segunda-feira, 28 de novembro de 2011

OS POBRES DE PARIS

O jeito cortes e a amabilidade do povo francês são, de alguma forma, um ranço hereditário que obrigatoriamente é cumprido ainda hoje entre todos. Este legado vem lá da idade média onde o mais rústico camponês estava envolvido nestes valores como num cerimonial ligado à própria existência.
Resolvi conferir estas coisas.
Sobrou uma grana que o filho de uma puta leão não conseguiu afanar de mim, e dei um pulinho até Paris para visitar minha filha. Foram 12 lindos e maravilhosos dias por conta de conhecer e me embebedar com as maravilhas de lá.
Se você ainda não conhece Paris, na sua inocência, imagina de imediato que a droga e a mendicância não existem por lá. Ledo engano. Aos montes, carcomidos, feios e desfigurados pelo álcool que consomem, lá estão eles ocupando bancos de praças, entradas dos metrôs, esquinas movimentadas ou sem movimento, mas sempre rogando misericórdia por algumas moedas. A caridade os veste de pesados sobretudos que os aquece e os protege das intempéries rigorosas européias.
Estes mendigos já fazem parte do cenário bucólico da cidade.
Eles são pobres, mas não perderam a civilidade.
Perto de onde fiquei, bem ao sol nascer, indo a boulangerie comprar o baguette para o café matinal, encontrava sempre o mesmo mendigo e seu cão, sentado recostado na parede do prédio.
Olhar perdido, avermelhado e sonolento, rosto embrutecido pelos sulcos de suas rugas, chapéu escondendo seus brancos cabelos em desarranjo, uma das mãos afagando o cachorro e outra, rude e calejada estendida, semi aberta, pedindo sempre a cada transeunte uma moeda, ou qualquer coisa. Mas antes da súplica, numa voz rouca, de quase duas oitavas abaixo da tonalidade normal, como que num canto gregoriano dizia:
- Bonjour madame, bonjour monsier.
Ao receber a dádiva completava na mesma cantilena:
- merci pour la gentillesse.
Invariavelmente, todos os dias, eu despertava e era impelido a ir até a boulangerie, não pela necessidade da baguette, e sim para apreciar aquela figura rústica e seu cachorro. Para mim aquilo era uma pintura e seu rogar era música gregoriana. Embebia-me de prazer ao me permitir alguns minutos apreciando a cena. Cheguei a investir nele algumas moedas só para ouvi-lo.
Certa manhã, a chuva fina, ordinária, sem trégua, castigava impertinente o aventureiro que perambulava pelas ruas. Peguei um guarda-chuva e desci para o costumeiro passeio. Enquanto subia pela calçada molhada e escorregadia pensava um pouco triste, que com certeza não iria encontrar o mendigo. Ele estaria em qualquer lugar coberto livre da chuva menos ali. Mas fui, no meu caminhar ligeiro, quase desmotivado com destino a boulangerie.
A chuva continuava severa caindo.
Quando alcancei a esquina, lá mais adiante vi feliz que o mendigo estava no mesmo local sentado encostado na parede. Apurei melhor minha visão e notei que ele estava com um guarda chuva. Imaginei confortado que ele estivesse protegido da chuva.
Fui chegando e o que vi foi para mim uma grande lição de amabilidade, cortesia e afabilidade.
Ele, com seu roto chapéu preto, encharcando-se, com seu rosto molhado, impassível educadamente rogava por caridade e do seu lado, protegido da impertinente chuva, o cachorro todo encolhido, recostado a seu colo desfrutava sozinho do conforto do guarda chuva.

por: Mario dos Santos Lima

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

FALTAVA VOCÊ

A pintura que eu via estava quase perfeita...
daquele por de sol o azul quase lilás
Por entre os montes verdes como se na espreita
Sperando o astro rei com ternura e muita paz .

O riacho pequeno entre pedras correndo
Que na curva mostrava a canoa encalhada,
Em cima no barranco muito humilde se erguendo
Uma casa de sapé por palmeiras amparada...

A estrada que morria na porteira quebrada
Dava um ar tão bucólico na pintura que eu via.
Os bois já não comiam rumavam pra invernada...

Olhei por muito tempo este quadro na moldura...
Lindo, quase perfeito, pois lá não existia
A minha amada para completar a pintura.

por: Mario dos Santos LIma