domingo, 21 de dezembro de 2014

PRESENTE DE NATAL

Quem é que não gostaria de receber um presente? E se a data for Natal? Melhor ainda, não é mesmo? O presente é sempre uma dádiva, uma oferta em sinal de apreciação. O presente pode ser tudo, um abraço, um sorriso, uma palavra amiga, e até você presente. Quando visitava a casa de repouso para idosos me aprazia muito conversar longamente com o simpático senhor Fran. Descendente de alemães beirava os noventa anos. Cego desde muito jovem não reclamava desta situação, e sim da falta que o neto lhe fazia. Contou-me que ha vinte anos passados vivia feliz com seu netinho Pedro de quatro anos. Embora cego ele possuía uma habilidade incrível de narrar lindas histórias como ninguém; ensinava ler, escrever e tinha seu neto sob sua constante vigilância. Entre avô e neto existia uma unidade muito forte. Era como se dois espíritos comungassem dos mesmos elos, dos mesmos desejos, dos mesmos bem querer. Um dia, através de denúncia, a justiça veio tirar o pequeno Pedro dos braços de seu avô. - Foi como se tirassem um pedaço de mim; foi muito triste. Contou-me ele. - O senhor não tem condições de cuidar de uma criança! Dizia o homem da lei. Ele vai ficar muito bem aonde vamos levá-lo. A cena era comovente, mas os homens da lei permaneciam totalmente impassíveis e cruéis. Vô e neto entrelaçados, num abraço apertado não se desgrudavam. Pedro tremia e chorava convulsivamente sem nada entender. - Não quero ir! Quero ficar com meu vozinho! Dizia gritando o netinho. - Deixe-me, deixe-me! Gritava desesperado o menino! Inconsolável, sem forças para conter a brutalidade daqueles homens, foi desenlaçado do abraço do neto, e soluçando enxugou com a manga da camisa suas lágrimas lamentando. - Não levem o menino de mim! Por favor deixe-o comigo! Para aonde estão levando o meu Pedrinho? Foram inúteis seus apelos. Ainda ouviu ao longe os gritos de seu neto, quase abafado pelo ruído do carro que se afastava. - Quero ficar! Quero meu vozinho! Deixe-me, deixe-me, por favor! Alguns dias depois, sem saber o paradeiro de seu Pedrinho, desalmadamente colocaram-no num abrigo para idosos. Os anos passaram, mas não curou as feridas da separação, apenas sulcaram em seu rosto as rugas da saudade. Quando alguém perguntava para ele o que mais gostaria de ganhar no Natal, respondia esperançoso. - Dar um abraço e um beijo no meu Pedrinho. Aquela figura simpática, magra, cabelos em neve, mal podendo se manter em suas pernas me emocionava as lágrimas pela esperança incontida que alimentava. Passavam-se os natais, muitos deles, e o abraço tão desejado como presente não vinha, mas a esperança transformava o desejo desse momento, único e estático, num sonho imenso de realizações. Aquele Natal não foi diferente. - Ah! O presente? Suspirava longamente dizendo: - Rever meu netinho e dar um abraço bem apertado nele! Aquela tarde estava morna e linda como só nos natais podem estar. O rebuliço no ambiente demonstrava alguma coisa diferente. Muitos cochichos e sorrisos nos lábios. Um jovem, bem apessoado parou na porta do quarto do seu Fran, olhou-o demoradamente, como num ato de reconhecimento, e não se contendo, num sorriso desconcertado enxugou algumas lágrimas. E no mesmo instante... Seu Fran ergueu a cabeça, dirigiu seus olhos cegos para a porta, e como se estivesse vendo alguma coisa fantástica, linda, muito importante, sorriu meio engasgado dizendo: - Meu Pedrinho, é você? Até que enfim você voltou! Muita gente afirma que nesse momento viu uma intensa e brilhante luz que envolveu os dois. Abraçaram-se longamente, num abraço apertado como se fosse uma união de espíritos que finalmente se reencontram. O povo emocionado aplaudiu. Pedro, ainda abraçado, soluçando, diz baixinho no ouvido de seu avô. - Vozinho, vou levá-lo comigo, ninguém mais vai nos separar! POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

O DONO DA FESTA

Que este Natal e Ano Novo sejam mais do que confraternizações porque todos os momentos, em especial este novo ano, deverão ser iluminados, abençoados e que os 365 dias, sejam vividos na sua totalidade. Já que Natal significa: renascer. Paz, conquista, compreensão, reflexão, prosperidade. Feliz Natal e Ano Novo! NÃO ESQUEÇAM DE CONVIDAR O DONO DA FESTA.

sábado, 13 de dezembro de 2014

A BAILARINA

Um dia parei no sinal e não vi a bailarina. O movimento da rua era normalmente intenso. Esse era o trajeto que eu percorria todos os dias ao trabalho. Sempre eu passava e via a mesma pedinte. Lá estava ela, desleixada, mal dormida, tresloucada, cantarolando, curvando seu corpo, imitando uma bailarina, ao estender sua mão suja implorando alguns trocados. Seu sorriso desdentado era sincero. Passava, com os vidros do carro quase fechados, sem dar trela a seus rogos. - Moço, estou com fome, dizia ela numa voz límpida e angelical, e sempre completava, por favor, só uma moedinha. Certa feita eu não resisti, e enquanto o sinal não abria, abaixei o vidro, e perguntei por perguntar, dando alguns trocados a ela. - E a tua família? - Tenho família não, seu moço. Ela, ali pertinho, sorrindo permaneceu de mão estendida; pude notar suas feições bem feitas; Sua rudimentar tez morena; Seus lindos olhos verdes que se perdiam naquele rosto sujo; Seu cabelo desalinhado dava a entender que havia uma tremenda desavença com o pente. Por debaixo daquele espectro podia-se perceber uma formosa mulher, se fosse, é claro, bem cuidada. Seu corpo esguio emagrecido pela bebida e pelas drogas não era um bom argumento para revelar sua idade. Digamos quinze anos. O sinal abriu, segui meu caminho. Toda vez que por ali passava, controlava a velocidade do carro com a intenção de pará-lo exatamente no sinal, e assim poder bater um papo com aquela figura. Queria saber mais sobre ela, talvez para poder ajudá-la! Certa feita, entre uma indagação e outra, perguntei pelo seu nome. - Meu nome é bailarina, respondeu-me ela de pronto, toda frajola fazendo trejeitos com seu corpo. - Bailarina? Mas como bailarina? Perguntei sorrindo para ela. - Sim, todos me chamam assim. - Mas por quê? Insisti. O sinal abriu, alguém apressado buzinou, e eu coloquei em marcha o carro. Ansiosamente no dia seguinte eu parei no sinal e lá veio ela. Rapidamente me contou que quando pequena sua mãe fazia limpeza numa escola de dança levando-a junto. Ficava encantada vendo as meninas dançando. O sonho dela era ser bailarina. No lugar da amarelinha, esconde-esconde, e outros jogos, ela se divertia dançando nas ruas imitando as bailarinas. A história dela eu fui construindo aos poucos entre os vermelhos e os verdes do sinaleiro. Não conheceu o pai, e sua mãe morreu quando era ainda pequena, e assim, sem ninguém por ela, foi morar na rua. - E você ainda quer ser bailarina? Certa feita eu perguntei. - É o meu sonho, seu moço! E vou conseguir! Percebi que para ela eram importantes aqueles momentos de confidência e de desabafo, pois ao me avistar vinha correndo feliz ao lado de meu carro. E para mim o que significavam esses momentos? Por incrível que parece para mim se tornou uma necessidade obcecada em vê-la, aconselhá-la, dar alguns mimos. Certa vez dei de presente uma sapatilha usada dizendo: - Um dia quero ver você dançando um balé nas pontas dos pés! Ele pegou e toda feliz foi mostrar aos amigos mendigos que por ali se encontravam. Enquanto ela se afastava pensei. - Como seria linda e elegante se fosse bem cuidada! Muitas vezes me surpreendia em mil pensamentos. Outras vezes fazia plano para retirá-la da rua e matriculá-la numa escola de dança. Meus pensamentos divagavam céleres, e assim, como num passe de mágica, eu a via rodopiando, rodopiando freneticamente num espetáculo lindo, e num final brilhante o povo delirante de pé aplaudindo. - Esta é a minha bailarina! Concluía feliz, todo orgulhoso, a minha divagação. Um dia parei no sinal e não vi a bailarina. – “Deve estar em qualquer lugar por aí”! Justifiquei para mim a sua ausência. Minha preocupação aumentou quando nos próximos dias não a encontrei. Um dia parei no sinaleiro, desci do carro e olhei esperançoso para todos os lados, e quando já estava voltando ao carro chegou um moleque magrelo, todo maltrapilho, dizendo-se amigo da bailarina, entregando uma sapatilha dizendo. - Seu moço, antes dela morrer pediu que eu entregasse isso ao senhor. Peguei a sapatilha enxugando as lágrimas que tristemente umedeceram meu rosto. Olhei para o céu e me confortei num pensamento: - Lá em cima, com certeza, tem um anjo que feliz está nas pontas dos pés rodopiando ao som de uma angelical música para mim. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 7 de dezembro de 2014

E O CAVALO TROPICOU

Das histórias que meu pai me contou, esta aconteceu comigo, diz ele sério na sua fala entusiasmada. Não me recordo disso, talvez porque naquela época ainda de cueiro, ficaram confusos os registros e por isso, neste momento, não tenho acesso a eles na minha memória. Assim ele me contou, e eu a escrevo da minha maneira. Montar e se locomover de um lugar ao outro no lombo de um cavalo, para meu pai era maneiro como se tivesse dirigindo um carro qualquer. Era um transporte seguro e rápido para a época. Praticamente toda a logística dependia do cavalo. As carroças e os lombos dos muares povoavam as estradas poeirentas. Meu velho adorava galopar. Quando sentou praça, foi encarregado pelo comando geral do 5º Batalhão de Sapadores, por ser o mais experiente cavaleiro do batalhão, para conduzir uma tropa de mulas de Pedra Preta*1 a Lages. Levou mais de um mês cavalgando. As mulas chegaram vivas e com boa aparência ao destino, principalmente pela competência de seu condutor. Meu pai, com certeza, tinha naquela época uns calos na região carnuda das nádegas. Grande parte de seu dia morava em cima do cavalo. Certa feita, só para matar a minha vontade, experimentei pilotar um pangaré, por alguns minutos, e acabei saindo de pernas abertas, todo assado, meio troncho com dores horríveis na bunda. Meu pai desde pequeno já acompanhava meu avô, pai dele, pelas cercanias onde morava no lombo de um cavalo, seja para passear ou então para conferir o que estava sendo produzido pela roça. Montava em pelo como ninguém, e com facilidade conduzia o animal no ritmo que ele queria. Aos bailes e aos encontros com minha mãe, lá ia ele, todo garboso, senhor absoluto de si, galopando o seu bom galopar, pelas veredas sinuosas, durante o dia ou durante a noite. Quando nasci meu pai gostava de sair para fazer os passeios troteando seu alazão. Sempre me levava preso em seus braços. Ele era um ginete dos bons. Se o cavalo aporreado velhacava com ele, sabia como ninguém domar o animal, pondo-o obediente à rédea. Olhando-o na montaria, parecia uma pintura clássica, de tão altivo e nobre que era. Minha mãe ficava encantada, mas não deixava de fazer suas recomendações. Foi numa destas tardes mornas quando o sol ao longe pungia tristemente os campos, que meu pai resolveu dar uns galopes comigo em seu braço. Tudo parecia normal e agradável. O cavalo não era nem velhaco e nem aporreado, mas de repente alguma coisa tirou o animal do sério. Meu pai acha que foi uma serpente, que por ali rastejava, a causa da confusão. O cavalo deu uma tropicada, relinchou assustado, peidou soltando o que tinha em excesso nas tripas, e de forma inesperada empinou, corcoveou feito um maluco como se seus grãos estivessem sendo esmagados pelo arreamento. Meu pai permanecia grudado em seu lombo me protegendo, mas no momento em que o cavalo se dispôs a iniciar uma eletrizante correria, meu pai saltou, deu um meio rodopio no ar caindo em pé na estrada, um pouco desequilibrado se apoiando no chão com uma das mãos; Eu permaneci são e salvo preso em seu braço forte. O espetáculo foi rápido. A cena, pelo seu incrível acontecimento, seria digna de registro cinematográfico. Ainda não refeito do susto, coração acelerado, vendo seu cavalo troteando lá mais adiante, e como um cisco desparecer no meio da poeira da estrada, olhou preocupado para mim acomodado em seu braço como que para conferir se tudo estava bem. Ficou admirado do que viu, e sorrindo beijou minha testa. Meu pai completou a história dizendo: - Você estava rindo muito feliz batendo palmas como se tivesse aplaudindo tudo aquilo pedindo para que eu fizesse novamente. *1 - Pedra Preta hoje é Tunas do Paraná. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 30 de novembro de 2014

O DESENCONTRO

Sentado, ali ao seu lado, saboreando um gostoso chimarrão, pedi que meu pai contasse mais alguma coisa de seus tempos idos; Ele pigarreou, franziu a testa e contou mais uma interessante história dele. Escutei atento, fazendo algumas anotações. Escreverei tentando ser ao máximo fiel a sua narrativa. Assim... Ainda vivendo os pungentes momentos do falecimento da mãe, Francisco resolve servir o exercito. Sua noiva Gertrudes tentou demovê-lo da ideia, mas tudo foi inútil. Todo jovem, no fervor incandescente de seus 20 anos se apaixona doidamente, inconscientemente, mas especificamente no caso do Francisco foi muito mais a carência dos carinhos que sentia de sua amada mãe do que um amor verdadeiro desperto. Foi um amor fugaz e inconsequente. Ele conheceu Gertrudes num baile em Bonito. Pé de valsa como era, não perdia oportunidade, e sempre ia lá acompanhado do Armandinho Ribas, um velho amigo casado com sua prima. No exército, lá de quando em quando algumas cartas trocadas, e nas folgas algumas horas juntos. Era véspera de carnaval quando recebeu um recado da Gertrudes informando que ia passar uns dias na casa do tio dela na Lapa. Ótima oportunidade para se reverem. No exército a disciplina é rude e não perdoa deslizes. Francisco tinha consciência disso. Ganhou uma licença, mas não poderia arredar o esqueleto de Curitiba. Maquinou uma estratégia e foi a Lapa ao encontro da Gertrudes. Era um risco que deveria valer a pena. Chegou à boca da noite na casa do tio dela e a encontrou com umas tantas amigas, todas prontas para o baile. - Já deixei a cama arrumada para você! Disse ela ao noivo já se despedindo dele. Francisco um tanto chateado e magoado perguntou: - Mas você vai mesmo a esse baile? - Sim! Amanhã se vemos. E elas lépidas, rindo atafulhadas, se despediram de Francisco. E ele, acabrunhado, olhou aquelas meninas, feito potrancas soltas no pasto, se afastar rapidamente perdendo-se na curva da estrada. Desenchavido pelo atrevimento da noiva, e com pouco assunto no momento, apenas trocou evasivas palavras com o tio dela, deu meia volta e bateu em retirada. Era uma boa pernada até a pensão na Lapa. Passou pelo clube dos alemães; A festa de carnaval estava rolando solta e muito animada, convidativa; Isto foi o suficiente para ele parar e entrar. Afogou as mágoas dançando o bom dançar como só ele sabe fazer. Trocou a cama arrumada lá da casa do tio dela pela cama da pensão que ficava perto da estação do trem. O sol ainda preguiçoso não tinha dado as caras, e o dono da pensão bateu na porta dizendo: - Acorda soldado que o misto já tá chegando! O misto parou, deu um tempo, e num apito rouco, nervoso, como se dissesse pelo jovem Francisco o adeus a Gertrudes. Preguiçosamente o trem, preso nos trilhos, resfolegou ganhando velocidade despejando no ar um negrume da chaminé da máquina, deixando para trás a saudade, o amor e a ingratidão. Francisco retornou sem problemas ao quartel. Remoeu, meditou e decidiu. Uma carta breve endereçada a sua noiva dizia. - “Se suas amigas e o baile foram mais importantes para você do que eu, considere rompido o nosso compromisso”. Ao final da narrativa aplaudi, dando um abraço no meu pai dizendo: - Ainda bem que isso aconteceu meu pai, fico feliz em ter tido como minha mãe a doce e meiga Maria, a linda menina dos olhos azuis. por: MARIO DOS SANTOS LIMA

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

FIEL CAPATAZ

Das muitas histórias que meu pai me contou, esta vale a pena ser registrada. Lagoa das Almas, nas cercanias da Lapa, era uma localidade hostil, macabra, e de enormes desavenças entre fazendeiros. Resolvia-se tudo na ponta da faca ou no aperto do gatilho. Naquela época os fazendeiros usavam um cinturão em couro para segurar as calças, assim como também para dar guarida a sua algibeira com seus réis, bainha com seu punhal e o coldre com seu trinta e oito. Era normal esta ostentação em público. Este aparato denotava fortaleza, segurança, e respeito. Os réis, dinheiro da época, eram guardados em casa, e a grande parte protegidos e ostentados nas algibeiras. Quando havia um assassinato de gente fina, abastada, os aproveitadores e saqueadores caiam feito urubus famintos em cima do morto para depená-lo do punhal, revolver e os réis da algibeira. Por esta razão, os fazendeiros procuravam selecionar bem seus capatazes para garantia de sua vida e do patrimônio. Estes guarda-costas acompanhavam seus patrões aonde eles iam, defendendo-os ou tentando fazer isso. Nas contendas, os capatazes, de cada lado da rinha, se respeitavam, e por isso nenhuma ponta de punhal ou chumbo feriam suas peles, apenas a de seus patrões. Seu Libório, nome fictício aqui, fazendeiro de malquerença na região, vivia trocando farpas com outros fazendeiros. Tocaias com desperdício de chumbo eram comuns. A cada instante muitos viventes se tornavam defuntos. Nos velórios, entre uma oração e outra, um mar de lágrimas, desespero, e a promessa de vingança, entre mil rancores, acontecia ali mesmo, babando por cima do cadáver. Deus por certo não tomava conhecimento disso. E as terras da Lagoa das Almas iam aos poucos se tornando férteis com o adubo de seus defuntos. Um dia seu Libório, corpulento, em seu alazão, acompanhado de seu fiel capataz, foi tocaiado e entre milhares de balas e reluzir de punhais caiu fulminado estrondando seu esqueleto no chão poeirento. O capataz do seu Libório tentou de todas as formas defende-lo, mas foi inútil. Ali a seus pés o seu patrão estendido, ensanguentado, não respirava mais. E os vingadores, ao ver o Libório fulminado, gritaram em festa. - Matamos o filho de uma puta! Estamos vingados! E saíram cavalgando deixando uma nuvem espeça de poeira na estrada. Da mesma forma que os assassinos se fizeram em debandada, os saqueadores chegaram. Alguns tiros para o alto, e os gritos austeros do capataz foram o suficiente para colocar em desembalada correria aqueles urubus malditos. Não demorou muito, e a polícia chegou para conferir o ocorrido, mas foi veemente barrada pelo capataz que disse: - Só deixarei o meu sinhô quando a patroa chegar! Ninguém vai tocar nele não! Foram várias as tentativas de a polícia chegar ao cadáver; Lá estava o fiel capataz, de joelhos e de armas em punho, protegendo o corpo estatelado do seu patrão. O sol a pino esquentava o tempo e apodrecia o corpo. Alguns urubus, famintos, ansiosos pela carne farta, animados se empoleiravam mais adiante numa árvore. A esposa chegou desesperada, escabelada, e em prantos tantos se jogou por cima de seu inerte esposo. O capataz pacientemente, de joelho ainda, ao lado do corpo esperou o banho de lágrimas da esposa derramado no defunto; Esqueceu seu jeito bruto, e com cuidado e esmero retirou do corpo morto o punhal, o revolver e da algibeira deis mil contos de réis entregando para a lamuriosa esposa. Levantou-se, ajeitou sua rústica roupa, colocou seu roto chapéu, conferiu seu amolambado cinturão, apalpou sua algibeira, montou lépido seu pangaré, e sem dar a menor atenção aos homens da lei, afastou-se vagarosamente enxugando com o dorso da mão, disfarçadamente, algumas lágrimas que teimavam em banhar sua espessa e desalinhada barba. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Meu Blog tem mais de 50000 acessos. São acessos por este mundão todo. Eu quero agradecer sinceramente a todos vocês. Faço um convite. Ficaria mais feliz ainda se vocês dessem uma olhada no Recanto das Letras, e não deixassem de comprar o meu livro para você e para seus amigos. Vocês vão gostar, e rir muito de minhas histórias. My blog has more than 50,000 hits. Are accesses through this whole big world . I want to sincerely thank you all . I invite . I would be even happier if you give a look at the Nook Letters , and not let you buy my book for you and your friends . You will enjoy and laugh a lot of my stories . Mein Blog hat mehr als 50.000 Zugriffe . Sind greift durch diese ganze große Welt. Ich möchte ganz herzlich . Ich lade . Ich wäre noch glücklicher , wenn Sie einen Blick auf die Nook Briefe zu geben, und lassen Sie nicht mein Buch für Sie und Ihre Freunde zu kaufen. Sie genießen und lachen viel meiner Geschichten . Мой блог имеет более 50 000 обращений . Есть доступ через весь этот большой мир . Я хочу искренне поблагодарить всех вас . Я приглашаю . Я бы еще счастливее , если вы дадите взглянуть на Nook Letters, а не позволяют купить мою книгу для вас и ваших друзей . Вы будете наслаждаться и смеяться много моих рассказов . Moy blog imeyet boleye 50 000 obrashcheniy . Yest' dostup cherez ves' etot bol'shoy mir . YA khochu iskrenne poblagodarit' vsekh vas . YA priglashayu . YA by yeshche schastliveye , yesli vy dadite vzglyanut' na Nook Letters, a ne pozvolyayut kupit' moyu knigu dlya vas i vashikh druzey . Vy budete naslazhdat'sya i smeyat'sya mnogo moikh rasskazov . Blog saya mempunyai lebih dari 50,000 hits. Adakah mengakses melalui dunia ini besar keseluruhan . Saya dengan ikhlas matur nuwun semua . Saya menjemput . Saya akan lebih bahagia jika anda memberikan melihat Surat Nook , dan tidak membiarkan anda membeli buku saya untuk anda dan rakan-rakan. Anda akan menikmati dan ketawa banyak cerita saya. Mon blog a plus de 50.000 visites. Sont les accès à travers toute cette vaste monde . Je tiens à vous remercier sincèrement . Je vous invite . Je serais encore plus heureux si vous donnez un coup d'oeil aux lettres Nook , et ne vous laissera pas acheter mon livre pour vous et vos amis . Vous pourrez profiter de rire et beaucoup de mes histoires . Мій блог має більше 50 000 звернень . Є доступ через весь цей великий світ. Я хочу щиро подякувати всім вам . Я запрошую . Я б ще щасливішим , якщо ви дасте поглянути на Nook Letters , а не дозволяють купити мою книгу для вас і ваших друзів . Ви будете насолоджуватися і сміятися багато моїх оповідань. Miy bloh maye bilʹshe 50 000 zvernenʹ . YE dostup cherez vesʹ tsey velykyy svit. YA khochu shchyro podyakuvaty vsim vam . YA zaproshuyu . YA b shche shchaslyvishym , yakshcho vy daste pohlyanuty na Nook Letters , a ne dozvolyayutʹ kupyty moyu knyhu dlya vas i vashykh druziv . Vy budete nasolodzhuvatysya i smiyatysya bahato moyikh opovidanʹ. Min blogg har mer än 50.000 träffar. Är åtkomst genom hela denna stora värld . Jag vill uppriktigt tacka er alla . Jag inbjuder . Jag skulle vara ännu gladare om du ger en titt på Nook Letters , och inte låta dig köpa min bok för dig och dina vänner . Du kommer att njuta och skratta en hel del av mina berättelser . Acesse meu blog: www.mariolaje.blogspot.com Veja também: www.recantodasletras.com.br/autores/mariolaje Adquira meu 1° Livro: http://livrosdapaco.com.br/detalhes_produto.php?cod_produto=393&cod_categoria=0 Adquira meu 2° Livro: http://livrosdapaco.com.br/detalhes_produto.php?cod_produto=640&cod_categoria=0

domingo, 9 de novembro de 2014

MINHA VÓ ROSÁLIA

Se nesta vida existiu alguém otimista, animada com tudo e com todos, entusiasmada e de bem com a vida, este alguém, com certeza foi a simpática e alegre senhora dona Rosa – a cartomante - como era conhecida a minha eterna vozinha. Viúva que fora, não desfrutava das benesses da aposentadoria, e desta forma, como forma de sobrevivência, usava de seu dom natural de clarividência. As cartas, as quais tenho ainda carinhosamente guardadas, serviam como mecanismo de disfarce para suas visões. De certa forma as cartas exerciam um fascínio misterioso nas pessoas que a procuravam. Para elas eram as cartas, cortadas e embaralhadas metodicamente, a porta que se abriam para dar informações das sinas ou sortes de um porvir enigmático. Do meu quarto, que era contíguo à sala das revelações, eu muitas vezes ouvia-a descrevendo o que as visões mostravam para o futuro – sempre boas, mas quando ela via nuvens negras no porvir, com habilidade disfarçava isso orientando com bons conselhos. As pessoas saiam felizes. Ela foi minha madrinha de batismo. Quando nasci, presenteou-me com uma pena de aço para escrever dizendo para meus pais: - Este guri vai ser um grande homem! Realmente sou um grande homem, tenho um metro e oitenta de altura; Dela, através de minha mãe, é que herdei os lindos olhos azuis que tenho. Ela pedia, e ficava feliz quando lia as poesias e crônicas que eu constantemente escrevia. Talvez meu fascínio por escrever tenha como elo a pena de aço que recebi. Esta pena é o pacto indelével que se fez entre mim e a minha doce e graciosa vozinha. Ela era extremamente elegante tanto no trato como na fala. Ela não se intimidava com as adversidades que se apresentavam, e numa sabedoria toda dela, dizia tranquilamente: - Deus dá o frio de acordo com as cobertas que temos! Muitas vezes esta frase serviu-me de alento quando me via apavorado em situações que pareciam não ter saída. De estirpe nobre, mesmo nas condições de necessidade, conservava a essência do bom viver com as pessoas. Não era altiva, mas o suficiente corajosa nas adversidades. Morei com ela muito tempo. Fui adotado quase como filho. Eu era o seu protegido, e seu confidente. Gostava de ouvi-la! De absorver a sua dócil presença. Quando ela se casou, era uma menina de treze anos. Até o dia do casamento tinha visto meu avô apenas três vezes. A primeira apenas de costas, observando-o da janela do sótão quando ele saia de sua casa acompanhado dos pais. A segunda quando se oficializou o noivado, ela a um canto com seus pais e ele no outro canto com os pais dele. - Não houve nem uma troca de palavras entre vocês? Perguntei curioso para ela. - Não, apenas nos olhamos furtivamente. A terceira, no altar, no dia do casamento. Ela me confidenciou que não sabia nada de sexo quando se casou, e então afoito, não pude deixar de perguntar. - E como foi a primeira noite? Ela rindo, não muito a vontade, respondeu. - Foi uma confusão danada! Confesso que fiquei bastante assustada. Foram tantas as boas prosas e os bons conselhos. Lembro-me contristado do último encontro, alguns dias antes dela falecer. Num abraço bom, carinhoso, batendo de leve nas minhas costas disse amorosamente: - Lembre-se que para chegar a onde queremos, percorremos uma estrada, que muitas vezes se apresenta cheia de pedras e poeirenta! POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 2 de novembro de 2014

MINHA MÃE, A GENEROSA DOUTORA DOS ANIMAIS

O médico é um ser vocacionado que fica entre a bondade máxima do homem e a pureza indiscutível dos anjos. É um iluminado no cumprimento de seus afazeres, no restabelecimento cuidadoso do enfermo, ou então no triste dever de assistir o moribundo no desfecho final, e depois consolar seus amigos e familiares. Minha mãe em medicina não era de diploma formada, mas suas mãos de fada, mágicas até, e porque não, santas também, nos curavam das feridas fruto de nossas inúmeras peraltices. Pela sua doçura, e delicadeza no trato, a dor se tornava insignificante. De minha mãe eu tenho na lembrança a generosidade e o amor que ela tinha pelos animais. Na mão dela os animais feridos se deliciavam anestesiados pelo seu desvelo. Um dia ela salvou um pássaro preto, que já estava abocanhado por um felino. Agonizante, quase depenado, com uma das pernas quebradas, parecia implorar ajuda. Minha mãe, docilmente afagou em suas mãos dando-lhe calor e agua para seu bico entreaberto. Sua perna dilacerada foi recomposta com dois palitos de fósforo como tala, e um esparadrapo para dar firmeza e a condição de cura. Este pássaro, por muito tempo, foi o enlevo de minha mãe, pois o farto e bom prato tornou-o por demais pesado para que fosse suportado pelas suas asas nas alturas. Preferiu, desta forma, o conversar tranquilo com minha mãe do que o voar perigoso neste mundo cruel de seus predadores. Paciência é o que não faltava para ela. Um dia o gatinho nasceu troncho, e o conselho geral era o sacrifício da matança. - Este gato vai morrer a mingua! Diziam para minha mãe. Mas ela, com a generosidade que cabia em sua alma benevolente, deu uma oportunidade de vida aquele infeliz bichano. Cuidava da mamadeira feita de vidro de remédio e como chupeta, o conta-gotas. Três vezes ao dia fazia fisioterapia no animal. E ela conseguiu o que parecia impossível. Gato não tem o dom da fala para mostrar gratidão ao que minha mãe fez por ele, além do que este bichano já está morto. Morreu de morte natural correndo atrás dos ratos, e subindo em árvores tentando pegar os passarinhos. Minha mãe no quintal tinha umas galinhas, e um galo safadão sarado, possuidor de uma espora enorme, para dar assistência sexual a elas. Eu acho, que pelo ato cruel que praticou um dia, este galo deveria ser um tarado enrustido, ou então já não estava gostando de se relacionar mais com as mesmas galinhas. Certa feita alguém deixou uma franguinha para minha mãe cuidar. Ela foi, inocentemente, solta no quintal junto às outras galináceas. Quando o senhor galo descobriu aquela coisinha, cheirando ainda a ovo, solta no meio de outras galinhas, não teve por onde, perdeu o controle, e feito um doido correu atrás dela. Desvirginou impiedosamente a pobre franguinha, que ficou estatelada no chão. O maldito galo, com suas enormes esporas e de peso avantajado acabou dilacerando toda a pele do dorso da coitadinha. Depenou-a de alto a baixo sem misericórdia. Lá vai então minha mãe em socorro da pobre franguinha. As costelas estavam à amostra. - Termine de matar e vamos fazer uma canja! Alguém sugeriu. Mas minha mãe viu ainda vida naquela coitada. Prendeu os pés da franguinha no meio de suas pernas, passou mercúrio e com uma agulha começou o processo de costurar a pele despenada solta. A cada agulhada e franga cacarejava croc, croc. Feia, sem as penas no lombo, se tornou senhora do terreiro. Depois de muitos ovos esta franguinha um dia transformou-se numa gostosa canja. Muitas, e muitas histórias teria eu para contar desta generosa e linda mulher! A suave presença de minha mãe com sua benevolência, sua delicadeza, seu altruísmo, seu desapego e sua ternura me faz muita falta hoje. Os animais feridos aqui da terra tem saudade dela; Eu tenho certeza que São Francisco a levou para cuidar dos animais lá no céu. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 25 de outubro de 2014

HOMEM DO SACO

Eu duvido que exista algum vivente vivo ou morto, respirando ou não, nesse imenso universo, que não tenha sido ameaçado pela sua mãe, pela sua tia ou pela avó com o aterrador homem do saco. - Se você fizer isso! Se você aquilo! Se você etc. e etc. e tal, o homem do saco vai pegar você! O homem do saco era assustador! Vinha sorrateiramente e ensacava as traquinas crianças. Que medo filho de uma puta eu tinha dessa indecente, e misteriosa figura que nunca tive o desprazer de conhecer. Eu acho que tinha mais medo do homem do saco do que do capeta. O capeta, conforme aprendi, sempre foi o cara das travessuras, das sacanagens, e eu sempre fui muito ligado às estripulias, e as confusões. Se fosse preciso eu seria amigo do capeta e mandava matar o homem do saco. Eu o imaginava um monstrengo desfigurado que pegava as crianças, e as transformava em pasteis que vendia nas feiras. Por isso nunca gostei de pastel! Sabe-se lá deus o que tem dentro deles. Certa feita, moleque ainda, sem os pelos no saco, caminhava lado a lado com meu pai. O destino era a Igreja. Avistei, dirigindo-se a nós, um arquejado e debilitado andarilho. Trajava imundos e rotos trapos. Uma barba imensa, desalinhada, cobria sua face. Trazia sofregamente um saco sujo e enorme nas costas. - São as crianças arteiras que ele pegou! Imaginei medrosamente olhando aquele saco. Meu pai, de passos largos, fazia com que aquele monstro se aproximasse mais rapidamente de nós. Grudei nas calças dele e comecei a choramingar. - Não deixe esse cara me pegar! Não quero virar pastel! Puxava ainda mais forte a perna da calça olhando suplicante para meu pai. - Eu prometo! Vou ser bonzinho! Como estava atrapalhando o andar de meu velho, ele retirou minhas mãos da calça dele me repreendendo. - O que é isso moleque? O que está acontecendo com você? Nesse momento a figura indescritível já estava próxima de nós, e eu, petrificado, apenas pude e tão somente apontar com o dedo para a figura horrorosa. Não me lembro, mas devo ter evacuado e mijado nas calças quando aquilo se dirigiu para meu pai. No momento pensei: - Pronto, meu pai vai me entregar a esse asqueroso velho, e eu vou estar dentro do saco dele junto com outras crianças, e desesperado conclui: - Vou virar pastel! O maldito homem do saco não morre, é eterno, deve ter milhares de anos, e milagrosamente ainda está muito bem. O amaldiçoado, que se dirigiu ao meu pai, ainda caminhava muito bem, e sem auxilio da bengala. Por sorte meu pai não me entregou a ele. Concluo que naquele momento ele já estava com o saco cheio, viso que simplesmente pediu ao meu pai uns trocados para comprar comida. Meu pai deu a esmola, e graças a Deus tal qual ele chegou desapareceu. Cheguei são e salvo a Igreja. Agradeci pelo milagre de ainda estar vivo e não ter virado pastel. Nas minhas orações fervorosamente pedi para que o monstro sempre estivesse de saco cheio, e com muita fome. Sempre gostei de desafios, e por isso continuei, por muito tempo ainda, fazendo traquinagens. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 18 de outubro de 2014

BALA PERDIDA

Um corpo é atingido, e alguém desesperado grita: - Está morto! Foi bala perdida! Mas foi mesmo uma bala perdida? Perdida é um termo muito pejorativo, ultrajante. Hoje não sei, mas nos meus lindos e idos tempos de criança, quando se falava em perdida era para simplesmente se referir aquela mulher vadia que resolveu, por prazer ou negócio, usar seu corpo em deleites mil, proibitivos pela sociedade. Perdeu a virgindade fora do leito nupcial era uma perdida. Mas e a bala? Será que ela perdeu alguma prega? É ela uma desvairada que por isso anda as tontas matando esse e aquele vivente? A bala tem vontade própria? E a dúvida permaneceu até que resolvi conversar com uma dessas tresloucadas. E fui. Um corpo inerte teimava em permanecer numa poça de sangue. Pulei por cima dele, e fui ao encontro da bala perdida. Lá estava ela estatelada presa na parede. Cheguei, medrosamente de mansinho, e vi a insana tentando desesperadamente se desprender da parede em que se alojou. Trazia ainda resquícios do sangue da vítima que ela miseravelmente atravessou. - E aí sua perdida, satisfeita com o que acabou de fazer? - Não sou perdida! Respondeu-me ríspida a bala toda deformada presa na parede. Parou de se movimentar, olhou-me demoradamente e continuou no seu sibilar: - Sou o acaso, mas não sou o caos! Estou na malquerença de um corpo inocente que apodrece! Não me controlo; a direção se estabelece a partir de um maldito estampido! Sou ejetada, e pelo caminho ouço gemidos e só paro esfacelada grudada nas paredes. Parou um pouco e perguntou: - Sou apenas isso! Sou perdida por isso? Não respondi, tal era meu ódio por ela. - Sou fruto de desavenças, de descontroles; culpam-me para desculpar a mão assassina destreinada! Parou um pouco pensativa e continuou no seu zumbido. - O corpo que ali está estendido ninguém sabe quem matou, mas todos gritam em uníssono: -“Foi a bala perdida!”. Pensou um pouco e continuou. - Destruam todas as armas de fogo, e todas as balas perdidas desaparecerão! Silenciou, não quis mais conversa comigo. Num último esforça ela se desprendeu de onde estava e foi se acomodar no chão. Minha vontade foi de pisar nela. Não o fiz porque não deu tempo. Ouço um tumulto, gritos e estampidos; Uma bala sibila perto de mim e um corpo gemendo se estatela no piso. Joguei-me apavorado onde estava, de bruços, com a mão na cabeça. Quando o rebuliço se amainou, levantei vagarosamente a cabeça olhando de um lado e de outro, e apenas vi alguém, que curvado sobre a vítima, gritava por socorro. Perguntei para meus botões: - Puta merda, será que foi outra bala perdida? POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 12 de outubro de 2014

AS MENINAS DE PROGRAMA

Estas criaturas, sirigaitas da vida, existem desde que Deus perdeu o controle da humanidade para o capeta. No tempo de Jesus elas eram sumariamente apedrejadas até a morte, com exceção de uma ou de outra que fora salva pelo Bom Pastor, mas hoje estas piranhas safadinhas estão soltinhas por aí, e por incrível que pareça até se discute no congresso nacional a aprovação de uma lei regulamentando a profissão de prostituta como uma atividade prestadora de serviço. Perguntaram ao Papa o que ele achava destas vadias ele disse: - Quem sou eu para condenar se nem Jesus Cristo condenou? No meu tempo de moleque elas tinham permissão, para num dia x da semana, sair de seus puteiros para compras na cidade e exibir seus predicados. As boas e santas senhoras de família, neste dia, se fechavam em casa, rezando terços e cuidando atentamente de seus filhos que ainda eram desprovidos de pelos nos sacos. Hoje estas assanhadas sexuais lamentavelmente se misturam nas famílias, nas igrejas, ruas, escolas e na política. Será que o mundo virou um prostíbulo? As mariposas pecadoras se esgueiram pelas sombras na busca de uma tênue luz para iluminar seus devassos prazeres. Os incautos caem como moscas no mel. E assim caminha a humanidade. Ainda não conhecia meu vô Moises, e por certo bateu nele uma vontade louca de conhecer seus netos desconhecidos que moravam na distante cidade de Apucarana, e resolveu viajar. Meu avô combinou com seu filho Hugo, meu tio, irmão de meu pai, e programaram a viagem para o norte do estado. Embarcaram no vapor em São Mateus, e em Porto Amazonas pegaram o trem para Curitiba. Depois de quase três dias de cansativa viagem chegaram finalmente de trem em Apucarana. Meu tio Hugo era ainda glabro, pois pela pouca idade de seu esqueleto, era de rosto e saco completamente pelado. Eu tenho uma lembrança um tanto vaga desse tempo, mas sei que foi uma bela festa, e muita alegria com a chegada do vô Moises e tio Hugo. Vô Moises era um caboclo muito curioso, e gostava de desvendar todos os segredos da vida. Havia muitas novidades que ele foi pesquisando e anotando. Um dia, depois do café da manhã, saiu ele em companhia do tio Hugo para uns passeios de reconhecimento. O almoço chegou, e ficamos preocupados com a ausência dos dois. Um celular nesse momento ajudaria bastante, mas naquela época nem telefone existia, apenas o telégrafo. Almoçamos e a mãe teve o cuidado de deixar dois pratos prontos na beira do fogão à lenha. Já na boca da noite chegaram os dois. O vô Moises sério e o tio rindo. A um canto meu pai e os dois confidenciavam alguma coisa e lembro que o pai perguntou: - Mas como é que vocês caíram nessa? Pelo desenrolar da conversa entendi que meu avô acabou perdendo todo o dinheiro que tinha para umas alegres meninas. Só sei que meu pai teve que financiar a volta dos dois. Cogitando cá com meus botões eu construí alguns cenários. Ou era dia de permissão para as garotas do prazer andarem zanzando, sacolejando seus quadris pela cidade na busca de auxílio, e meu avô resolveu ajuda-las caridosamente com alguma quantia de dinheiro. Ou então uma putinha, vadia safada, resolveu aplicar o golpe amoroso nele. Meu pai nunca me revelou o que realmente aconteceu, mas eu sei que ele sabe, lá isso ele sabe com precisão, o que aconteceu com o pai e irmão dele naquele dia. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 5 de outubro de 2014

CONVERSANDO COM DEUS

Corta profundamente meu coração ver um idoso solitário sentado num banco de praça. Era um daqueles entardecer gelado, com um chuvisco ordinário molha trouxa, que eu, de passos largos, atravessava a praça quando deparo com uma figura simpática, mas um tanto triste, de um velhinho de barba branca desalinhada, um tanto maltrapilho. Acerquei-me dele, pedindo licença, e sem cerimônia sentei. O peso, dos agasalhos que eu tinha nas costas, aliviei-o colocando nas costas do miserável, e com ele tabulei uma conversa: - Que olhar triste é esse meu bom velhinho? Você não tem casa ou família? Ele olhou-me demoradamente, e num suspiro respondeu. - Tenho sim, mas me expulsaram dela. - Mas como isso aconteceu? Vamos já conversar com sua família! Novamente ele me olhou nos meus olhos, e lamentou: - Eu sou Deus, e cada um de vocês me expulsou-me de seus corações, de suas casas! Eu achei isto bastante espirituoso do bom velhinho, e dessa forma resolvi alimentar a sua imaginação entrando no mesmo espírito de conversa. - Eu acho que você era muito severo! Iniciei minha argumentação para justificar a expulsão dele dos corações e das casas dos viventes. Sem tirar seus olhos fixos no chão perguntou-me. - Como muito severo? Resolvi fazer de conta que isto tudo era um teatro, e assim, eu criatura dando conselhos ao seu criador no palco da vida. Acomodei melhor meu corpo virando-me para o lado dele. Com voz firme desabafei: - Quando criança você para mim era um monstro, me assustava muito; Castigava severamente; mandava as crianças para o inferno, e dizia que era nosso pai! Você não era meu pai, era meu algoz! Eu confesso que tinha medo daquele olho grande desenhado nas Igrejas onde você dizia “Eu vejo tudo”. E via mesmo! Eu não podia fazer qualquer peraltice que minha mãe ficava logo sabendo, e como castigo recebia umas chineladas na bunda. Confesse, você fuxicava para ela, eu sei! Olhei para ele, e percebi que de seus olhos escorriam lágrimas, mas cruelmente completei: - Eu tinha raiva de você! Eu queria que você morresse! Ele então me interrompeu dizendo: - E sou o criador de tudo, e de todos, e amo cada célula, cada molécula que existe nesta vida. A imagem de pai severo não fui eu que criei. Mas confesso que mesmo assim eu gostava dessa analogia de pai severo, de pai que castigava, porque desta forma era lembrado e venerado pelos mais velhos. Hoje o seu deus é outro monstro, um monstro construído na imaginação perversa da humanidade que vive do imaginário, e não do real. Eu fui trocado por lobos, por bichos papão, pelo homem do saco, pela feiticeira. E continuou choroso: - Já nem estou mais nas igrejas com meu cruel olhar! Já não sou mais lembrado nas orações da noite ao deitar, ou na hora das refeições! E completou amargamente: - Sou apenas uma terrível ficção! Sou um zé ninguém! Ele abaixou a cabeça, e eu continuei na minha representação teatral. - Não! Você não é uma ficção, você é uma realidade visível! Você é real na maravilha que a vida é! Você é real na beleza tanto do amanhecer, como do entardecer! Você é real no mistério da vida! Você é o mistério que procuramos entender! E completei. - No próprio ódio, na própria desavença você é real no amor que deve existir. Você é o todo nas parcelas que cada um de nós somos. Ele olhou-me admirado, levantou-se vagarosamente, colocou a mão em minha cabeça como se estivesse me abençoando, e em passos lerdos foi se afastando, e como uma figura brilhante na tênue neblina desapareceu. E a peça terminou! Fiquei então me perguntando: - Será que falei com Deus? POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 28 de setembro de 2014

MÃO SUJA

Imagino que eu era uma pessoa mais ou menos teimosa quando criança. Tinha por certo uma personalidade marcante. O teimoso normalmente se recusa a aceitar as evidências, e comigo acabou acontecendo isso uma vez. Meu pai um dia contou um caso interessante que aconteceu comigo, e eu me lembro ainda da cena. Deus por certo quando começou a pintar o planeta errou na dose de tinta ao colorir a terra na região de Arapongas. É de um marrom sangue de boi amanhecido. É tão grudento, mas tão grudento que acho ser pior que o capeta tentando o vivente pecador. A terra daquela região deve ter alguma substância ácida, pois quando criança, nossos pés, pelos folguedos descalços, viviam encardidos com sulcos doloridos quase sangrando. Minha mãe sempre dizia: - Não brinquem descalço nesta terra! Criança obedece? Só quando dorme. Muitas vezes minha mãe ficava endoidecida com minha desobediência, e rolava então umas chineladas doidas na bunda. As chineladas tinha a função de avivar assim o cérebro, lá na parte das lembranças, das coisas que podia e das que não se podia fazer. Era sintomático, depois das chineladas amorosas recebidas, lá ia eu fazer exatamente o que minha mãe não gostava ou que tinha proibido. Fazia por birra ou por vingança, nem sei. Ironicamente eu a provocava chafurdando na terra que Deus errou na receita da cor. Enxovalhava-se todo em represália ao castigo recebido dela. Minha mãe não se dava por vencida. Mais chineladas na bunda, e aí eu me rendia num choramingar ranhoso, grudado nas pernas dela. A arma da criança é saber precisamente o que os pais não gostam, para usar exatamente isso como forma de contestação, ou para simplesmente conquistar alguma coisa. E eu continuei por muito tempo tentando conquistar isto ou aquilo, sujando meus pés e minhas mãos naquela grudenta terra vermelha. Certa feita, fomos visitar pessoas ligadas ao nosso sangue, as quais meus pais chamavam de parentes. Elas moravam em São Mateus. A viagem de vapor de Porto Amazonas a São Mateus durava uma noite. Para mim era quase um século. Convenhamos que para uma criança tanto tempo presa, ou no camarim ou sendo monitorada no convés, ultrapassa o limite da paciência. Pouco santo que era, devo ter aprontado poucas e boas nesta viagem, e recebido algum corretivo um pouco menos santificante. O vapor atracou finalmente no porto. Eu, preso pelas mãos cuidadosa e atentas de minha mãe, desci lépido pelo trapiche já com o plano infernal arquitetado. - Agora vou à desforra total! Acredito que, raivoso naquele momento, pensei. Imediatamente me desgrudei dela, e para mostrar toda minha força, e me vingar me joguei feito um doido naquela terra, esfregando sofregamente minhas mãos nela. O povo parou por momentos imaginando que fosse a apresentação de alguma performance. Minha mãe gargalhou, num gargalhar gostoso acompanhado de meu pai. Como o riso é contagiante o povo riu ruidosamente também, principalmente quando me levantei, e assustado verifiquei que minhas mãos continuavam limpas. Detestei aquela terra argilenta que não me sujou as mãos; Deus, com certeza, descuidado esqueceu-se de colocar nela a tinta vermelha. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 21 de setembro de 2014

A BICICLETA PROIBIDA

A bicicleta exerce um fascínio enlouquecedor tanto para quem não sabe equilibrá-la por entre as pernas como para quem sabe, mas não a tem. Eu tinha uma. Bem... Não era minha, mas pelo cargo importante que exercia na empresa de engenharia, foi colocada a meu dispor uma linda bicicleta holandesa para que eu pudesse percorrer, e acompanhar as obras em construção. - Cuide bem dessa bicicleta! Foi a recomendação severa que o dono da empresa fez para mim. E que esmero tinha eu por ela! Ela era minha paixão! Trepava nela tão somente para o exercício da profissão. Fora do expediente de trabalho, sábados e domingos, eu usava então gastar a sola do meu calçado. O relacionamento meu com a magrela foi se tornando cada vez mais grudento, mais íntimo, ao ponto dela, quando chegava de minhas andanças, resmungar, tal qual uma amante enciumada: - Até que enfim você chegou! Às vezes ela concluía: - Não gosto de ficar aqui sozinha, abandonada, gosto sim, de estar entre suas pernas! Com o passar do tempo comecei a notar que ela estava um tanto diferente, não macambuzia, mas muito coquete para meu gosto, e já não mais reclamava a minha presença. - Será que a danada estaria de caso com algum outro trepador? Pensei cá com meus botões. O tempo passou, e um dia ela, só para me sacanear, delatou: - A Laura anda me usando! - Puta merda, então é por isso que ela não liga mais para mim! Pensei. Aquela notícia foi como uma tijolada nos meus grãos. No início fiquei possesso, quase encapetado; o sangue subiu e desceu fervendo pelas minhas veias e artérias; Os grãos do saco desapareceram, e senti um amargo esquisito na boca; Não sabia se dava uns chutes na magrela ou esganava a minha irmã. Fui para dentro de casa, e passei uma descompostura amorosa em minha mana dizendo: - Eu arrebento teus cornos se você ousar mexer na minha bicicleta! Em parte eu não acreditava que minha irmã, pequenina de tamanho que era, magrinha, pudesse andar naquela enorme bicicleta adulta, masculina. Mas nessa vida tudo é possível. Para evitar controvérsias, a partir de então, ao deixar a bicicleta estacionada, eu tinha o cuidado de marcar no chão a posição exata dela. Ao retornar para usá-la, verificava se estava tudo conforme tinha deixado. Passaram-se os dias sem qualquer alteração até que a magrela me segreda: - Sua irmã continua me usando. - Mas como? Perguntei atônito para a bicicleta. - Tendo o cuidado de colocar-me na mesma posição que você deixou. Respondeu-me ela. Quis matar a Laura, mas ela se aninhou na proteção do colo de minha mãe. - Eu te esgano! Rangendo os dentes gritei para ela. A partir de então, além de deixar a magrela posicionada, esvaziava seus pneus, tendo o cuidado de esconder a bomba. Eu acho que minha irmã, além da proteção de minha mãe ela deveria ter a proteção de uma legião de anjos. Todos os dias eu chegava, conferia a posição da bicicleta, enchia o pneu, e saia para o trabalho. Apenas estranhava, ao estar enchendo o pneu, ver minha irmã toda nervosa por debaixo da cama. Um dia veio a impiedosa revelação. A bicicleta rindo, olhando para mim, comenta: - Estou completamente dolorida e feliz! Sua irmã todos os dias vai por aí comigo, sacolejando pelas ruas. - Mas como, se os pneus estão vazios? - Por isso é que estou toda dolorida, concluiu a magrela para mim. Chiu, chiu. A bomba gemendo encheu um e depois o outro pneu. Pensei furioso: - Ou o pouco peso dela nada fez com que a câmera de ar se rasgasse ou os anjos safados carregaram a bicicleta no colo! E, feito um possesso, locomovi meu esqueleto a fim de bater na Laura. Minha mãe se entrepôs entre nós. Devolvi a bicicleta. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 13 de setembro de 2014

FLUTUANDO POR ENTRE AS PEDRAS

Eu sempre tive verdadeira paixão pela levitação. Era tanta a vontade de levitar que estive no Tibete, na terra mágica no monte Evereste. Permaneci algum tempo na mística cidade de Lhasa só para desenvolver e treinar exaustivamente o processo de flutuação de meu corpo. Conseguia elevar meu esqueleto por alguns milímetros do solo. Mal sabia eu que um dia teria que praticar isso sem aviso prévio. Mas lamentavelmente tive que fazê-lo! Eu a Irene, e minhas duas irmãs Inca e Isa, resolvemos almoçar em Paranaguá passando pela estrada da Graciosa. Um dos mais belos e históricos caminhos deste imenso Brasil. Parando prazerosamente, aqui e acolá, pelos pontos turísticos chegamos ao Rio Nhundiaquara. Diga-se passagem uma parada obrigatória. O Rio corre ligeiro por entre as pedras, e se esgueira feliz por entre os cascalhos a se ver envolto por rica e refrescante vegetação. O rio neste lugar é livre e feliz Ninguém, neste ponto, resiste à beleza incomparável das margens dele. Todos, quase sem exceção, descem para, entre as corredeiras, pular de pedra em pedra. Outros preferem sentar preguiçosamente em algum rochedo e respirar absorvendo demoradamente a beleza do local. Às vezes tem mais gente que cascalho, e o acidente inevitavelmente pode acontecer. É comum às vezes dois tentarem galgar a mesma rocha, e tragicamente assim um deles irá se refrescar nas águas frias. E aconteceu comigo. Eu queria levitar, mas não daquela maneira. Desci da estrada ao rio, e me inseri quase flutuando de pedra em pedra, tomando o cuidado para não cair na corredeira, que passava sapeca querendo lamber molhado as minhas pernas. Até que eu estava me saindo bem no processo de pular de um lado ao outro encurtando distâncias; os anjos me acompanhavam apoiando meu corpo para o não acidental desequilíbrio, mas o imprevisto aconteceu, ou o capeta tomou conta de tudo. Quis pular! Olhei diversas vezes, fiz meus cálculos de geometria plana e espacial, calculei os ângulos possíveis, traçando cuidadosamente a trajetória de onde eu me encontrava até a pedra um pouco mais acima. A pedra do desejo estava tomada pela Irene. Nos meus cálculos inclui a variável agarrar o braço dela para ajudar no impulso. Firmei meu pé esquerdo na pedra à frente para o impulso, e projetei de imediato a perna direita em direção à outra pedra. Meu corpo deixou o local, e ele já estava projetado no ar quando por erro de cálculo ou pela mão maldita do capeta não consegui alcançar o braço da Irene. Estava simplesmente solto no ar. Por uma fração de segundos eu lindamente levitava apoiado ainda pelas mãos de meus anjos, mas uma sirene estridente, fina e aguda afugentou os anjos trazendo um bando de capetas, e desta forma me vi miseravelmente solto no espaço. O grito agudo continuava para alegria da diabada, e eu esperneando senti apavorado que meu esqueleto descia feito um foguete para cima das pedras. Tentei lembrar as lições que tive no Tibete, mas inutilmente tentei. E o ruído sinistro fino de sirene fazia com que meu corpo se projetasse cada vez mais desgovernado. Em questão de segundos meu corpo dançava no espaço projetado para baixo obedecendo cegamente a lei da física. O meu desespero não era as pedras que se aproximavam, mas a sirene que não parava de tocar. De repente, em umas das viradas que meu esqueleto deu no vazio, pude ver, lá para cima na beira da estrada, de mãos tampando a boca, a minha mana Inca gritando feito uma sirene. Ainda tive tempo de gritar: - Pare com essa sirene! E pluft cai de bunda na macies da água. Rolei de pedra em pedra, agora na macies da bunda, e ouvi consolado, ao me levantar lépido no meio do rio, finalmente o último e rápido agudo grito. Tudo se fez num mortal silêncio. E de repente o povo que ocupava a margem do rio aplaudiu pensando que fosse uma performance. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 31 de agosto de 2014

PAGANDO O MICO

Do nada surge uma estridente música. O celular além de seduzir, ele alheia a pessoa do meio ambiente em que está. É o indivíduo com o tinhoso aparelho em eterna maldita sintonia. Ele quebra o silêncio, invade o ambiente sem pedir licença, e não desgruda da orelha do escutante. Não admito o celular dentro da sala de aula porque, com certeza estarei eu tal qual João Batista clamando inutilmente no deserto. Minha voz se perderia massacrada a um canto competindo com a falação do tal aparelho. Não permito e pronto, e se por acaso ele tocar, como castigo, num pulo pego o celular do irreverente aluno e atendo escandalosamente. Todos conhecem o meu jeito e evitam levar o aparelho em sala de aula. Se estiver indo para aula, o meu celular eu desligo antes de sair de casa. Eu prego isso e, é claro, fico refém desse decreto. Todos ficam torcendo e até gostariam ouvir meu celular tocando nestes sacrossantos momentos. Um dia a merda aconteceu. A cerimônia de apresentação do trabalho final de curso é algo que gera estresse, e esta razão nervosamente é apresentado pelo concluinte. Nesse momento, lá na plateia os familiares estão reunidos, nervosos também, atentos e torcendo pelo sucesso do apresentador. Foi dado o sinal de início das apresentações. O auditório estava completamente tomado. Os alunos estavam preparados no palco para a defesa do trabalho. Nos, os professores avaliadores, estávamos a postos para o massacre de praxe. Levantei da minha posição, e solenemente me dirigi à plateia: - Pessoal, este é um momento muito importante para os acadêmicos que estão concluindo seu curso, desta forma peço muito silêncio! Pedi o silêncio e não deixei de fazer a recomendação mais importante da noite. - Por favor, desliguem seus celulares! Olhei para os nervosos concluintes e perguntei. - Tudo em ordem? Então um bom trabalho para vocês! Sentei-me, peguei meu celular. Tinha acabado de comprar e sem muito traquejo com o aparelho, deixei no vibra e coloquei no dispositivo cronometragem, a fim de controlar o tempo da apresentação. O trabalho já estava em andamento. O silêncio na plateia era sepulcral. Do nada surge uma estridente música. Não sei que maldita tecla acessei que de repente o endiabrado aparelho começou a tocar uma amaldiçoada música – um nojento pancadão. Nervosamente tentei desligar. Não conseguindo passei para meu colega ao lado. Ele também não conseguir calar aquela tresloucada música. Alguém da plateia veio, pegou o celular e saiu às pressas para fora. Os alunos de olhos arregalados pararam a apresentação. Descobriram que o celular era meu, e por isso, para eles foi a glória. Nervosamente gargalharam. O povo não entendeu, mas riu junto. Pedi desculpas dizendo: - Vocês viram como um celular realmente atrapalha? POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 24 de agosto de 2014

EXAME ESTOMACAL

O medo é uma bosta mesmo! Ele é um estado de alma, uma sensação que nos leva a uma condição de aleta ao sentir-se ameaçado ou sentir-se frágil diante de um perigo qualquer. O medo nos conduz ao maldito pavor. O pavor estupidamente nos desveste do senso comum; O pavor nos deixa enlouquecido. Minha irmã, que carinhosa eu chamo de Inca, um dia na casa do pai resolveu tomar um chimarrão. Ela é uma mato-grossense não muito familiarizada com a cuia. Por certo o mate já estava contaminado com alguma substância maligna, pois ao iniciar o procedimento de ingerir o líquido verde, ela imediatamente botou as tripas pela boca, e de quatro, admirando o vaso sanitário, suando frio, chorava desesperada clamando: - Alguém me acuda! Eu acho que vou morrer! Não quero morrer longe de meu bem! O bem dela estava bem longe. Foi feito tudo o que se podia para reanimar a menina, dentro dos conhecimentos farmacológicos e enfermagem que nos dispúnhamos. Ela aos gritos caia, desmaiava e logo em seguida levantava, caia e desmaiava. O drama estava funesto. Ficamos deveras preocupados, não tanto pelos desmaios dela, mas sim pela sujeira que ela estava aprontando com seus esverdeados golfejados pelo chão. Encostamos o carro, e a colocamos branca, fria e toda vomitada no banco braseiro. Rumo ao hospital. Nenhuma viva alma se via pelas ruas. O carro desenvolvia uma doida corrida; A buzina ligada para os menos avisados, que por ventura saíssem de suas casas, deixassem o caminho livre. De repente, como voltando de um transe maluco, a Inca de olhos esbugalhados pergunta: - Onde estão me levando? - Ao hospital, respondemos de imediato. Meio atordoada ainda, pergunta de novo. - Por quê? - Vão fazer exame estomacal em você! Ela demora um pouco para conferir e intender a informação, e ainda em meio transe pergunta. - E como é feito isso? A Isa, no alto de sua compaixão e conhecimento, explicou em detalhes para ela. - Você vai ficar pelada e de bruços, eles vão enfiar um tubo pelo seu trapeiro para examinar seu estômago. Ela desesperada grita ao processar rapidamente a notícia recebida dizendo. - No meu cuzinho ninguém vai por a mão não. E como se tivesse recebido uma entidade maluca, tentou abrir o carro gritando desesperada. - Pare o carro, eu quero descer! Ainda bem que estava já na entrada do hospital. Cinco enfermeiros vieram e imobilizaram a Inca com uma camisa de força; Aplicaram nela uma dose elefantar de um tal sossega leão. E a voz se apagando aos poucos a Inca foi gritando desesperada nos braços dos paramédicos. - No meu cuzinho não! No meu cuzinho não! - E aí doutor? Perguntamos. - Tudo bem, foi apenas a síndrome do medo! Respondeu ele. Ficamos de vigília. Depois de umas dez horas, já sem o soro no braço ela acorda, olha desconfiada para nós, e apavorada, mas com muito cuidado, só para conferir, coloca a mão na bunda ainda pelada. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 17 de agosto de 2014

PRESENTE DE CASAMNTO

O presente de casamento terá seu valor estimado não só pelo preço de aquisição, mas muito mais pelo que ele irá proporcionar ao ser usado depois. O dito cujo muitas das vezes é complicado tanto para quem vai presentear, da mesma forma para aquele que vai receber. Conhecemos muito bem a expressão “presente de grego” que acaba sendo aquele presente que vai virar, com certeza, um entulho, um tranca canto. Hoje, graças ao capitalismo cruel, está bem mais prático presentear, pois as listas de presente nas lojas nos facilitam bastante. Um dia, como qualquer ser dependente, casei. Do meu casamento, há quase cinquenta anos atrás, guardei as preciosidades inúteis que por longo tempo, até que consegui aos poucos me desfazer de todas. Desapeguei. Logo após o casamento, eu e mulher, antes da viajem de núpcias, fomos fazer o levantamento do estoque recebido. Recebemos desde pinguins para a geladeira, a qual ainda não tínhamos, até jarra de água, em plástico amarelo escândalo, no formato de abacaxi. Além das inutilidades, recebemos presentes repetidos, tal como três pinicos em plástico, se bem que em cores diferentes. Recebemos bons presentes também, embora alguns repetidos. Viajamos felizes, porque as malas, e o dinheiro para a viagem ganhamos do nosso padrinho de casamento. Ao final de nossa andança nupcial aportamos na casa de meus pais. Meu pai tinha uma empresa comercial de ferragens, secos e molhados. Uma empresa tipo tem de tudo. Resolvemos comprar o que realmente iriamos precisar para o início de nossa vida de casados; Coisas que no inventário feito no dia do casamento não apareceu. Selecionamos tudo o que tinha lá de utilidade doméstica. Pratos, panelas, talheres. Tudo para o café como também para as refeições. Na hora de pagar a conta, a nota fiscal saiu sem valor. Foi um presente. Que pressente lindo e de fina utilidade! Duas caixas enormes, com os presentes caprichosamente acondicionados, como num complicado quebra cabeça, foram necessárias. O bagageiro do ônibus com as caixas ficou quase preenchido, fazendo com que o motorista mostrasse habilidades de lógica espacial para acomodar as mochilas, valises, sacos e bagagens. A viagem, como qualquer outra transcorria sacolejante e poeirenta até chegar à divisa do estado. O ônibus é parado pelo posto fiscal, e após alguns minutos um tarado guarda entra e pergunta: - De quem são aquelas duas caixas enormes no bagageiro do ônibus? Estava sonolento, e demorei um pouco para entender o que estava ocorrendo quando ouço o desgraçado guarda vociferar: - Maldição! A quem pertencem aquelas caixas? - É nossa, respondi de imediato, são presentes de casamento. O cretino guarda grita - Não pode ser de todo mundo, tem que ser de um individuo. Eu calmamente argumentei. - É que o padre quando nos casou disse que a partir dessa data seríamos apenas um, e por isso não é de todos ocupantes desse ônibus, mas nosso aqui, meu e de minha mulher. - Seu engraçadinho, eu quero a nota fiscal e você vai ter que abrir as caixas! Naquele momento um calafrio subiu do fundilho das calças indo morrer na base na nuca ao imaginar perdendo para a fiscalização todas aquelas panelas e louças. Criei coragem e respondi: - Não temos nota fiscal, e não vamos abrir as caixas! - O guarda, no desempenho da função dele, não queria ser contrariado. E eu estava contrariando-o. O filho de uma puta quase dançou de cueca naquele momento, e sacando de uma arma me pós para fora para tentar dar um corretivo. Até aquele momento, os ocupantes do ônibus estavam passivamente sentados apenas, e tão somente atentos ao malfadado e garabulhento diálogo meu com o alterado guarda, mas quando o encapetado me joga para fora do ônibus a coisa ficou feia. O motorista pulou a janela indo se esconder atrás de um toco de árvore. Os guardas de pistolas em punho tentaram manter a ordem enquanto o povo nervoso gritava: - Ninguém vai mexer nas caixas dos noivinhos! Os anjos de plantão se escafederam deixando a vaga para os capetas. Aquele desalinho ficou completamente descontrolado. O povo queria pegar os guardas para uma cerimônia de castração. Os policiais acuados pediram reforço. E a fortificação imediatamente chegou. Veio um batalhão do exército; e a aeronáutica mandou aviões especiais de combate para apaziguar aquele anárquico cenário. Só a televisão não compareceu para registrar o fato porque na região, naquela época, ainda isto era novidade. Algemados, nós todos fomos para a cadeia esperando meu pai chegar com o documento especial para autorizar a circulação de mercadorias. Meu pai finalmente chega, depois de algumas horas, com a nota fiscal, ele dá os esclarecimentos necessários. Uma vez resolvido todo aquele imbróglio, conseguimos tomar assento para continuar viajem. E para felicidade de todos, as caixas de presente do casamento não foram desvirginadas, chegando intactas ao destino. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 3 de agosto de 2014

POR QUE AS MARGARIDAS?

A flor# aformoseia-se toda, na singeleza das multicoloridas perfumadas pétalas de que a compõem, para o início da magia linda da reprodução da planta. Pela variedade de cores, pelo seu perfume, pela sua beleza e por tudo que nos encanta a flor simboliza a festa eufórica da vida. Os amantes conquistam suas amadas com as flores que oferecem. Que seriam dos jardins sem as flores? Das festas e dos altares? As sepulturas não se cobrem de tristeza quando as flores estão por ali! Aprendi a gostar das flores com minha mãe - a fada das flores - e depois com minha avó - o anjo das margaridas. Aprendi simplesmente a gostar! Aprendi em casa, quando com minha mãe as cultivava, e com a minha doce avozinha ao ajuda-la no plantio, no arranjo e na colheita. Que lindo era ver minha vó Rosália cuidar com esmero e carinho as margaridas# que plantava! As margaridas que minha vó plantava eram lindas, sempre floridas e pareciam ter uma magia esplendorosa. Eu ficava, ao pé da escada, sentado, horas e horas, absorto admirando aquela linda criatura lidando com as flores como se elas fossem filhos seus. Para mim ali estava uma maravilhosa tela ao natural. Resolvi melhorar o ambiente de trabalho para ela. Preparei então um canteiro, fofando a terra, cercando com tijolos para a terra não ruir. Semeei as sementes de margarida e o restante deixei por conta da babka. Como era formoso o canteiro florido de margarida na casa de minha doce avozinha! Eu acho que para repousarem os anjos armavam suas camas ali. Aprendi que as margaridas transmitem inocência, pureza, simplicidade, lealdade e criatividade, e era isso que eu via naquele quadro quase todo em branco pintado de amarelo com aquela linda senhora tão amorosa no meio dele. Mas por que tanta afeição por este espécime? - A babka gosta de margarida, não é mesmo? Às vezes eu perguntava só para ouvi-la falar, naquele seu portunês muito carregado. - Sim, eu gosto porque aprendi com seu dziadzio a gostar delas! Assim eu deduzi. - As flores eram para meu avô, então! Mas por que as margaridas? E a dúvida permaneceu se contorcendo além. Na minha cabeça martelava sempre a pergunta: - Por que as margaridas? Todos os sábados, bem ao amanhecer, lá iam eu e ela colher no jardim as flores mais bonitas, e prepará-las em um buquê. Ela se punha toda bonita, e depois do café tomado, descíamos até o cemitério para visitar o túmulo de meu avô Silvestre. O cemitério não ficava muito longe, e em poucos minutos estávamos lá para o mesmo cerimonial de sempre – limpar o jazigo, jogar as flores murchas, e colocar o buquê fresco de margaridas. As orações em polonês, e algumas lágrimas em seguida, eram constantes. Em silêncio, nada dizia, apenas colocava minha mão no ombro dela. - Por que as margaridas? Um dia, quando retornávamos do cemitério, perguntei para ela. Ela me segredou, rindo feliz. Por certo ao voltar ao tempo em que meu avô era vivo. - Sempre quando seu avô ia caçar, ao retornar com as codornas, não deixava de trazer para mim algumas margaridas que ele colhia, aqui e ali, pelo campo florido. Ao entregar o maço de margaridas carinhosamente me dizia - Moja milosci, as margaridas são quase tão lindas quanto você! Seu olhar, naquele azul celeste, perdeu-se por alguns instantes no tempo; Um longo silêncio, e por fim, olhando para mim completou: - Devolvo as margaridas para ele com o mesmo carinho que as recebi. Naquele momento, comovido, senti um intenso perfume de margaridas e no murmurar do vento me pareceu ouvir meu avô dizendo: - Moja milosci. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 26 de julho de 2014

GENÉTICA ESPACIAL

Quem seria no caso o maior abestado? Genética espacial hoje não existe, mas provavelmente um dia haverá. Só para entender a coisa. Genética pertence a um ramo da biologia que estuda e explica a forma de como se transmitem as características biológicas da mesma espécie de geração para geração. Por isso não adianta cruzar um macaco com uma flor que vai dar em nada. Já espacial compreende o espaço ou o que nele se realiza; Desta forma, genética espacial, poderia ser, quando muito, dois elementos da mesma espécie cumprindo um dever sexual nas alturas. Hoje, significa alguma coisa? Absolutamente nada! Como professor de administração, nas disciplinas que sempre ministrei não constava e não consta até hoje, qualquer coisa sobre foguetes espaciais, e muito menos sobre biologia. Gostava, nas provas, colocar algumas questões na tentativa de ajudar as antas de galocha que não estudavam, ou então aqueles que pouco frequentavam as aulas. Era uma tentativa minha para a preservação do espécime. Colocava, por exemplo, na questão de múltipla escolha uma resposta absurdamente fora do contesto para que a resposta certa ficasse saliente. E muita vez acontecia que algum energúmeno de pouca frequência às aulas, ao não acertar a questão, tinha o topete de ainda vir brigar em busca da razão absurda da insensatez. Certa feita, em uma prova final de gestão da produção, colocou em uma questão de múltipla escolha, junto com a resposta correta, a seguinte resposta absurda: “A produtividade depende unicamente da genética espacial”. Tinha que apenas ler e colocar um X na frase que considerasse certa. O absurdo mesmo foi o que aconteceu depois. A frase era um disparate que não pretendia dizer nada, mas um irracional pouco evoluído colocou como certa esta aberração. Ter colocado um X, considerando como certo, poderia até ter sido um acidente geográfico, mas o abestado veio confirmar a irracionalidade ao reclamar para mim a assertiva da questão. Houve acalorada discussão, e só não chamei o aluno de burro pelo profundo respeito que tenho ao quadrúpede. Não satisfeito o idiota pegou a prova, e a levou ao diretor do curso alegando que eu não tinha desenvolvido em sala de aula aquele assunto. O diretor, diante do impasse, convoca-me para dar uma chegadinha em sua sala. Em uma das mãos eu vi a razão desta sublime convocatória. Segurando a prova acintosamente me pergunta: - Por qual razão você não explicou em sala de aula a genética espacial? Fiquei simplesmente pasmo, e por alguns minutos acreditei que fosse uma pilheria. Ao ouvir tamanha estapafúrdia parei, convoquei o céu e o inferno para testemunhar a coisa, e pedi, um tanto receoso, para que ele confirmasse a pergunta que me fez. Repetiu em gênero, número e grau a questão. E era uma censura que recebia. Ao ouvir a mesma pergunta sendo reprisada fiquei na dúvida quem seria então o maior abestado, se o aluno ou o diretor. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 20 de julho de 2014

O CÉU E O INFERNO CONTRA MIM

Recordando... Há algum tempo atrás. Muito ou pouco tempo? Puta que lá merda, bem lá atrás mesmo; Pois é, eu tinha um moderno jeito de reproduzir os trabalhos e provas para os alunos. Eu trazia para sala de aula tudo caprichosamente mimeografado. O processo era demorado pra caralho, e exigia certo grau de elevadíssima paciência. Para elaboração de um trabalho ou de uma prova demandava muita destreza e muita reza para que tudo desse certo. Pegava-se com muito cuidado a matriz retirando dela a folhinha de seda que vem entre o carbono e a folha em branco. E daí a coisa estava pronta para o início do processo. Podia ser rabiscada, desenhada ou datilografada. Eu, como era um pouco mais moderno, datilografava. Mas o processo de tirar as cópias, isto eu fazia na casa de um amigo que em melhores condições financeiras possuía esta maravilhosa máquina. Eu comprava sempre a melhor matriz para poder tirar aproximadamente cem cópias. Para tirar a quantidade máxima de cópias, perdiam-se em média umas duas horas. A cada dez cópias removia-se a esponja, umedecia em álcool e recolocava no cilindro. Depois de umas cinquenta cópias era necessário aumentar a pressão da alavanquinha para a segunda posição. Quem viveu esta barbárie sabe a merda que sempre dava. Eu teria que aplicar a última prova para os alunos de administração. Lá vou eu pacientemente iniciar o processo dedicando todo o domingo para isso. Já na primeira matriz ao retirar a folha de seda fodi com a matriz ao deixar o copo com agua cair em cima. Ainda bem que não tinha nada produzido na matriz. Começo o preparo da segunda e última. A matriz na máquina de datilografia e lá vou eu, com esmero cuidado, tal qual uma galinha na catança do milho, catilografando tecla a tecla. Concentração total. Quase terminando, mulher me chamando para o almoço, resolvo conferir. - Puta que os pariu, errei! Quando se errava todo o trabalho estava perdido. Dei um berro violento de raiva, e tive a presença imediata da esposa e um vizinho que chegou todo assustado. Dispensei o almoço e por sorte o vizinho que chegou tinha em casa uma matriz, Toda a operação novamente iniciada, e uma hora depois terminada. Comi rapidamente alguma coisa e rapidamente me dirigi à casa de meu amigo para a segunda operação. Meu amigo naquele domingo não estava muito bem, além do time de sua paixão ter perdido tinha tido uns entreveros com a mulher. Quando se tentou dar início ao infernal processo verificou-se a falta do combustível. Corre em busca de socorro num vizinho, em outro e finalmente um terceiro tinha uma garrafa de álcool. Convoquei todos os santos e implorei a ajuda dos anjos protetores antes de iniciar aquela funesta operação. Eu acho que os astros estavam neste dia completamente desalinhados. Não sei por qual motivo, os santos e anjos infelizmente estavam em greve. Já na primeira cilindrada a merda aconteceu. O álcool de péssima qualidade acabou borrando e inutilizando a folha. Meu amigo, sentindo-se culpado e como se tivesse vindo de uma sinistra reunião do inferno, contrariadíssimo, de olhos em brasa e quase cuspindo fogo pelas ventas berrou: - Filho de uma puta! Sentou-se no chão, quase de cócoras, com as mãos na cabeça e entre as pernas permanecendo por alguns segundos resfolegando alto. Pedi calma a ele, e já estava quase desistindo do funesto trabalho quando olhando para mim diz: - Meu amigo, não se preocupe, eu tenho uma matriz e vou refazê-la para você. Ele não era tão abastado assim, e tive que buscar em casa a minha máquina de datilografia. Com muito cuidado e esmero, finalmente depois de quatro horas de uma intensa luta, as noventa cópias da prova estavam prontas. Peguei-as com carinho e as levei para casa. No dia seguinte lá vou eu para a Faculdade aplicar a dita prova. Chovia uma chuva fina e insistentemente molhada. Mais adiante um carro em ziguezague vinha perigosamente em minha direção. Buzinei, dei sinal de luz e pum, o filho de uma puta esbarou na traseira de meu corro. Desgovernado rodopiou na pista e foi de encontro ao barranco. Com o impacto meu corpo foi cuspido para fora, e ainda no ar vi desesperado que um monte de folhas brancas mimeografadas voava ordinariamente no ar. Caí de fuça na lama, e uma nuvem de folhas mimeografadas veio em forma de chuva cobrir carinhosamente meu corpo enlameado. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 6 de julho de 2014

METAMORFOSE

Às vezes, no torvelinho da vida, me ponho um tanto pensativo, nostálgico, e meus pensamentos voam no tempo e no espaço buscando lugares, buscando situações e buscando momentos de muita emoção. Que saudade eu tenho de minha infância querida, da vida inocente e das brincadeiras no bairro. Ao me lembrar dos bons momentos por vezes lágrimas discretas brotam dos olhos indo morrer vadia no canto da boca. E no embalo incontido do meu devaneio lá vou eu célere correndo para o passado. Quando anoitecia o banco de madeira de frente de casa era o encontro dos vizinhos, das comadres, das boas e talvez das más intenções. O papo rolava gostoso enquanto a molecada nas brincadeiras de esconde-esconde e das cirandas se divertia protegido por olhos atentos. Que saudade eu tenho desse banco. Ele desapareceu, não pela velhice de sua madeira, mas pelo avanço da tecnologia da comunicação. Ah! A televisão, esse bicho maldito que às vezes informa, muitas vezes desinforma e quase sempre deforma a cultura. Apareceu, como quem não quer nada, primeiro lá na praça, e o povo todo, feito um formigueiro mexido, surgindo de todos os cantos, se reunia boquiaberto para ver muito mais o chuvisco que a imagem cinza quase desbotada. Sentavam lado a lado, e já não mais conversavam, olhos fixos e silenciosos tentando ver e entender o que a telinha mostrava. Os filhos tinham que ficar sentados cordeirinhos ao lado de seus pais. A praça não criou para a gurizada um espaço para seus folguedos. Não se brincava então como antes na rua. Não passou muito tempo e o bestificado povo teve mais conforto. A televisão foi para dentro de sua casa. As pessoas já não saiam mais para a praça e a gurizada sem os folguedos era obrigada a ficar em casa se deformando diante do aparelho maldito. As pessoas começaram a ficar mudas. Enquanto isso o banco tristemente se cobria de musgo, apodrecendo pelas lágrimas da saudade. Envelhecido já não era mais um conforto, mas sim um estorvo que teria que ser eliminado. A rua, que antes era alegre e buliçosa no vai e vem dos traquinas moleques, hoje se acomoda triste ao cair da noite. Nem a lua é mais alegre na rua em que eu morei. E o monstro não se acomodou. Não satisfeito em ficar apenas na sala invadiu cada quarto e cada canto da casa. E num cochicho ordinário vai ditando as normas, e as condutas de cada um. As pessoas já não se conversam mais. São estranhas no mesmo ninho. Maldita televisão! Certa feita fui à casa de um velho amigo que ha muito tempo não via; Poucas palavras de boas vindas e lá estava eu sozinho na sala frente a uma praguenta televisão. Queria ter perguntado muita coisa; queria ter dito tantas coisas; queria enfim matar a saudade que nos separou por longo tempo. Eu percebi que ele ficou mais velho; Um pouco diferente com cabelos brancos e em desalinho. Está mais gordo. A fresta da porta permitiu livremente que eu visse que ele e sua esposa estavam sepulcramente silenciosos e terrivelmente compenetrados na telinha. Não conheci seus três filhos que estavam, cada um em seus quartos abobados olhando o diabólico instrumento. Contristado peguei minha mala, que não havia ainda desfeito, e rumei à porta de saída. Tentei ainda dar um adeus, mas minha saudação ecoou oca pelos cantos da casa sem qualquer retorno. Dormi no aeroporto pegando o primeiro voo disponível. Hoje recebo contristado no meu celular uma lacônica mensagem do meu velho e perdido amigo que diz: - Pena que a gente nem pode conversar! POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

quarta-feira, 2 de julho de 2014

TROMBONE DE FRUTAS - SEU PRIMEIRO DISCO

Alô meu lindo pessoal. Meu filho Alexandre está com um projeto para gravar o primeiro disco da banda dele - TROMBONE DE FRUTAS. A banda precisa de um dinheiro para isso. Você pode contribuir comprando alguma coisa (camiseta, cd, vinil, shows e etc.) Seu nome ficará gravado no primeiro disco deles. Não importa em que pais você esteja, é só entrar no site, e ver os meninos, e ser um apoiador. O projeto está já com 187 apoiadores. Faltam 8 dias para terminar o projeto. Então, vamos apoiar? www.catarse.me/pt/trombonedefrutas Hola mi gente bella. Mi hijo Alejandro tiene un proyecto para grabar el primer álbum de su banda - TROMBONE FRUTA. La banda necesita un poco de dinero para ello. Puedes contribuir comprando algo (camisa, cd, vinilo, conciertos, etc.) Su nombre será grabado en su primer álbum. No importa qué país usted es, usted acaba de entrar en el sitio y ver a los chicos, y ser un seguidor. El proyecto ya cuenta con 135 seguidores. Faltan 19 días para terminar el proyecto. Así que vamos a apoyar? www.catarse.me /pt/ trombonedefrutas Hello my beautiful people. My son Alexandre has a project to record the first album of his band - TROMBONE FRUIT. The band needs some money for it. You can contribute by buying something (shirt, cd, vinyl, concerts and etc..) Your name will be recorded in their first album. No matter which country you are, you just enter the site and see the boys, and being a supporter. The project already has 135 supporters. Missing 19 days to finish the project. So let's support? www.catarse.me /pt/ trombonedefrutas

domingo, 29 de junho de 2014

A BOLA ROUBADA

Eu vivia olhando a molecada jogar futebol com uma bola velha, murcha, toda remendada, com uma puta vontade de estar entre eles. No quintal, sozinho feito um doido, chutava de um lado ao outro uma bola de meia. Eu acho que um pirulito jamais foi o desejo maior para uma criança do que uma bola de futebol é para mim. Eu sonhava em ter uma bola de futebol. Meu pai de tanto me ver chutar aquelas bolas de meia que minha mãe fazia, esperançoso resolveu apostar na evolução de um futuro craque de futebol. Comprou uma bola de capotão de verdade. - Ela é minha, meu pai? Perguntei todo emocionado olhando aquele tesouro que das mãos de meu pai passava para as minhas. - É sim meu filho! Respondeu ele todo feliz vendo o brilho de alegria em meus olhos. Olhei demoradamente aquela bola, e por alguns minutos, tal qual um altista, eu não ouvi e não vi mais ninguém. Era eu e a bola apenas. A bola assim, tão linda, eu só a conhecia pelas figurinhas ou estampadas em jornais. Peguei-a, amacei com meus dedos, encostei demoradamente em meu peito, joguei-a para cima por diversas vezes, e desajeitadamente desferi o meu primeiro chute nela. Meu pai gostou e até aplaudiu. Fui busca-la no meio do quintal. Apeguei-me tanto aquela linda bola que ao dormir levava-a comigo todas as noites. E assim comecei fazer dela minha confidente. Tinha sonhos radicais em jogos imaginários. Eu fintava, corria com a bola no pé, dava chutes e marcava gols. Durante o dia arriscava-me a sair do portão de casa e proporcionar, para a molecada, momentos breves de chutes numa bola nova de verdade. Como minha habilidade futebolística permanecia apenas em sonhos era colocado onde ninguém queria, no gol. Eu ficava amargurado olhando aqueles dedos de pés descalços, de unhas sujas e compridas, dando bicudas e esfolando o meu querido capotão, e isso me deixava extremamente aborrecido. A cada chute eu via verter dela sangue ouvindo seus gemidos desesperados. Quando minha aflição tornava-se imensa, pegava a bola e ia para casa ouvindo atrás de mim desesperados os moleques gritarem. - Fica mais um pouco! Nós deixamos você jogar na linha! Fique por favor! E eu desaparecia com minha bola debaixo do braço fechando o portão de casa. Um dia, o cansaço dos folguedos fez-me buscar a cama bem mais cedo. Não levei comigo a querida bola. De manhã, ao acordar, fui desesperado a procura dela. Foram inúteis os meus chamados, foram cansativas as minhas buscas por todo o quintal. Desesperado eu sentei e comecei a choramingar. - Quem pegou minha bola? Perguntava inutilmente para ninguém. - Você a deixou abandonada no quintal, e com certeza o leiteiro pegou! Alguém falou dando a sentença final. Perguntei ao leiteiro no dia seguinte e ele disse que não tinha pegado, e que não tinha visto bola alguma. Algum filho de uma puta entrou a noite no quintal e pegou então. Dias e dias, em busca desordenada, procurei pela minha bola de futebol. Desalentado então, muito tempo depois, conclui: - Sem meu capotão nunca mais conseguirei jogar com a molecada! Desesperado pensava: - Por onde ela andará? Que pés malditos estarão maltratando a coitada? O tempo amaina o nosso sofrimento, mas não nos faz esquecer. Ele é cruel e faz-nos envelhecer. Com certeza ela ficou feia, murcha e remendada rolando com as bicudas de pé em pé. Malditos sejam esses pés com dedos sujos de unhas compridas que flagelaram e com certeza acabaram com o meu capotão! Nunca mais tive uma bola tão linda assim. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 21 de junho de 2014

A PRIMEIRA VEZ

Eu sempre fui, e acho que ainda sou, alguém que atropela os pensamentos. Sempre estou na frente deles. Imagino, em cada ação desenvolvida, que as pessoas envolvidas saberiam exatamente o que eu poderei praticar na sequência. Isto, com certeza, muitas vezes, acaba dando confusão. E certa feita deu. Como presente do nosso primeiro aniversário de casamento eu resolvi dar a mim e a ela uma viagem a Buenos Aires. Nunca tinha arredado os pés deste Brasil imenso, e nem sabia a experiência de elevar meu esqueleto pelas alturas e transportá-lo perigosamente para outro local através de avião. Os preparativos para a viagem se acomodaram em várias malas. Uma pequena para mim e quatro grandes para ela. Já no embarque tive que pagar excesso de bagagem, e com o cú na mão percebi que a aeronave deslocou-se do solo bastante inclinada, exatamente para o lado em que estavam as mochilas dela. O avião engasgado deu umas chacoalhadas bruscas, acho que era para engolir melhor as bagagens, resmungou bravo qualquer coisa, seguindo viagem já bem acima das nuvens. Fiz de conta que não era por causa de minhas malas que o avião reclamava. Cagando de medo rezei fervorosamente pedindo proteção dos anjos alados que estavam de plantão, e no meio da reza um tanto puto da vida pensava: - Puta que o pariu, por que será que as mulheres precisam de tanta roupa para fazer uma breve viagem? Finalmente a aeronave toca as patas no chão argentina, e o provo do bojo do avião emocionado aplaudiu. Pelo jeito aquela multidão também cagou de medo durante o voo. Ao descer, tanto tinha sido o medo que passei que, quase levei o acento do avião grudado na bunda. O taxista ao acomodar as malas com dificuldade malcriadamente perguntou: - Es um cambio? Não entendi, fiz-me de surdo, mas pelo tom grosseiro desconfiei que ele estivesse perguntando se era uma mudança. O taxi estava em movimento em direção à cidade quando então o brutamonte pergunta. - ¿a dónde vas? Isto eu entendi, porque eu conhecia esta frase numa música romântica em espanhol, e de chofre respondi. - A um hotel. Eu tinha o endereço comigo, mas esqueci o nome do bendito hotel. O taxista virou-se para traz e disse: - un hotel! pero muchos están aqui! Riu sarcasticamente e perguntou: - ¿Cuál es el nombre y la dirección de lo que. Não entendi nada o que o filho de uma puta me dizia, e por todos os meios tentei lembrar alguma música em espanhol onde aparecesse esta frase. Fiquei nervoso e nada veio à mente, e assim simplesmente, esticando o pescoço resmunguei: - Ah!... O satanás já estava nervoso com a situação, virou-se novamente e perguntou gritando pausadamente: - La direccion! Eu imaginei que o taxista estivesse tendo alguma crise de rim, uma labirintite, com o saco esmagado entre as pernas ou sofrendo um enfarte. Talvez esteja querendo que eu pegue a direção do taxi. De imediato respondi: - Não, eu não posso, eu não sei dirigir! Acho que o taxista ficou bravo por eu não querer dirigir para ele. Ai eu vi labaredas pelas ventas daquele monstro ordinário que freou bruscamente o carro, pegou as nossas malas jogando-as na rua. Partiu feito uma filha de uma puta nos deixando a ver navios na calçada. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sexta-feira, 20 de junho de 2014

TROMBONE DE FRUTAS

MEU LINDO PESSOAL, VAMOS APOIAR MEU FILHO! A BANDA DELE ESTÁ COM UM PROJETO PARA TERMINAR A GRAVAÇÃO DO PRIMEIRO DISCO DA BANDA TROMBONE DE FRUTAS. É SÓ ENTRAR, LER E COMPRAR ALGUMA COISA. O SITE É ESTE. ESPERO VOCÊS LÁ: www.catarse.me/trombonedefrutas

domingo, 15 de junho de 2014

BOLA DE MEIA

É goooooooool É gooool minha gente! E a menina, para alegria dos fanáticos torcedores, passou feito um foguete por entre os três paus indo morrer, toda enrolada, lá no fundo das redes. A bola, esta enfeitiçada, tem muitos nomes e é a paixão incontida e violenta de muita gente. É a menina; é a pelota; É a gorduchinha; É a redonda; É a esfera; E no meu tempo de guri, era simplesmente chamada de capotão. O capotão que hoje chamamos carinhosamente de bola de futebol, é mais antigo que o próprio homem na terra. Já se tem notícias de que os deuses, na criação do mundo, nas horas de folga jogavam futebol; Usavam os astros como bola. Sem as regras da FIFA acabou dando muita encrenca; Os deuses se engalfinharam em luta universal. Quem ganhou, ou quem perdeu não sei, mas acabaram se separando, e as bolas ficaram vagando por este universo imenso. Muitas versões existem. Só sei que algumas tribos para comemorar usavam a cabeça de seus inimigos para uma partidinha de futebol. A cabeça do morto, muitas vezes, ainda respirando conseguia dar umas boas dentadas nas canelas dos jogadores ou grudava, com uma boa mordida, os dedões deles. Mas um dia, alguém acabou descobrindo que a bexiga do porco era uma boa proposta. Mais macia e sem o perigo das dentadas. Enchiam de ar e lá iam correndo atrás dela feito uns filhos de uma puta. Corriam atrás dela, de um lado para outro, sem um objetivo específico. Corriam, chutavam, cabeceavam, metiam a mão. Uma confusão generalizada, até que os ingleses resolveram por ordem na casa. Criaram as regras e surgiu o futebol que hoje temos. Dizem as más línguas, eu tenho minhas dúvidas, que aqui no Brasil o primeiro capotão chegou pelas mãos de Charles Miller em 1884. Era feita de couro curtido, e a câmara de ar era uma bexiga de boi. Esta primeira bola deu tanto trabalho e acidentes que acabou sendo encaminhada, e hoje está presa num museu. Pesava três ou quatro vezes mais quando chovia; e foi numa dessas partidas, debaixo de muita chuva, que dois jogadores quebraram o pé e um terceiro acabou esticando a canela, com passagem grátis para outra vida. O laudo pericial médico atestou: “Morte provocada por violenta bolada”. Por isso a bola foi presa. E por ser perigoso o futebol foi, naquela época, proibido. Acabou sendo jogado escondido por um longo período Quando menino minha paixão era uma bola, mas naquele tempo ela, um pouco mais domesticada então, tornou-se artigo de luxo e de difícil aquisição. Pouquíssimos fabricantes e a um preço abusivo. Minha mãe, sempre dava um jeitinho para atender os desejos de seus filhos. Fabricava lindas bonecas de pano para minhas manas e passou a fabricar lindas e bem trabalhadas bolas de meia. Eu acho que ninguém fazia, fez ou fará bola de meia mais preciosa das que minha mãe fazia. Um dia, vi com meu pai uma partida de futebol. Nós estávamos em cima de um caminhão estacionado na rua. Por certo o estádio estava lotado e meu pai deu um jeito para mostrar o jogo para mim. Assisti, e confesso que não entendi muito, mas achei fascinante aquele jogador fintando um ou dois adversários com a bola no pé. Achei engraçado, mas fiquei maravilhado quando o público presente gritou: - Gooooooool! Em casa fiz um campinho e driblando adversários imaginários lá ia eu fintando um, fintando dois com a bola de meia no pé. Na escada, lá estavam sentadas as minhas manas, com suas bonecas e logo atrás delas a minha mãe, deslumbradas com o que eu fazia com a bola. Elas aplaudiam, gritavam, e eu, todo satisfeito, mais e mais driblava aquelas figuras imaginárias que só eu as via. Eu fazia miséria com aquela bola de pano. Tropicava nela, caia ao tentar chutar, pisava na coitada, caia em cima esmagando-a com meu corpo, e por fim acertava um chute e gritava junto com minha mãe e manas: - É goooooooool Cansado, de minhas mil peripécias com aquela bola de pano, sentava no chão todo realizado. Pegava então a bola de pano com carinho, ao final de minha grande exibição, dava uns tapas nela para remover a terra e com ela debaixo do braço, todo garboso, levava para guardar no meu quarto. Sonhava mil sonhos, e no meu sonho eu era muito feliz com minha bola de pano que minha mãe fazia. Ah! Aquela bola de pano era linda, e eu a tenho bem guardada na minha memória ainda hoje. Confesso que sinto uma imensa saudade daquele tempo de guri principalmente quando me lembro destes momentos mágicos. Da bola de pano que minha mãe fazia. Para mim, e isto ninguém tira de minha cabeça, que quem trouxe o futebol aqui para o Brasil, foi esta polaca de olhos azuis chamada Maria e não o Charles Muller como dizem e escrevem por aí. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 8 de junho de 2014

UNDERGROUND DA RUA PIQUIRI

A Rua Piquiri em Curitiba ganha certo brilho, mesmo mal iluminada, nas noites de final de semana. Lá estão elas, drag quens, travestis, transformistas, feito mariposas voando doidivanas em busca de um freguês. A vida é delas, e quem sou eu para reprovar; Em todo caso, confesso que tenho meus receios em chegar perto destas santas criaturas. Só em pensar nisso chega me dar urticária. O dia estava chuvoso e resolveu adentrar à noite com seus respingos. Era sábado. Muita coisa acontece aos sábados. Eu não vi nada de extraordinário acontecer daquele dia a não ser já na boca da noite quando tive que ir buscar meu filho no Teatro Pé no Palco. O teatro fica na Rua Conselheiro Dantas esquina com a Rua João Negrão. Saída do ensaio, e por isso muitos carros estacionados aguardando os alunos e atores saírem. Achei uma brecha e estacionei. A traseira do carro praticamente ficou na Rua Piquiri. Não haveria perigo algum pelo pouco movimento desta rua a não ser as mariposas voluptuosas, assanhadas mais adiante. Travei as portas, ergui o vidro e liguei o rádio. Aguardava ansioso a saída de meu filho. No rádio ouvia baixinho tangos de Carlos Gardel. No para-brisa, preguiçosas gotas da chuva dançavam espatifando-se no capô do carro. Lá fora as meninas, seminuas, siliconadas se alvoroçavam em gritinhos agudos a cada marmanjo que passava, e com muita excentricidade e ousadia expunha suas mercadorias. Por entre as gotas do para-brisa eu fixava meus olhos na porta de saída do teatro. Isto era o que me interessava. De qualquer maneira eu, seguramente dentro do carro, admirava, e fiquei impressionado com aqueles moços da vida underground que, com tanta personalidade se expunham, principalmente através das poucas roupas e maquiagens extravagantes. O movimento da saída do teatro estava intensa assim como intensa estava o revoar das mariposas coloridas, amalucadas, no vai e vem da mal iluminada rua. O tempo me pareceu paralisado, não passava e isso me preocupou. Estava me deixando desconfortável. Que merda! Tudo parecia em câmara lenta. Mas o filho de uma puta do tempo, vendo-me nervoso, resolveu então passar. Passou e não demorou muito o meu filho apontou na porta do teatro. Ele olha de um lado ao outro em busca do carro. Rapidamente abri a janela e tirando o braço para fora dei sinal com a mão para ele. Ele me viu e em passos rápidos veio em minha direção. De repente, como se tivesse visto um fantasma, ficou como que petrificado na calçada. Parou, e percebi que me olhou decepcionado; Abaixou a cabeça e apressadamente retornou a entrada do teatro para fugir do chuvisco. - O que será que aconteceu com meu filho? Foi a pergunta que martelou o minha cachola naquele momento. Quando fui gritar para ele, descobri o motivo. Puta que o pariu! Os pelos de meu saco se arrepiaram todos! Vendo aqui na minha frente pensei: - Atirei num e acertei outro! Maquiagem extravagante, roupa glamorosa e muito brilhante eis que surge, quase me lambendo o queixo e fungando no meu pescoço, aquela negra de quase dois metros de altura que, numa voz de tenor afogado, rugiu no meu ouvido: - Bonjour, mon amour! POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 31 de maio de 2014

INJEÇÃO RADICAL

Não tem este ou aquele filho de um deus despreocupado, que não morra de medo da maldita agulha da injeção. É preferível mil vezes a morte que sentir aquele metal, arredondado, cumprido, cuspindo remédio pela boca, entrando rasgando a nossa pele. - Tomou onde? É uma pergunta cretina e sacana, que quando você retirava o esqueleto da maldita sala de vacinação o filho de uma puta sempre perguntava sorrindo. Em casa, quando ainda guri, meu pai e minha mãe se encarregavam de nos espetar com agulha quando a gente apresentava algum desvio de saúde. Eles tinham o instrumento de tortura que herdaram nem sei de quem. Era uma caixinha retangular, tipo estojo com tampa, em alumínio onde se acomodavam o cilindro, o êmbolo e a agulha. A caixa em alumínio já servia para esterilizar após as aplicações. Hoje tudo é descartável, mas no meu tempo de moleque o aparelho infernal de amedrontar, principalmente as crianças, era eterna. Este aparelho torturador veio de herança provavelmente de meu avô, pai de meu pai. Era uma agulha especial inglesa que já havia perfurado muitos e muitos braços e bundas por varias gerações. Quando era para me submeter ao aparelho de tortura eu preferia a minha mãe. Ela tinha a mão mais leve e a agulha não feria tanto. Meu pai era um carniceiro, chegou uma vez entortar a agulha na frágil carne de minha nádega. Um dia a minha mana Laura, não muito bem de saúde, tinha sido condenada pelo médico a se submeter a uma seção de tortura injetável a base de penicilina. Meu pai preparou tudo e lá estava o aparelho de injeção se deliciando, folgadamente nadando na sua banheira em alumínio, em agua fervente, em cima da chapa do fogão de taipa. Olhava para a Laura que choramingava a um canto e dizia aos risos: - Vou penetrar em você! Vou rasgar sua carne! Vou beliscar sua bunda! A condenada maninha gritava desesperada: - Não, isso não! Eu prefiro morrer. Minha mãe, muito ocupada, transferiu a seção de tortura para meu pai. Meu pai preparava pacientemente a injeção. Pegou o algodão com álcool e tentou segurar minha irmã. Quase conseguiu. Ela estava deitada de bruços em seu colo, e quando sentiu o lamber gelado do algodão em sua bunda gritou, num grito agoniante, tal qual um decapitado ao sentir a lâmina da guilhotina cortando seu pescoço. - Nãoooooooooooooo! Espernegou-se toda feito frango destroncado, e como um quiabo ensaboado desprendeu-se de meu pai. Vazou pela porta, e feito um foguete com o rabo em chama, tomou rumo da rua. Meu pai com a injeção em uma das mãos e com outra ocupada com o algodão embebido em etílico saiu no encalço dela, e aos gritos tentava convencê-la: - Volte aqui filhinha! Não vai doer nada! A Laura, completamente surda às promessas do pai e aos gritos abriu o portão, passou a pinguela que se debruçava sobre enorme valeta e ganhou a rua. Meu pai, bom das pernas, em correria também, quase chegando perto dela, gritava: - Espere! Não corra! A cena era dantesca. Quem de longe olhasse, por certo tomaria como um homem de punhal em mão tentando apunhalar pelas costas uma indefesa e inocente criança que corria doidivanas. A Laura gritava - Não meu pai! Eu não quero! Eu já estou melhor! E a injeção às gargalhadas cuspia remédio pela agulha, e o algodão babava álcool. A Laura apavorada gritava. A vizinhança apenas olhava e ria do espetáculo. Ninguém se atrevia em salvá-la, e isso a deixou puteada. O anjo da guarda não querendo se meter no processo ficou do outro lado da rua rindo daquilo tudo. Mas o capeta, querendo mais confusão acompanhava a Laura direcionando seus passos. Eis que na frente, no terreno baldio, o diabo mostrou a moita como salvação para ela. Ela, em desespero, tentou se embrenhar nela, mas ficou toda enganchada, ensanguentada nos espinhos do pé de arranha gato. - Ai! Foi o berro que se ouviu nas cercanias quando a agulha penetrou a sua bunda. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA