quinta-feira, 27 de julho de 2017

LAMENTO DE UM PINHEIRO

Hoje, inerte, ao chão estendido, sinto choroso meu corpo ressecando e, pela unidade do repouso em que me encontro, o apodrecimento está se apoderando de meu tronco. Sofro o abandono cruel de tudo e de todos; Já não gorjeiam mais as aves em revoada em meus galhos; já não caem, das altas galhadas, a pinha esfarelando-se no chão; já não me abraçam mais os viventes para me estreitar e admirar meu esbelto tamanho; já não vejo mais o brilhar do sol lá do alto, pois tudo aqui em baixo é um imenso vale sombrio. Hoje, apenas me pisam em conversas desconexas de como vão me cortar, de como vão me puxar. Sofro o esfriamento de meu tronco na condensação da resina, e no verde musgo que me cobre todo tal qual fúnebre mortalha. Ah! quinhentos anos de crescimento e tudo passou tão rápido! Lembro-me ainda! Ah como me lembro, e lembro bem! Apareci pequenino, curioso furando a terra, no meio da folhagem despontando para a vida. Medroso fui tomando corpo e entre árvores fui me espichando, me esgueirando pacientemente, pedindo para passar por entre a ramagem; Num primeiro momento, como de mão postas, fui rogando e abrindo espaço; já nas alturas, estendi meus galhos em sinal de proteção. Fui ganhado corpo e altura e respeito. Abriguei milhares ninhos, e servi de dormitório para muitas aves. Ao longo desses anos, vi muitos dos meus, ao som cruel das serras, tombarem inertes ao chão; e eu sobrevivi, isolado, mas feliz contemplando do alto o nascer e o fenecer de tantas coisas. Imaginei-me eterno Mas um dia. O implacável vendaval futilmente empurrou-me ao chão. Tentei inutilmente desesperado me agarrar em alguma coisa, e tombei o bom tombar. Já sem vida, abatido no solo, eis que um alento invadiu o infinito de minha seiva; Recordo então que um passarinho, certa vez me estribilhou, enquanto soluçava o tombar de um dos meus: - Não chore não, doutro lado desta vida enraizada, esses troncos de pinheiros serão lindas casas ou encantadores moveis. E assim, sinto triste a seiva morna correr pelo meu tronco frio, mas na flamante esperança de estar neste outro lado que o gorjear do passarinho um dia me sussurrou. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

segunda-feira, 24 de julho de 2017

CHUCHU E MAIS CHUCHU PARA A PROFESSORA

Em casa era assim, se você manifestasse uma aversão a qualquer alimento a mamãe servia à mesa por alguns dias aquela especiaria. Não adiantava reclamar, ou comia ou comia. Caí na besteira de levantar a bandeira em luta contra o chuchu. Que alimento mais lazarento de ruim. Era, no almoço e no jantar chuchu. Em casa tinha um pé de chuchu. Todos sabem do dito que quando uma zinha resolve dar a periquita sem qualquer controle ou restrição o povo vai logo dizendo: “Ela está dando mais que pé de chuchu na cerca". Pois é, o maldito pé de trepadeira dava chuchu pra caralho. Milhares de flores cobriam aquela trepadeira ordinária. Milhares de chuchuzinhos e outros tantos milhares de chuchus adultos esperando ansiosos para serem colhidos e degustados. O pé de chuchu se estendia por mais ou menos dez metros na cerca de balaústre. A cerca estava camuflada no meio da ramagem verde desta trepadeira maldita. Nas minhas orações noturnas pedia ao bom Deus, já que Ele é o criador de todas as coisas que fizesse alguma coisa para que o pé de chuchu não desse mais aquela bosta de fruto. Pedia, mas achava que Deus por ser velho demais estava surdo e não estava me escutando, pois no dia seguinte ao levantar, rápido eu ia dar uma olhadela naquela trepadeira sem vergonha. Ficava decepcionado. Estava cada vez mais linda. Até parecia que ela quando me via mostrava a língua dizendo: Aí seu filho de uma puta não adianta rezar; O seu Deus não tem forças contra mim. Eu sou mais poderoso que este seu Deus. Insultava-me, me deixava louco da vida e na hora do almoço e o jantar ainda tinha que sofrer de náuseas por ter que engolir aquela merda toda. A minha aversão era tanta que sempre eu via no prato o chuchu mostrando a língua pra mim com as duas mãos unidas à língua imitando um tocar de flauta. A mãe não conseguia ver aqueles abusos e falava: - Mario coma tudo e não deixe nada no prato. Nesta época estava freqüentando o grupo escolar, correspondente ao primeiro ano do primeiro grau de hoje. Tudo ia normalmente e sem grandes lances na escola: - aprendendo a ler e escrever; fazendo muitas tarefas; me socializando até que um dia a professora veio quebrar uma rotina que para mim veio mudar a minha triste vida. Era uma aula de botânica. A professora muito entusiasmada falava das plantas, dos diversos tipos, seus nomes e propriedades. Eu não prestava muita atenção ao que a professorinha falava. De repente eu ouço uma palavra familiar. Fiquei ligado no que ela falava do chuchu e o que mais me antenou foi ter ouvido que ela gostava muito desta merda. Daquele momento em diante comecei a maquinar alguma coisa. - Preciso saber aonde esta professora mora, pensava cá com meus botões. Um dia não tive dúvida, após a aula, a uma certa distância disfarçadamente fui seguindo aquela que por certo seria a minha grande salvação. À medida que avançava na caminhada de perseguição fui verificando com espanto que ela se dirigia para o lado aonde eu morava. Ela passou pelo portão de casa e se encaminhou a uma quadra pra frente quando adentrou. Fiquei feliz e nesse momento acreditei que Deus não estava tão velho assim e estava atendendo as minhas preces. Cheguei em casa e fui logo dizendo pra mãe: - Mãe, minha professora pediu um pacote de chuchu para mim e ela mora aqui na outra quadra. - Muito bem meu filho, então vai levar para ela. O plano estava perfeito. Levarei os chuchus, além de fazer um moral com a professora me livro destes malditos. Apanhei um pacotão de chuchu mas fiquei desesperado, pois parecia que o pé a cada fruto que tirava brotava mais um montão no seu lugar. Levei até a casa da professora. Ela com um largo sorriso agradeceu. No dia seguinte fiz a mesma coisa. A professora apenas agradeceu. No terceiro dia fiz a mesma coisa. A professora só recebeu. No quarto dia a professora me disse: - Mario, não consegui ainda comer a primeira remessa. Quis falar com ela, explicar, pedir algum endereço aonde pudesse descarregar aqueles malditos frutos. Fiquei triste, abaixei a cabeça e vim de volta pra casa com aquele pacotão de bosta. Passei desesperado pelo pé de chuchu e ainda o vi mostrando a língua pra mim. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sexta-feira, 14 de julho de 2017

CAVALGANDO UMA BICICLETA# MUITO LOUCA

Quem, quando guri não morreu de vontade de andar de bicicleta? Pois sou um destes indivíduos que quando imberbe ainda, e não pubescente sonhava com a magrela dia e noite. Implorava insistentemente uma para meu pai, mas ele impassível ignorava as minhas doridas súplicas. No meu tempo, lamentavelmente não tinha ainda a grande motivação de –“Não esqueça de minha caloi”. A bicicleta povoava meus sonhos. Era uma coisa boa e um tormento ao mesmo tempo. Eu sonhava com aquelas lindas propagandas de bicicletas que apareciam nos jornais e revistas. A sueca Monark, por exemplo, era considerada a rainha das bicicletas e era feito em aço de primeira, acabamento esmerado e cores lindas. Era a preferida do Brasil segundo a propaganda. Era a minha preferida também. A danada vinha com dínamo Hackel para os faróis Riemann e estava acoplada com a bomba pneumática Progress. Uma belezinha. Eu vivia fazendo coleções de recortes destas propagandas. Nos meus sonhos eu já havia andado milhares e milhares de quilômetros deslizando ruas, estradas, vielas e campos. Eu estava perito no assunto em botar a bunda no selim. Para mim, um estilingue no pescoço, um picuá carregado de pedras na cintura, um pião, umas bolinhas de gude e uma magrela para me carregar era o máximo de minha ambição. Nada mais eu queria. O estilingue, o picuá, o pião e as bolinhas de gude eu os tinha, mas a bicicleta em meio a névoas ficava turva em meus anseios. Quando eu a teria? Martelava constantemente em meu cérebro esta pergunta. Quando? Um dia vou possuir uma, pensava otimista olhando demoradamente aqueles recortes de propaganda. Este dia não demorou a chegar. No meu tempo, todo bom moleque que já sabia ler e escrever# tinha que procurar alguma ocupação ou ofício para desenvolver. E lá fui eu aprender o ofício de marceneiro. Tinha 12 anos de pura inocência e muitos sonhos a realizar. Muito mais sonhos e pouca realidade. Na marcenaria trabalhavam alguns marmanjos, eram os meus professores e a um canto, lá mais para o fundo do barracão, tal qual uma princesa encantada permanecia sempre uma linda e indescritível sueca. Pareceu-me, algumas vezes que ela dava umas piscadelas para mim. Eu acredito que foi amor à primeira vista. Minha iniciação na arte# de construir tranqueiras em madeira estava indo muito bem, mas minha paixão pela sueca aumentava desesperadamente dia a dia. O percurso de casa até a oficina de artes em madeira era bem longo, mas minha motivação em estar lá antes da hora e sair depois da hora era esta linda e graciosa sueca que impassível permanecia lá como se estivesse obcecadamente me esperando. Era uma atração fatal. Dois tímidos. Eu de um lado fazendo minhas tarefas, jogando de quando em quando um olhar furtivo e enamorado e ela de outro lado, calada, linda me espreitando. Um dia o dono da oficina me surpreendeu passando a mão nela. Fiquei sem jeito, esperei uma bronca, mas ele simplesmente me disse: - Cuidado com ela, moleque#, ela é minha e sou muito ciumento, mas como sou bastante liberal, se você quiser um dia eu o deixo sair com ela. Minha alegria foi tanta naquele momento que quis gritar, dar um abraço nele, mas apenas timidamente agradeci. Isto nos fez, eu e a sueca mais próximos um do outro. O nosso namoro estava cada vez mais forte. Ela era caladona, mas me permitia que eu ficasse ali ao seu lado falando qualquer coisa, sobre mim, sobre meus amigos; Era um bla bla danado sem fim. A minha paixão pela sueca estava em proporções descomunais. Quando em casa não via a hora de retornar ao trabalho para estar ao lado dela. Os finais de semana me pareciam longos e intermináveis. O grande momento de realizar o meu sonho chegou! Meus lindos sonhos seriam realidade agora. Vou finalmente andar de bicicleta. Alguém da oficina precisaria ir fazer uma entrega de uma encomenda qualquer do outro lado da cidade. Eu fui o escolhido. - Você sabe andar de bicicleta? Perguntou-me o dono da Marcenaria. Esperei um pouco dei um tempo para responder. O treinamento que fiz nos meus muitos e variados sonhos me pareciam reais. Eu sabia, é claro que eu sabia andar de bicicleta e muito bem. Recompus-me não acreditando ainda na pergunta e de imediato, meio gaguejando respondi. - Sim, sim eu sei. Colocaram com cuidado a obra de arte restaurada no bagageiro da bicicleta dizendo-me: - Cuidado com esta peça, ela é antiga e de muito valor. - Sim, gaguejei. - Guri, cuidado com a minha Monark, ela é uma coisa preciosa que tenho, acrescentou o dono da marcenaria. Finalmente a sueca estava em meus braços e logo logo estaria sob minhas pernas. A minha alegria era tanta que acabei acreditando que sabia realmente bicicletar e com isto tive um orgasmo precoce. Olhei aquela formosura toda reluzindo de impecável pintura preparada para a missão quase impossível. Os primeiros 100 metros eu os fiz apenas empurrando a sueca. Fui num monólogo tranqüilo com ela. Queria estar longe das vistas do dono dela no memento sublime de dar à primeira trepadinha. A cidade até parecia que parou para me permitir andar sem problema. Suas ruas em colossal areal se estendiam desertas por quase todo o trecho. Até os cachorros vadios se recolheram. Criei coragem, mas tremendo de medo frente a uma enorme descida me encavalei desajeitadamente em cima dela. Pareceu-me ouvi-la dizendo: - Vá com calma meu amor! Eu estava tarado, estava afoito, na realidade eu era naquele momento o noivo virgem doido pela primeira foda e não atendi ao seu reclamo, comecei a descida em desembalada corrida. Ela gemia sob meu corpo que quase solto queria escapulir. Meus cabelos soltos ao vento acenavam felizes e eu em início de operação radical começava a suar frio. O medo estava solto correndo lado a lado comigo. Meu anjo da guarda suplicou aos céus e me abandonou. A Monark desgovernada, zig zagueando doida engolia a distância, gritando frases desconexas. Meus pés soltos não encontravam os pedais e o selim fazia bolhas na minha bunda. A sueca gritava frases de ordem, rebolava toda, mas eu juro que ela estava feliz pela liberdade incondicional que eu estava lhe proporcionando. Como um peão nos corcovos da mula xucra eu tinha presa apenas uma mão no guidão da desgovernada Monark. Pouco mais de 50 metros, nada mais do que isto foi palco da mais ousada e radical desembalada corrida ciclística que se tem notícia coroando ao final com um fenomenal acidente. Um banco de areia ao nos ver doidamente se aproximando gritou, acenou, gesticulou, quis sair do lugar e nos seus braços espetacularmente fomos parar. A sueca quando colocou seu rodado dianteiro no areal, deu um espetacular corrupio no ar, xingou largando-me em pleno vôo. Planei por alguns segundos e vertiginosamente de cabeça cai. A minha fuça foi a primeira a chegar ao areal vindo logo em seguida a Monark que num baque se enrolou toda em mim para amaciar sua queda. A logística da entrega foi estancada neste ponto. Apenas 50 metros de adrenalina pura. Foi uma experiência incrível cavalgar numa xucra sueca que acabou culminando na realização do meu sonho – Andar de bicicleta. Desastrosa experiência, mas foi o início. Finalmente andei de bicicleta. No local uma boa alma me ajudou a se desvencilhar da magrela# que toda retorcida prendia-me a ela num abraço funeral; juntou cuidadosamente os pedaços da obra de arte que levava na garupa e me entregou com cuidado. Eu estava todo empoeirado e sangrando, mas estava muito mais feliz que preocupado. De repente, recompondo-me um pouco bateu loucamente em minha memória a recomendação: - Cuidado com esta peça ela é uma obra de arte e de muito valor. Cuidado com a minha bicicleta, ela é bla e bla e mais bla. Comecei a chorar desesperadamente reunindo os restos mortais da obra de arte e juntando do areal maldito a linda sueca toda retorcida. - O cara vai me matar, pensei eu, enquanto caminhava de volta. Pensei em fugir, desaparecer deste mundo, mas criei coragem e continuei o meu regresso. Como um bom empregado, ao emprego estou retornando. Ao chegar de volta com aquele monte de ferro e lata retorcida disse ao dono da marcenaria: - Fui atropelado e não me lembro de nada. A sueca, no seu último suspiro teve forças e me deu um beliscão pela mentira. O dono da marcenaria, esbravejou, vomitou impropérios e quando quis me bater desmaiou caindo espetacularmente ao chão. Mudei de cidade, fui para o seminário e até hoje não tive coragem de ir lá receber o meu salário. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA