domingo, 25 de janeiro de 2015

O FUGITIVO

Outro dia, num gostoso bate papo com meu querido pai, tomando um chimarrão debaixo da jabuticabeira que fica em frente à porta da cozinha da casa dele, notei que ele fez uma expressão de quem queria lembrar alguma coisa, e por fim me disse: - Tenho um caso muito interessante para você escrever! Só não sei o nome do homem, mas quem ajudou esse homem foi o tio Antônio, disse ele para mim. E assim me contou, e eu peço licença para escrever com minhas palavras até porque não gravei este bom papear que tive com ele. O tropeirismo era uma atividade econômica de grande importância para a região sul. Tinha uma rota que partia do Rio Grande do Sul e que ia terminar em Sorocaba. Por volta de 1850, - meu Deus, bastante tempo, não é mesmo? - Antônio, tropeiro dos bons, conduzia as tropas da Lapa até Sorocaba. Antônio era tio do meu avô Moisés. Certa feita, numa dessas tarefas, ao chegar à boca da noite em Sorocaba, quando estava acomodando os animais no pasto dá de chofre com um cara, que repentinamente o cercou. Antônio ficou amedrontado, mas fingiu coragem e enfrentou. - O que você quer rapaz? Falou num tom alto e ríspido. O rapaz aparentava 18 anos, estava assustado e aflito. - Você pode me ajudar a fugir daqui? - Como e por quê? Perguntou embaraçado Antônio. Estou sendo procurado pela polícia, pois em legítima defesa matei um cara. - Você viu o cara morrendo? - Não, mas acertei uma punhalada bem no meio do peito enquanto ele por cima tentava dar um tiro em mim. Antônio sentiu dó de ver implorando quase chorando aquele rapaz. Percebeu nele uma pessoa de caráter. - Você sabe cavalgar? - Não! - Então você vai se lascar! Antônio sarcasticamente disse e continuou. Apanhe bastante congonha-de-bugre, macete bem e coloque na sua bunda para aguentar a viagem. E concluiu: - Amanhã, depois de receber meu dinheiro vamos trotear de volta. No início da viagem a alegria do fugitivo era aparente, mas depois de algumas horas sua expressão de dor e incômodo ficou visível. Antônio estava fazendo uma caridade, mas tremendamente desconfiado; enquanto cavalgava desfiava mil considerações na cachola. - Não sei por que estou ajudando este filho de uma puta! De repente ele me mata e rouba todo o dinheiro que tenho na algibeira. Foi pensando, se martirizando e por fim concluiu. - Que Deus me proteja e que isto seja realmente uma boa causa. A viagem de volta demorou quase uma semana. O fugitivo às vezes caminhava atrás do cavalo, outras de barriga no selim sem deixar de catar pelo caminho congonha-de-bugre para amaciar e amortecer a bunda. À noite, sonâmbulo, sentava na cama e falava desesperado: “Não, não me prendam! Eu não tive culpa! Ele estava bêbado! Ele quis agarrar minha namorada! Eu fui defendê-la e o miserável sacou a arma! Não, por favor, não me prendam! Por fim chegaram a Lapa. Antônio acolheu o fugitivo dando a ele um canto para morar e um emprego nos ervais. O tempo foi passando e o rapaz casou teve filhos, mas sempre buscava saber dos tropeiros que vinham de Sorocaba se tinham alguma notícia de tal crime que aconteceu assim e assado. Se eles viram, por acaso, pregado nos postes, nas árvores pelo caminho o cartaz de procura-se. Mas ninguém trazia qualquer notícia a respeito. Vivia feliz com sua família, mas manteve em segredo carregando sua tristeza infinita. Às vezes sentia vontade de ir até Sorocaba para se redimir do crime, resolver por vez este tormento. Muito tempo se passou. Um dia, quando já na velhice, acamado quase agonizante recebe a visita de um desconhecido que ao vê-lo, muito feliz lhe diz: - Meu caro, há muito tempo te procuro! O fugitivo, com voz frágil, um pouco assustado pergunta: - Mas quem é você? O desconhecido com voz embargada diz: - Eu sou aquele safado, bêbado que você esfaqueou. E completou: - Quero pedir perdão a você. O fugitivo, com algumas lágrimas e num sorriso de felicidade, livre então desse tormento que o afligiu a vida toda, dando seu último suspiro lentamente inclina a cabeça do lado. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 17 de janeiro de 2015

LINDA HISTÓRIA DE AMOR

O amor por si só é um estado de alma em que dois seres se entrelaçam em sentimentos mil, em longos pensamentos, se abrigam felizes no aconchego das palavras para, numa magia do espaço e do tempo, finalmente se encontrarem e viverem felizes por momentos. O passado é o instante que já não existe mais, mas se foi bem vivido, retornar a ele faz um bem danado. Meu pai estava todo recordação, e desta forma aproveitei a oportunidade para perguntar: - Meu querido pai, gostaria de saber como foi, e onde foi o início de seu namoro com nossa mãe. Embora esteja fazendo algum tempo que minha mãe já não mais pertença a este mundo, meu pai precisou de uma boa respiração, um longo fechar de olhos para então narrar o que solicitei. Rabisco aqui com minhas palavras o que escutei dele. - Sua mãe morava na Água Azul (1) onde o sogro tinha uma serraria. Eu morava no Lageadinho (2), completou ele. Deu uma paradinha, pigarreou um pouco, e com um leve, mas não disfarçado sorriso no canto da boca continuou. - Meu sogro gostava de organizar uns bailes, ou na casa dele ou então na escolinha. Meu pai, com um ar maroto diz. - Eu sempre ia lá, e algumas vezes até dancei com a Marina. Bailes bons aqueles! Relembrou saudoso. Marina era o apelido carinhoso de minha mãe. Agora um pouco mais sério, e com um franzir de sobrolho continuou: - Eu estava ainda incorporado no 1º Batalhão de Sapadores fazendo o curso para cabo em Itaiópolis. Tinha desmanchado o meu noivado com a Gertrudes e estava livre e desimpedido. Parou um pouco para organizar o assunto. - Com mais frequência, nas minhas folgas, comecei a ir aos bailes do pai dela. Com uma satisfação enorme prosseguiu a narrativa: - Um dia, ao entrar no baile, a Marina estava de porteira. Apertou minha mão demoradamente perguntando-me se ainda era noivo. - Não, não sou mais. Uma pequena pausa, e deu seguimento a prosa. - Ela apertou mais forte ainda minha mão, e eu senti uma sensação muito boa, inexplicável que percorreu todo meu ser. - E daí, o que aconteceu? Perguntei curioso para ele. - No final do baile, ela segredou para mim que iria dia 20 de janeiro na festa de São Sebastião na Vargem Grande (3). - Mas como foi este encontro com minha mãe se você estava incorporado ainda? Perguntei para ele. - Consegui uma licença, e vim até a Vargem Grande no dia da festa. - Ela já estava lá? Perguntei. - Não, não estava; Chegou depois. Franziu a testa, organizou seus pensamentos e prosseguiu: - O dia estava bonito! Muita gente nas suas fatiotas domingueiras, buliçosas, passeando, de um lado a outro, festejando sem parar. O foguetório era intenso, e eu alheio a tudo aquilo tão somente com o pensamento na Marina. Busquei-a ansioso por todos os cantos, e já estava ficando aflito, um tanto contristado, pensando que ela não viria mais. - Mas e daí? Interrompi. Ele sorriu para mim, e com olhos brilhando intensamente concluiu: - Sua beleza era inconfundível. Mais adiante, no meio da multidão eu a vejo ansiosamente buscando por alguém. Ela me vê, fica imóvel por instante, sorri feliz e vem correndo ao meu encontro. Meu pai parou um pouco a narrativa para tomar um fôlego e organizar seus pensamentos. - E como foi a conversa? Perguntei aflito. - Eu, um pouco nervoso indaguei para ela se aceitaria namorar comigo. Vi seus olhos lindos azuis brilharem, e num rompante respondeu-me que sim. - E aí então começou oficialmente o seu namoro com nossa mãe? Perguntei. - Sim, respondeu-me ele todo faceiro. Parou um pouco e continuou. - Foi o início de nosso namoro, e de nossos setenta anos de amorosa convivência. E um pouco triste, com um olhar perdido no espaço, completou: - Eu tenho muita saudade dela meu filho! O tempo passou muito depressa para nós! Parece que foi ontem! Vi algumas lágrimas em seu rosto, e num abraço demorado eu segredei em seu ouvido: - Eu também meu pai, eu também tenho muita saudade de minha mãezinha, a linda menina dos olhos azuis. Nota (1) (2) e (3) Patrimônios pertencentes a São Mateus do Sul POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 11 de janeiro de 2015

A CARTA

Desde pequeno aprendi com meu pai que correspondências dos outros não devem ser violadas. Aprendi também que não devemos transferir aos outros a responsabilidade que cabe a nós resolver, e que só devemos fazer a tarefa do outro quando se tratar de caridade. Jesus teve que carregar a cruz, e não transferiu a tarefa a Cireneu; Foi Cireneu que praticou um ato de caridade ajudando a Jesus carregar o pesado lenho. Meu pai sempre foi, e ainda continua sendo, nos seus quase cem anos de idade, aquele homem cheio de regras e fiel nos procedimentos. Aprendi muito com ele. Um dia, num bate papo gostoso com meu velho, relembrando coisas antigas, perguntei: - Meu pai, conte pra mim sobre aquela carta. Ele olhou demoradamente para mim, franziu a testa, e como que para memorizar a cena, fechou os olhos por alguns segundos. Percebi um sorriso malandro em seus lábios. Ajeitou-se no sofá, e com um ar mais sério do que de costume descreveu o acontecido. Conto com minhas palavras, mas juro que foi bem assim que ele me narrou. Meu pai vivia dias negros de solidão, e desespero completo após o rompimento do noivado com a Gertrudes. Foi uma mulher de poucos princípios, não merecendo o amor de meu pai. Todos, sem conhecer o fato como foi, consideravam o rompimento como um ato absurdo. aquele era o tempo do valor inestimável do fio do bigode. Naquela época valia muito o respeito por compromissos assumidos. Todos os Santos Lima estavam contra meu pai cobrando justificativas. Meu velho é de pouca conversa, e de muita ação. Nada contou sobre seu desapontamento com a moça. Ele preferiu assumir a culpa pelo rompimento a desvendar o verdadeiro motivo pelo qual se fez romper o noivado. Vivia apreensivo com a promessa de uma surra prometida pelos irmãos da noiva safada abandonada. Ela, por certo, não contou para ninguém que tinha deixado meu pai plantado, feito dois de pau, na casa do tio dela, enquanto foi folgadamente se divertir com as amigas num baile de carnaval. Maldita Gertrudes! Meu pai era um moço bem apessoado, elegante e desejado por muitas pretendentes. Faziam isto e aquilo para conquistá-lo. Ele ainda guardava a magoa da decepção de um noivado abominado. Não queria compromisso com ninguém. E o tempo foi passando. Um dia chegou uma misteriosa carta endereçada para meu avô, pai de meu pai. Parece que o conteúdo da tal carta animou a família. Eu acho que meu avô fez a desvenda da tal carta para toda a família antes de vir conversar com meu pai. Alguns dias depois, meu avô, todo enigmático, misterioso. chamou meu pai e disse: - As coisas agora vão melhorar, meu filho! Meu pai, estranhando o jeito mudado repentino do meu avô, simplesmente emite laconicamente um som exclamativo: - Ah! Mas despertou em meu pai a curiosidade e então ele pergunta. - Vão melhorar no que meu pai? Os irmãos, tios, e primos, que sabiam do conteúdo da tal carta, se acomodaram atrás das portas, debaixo da mesa, dentro dos armários; Todos, de ouvidos bem abertos, esperavam ansiosos por saber o desfecho daquele encontro. Todo cerimonioso, meu vô tira a carta do bolso do paletó, prende-a entre o dedo polegar e indicador da mão direita, ergue-a sorridente para que meu pai a visse, e chacoalhando-a diz. - Esta carta, meu filho, vai mudar tudo! Vai mudar sua vida! Meu pai, entre atônito e bestificado pergunta para meu avô. - Mas o que tem ela de tão importante para mudar a minha vida? - Pegue-a! Estendendo para o lado de meu pai, meu avô alcançou a carta. Meu pai pegou-a, e antes de abrir o envelope conferiu a quem estava endereçada. - Mas esta carta veio endereçada ao senhor! Disse meu pai devolvendo-a a meu avô. - Mas é para você! Tentou meu avô convencer meu pai. - Mas como é para mim se no envelope está escrito o seu nome? Meu pai não obteve resposta, e então pergunta um tanto irritado: - O que diz ela de tão importante? E meu avô, percebendo que meu pai não pegaria a carta, medrosamente, tentou fazer um esboço do conteúdo da dita cuja. E assim disse ele: - Meu filho, esta carta é do meu amigo e compadre. Ele tem uma filha, bem prendada, e está oferecendo-a em casamento a você. Meu avô olhou sem jeito para meu pai e perguntou: - E daí, o que você vai responder? Meu pai, que sempre teve o pavio curto, sem delongas respondeu energicamente, antes de virar as costas e ir embora. - A carta não foi endereçada ao senhor meu pai? Eu não conheço a moça, e por isso responda simplesmente ao pai dela dizendo que sinto muito. A decepção tomou conta dos escondidos, e ouviu-se pelos cantos da casa um sonoro e alongado: Ah! POR: MARIO DOS SANTOS LIMA