida com seus semelhantes, era extremamente cuidadoso e meticuloso no santo ofício. Toda a cerimônia tinha que seguir religiosamente os procedimentos que ele incansavelmente nos ensaiava, e não poderia ter qualquer deslize. Qualquer erro era fatal. Nós, coroinhas, subíamos os degraus até ao altar para ajudar na cerimônia, mas sempre se cagando de medo. - A brasa no turíbulo tem que estar ardendo! repetia sempre ele para os coroinhas. - Tem que estar quase em labareda! reforçava ainda. Balançar, de um lado para outro, o turíbulo, e de quando em quando soprar as brasas, era o suficiente para manter as brasas acesas, completamente abrasadas. Eu curtia tudo aquilo. O incenso queimando no turíbulo, e em rolos de fumo branco subindo em dança maluca até o teto da Igreja, a água benta aspergida no povo que com sinal da cruz a recebia, a reza em latim que só Deus e o Frei entendiam, tudo, apresentado conforme Jesus Cristo queria, me fascinava imensamente. Paramentado de vermelho e branco, com aquela saia que se perdia lustrando meus sapatos, era coisa que não curtia muito, mas se era por ordem do altíssimo, que os guris ali no altar teriam que estar travestidos, eu ia para o sacrifício, e sempre, é claro, pensando que depois ia tomar o vinho e comer as guloseimas que a mãe do Frei fazia. Valia o sacrifício! A cerimônia corria solta, e eu, ao pé do altar fazia o turíbulo voar de um lado ao outro vendo as brasas, quase em chamas crepitarem felizes. Até pareciam crianças que aos gritos perdiam o fôlego no vai e vem do balanço. O frei fez o sinal para que eu subisse para que ele adicionasse o incenso. Subi os degraus, medroso, olhando as brasas ainda crepitando. Posicionei na boa altura o turíbulo e o Frei colocou duas medidas de incenso. Num preciosismo exagerado eu, desesperado, levanto um pouco mais o turíbulo, que ficou posicionado na altura do rosto do frei. Olho o braseiro e não satisfeito, tentando ativar mais ainda as brasas, solto um violento assoprão. Era tudo o que o diabo queria. A cinza, como um tufão, foi povoar o rosto do frei que as tontas, completamente cego gritou uns palavrões que estavam completamente por fora do que deveria ser proferido no cerimonial. Jesus e os Anjos devem ter abandonado a Igreja. Os fieis em polvorosa se escafederam da cerimônia. Furibundo, completamente enlouquecido, soltando fogo e cinzas pelas ventas, ali mesmo o Frei Dionísio decretou minha excomunhão. Com isso, lamentavelmente perdi meu vinho e as guloseimas da mãe do frei, e ainda consegui ver o filho de uma puta do capeta, dançando no altar rindo de mim. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA