segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

MILITARES VERSUS TRAFICANTES

Quando pensamos em guerras pensamos, de imediato, em muita estratégia militar, e também no teatro de operações em sangrentas lutas corporais. A estratégia era vista como a arte do general. Na realidade a estratégia militar trabalha como o planejamento, e a condução de campanhas, o movimentos e divisão das tropas para chegar ao objetivo final – que nada mais é do que a rendição total do inimigo. Segundo o estadista Francês Georges Clemenceau “a guerra é um negócio muito importante para ser deixada nas mãos dos soldados” Por isso os mentores da briga não estão lá no fronte, e sim em confortáveis poltronas recebendo informações e enviando instruções. Mas a guerra não é só estratégia de gabinete, ela precisa de recursos material e humano. O material precisa de um adequado carinho na sua manutenção, e o humano necessita de bom treinamento, comida e recurso financeiro para ele e sua família. Saco vazio não para em pé, já dizia meu pai. Para se ter uma ideia de como isso é importante, basta citar que a Primeira Guerra Mundial terminou quando a vontade dos soldados Germânicos para lutar diminuiu tanto, que estes soldados buscaram a paz. Por que disso? Foram exatamente destruídos durante a batalha de Amiens (de 8 a 11 de Agosto de 1918) quando a frente germânica, faminta e sem apoio logístico entrou em revolta geral contra a falta de comida. As guerras eram tão importantes na sociedade medieval que a nobreza militarizada, principalmente a cavalaria, tinha uma posição de destaque nos feudos e reinos. Os guerreiros possuíam grande importância e prestígio social e econômico. Preparavam-se desde a infância para serem guerreiros eficientes, leais e corajosos. Sentiam orgulho disso. Não é isso que os jovens, nessas favelas se sentem empunhando ostensivamente armas para que todos os vejam? As guerras sempre são levadas a conquista de alguma coisa, como por exemplo, terras, castelos, impérios, morros e mais otários clientes. Muitas vezes as guerras são de origem bizarras, como aconteceu na Batalha de Zappolino (15 de novembro de 1325). A única batalha da chamada “Guerra do Balde de Carvalho”, que começou quando soldados da cidade italiana de Modena sorrateiramente roubaram um balde da vizinha cidade de Bolonha. Os bolonheses declararam guerra a Modena, depois que eles se recusaram a devolver o balde. Um exército de 32 mil homens de Bolonha marcharam contra Modena, que foi defendida por uma força de 7 mil, mas depois de uma batalha feroz os Bolonheses fugiram, com os rabos entre as pernas, de volta para sua cidade, com os Modeneses perseguindo-os pelo caminho. E o balde continua até hoje pendurado na torre do sino principal da cidade. Faltou estratégia? Lembrando bem, que as guerras de hoje não são como na era medieval em que os reis, príncipes iam brigar diretamente no teatro de operações; Hoje são apenas briguinhas e fusquinhas, de alto escalão, apertando botões vermelhos para destruir alvos ou usando celulares para se comunicarem. São seres viventes que idealizam e põem em prática estratégias de combate. No teatro de operações estão apenas os executores do projeto, os chamados soldados e no caso do Rio, os traficantes pau mandados. E a guerra no Rio? São duas frentes. Os arrastões, que têm como origem a fome, falta de emprego e escolaridade, diferentemente das facções de traficantes, que em tiroteios constantes de embates procuram, entre eles, conquistar o melhor terreno para o comercio da droga. Os traficantes, com certeza tem sua estratégia para conquistar seu objetivo: - traficam armas, assaltam carros fortes tudo isto para montar o império na distribuição da droga. Quem é o grande inimigo nessa batalha no Rio? O usuário de droga – cliente costumas; O bandido infiltrado na política, infiltrado na polícia, infiltrado na justiça facilitando esse comércio ilegal. Não é contra o carioca que eles lutam, é uma briga de facções para conseguir pontos estratégicos para distribuir a droga. E os grandes chefes dessas facções criminosas onde estão? Confortavelmente instalados nas diversas penitenciarias desse país, ou soltos infiltrados por aí. Enquanto o interventor General Braga Neto traçar apenas estratégias de ataques a esses miseráveis briguentos subordinados às forças vinda das penitenciarias, serão apenas paliativas, pois estes caras fugirão para outros estados aguardando ordens, para o retorno, ao final da intervenção, ou então, conquistando, nesses estados outros espaços. Será a proliferação da miséria. E aí José, o que será de nosso país e da Cidade Maravilhosa? POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

UM CAVALO MORTO POR UMA BOLA ENSEBADA

Meu grande sonho, naquela época de guri era ter um cavalo. Mesmo que fosse um pangaré, mas que fosse só meu. A nossa casa era humilde, mas tinha um quintal, quintal esse que era dividido entre plantas frutíferas, horta e um punhado de galináceos. A gente se espremia entre esses animais, as árvores e a horta para brincar. A meu ver, mesmo assim o quintal parecia grande demais e bem que poderia ser um pouco mais otimizado o seu espaço. Em meus projetos poderia ter ali uma cocheira e nele um corcel. Sonhos meus da época e nada mais, bem difíceis de serem realizados. Como todo moleque que se preza também eu gostava de jogar futebol. Eu tinha uma bola, coisa rara na época e por conta disso sempre tinha lugar garantido em qualquer time da região. Eu era o possuidor da bola, seu guarda protetor e o seu consertador perene. A bola era feita em couro curtido e por isso sua camada externa apresentava uma rijeza tal qual uma pedra. Toda semana ia ao açougue para comprar sebo. Derretia numa lata no fogão de casa aquela substância nojenta graxosa e consistente, encontrada nas vísceras abdominais dalguns quadrúpedes. A mãe sempre reclamava da carniça que se espalhava pela casa. Eu não ligava e já nem mais a escutava. Com o sebo derretido e ainda quente passava na bola, deixando-a bem engordurada. Este cerimonial sempre era feito a fim de proteger principalmente os cordéis com que os gomos eram arduamente costurados. Fiquei mestre na costura. Comprava barbante, mergulhava-o no sebo e em seguida trançava com três fios para criar assim um cordel com mais resistência. Tinha duas agulhas curvas com as quais praticava a arte de unir os gomos da bola pela costura. Coisa complicada aos olhos dos outros, mas que para mim era uma festa. Aprendi esta arte com seu Joaquim sapateiro que cansado de toda a semana ter que costurar a bola e nunca poder cobrar, me presenteou as agulhas e de lambuja me ensinou pacientemente a complicada arte de costurar os gomos da redonda que mais parecia um ovo. Assim estrategicamente se livrou de mim e da fedorenta bola. A bola, embora com todos os cuidados e carinho que se tinha com ela sempre apresentava algum gomo despregado com a câmara sorrateiramente tentando escapar pela fresta dos cordéis arrebentados. O jogo era interrompido e a costura imediatamente iniciada. A gurizada agitada a minha volta tentando ajudar com mil palpites aguardavam o fim da operação. Não me recordo de nenhum jogo ou treino ter acabado de outra forma. Aquela coisa chamada por nós de bola, por causa daquele sebo acumulado com terra deveria pesar alguns quilos e isto não permitia que ninguém desse os famosos balões. Sempre tinha um ou outro moleque com o dedão do pé quebrado e enfaixado apenas assistindo por algum tempo ao jogo. O jogo transcorria sempre com a bola deslizando loucamente rente ao chão de um lado ao outro. Evitava-se assim alguma cabeça quebrada. Mesmo perigosa e complicada a bola era adorada e cercada de cuidado por toda a petizada. Sempre quando eu a estava remendando era como se eu, como médico estivesse fazendo uma cirurgia complicada em alguém muito importante para cada um daqueles moleques. Ficavam em silêncio sepulcral, a minha volta e com a respiração controlada aguardando ansiosamente o meu “pronto pessoal... vamos lá” gritavam então felizes e aos pulos íamos jogar. Eu acredito que era a única bola disponível naquelas cercanias. Não era uma bola de meia recheada de panos velhos. Era uma bola de verdade, de couro e tinha até câmara para armazenar o ar. Não era bem esférica, pois a câmara tinha a aparência com uma bexiga de festa e tinha um bico de uns 20 centímetros por onde se enchia de ar com uma bomba para encher pneu de bicicleta – nem sei de quem era esta bomba, mas sempre estava presente. O processo era um pouco complicado. Enchia, amarrava bem apertado o enorme bico, empurrava para dentro da bola e amarrava a boca com cadarço de couro. Aquela boca arregaçada, violentamente escancarada para fora, parecendo lábios generosamente grandes querendo um beijo, dava um trabalho filho de uma puta tentando deixar a bola mais cilíndrica possível. Por ser assim tão ovalada, quando batia no chão, no lado do bico todos ignoravam a direção que ela tomaria. Era esta a nossa gloriosa e bendita bola. Pertencia muito mais a turma do que a mim. Por certo eu era seu fiel guardador. Certo dia, ao final de uma pelada eis que de repente vejo um moleque no lombo de um lindo alazão. Cheguei perto e pedi para dar uma volta. - Quer trocar pela bola? Perguntou ele de cima daquela maravilha. Não pensei muito e dei a bola a ele que ao pular do cavalo saiu em louca disparada desaparecendo na próxima esquina. A molecada boquiaberta puta da vida querendo me bater gritavam: - Você é um panaca... Veja a situação deste pangaré, está morrendo. Nós queremos a bola de volta. Sem a bola você não faz parte mais do nosso grupo. A bem da verdade na hora eu estava achando que eles estavam é com inveja de mim. Não podendo ter um lindo cavalo como aquele faziam aquela arruaça infernal. Isto era perto das 15 horas. Todo feliz amarei o meu lindo cavalo na cerca de balaústre da frente de casa e fui para dentro tentar arrumar as acomodações para o novo integrante da família. Cheguei até a cozinha para dar a notícia para minha mãe e eis que logo em seguida chega o meu pai com os sobrolhos fechados perguntando: - O que é que aquele cavalo morto, amarrado na nossa cerca, atrapalhando a entrada do portão está fazendo lá? Fiquei petrificado; não quis acreditar no que ouvia e respondi. - É meu, mas não está morto não, deve apenas estar descansando. - Deixa de ser burro, aquele animal sem dente e com todos os ossos aparecendo está morto; Trate de tirar da frente de casa aquele monte de ossos, completou irritado o meu pai. Não querendo acreditar tratei de arrumar um balde com água e levar umas folhas verdes até a frente de casa para tratar do bicho. Ainda bem que ninguém estava por perto. Pude então analisar a cagada que fiz. De fato aquele pangaré estava pedindo para morrer e encontrou um amigo que o acolheu. Encontrou uma cerca amiga que o amparou. Pensei na bola. Pensei no filho de uma puta que me fez de otário. - Quem conhece o safado? Gritei para todos os lados, mas ninguém conhecia e ninguém sabia. Queria ir atrás tirar satisfação. Foi inútil. Alguns corvos já rondavam o lugar. Quis chorar. Quis passar a mão naquela coisa e acabei ficando com nojo. Pensei em pegar uma faca e tirar um pedaço de couro para fabricar uma bola. - Alguém me ajuda? Gritei desesperado varias vezes, mas da mesma forma ninguém apareceu para me ajudar. Pensei em fazer ali mesmo um buraco e enterrar o animal. Analisei e verifiquei que seria impossível realizar sozinho esta empreitada. Fui até onde meu pai trabalhava e pedi ao carroceiro da empresa para me dar uma mãozinha. Ele chegou até em casa, viu aquela coisa amontoada não contendo o riso sarcasticamente falou: - Quem foi o imbecil que amarrou este animal aqui? - Não sei, respondi prontamente. Amarramos a coisa pelas pernas traseiras e de arrasto levamos até mais para baixo, para sua última morada onde a erosão feita pela chuva criou uma enorme cratera. Enquanto o carroceiro ia indo embora fiz minhas orações finais encomendando a alma daquele miserável para um deus eqüino qualquer. Arrumei na época com minha turma dois gravíssimos problemas. A bola que troquei pelo falecido animal e o local sagrado das brincadeiras de esconde-esconde que ficou ocupado pela carcaça fedorenta daquele animal nojento. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

UM SANTO MOLEQUE

O moleque que nunca cometeu uma asneira ou praticou uma peraltice malogrará por certo uma vida patusca e estará condenado ao ostracismo social e familiar. Não terá assunto para contar ou bosta nenhuma para mostrar aos outros. Será um inútil na família e um zé ninguém para seus netos. Eu ainda estou na fase das peraltices e juntando letras para minhas narrativas. Sou moleque patusco, vivido e dos grandes. Vou ter muitas histórias para contar, disto tenho certeza. Já passei, quando guri por muitas situações complicadas, mas sempre acabei me saindo bem. Nunca fui de colocar em risco a minha preciosa vida, mas muitas vezes criava circunstâncias que acabavam provocando perigo para alguém. Depois de cumprida as tarefas caseiras e executado os deveres da escola lá ia eu para minhas caçadas armado de estilingue no pescoço e no bolso estufado de pelotas de barro de fabricação caseira. Uma estilingada aqui outra ali até o esvazio completo do bolso. Por sorte da passarinhada nunca fui bom de mira. Quebrei muitas vidraças e acertei muitas pessoas nas minhas estripulias de caçador incontrolável. Um dia encantei-me com uma brincadeira nova. Um moleque, o mais corajoso, o mais destemido, o mais suicida se embodocava dentro de um pneu e outro rodava, rodava e soltava em alguma ladeira. O embodocado girava, girava e quase sempre era arremessado para fora antes que o pneu se chocasse com uma cerca ou caísse violentamente numa valeta. Nunca tive coragem de embodocar, mas me divertia muito ver a coragem e o arremesso do moleque como se o pneu o tivesse vomitando. Meu grande desejo passou a partir daí a de possuir um pneu. Na minha época poucos carros existiam, meia dúzia no máximo e seus pneus eram fixos e desapareciam com eles em algum ferro velho. Não existia o borracheiro pelo que me lembro e o pneu velho era peça rara e de valor inestimável para a molecada. Quem tinha era o senhor absoluto da brincadeira e o mais respeitado dos moleques. Um dia consegui um e dos grandes. O moleque me emprestou por alguns dias por um favor que eu tinha feito a ele resolvendo uma tarefa escolar de matemática muito complicada. O pneu chegou com a recomendação: - Cuide bem dele e me devolva na próxima semana. E eu imediatamente me dediquei de corpo e alma nesta aventura. A rua tinha um leve declive que ia morrer na estrada que levava o pessoal até ao quartel da cavalaria. Era um lugar tranqüilo para minha aventura. Fiz um pouco o rolamento do pneu na parte mais plana para me familiarizar com ele e me aventurei a embodocar. Com um pé para fora dei o impulso inicial, mas ele rodou alguns metros e rodeou fazendo uma circunferência caindo pesadamente no chão. Assustado sai de dentro avaliando a cagada radical que estava fazendo. Resolvi dar um tempo a mais para esta doida aventura. Lá estava eu com o pneu novamente noutro dia treinando a brincadeira. Na bandagem com a mão dando o impulso corria atrás fazendo as manobras e controlando o seu percurso. Num certo momento o pneu numa bandalha filho de uma puta fez-me cair e aos poucos, pegando velocidade descia feliz a ladeira rumo à estrada. Pareceu-me que o pneu tinha vida ao rir escancaradamente para mim dizendo: - Venha me pegar seu moleque vadio! E rolava doido rua abaixo. Era inútil a minha desembalada corrida para alcançá-lo; Ele ganhava distância e se aproximava perigosamente da estrada. Imediatamente fiz o sinal da cruz quando meus olhos apavorados avistaram o caminhão que iniciava na estrada o cruzamento da rua. Escondi-me atrás de uma árvore. O pneu cantarolando, rindo e gritando passando por uma pedra, deu um pulo e foi se chocar num estrondo danado contra a porta do caminhão. O motorista assustado parou o caminhão para avaliar o que tinha acontecido e pegando o pneu gritava com toda a força de seus pulmões: - Cadê o filho de uma puta que fez isto? - Não sou eu a quem ele procura, pensei cá com meus botões, pois minha mãe é uma santa e não uma puta. Tremia feito vara verde atrás daquela árvore assistindo este melo drama. Vi apavorado que o desgraçado recolhia o pneu na carroceria indo embora. Passei alguns dias apavorados quase não saindo de casa, pois tinha que devolver um pneu que já não estava mais comigo, e me esconder da polícia que com certeza estaria chafurdando todas as casas e todos os cantos atrás de mim. E finalmente Deus, na sua infinita misericórdia, para me proteger desta confusão danada, iluminou-me indicando um caminho como saída, e assim, naqueles dias conturbados fugi para o seminário. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA