domingo, 29 de junho de 2014

A BOLA ROUBADA

Eu vivia olhando a molecada jogar futebol com uma bola velha, murcha, toda remendada, com uma puta vontade de estar entre eles. No quintal, sozinho feito um doido, chutava de um lado ao outro uma bola de meia. Eu acho que um pirulito jamais foi o desejo maior para uma criança do que uma bola de futebol é para mim. Eu sonhava em ter uma bola de futebol. Meu pai de tanto me ver chutar aquelas bolas de meia que minha mãe fazia, esperançoso resolveu apostar na evolução de um futuro craque de futebol. Comprou uma bola de capotão de verdade. - Ela é minha, meu pai? Perguntei todo emocionado olhando aquele tesouro que das mãos de meu pai passava para as minhas. - É sim meu filho! Respondeu ele todo feliz vendo o brilho de alegria em meus olhos. Olhei demoradamente aquela bola, e por alguns minutos, tal qual um altista, eu não ouvi e não vi mais ninguém. Era eu e a bola apenas. A bola assim, tão linda, eu só a conhecia pelas figurinhas ou estampadas em jornais. Peguei-a, amacei com meus dedos, encostei demoradamente em meu peito, joguei-a para cima por diversas vezes, e desajeitadamente desferi o meu primeiro chute nela. Meu pai gostou e até aplaudiu. Fui busca-la no meio do quintal. Apeguei-me tanto aquela linda bola que ao dormir levava-a comigo todas as noites. E assim comecei fazer dela minha confidente. Tinha sonhos radicais em jogos imaginários. Eu fintava, corria com a bola no pé, dava chutes e marcava gols. Durante o dia arriscava-me a sair do portão de casa e proporcionar, para a molecada, momentos breves de chutes numa bola nova de verdade. Como minha habilidade futebolística permanecia apenas em sonhos era colocado onde ninguém queria, no gol. Eu ficava amargurado olhando aqueles dedos de pés descalços, de unhas sujas e compridas, dando bicudas e esfolando o meu querido capotão, e isso me deixava extremamente aborrecido. A cada chute eu via verter dela sangue ouvindo seus gemidos desesperados. Quando minha aflição tornava-se imensa, pegava a bola e ia para casa ouvindo atrás de mim desesperados os moleques gritarem. - Fica mais um pouco! Nós deixamos você jogar na linha! Fique por favor! E eu desaparecia com minha bola debaixo do braço fechando o portão de casa. Um dia, o cansaço dos folguedos fez-me buscar a cama bem mais cedo. Não levei comigo a querida bola. De manhã, ao acordar, fui desesperado a procura dela. Foram inúteis os meus chamados, foram cansativas as minhas buscas por todo o quintal. Desesperado eu sentei e comecei a choramingar. - Quem pegou minha bola? Perguntava inutilmente para ninguém. - Você a deixou abandonada no quintal, e com certeza o leiteiro pegou! Alguém falou dando a sentença final. Perguntei ao leiteiro no dia seguinte e ele disse que não tinha pegado, e que não tinha visto bola alguma. Algum filho de uma puta entrou a noite no quintal e pegou então. Dias e dias, em busca desordenada, procurei pela minha bola de futebol. Desalentado então, muito tempo depois, conclui: - Sem meu capotão nunca mais conseguirei jogar com a molecada! Desesperado pensava: - Por onde ela andará? Que pés malditos estarão maltratando a coitada? O tempo amaina o nosso sofrimento, mas não nos faz esquecer. Ele é cruel e faz-nos envelhecer. Com certeza ela ficou feia, murcha e remendada rolando com as bicudas de pé em pé. Malditos sejam esses pés com dedos sujos de unhas compridas que flagelaram e com certeza acabaram com o meu capotão! Nunca mais tive uma bola tão linda assim. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 21 de junho de 2014

A PRIMEIRA VEZ

Eu sempre fui, e acho que ainda sou, alguém que atropela os pensamentos. Sempre estou na frente deles. Imagino, em cada ação desenvolvida, que as pessoas envolvidas saberiam exatamente o que eu poderei praticar na sequência. Isto, com certeza, muitas vezes, acaba dando confusão. E certa feita deu. Como presente do nosso primeiro aniversário de casamento eu resolvi dar a mim e a ela uma viagem a Buenos Aires. Nunca tinha arredado os pés deste Brasil imenso, e nem sabia a experiência de elevar meu esqueleto pelas alturas e transportá-lo perigosamente para outro local através de avião. Os preparativos para a viagem se acomodaram em várias malas. Uma pequena para mim e quatro grandes para ela. Já no embarque tive que pagar excesso de bagagem, e com o cú na mão percebi que a aeronave deslocou-se do solo bastante inclinada, exatamente para o lado em que estavam as mochilas dela. O avião engasgado deu umas chacoalhadas bruscas, acho que era para engolir melhor as bagagens, resmungou bravo qualquer coisa, seguindo viagem já bem acima das nuvens. Fiz de conta que não era por causa de minhas malas que o avião reclamava. Cagando de medo rezei fervorosamente pedindo proteção dos anjos alados que estavam de plantão, e no meio da reza um tanto puto da vida pensava: - Puta que o pariu, por que será que as mulheres precisam de tanta roupa para fazer uma breve viagem? Finalmente a aeronave toca as patas no chão argentina, e o provo do bojo do avião emocionado aplaudiu. Pelo jeito aquela multidão também cagou de medo durante o voo. Ao descer, tanto tinha sido o medo que passei que, quase levei o acento do avião grudado na bunda. O taxista ao acomodar as malas com dificuldade malcriadamente perguntou: - Es um cambio? Não entendi, fiz-me de surdo, mas pelo tom grosseiro desconfiei que ele estivesse perguntando se era uma mudança. O taxi estava em movimento em direção à cidade quando então o brutamonte pergunta. - ¿a dónde vas? Isto eu entendi, porque eu conhecia esta frase numa música romântica em espanhol, e de chofre respondi. - A um hotel. Eu tinha o endereço comigo, mas esqueci o nome do bendito hotel. O taxista virou-se para traz e disse: - un hotel! pero muchos están aqui! Riu sarcasticamente e perguntou: - ¿Cuál es el nombre y la dirección de lo que. Não entendi nada o que o filho de uma puta me dizia, e por todos os meios tentei lembrar alguma música em espanhol onde aparecesse esta frase. Fiquei nervoso e nada veio à mente, e assim simplesmente, esticando o pescoço resmunguei: - Ah!... O satanás já estava nervoso com a situação, virou-se novamente e perguntou gritando pausadamente: - La direccion! Eu imaginei que o taxista estivesse tendo alguma crise de rim, uma labirintite, com o saco esmagado entre as pernas ou sofrendo um enfarte. Talvez esteja querendo que eu pegue a direção do taxi. De imediato respondi: - Não, eu não posso, eu não sei dirigir! Acho que o taxista ficou bravo por eu não querer dirigir para ele. Ai eu vi labaredas pelas ventas daquele monstro ordinário que freou bruscamente o carro, pegou as nossas malas jogando-as na rua. Partiu feito uma filha de uma puta nos deixando a ver navios na calçada. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sexta-feira, 20 de junho de 2014

TROMBONE DE FRUTAS

MEU LINDO PESSOAL, VAMOS APOIAR MEU FILHO! A BANDA DELE ESTÁ COM UM PROJETO PARA TERMINAR A GRAVAÇÃO DO PRIMEIRO DISCO DA BANDA TROMBONE DE FRUTAS. É SÓ ENTRAR, LER E COMPRAR ALGUMA COISA. O SITE É ESTE. ESPERO VOCÊS LÁ: www.catarse.me/trombonedefrutas

domingo, 15 de junho de 2014

BOLA DE MEIA

É goooooooool É gooool minha gente! E a menina, para alegria dos fanáticos torcedores, passou feito um foguete por entre os três paus indo morrer, toda enrolada, lá no fundo das redes. A bola, esta enfeitiçada, tem muitos nomes e é a paixão incontida e violenta de muita gente. É a menina; é a pelota; É a gorduchinha; É a redonda; É a esfera; E no meu tempo de guri, era simplesmente chamada de capotão. O capotão que hoje chamamos carinhosamente de bola de futebol, é mais antigo que o próprio homem na terra. Já se tem notícias de que os deuses, na criação do mundo, nas horas de folga jogavam futebol; Usavam os astros como bola. Sem as regras da FIFA acabou dando muita encrenca; Os deuses se engalfinharam em luta universal. Quem ganhou, ou quem perdeu não sei, mas acabaram se separando, e as bolas ficaram vagando por este universo imenso. Muitas versões existem. Só sei que algumas tribos para comemorar usavam a cabeça de seus inimigos para uma partidinha de futebol. A cabeça do morto, muitas vezes, ainda respirando conseguia dar umas boas dentadas nas canelas dos jogadores ou grudava, com uma boa mordida, os dedões deles. Mas um dia, alguém acabou descobrindo que a bexiga do porco era uma boa proposta. Mais macia e sem o perigo das dentadas. Enchiam de ar e lá iam correndo atrás dela feito uns filhos de uma puta. Corriam atrás dela, de um lado para outro, sem um objetivo específico. Corriam, chutavam, cabeceavam, metiam a mão. Uma confusão generalizada, até que os ingleses resolveram por ordem na casa. Criaram as regras e surgiu o futebol que hoje temos. Dizem as más línguas, eu tenho minhas dúvidas, que aqui no Brasil o primeiro capotão chegou pelas mãos de Charles Miller em 1884. Era feita de couro curtido, e a câmara de ar era uma bexiga de boi. Esta primeira bola deu tanto trabalho e acidentes que acabou sendo encaminhada, e hoje está presa num museu. Pesava três ou quatro vezes mais quando chovia; e foi numa dessas partidas, debaixo de muita chuva, que dois jogadores quebraram o pé e um terceiro acabou esticando a canela, com passagem grátis para outra vida. O laudo pericial médico atestou: “Morte provocada por violenta bolada”. Por isso a bola foi presa. E por ser perigoso o futebol foi, naquela época, proibido. Acabou sendo jogado escondido por um longo período Quando menino minha paixão era uma bola, mas naquele tempo ela, um pouco mais domesticada então, tornou-se artigo de luxo e de difícil aquisição. Pouquíssimos fabricantes e a um preço abusivo. Minha mãe, sempre dava um jeitinho para atender os desejos de seus filhos. Fabricava lindas bonecas de pano para minhas manas e passou a fabricar lindas e bem trabalhadas bolas de meia. Eu acho que ninguém fazia, fez ou fará bola de meia mais preciosa das que minha mãe fazia. Um dia, vi com meu pai uma partida de futebol. Nós estávamos em cima de um caminhão estacionado na rua. Por certo o estádio estava lotado e meu pai deu um jeito para mostrar o jogo para mim. Assisti, e confesso que não entendi muito, mas achei fascinante aquele jogador fintando um ou dois adversários com a bola no pé. Achei engraçado, mas fiquei maravilhado quando o público presente gritou: - Gooooooool! Em casa fiz um campinho e driblando adversários imaginários lá ia eu fintando um, fintando dois com a bola de meia no pé. Na escada, lá estavam sentadas as minhas manas, com suas bonecas e logo atrás delas a minha mãe, deslumbradas com o que eu fazia com a bola. Elas aplaudiam, gritavam, e eu, todo satisfeito, mais e mais driblava aquelas figuras imaginárias que só eu as via. Eu fazia miséria com aquela bola de pano. Tropicava nela, caia ao tentar chutar, pisava na coitada, caia em cima esmagando-a com meu corpo, e por fim acertava um chute e gritava junto com minha mãe e manas: - É goooooooool Cansado, de minhas mil peripécias com aquela bola de pano, sentava no chão todo realizado. Pegava então a bola de pano com carinho, ao final de minha grande exibição, dava uns tapas nela para remover a terra e com ela debaixo do braço, todo garboso, levava para guardar no meu quarto. Sonhava mil sonhos, e no meu sonho eu era muito feliz com minha bola de pano que minha mãe fazia. Ah! Aquela bola de pano era linda, e eu a tenho bem guardada na minha memória ainda hoje. Confesso que sinto uma imensa saudade daquele tempo de guri principalmente quando me lembro destes momentos mágicos. Da bola de pano que minha mãe fazia. Para mim, e isto ninguém tira de minha cabeça, que quem trouxe o futebol aqui para o Brasil, foi esta polaca de olhos azuis chamada Maria e não o Charles Muller como dizem e escrevem por aí. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 8 de junho de 2014

UNDERGROUND DA RUA PIQUIRI

A Rua Piquiri em Curitiba ganha certo brilho, mesmo mal iluminada, nas noites de final de semana. Lá estão elas, drag quens, travestis, transformistas, feito mariposas voando doidivanas em busca de um freguês. A vida é delas, e quem sou eu para reprovar; Em todo caso, confesso que tenho meus receios em chegar perto destas santas criaturas. Só em pensar nisso chega me dar urticária. O dia estava chuvoso e resolveu adentrar à noite com seus respingos. Era sábado. Muita coisa acontece aos sábados. Eu não vi nada de extraordinário acontecer daquele dia a não ser já na boca da noite quando tive que ir buscar meu filho no Teatro Pé no Palco. O teatro fica na Rua Conselheiro Dantas esquina com a Rua João Negrão. Saída do ensaio, e por isso muitos carros estacionados aguardando os alunos e atores saírem. Achei uma brecha e estacionei. A traseira do carro praticamente ficou na Rua Piquiri. Não haveria perigo algum pelo pouco movimento desta rua a não ser as mariposas voluptuosas, assanhadas mais adiante. Travei as portas, ergui o vidro e liguei o rádio. Aguardava ansioso a saída de meu filho. No rádio ouvia baixinho tangos de Carlos Gardel. No para-brisa, preguiçosas gotas da chuva dançavam espatifando-se no capô do carro. Lá fora as meninas, seminuas, siliconadas se alvoroçavam em gritinhos agudos a cada marmanjo que passava, e com muita excentricidade e ousadia expunha suas mercadorias. Por entre as gotas do para-brisa eu fixava meus olhos na porta de saída do teatro. Isto era o que me interessava. De qualquer maneira eu, seguramente dentro do carro, admirava, e fiquei impressionado com aqueles moços da vida underground que, com tanta personalidade se expunham, principalmente através das poucas roupas e maquiagens extravagantes. O movimento da saída do teatro estava intensa assim como intensa estava o revoar das mariposas coloridas, amalucadas, no vai e vem da mal iluminada rua. O tempo me pareceu paralisado, não passava e isso me preocupou. Estava me deixando desconfortável. Que merda! Tudo parecia em câmara lenta. Mas o filho de uma puta do tempo, vendo-me nervoso, resolveu então passar. Passou e não demorou muito o meu filho apontou na porta do teatro. Ele olha de um lado ao outro em busca do carro. Rapidamente abri a janela e tirando o braço para fora dei sinal com a mão para ele. Ele me viu e em passos rápidos veio em minha direção. De repente, como se tivesse visto um fantasma, ficou como que petrificado na calçada. Parou, e percebi que me olhou decepcionado; Abaixou a cabeça e apressadamente retornou a entrada do teatro para fugir do chuvisco. - O que será que aconteceu com meu filho? Foi a pergunta que martelou o minha cachola naquele momento. Quando fui gritar para ele, descobri o motivo. Puta que o pariu! Os pelos de meu saco se arrepiaram todos! Vendo aqui na minha frente pensei: - Atirei num e acertei outro! Maquiagem extravagante, roupa glamorosa e muito brilhante eis que surge, quase me lambendo o queixo e fungando no meu pescoço, aquela negra de quase dois metros de altura que, numa voz de tenor afogado, rugiu no meu ouvido: - Bonjour, mon amour! POR: MARIO DOS SANTOS LIMA