terça-feira, 25 de dezembro de 2012

UM MENDIGO FELIZ NUMA NOITE TRISTE NATAL

Lá estava ele, como sempre esteve em todos os santos dias, acomodado sobre papelões velhos, ensebados e encardidos, sob a marquise daquele velho prédio. Não entrava nele porque as portas foram atijoladas. Comia restos que colhia aqui e acolá ou que alguma alma caridosa lhe viesse servir. Cabelos brancos, sujos e em desalinho que caiam mal cortados pelo rosto sulcado e pelos ombros arquejados, davam-lhe um aspecto mais envelhecido do que era. Acreditava em Deus, e em suas preces almejava um dia passar um natal em família. Queria ser adotado por apenas um dia, e sentir o prazer da magia da noite de natal. Não conheceu o pai, e sua mãe? bem, era uma prostituta, morreu quando ele era ainda pequeno. Viveu sempre na rua . Fisicamente era feio, mas, creio eu, que por dentro era uma boa alma. Nas noites que antecedia o natal, o piscar das luzes das árvores e dos enfeites das casas exercia nele uma magia inexplicável. O que mais lhe tocava o coração era ver as crianças correndo felizes para o abraço de seus pais. Ele nunca fora abraçado por ninguém. Ficava ali sentado, matutando e se vendo feliz no meio daquelas famílias. Se lhe dessem a oportunidade para escolher um presente ele pediria apenas um abraço. Este era o presente que mais desejava na vida. Na noite em que antecedeu o Natal, já quase adormecendo, após suas suplicantes preces, a esse Deus que ele nunca viu, mas que acreditava existir em algum lugar, percebeu que alguém vinha caminhando em sua direção. Envolto em luz, e com sorriso maravilhoso, foi se achegando. Colocou-se de joelho, para ficar da mesma altura, e colocando sua mão no ombro dele disse: - Vim lhe dar um abraço e desejar uma boa noite, e um feliz natal. Fez o mendigo se levantar e num amplexo divinal permaneceram por longo tempo entrelaçados. E a divinal criatura completou: - Agora você deve ir a cada casa e dizer que você é o próprio Jesus; Peça para entrar e ficar um pouco na festa que celebram para você. O mendigo não conseguiu entender e respondeu - Mas como eu, um pobre mortal, insignificante criatura possa ser Jesus? - Apenas faça o que digo. A criatura foi se afastando aos poucos e desapareceu mais adiante. Entre admirado e incrédulo resolveu fazer o que a divinal criatura lhe tinha pedido. Nunca tinha feito isto antes, abandonar o seu próprio território, mas criou coragem e foi. Bateu palmas na primeira casa e um casal atendeu, com a porta entre aberta perguntando. - O que você quer? Não temos nada! - Sou Jesus e vim para a minha festa! - Some daqui! vamos chamar a polícia. Foram muitas as casas e muitas foram as ameaças. Na última tentativa, da casa surgiram duas crianças que vieram inocentes, contentes perguntar o que ele queria. - Eu sou Jesus e vim para a festa que estão celebrando pelo meu nascimento. As crianças felizes correram para casa, e puxando o mendigo pelo braço gritavam. - Mamãe, papai Jesus está aqui. Ele existe e veio festejar conosco o seu aniversário. Na porta de entrada estavam o pai e a mãe que recolheram de imediato as crianças, e dando uma descompostura, puseram o mendigo prá fora do portão. - Mas pai, ele é Jesus e veio para a festa dele. - Deixem de besteira, ele é um vagabundo que vive na rua. - Mas ele é Jesus, ele disse para nós, insistiram as crianças. - Vocês acham que Jesus é tão feio e mendigo? e bateu a porta com violência. Ele ainda conseguiu escutar estas últimas palavras. Ficou triste e foi se embora. Já era madrugada, e ainda em muitas casas a festa continuava. Num caminhar desolado foi chegando ao seu canto que num canto deste recanto era o canto maravilhoso que tinha. Comeu alguma migalha que lhe restava e repartiu este pouco com o cachorro vadio que se achegou. Adormeceu feliz lembrando do único abraço que tinha recebido em toda sua vida. Sentia ainda o calor dele. No dia seguinte a Prefeitura recolhia um corpo inerte, mas que trazia estampando no rosto um belo sorriso. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 9 de dezembro de 2012

UM AVIÃO ATEU OU NACIONALISTA

por: Mario dos Santos Lima Eu só preciso confirmar a data, mas isto não vai invalidar o que vou narrar aqui. Vou registrar, então, que foi em 1918. A Europa vivia numa situação econômica extremamente adversa, imersa na pobreza com grandes conflitos, intolerância religiosa e sob a pressão do nacionalismo irracional, aforante, é claro, a guerra. A pequena cidade de Maria Augusta, próspero porto do Rio Iguaçu, crescia harmoniosa sob a batuta dos imigrantes, principalmente poloneses que vinham fugidos das agruras de seus países de origem. Vinham em busca do paraíso para seus familiares. Vinham despidos de tudo, trazendo apenas seus conhecimentos, suas práticas e uma vontade ímpar, próprio dos primeiros empreendedores. Eram, na sua grande maioria, católicos, e extremamente religiosos respeitando as tradições, costumes e ritos do catolicismo. A sexta feira santa era o ponto alto da servidão a Deus. O povo vestia a melhor fatiota, enfeitava suas carroças, seus cavalos e vinham com a família para a cerimônia e procissão do senhor morto. Naquele tempo as formas de diversão não eram tão perigosas quanto as que existem hoje. Rachas e outros esportes radicais ainda não faziam parte do cotidiano da simplicidade da cidade, mas existia na época um sujeito, que por certo forçou a coisa, lá no além com os espíritos, e acabou nascendo fora do tempo dele. Nasceu muito antes, e aprontou e se deu mal. Ele gostava de brincar e se divertir com a forma simples e natural de viver do povo. Foi piloto de guerra, mas um acidente fez com que ele recebesse baixa e voltasse puto da vida para casa. Para ele a guerra era um esporte para lá de radical. O filho de uma puta, que Deus o tenha agora em um bom lugar, não chegou a viver para ver o final da primeira grande guerra mundial. Sexta feira da paixão. A cidade se aquietou e se vestiu de luto pela morte de Cristo. Nas Igrejas os santos se cobriam de roxo e o povo, falando baixinho, contritos se aglomeravam ao lado da Igreja para a procissão. E a procissão saiu da porta da capela para percorrer algumas ruas e retornar a Igreja. O piloto era ateu e detestava esta quietude. Detestava a cidade vestida de luto. Resolveu dar um corretivo no povo. Arquitetou um diabólico plano e enquanto o revia se divertia com antecedência. Emprestou um teco-teco de um amigo que conheceu na guerra e deixou-o preparado para a cerimônia da sexta feira santa. Faria vôos rasantes sobre a procissão para ver os cavalos em disparadas e o povo em polvorosa. A cidade toda compareceu. Com velas nas mãos, muitos com lágrimas nos olhos, contritos acompanhavam a procissão. De repente, quebrando aquele sacro-santo momento, ouviu-se o ronco de um motor de avião. A concentração já não era a mesma e os fieis, com seus semblantes carregados, demonstravam contrariados com aquilo. O avião fez um rasante quase decepando as cabeças dos cavalos e das pessoas. O povo se dispersou mudando o tema da oração - rogavam pragas e amaldiçoavam o piloto. O padre arregaçou a batina e bateu em retirada. Os cavalos assustados, em disparada, relinchando desesperados levavam atrás deles as carroças vazias. Abandonaram o esquife no meio da rua, e Jesus não teve outro jeito, saiu correndo também. A balburdia estava implantada. O avião fazia os rasantes e dava para ouvir as gargalhadas do energúmeno e encapetado piloto. Muita gente se jogou ao chão imaginando que os terríveis nacionalistas húngaros estivessem ali para dizimá-los. Foram momentos cruéis - ronco do avião sem o silencioso, relinchos, gritos e barulhos das carroças se quebrando. De repente um estrondo. Seguiu-se um silêncio sepulcral. Lá na esquina, em meio a uma intensa poeira, um avião beijando o chão era consumido por labaredas enormes que subiam altas lambendo o céu. Cristo voltou, deitou no esquife, e o povo retornou à cerimônia.

sábado, 8 de dezembro de 2012

MIJANDO NO BALCÃO DA PRIVADA

Bem, antes de escrever a minha crônica acho legal dar uma voltinha pelo mundo nojento da latrina para saber como foi sua merdamorfose desde os primórdios. A história das privadas é bem mais velha do que se pensa. Com certeza tem a mesma idade do aparecimento do homem no planeta terra, e é por uma razão muito clara, pois o primata, como qualquer vivente deste pontinho do imenso universo, tinha e tem para sobreviver que comer, beber, e por necessidade fisiológica, logo a seguir, tinha e tem que esvaziar o tubo digestivo e o condutor urinário. Fazia a coisa ali na caverna mesmo. O mau cheiro provocado pelo bolo fecal e urina obrigou os primeiros habitantes da terra a ir atrás de algum local adequado, fora e afastado da caverna para depositar esta coisa nojenta e mal cheirosa. Resistiram no começo, mas começaram a praticar a coisa a céu aberto. Começaram a defecar em terreno seco e plano perto do seu habitat, mas logo perceberam que era além do incomodo, aquela coisa começava a ocupar um espaço muito grande do terreno. Quando iam caçar ou lutar acabavam pisando ou escorregando nos excrementos. Experimentaram fazer a defecção então nas grandes elevações que havia por perto e constataram (talvez aí esteja o início da pesquisa científica) que as fezes rolavam morro abaixo e eram depositadas tranquilamente ao sopé da montanha. Evidenciaram logo a seguir que esteticamente não era bom alem do que, o sacrifício de subir o morro, principalmente para os mais velhos e doentes era fatigante. Cansativos estudos e muitos debates na caverna acabaram por descobrir os atributos do rio e como alguns ensaios deram positivos resolveram então fazer a coisa nojenta na água corrente. Aproveitavam sempre algum tronco de árvore caído sobre a água. O som do pluft do dejeto mergulhando na água para nossos antepassados era muito engraçado e curioso. Existem relatos destes episódios gravados em muitas cavernas. Tão logo o troço era conduzido pela correnteza aproveitavam para lavar a bunda. Isto ficou usual por longo período da história, (Com certeza desta prática surgiu o bidê, bacia oblonga que hoje serve para lavar as partes inferiores do tronco) E o mundo foi evoluindo a passos largos, e a merda se avolumando nos rios. Tal qual um formigueiro na terra o número de habitantes foi crescendo violentamente, mas a prática de defecar no rio continuou, e isto acabou por contaminar seriamente as águas. Então começaram longos e profundos estudos a fim de desenvolver formas e mais formas de depositar os excrementos fora dos rios. Começou então o nascimento dos esgotos. Se formos voltar ao tempo verificamos que já há 4000 anos antes de Cristo na Mesopotâmia se tem início a construção do sistema de irrigação. A irrigação tanto era para separar a água que conduzia os dejetos da água que era destinada a irrigação das plantas. A história está cheia de relatos da preocupação do povo com a merda. Até que na Alemanha os políticos bundas sujas não agüentando mais o rio Danúbio fedendo e transportando aquela sujeira toda, pelos idos de 1500 obrigaram o uso de fossas sanitárias. O aparecimento da água encanada e das peças sanitárias com descarga hídrica fez com que a água passasse a servir com uma nova finalidade: afastar propositadamente dejetos e outras impurezas indesejáveis ao ambiente de vivência. A sistemática de carreamento de refugos e dejetos domésticos com o uso da água, embora fosse conhecida desde o século XVI, quando John Harrington (1561-1612) fez um manual de procedimentos de uso ao instalar a primeira latrina no palácio da Rainha Isabel, - esta latrina não tinha descarga, pois era instalada diretamente em cima de um córrego - sua disseminação só veio a partir de 1778, quando Joseph Bramah (1748-1814) inventou a bacia sanitária com descarga hídrica, inicialmente empregada em hospitais e moradias nobres. A generalização dos sistemas de distribuição de água e as descargas hídricas para evacuar o esgoto, provocaram a saturação do solo, contaminando as ruas e o lençol freático. Como nem todos poderiam ter um córrego debaixo da bunda a coisa foi resolvida com valetas que conduziam as porcariadas pelas ruas. A extravasão para os leitos das ruas criou, também, constrangimentos do ponto de vista estéticos, levando a necessidade de criação de esquemas para limpeza das vias públicas das cidades grandes. Na realidade a invenção das tamancas foi exatamente para que as pessoas ao andar pelas ruas pisando nos troços não sujassem os pés. No Brasil a coisa aconteceu pelos idos de 1850 no Rio de Janeiro. Como os vasos e sistemas de esgoto eram todos importados da Inglaterra o povo brasileiro resolveu de uma maneira bem mais simples a coisa. Fazer um buraco e construir em cima uma pequena casinha para evitar olhares curiosos quando o indivíduo estivesse fazendo aquelas caretas todas tentando dar saída ao quibe. No início era apenas um buraco com um pedaço de pau atravessado onde os necessitados se equilibravam de cócoras. Como era freqüente o desequilíbrio e os indivíduos irem se misturar com as fezes no fundo do buraco resolveram construir um assoalhado com uma pequena abertura por onde as fezes eram despachadas. Para maior conforto, tempo mais tarde pensando num lugar mais reservado levantaram paredes. Normalmente a casinha era em madeira com uma porta. Seu tamanho não passava de um metro por um metro. Sempre coberta em telha para evitar que quando alguém estivesse no sufoco alguma chuva repentina não viesse esfriar os seus intentos. Como a privada sempre foi um lugar ideal para pequenas leituras e a posição “de cócoras” jamais foi a mais apropriada para tal prática lá se foram horas e mais horas de estudos e pesquisas ergonométricas para se chegar à construção do balcão de assento. O balcão era como se fosse um banco com um orifício de certo tamanho que não permitisse você ser engolido pelas ancas, mas, por outro lado que permitisse perfeitamente que os excrementos fossem transferidos e depositados no buraco. A privada, ou a casinha como usualmente e carinhosamente era chamada tinha seu lugar reservado no fundo do quintal – longe da casa e longe do lençol freático. A casinha de nossa casa era por demais cuidada. Minhas irmãs mantinham-na areada e lavada todos os dias. O assento do balcão era uma belezinha. Era como se fosse a mesa da cozinha de tão limpa e asseada. Tinha uma razão para isto, meu pai quando chegava para o café da tarde gostava de ir até lá para ler algumas notícias enquanto fazia suas necessidades fisiológicas. Com aquela limpeza toda, meu pai se sentia a vontade tal qual um rei no seu trono. Este cerimonial para meu pai era sagrado, acontecia todos os dias. Minha tarefa caseira era recolher lenha e tirar água do poço. Tinha verdadeiro pavor e ojeriza só em pensar de lavar a privada, e ficava puto da vida quando me locomovia para a casinha minhas irmãs em coro me diziam: - não vá mijar no balcão; Se mijar vai limpar. Todo dia era a mesma ladainha quando para lá eu me dirigia: - não vá mijar no balcão; não vá mijar no balcão. Certo dia, logo após o almoço quando as manas terminaram a famosa limpeza da privada lá vou eu para fazer minhas necessidades e ainda ouço as duas gralhando no meu ouvido: - Não vá mijar no balcão; não vá mijar no balcão. Entrei, fechei e taramelei a porta; Lá dentro desabotoei a calça e saquei o bruto e mirei no buraco do assento do balcão e escutei, puteado como um eco: - não vá mijar no balcão, não vá mijar no balcão – por momentos isto foi atormentando minha cabeça; fui ficando alucinado e não tive dúvida, deixei que a urina corresse solta de um lado para outro balançando freneticamente o meu órgão mijador; Quase tive um orgasmo, mas saí satisfeito de dentro da privada, vendo o assento do balcão todo urinado; Aquilo foi a minha vingança. Sai satisfeito, mas fiquei logo em seguida deveras preocupado quando vi meu pai chegando para o café da tarde. Rezei para todos os santos do céu e para Deus para que meu pai naquela hora, num lampejo de amnésia esquecesse a leitura do jornal e não tivesse vontade de ir até a privada. Os malditos santos estavam ausentes e Deus, para me sacanear por certo se pôs do lado de minhas irmãs. Fiquei atrás do galinheiro espiando apreensivo o meu pai que a passos largos, de jornal na mão encaminhava-se ao destino privado. Eu queria que alguma coisa acontecesse neste percurso. Alguém que chamasse; Um tropicão e meu pai caindo; Que a vontade dele de ler e ir ao banheiro passasse enfim que alguma coisa ocorresse e impedisse de chegar naquele momento na casinha. Fui olhando seus passos e apavorado vi que a distância entre ele e a latrina foi rapidamente diminuindo. A cada passo que meu pai dava meu coração acelerava mais e mais. Ah! Se uma onda de calor violenta viesse nessa hora secar a urina que depositei em cima do assento do balcão. Quando já estava levando a mão para abrir a porta, quis gritar por socorro para que ele viesse me acudir, mas meu grito ficou sufocado na boca. Fiz o sinal da cruz quando meu pai abriu a porta, entrou e imediatamente saiu gritando: - Quem fez esta sujeira toda no balcão da privada? Seu grito foi ouvido do outro lado da cidade e o povo em pavoroso saiu pelas ruas. As gotas de urina que restaram na minha bexiga acabaram se acomodando na minha calça. Não sei se meu pai ficou zangado por não ter podido ler o jornal sentado prazerosamente naquele assento da privada sempre limpo ou por não ter sido ele o primeiro a mijar em todo o balcão; Só sei que me deu uns safanões e me fez como escravo lavar a maldita privada e ainda por cima ouvindo minhas manas às gargalhadas em coro gralhando: - Eu disse, não mije no balcão. por: Mario dos Santos Lima

domingo, 2 de dezembro de 2012

O BÊBADO E O BURACO

Eu acho que o bêbado, de um modo geral tem, ao lado dele, um séquito anjo da guarda zeloso e de muita habilidade. Por certo este anjo deve ter sido um bêbado qualquer, quando em vida encarnado, e quando morreu, Deus arrumou para ele, como função obrigatória um serviço social - a servidão junto aos bêbados vivos - como forma para que ele possa pagar os pecados do tempo em que viveu encharcado. A cidade não tinha calçada e muito menos calçamento nas ruas. O aguaceiro que tinha descido do céu, finalmente deu uma trégua, mas o lamaçal infernal, pegadiço e escorregadio que ficou estava presente para o bailado dos menos avisados. A tarde se mostrava cansada, e perdia o brilho rapidamente desmaiando no horizonte. A conversa na esquina era, entre muitos deliciosos assuntos, com certeza, uma crítica ferrenha ao mandatário da cidade, principalmente porque o filho de uma puta não punha calçada e pavimentava as ruas. Era uma vergonha o estado lastimável do lugarejo. Com a chuva o lamaçal se fazia presente, e com a seca aparecia a poeira castigante. Embora o lamaçal não fosse de todo ruim, visto que se apresentava como um delirante palco de danças e imundície para quem estivesse vendo, proporcionava prazer. Sempre tinha alguém que entrava desavisado em cena, muitas vezes de passos curtos, medrosos, mas que de repente, como se estivesse recebendo uma entidade qualquer, começava a executar uma dança completamente maluca. As pernas se desencontravam, e os braços tentavam a todo custo planar, mas o corpo, num desequilíbrio infame levava pernas e braços a chafurdar no lamaçal. Suspense da platéia no momento da ação, mas muito riso na seqüência ao ouvir os palavrões do inconformado enlameado. De repente paramos o bate papo para observar alguém especial que entrava em cena. Estava a uns cinqüenta metros e vinha em nossa direção. O borracho era de todos conhecido. Vinha milagrosamente equilibrado num zigue zague danado. Dava dois ou três passos para frente e como se perdesse a força voltava um passo para trás. Parava, dizia alguma coisa em alta e descontrolada voz, respirava, reclamava, dizia coisas desconexas e novamente o mesmo processo. A calçada era estreita para a situação dele, mas o equilíbrio era inenarrável. Parecia uma marionete, de pernas e braços moles, mas sempre de pé. Com certeza o anjo dele deveria estar movimentando as cordinhas. Ele se aproximou. Apagamos os cigarros pelo perigo eminente. No zigue zague e no vai vem dos passos parou junto do grupo. Estava tão encharcado que simplesmente não nos enxergou, e ficamos momentaneamente embriagados. Logo a frente tinha uma enorme valeta e um bueiro a céu aberto. Uma prancha de madeira servia de pinguela para atravessar a vala. Olhamos a valeta, olhamos o bêbado e se entreolhamos e sem que ninguém tivesse combinado coisa alguma, partimos para segurar o infeliz. Foi inútil! Lá foi cambaleante o tonel. Parecia ter adivinhado as nossas intenções e por isso ganhou força, e mirando a pinguela passou célere por ela como banana na goela de velho. Em coro dissemos: - O anjo deste filho de uma puta é poderoso mesmo! Ao atravessar a ponte foi parar no meio da rua. Balançou de um lado para outro. Gritou, resmungou, cantou alguma coisa. Ficou como que plantado ali. Eu acho que o anjo dele acabou se borrando todo, e por momentos, pegou algum cantinho para se limpar, e aí então a coisa se desgovernou completamente. Com a ausência momentânea do anjo o corpo ébrio perdeu completamente a noção de direção. Balançou, rodopiou e veio com tudo de ré para o lado da valeta. Um pé conseguiu acertar a prancha, mas outro ficou perdido no espaço, e com isto fez o corpo dar um rodopio no ar, e se projetar de ponta cabeça no bueiro. Petrificados pensamos: - O filho de uma puta deve ter quebrado o pescoço! Momentos se seguiram de suspense, de angustia fúnebre até que fôssemos rápidos para resgatar das profundezas do bueiro o cadáver embebido de cachaça. Quase caímos de costa quando vimos o desgraçado, todo enlameado, surgindo como um monstro fantasmagórico do fundo do buraco, e ao nos avistar dizer de boca mole: - Nunca viram um bêbado cair num buraco? Com certeza o anjo tinha retornado à tempo! por: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 17 de novembro de 2012

UM BÊBADO FANTASMA

Eu acho que ainda hoje eu ouço com nitidez a voz rouca dele me chamando. São Mateus naquela época não tinha energia nas casas e muito menos tinha iluminação pública. Eu acredito que naquela tempo no povoado não havia mais do que de três mil almas. Eu acomodei meu esqueleto lá por muito tempo. Eu tinha medo de fantasmas, mas nunca acreditei neles. Tinha medo de bêbados porque os achava inconseqüentes. O certo era que sempre que podia evitava os cachaceiros, e os cantos escuros e de pouco movimento, isto somente por precaução. Lamentavelmente para chegar a casa de minha avó tinha que inevitavelmente palmilhar um longo trecho de ruelas habitadas apenas por vadios cachorros; A casa dela, lá no alto da rua, estilo europeu, onde fiquei por muito tempo, era nos arredores da cidade. Uma noite, depois de um sarau, voltava apreensivo para casa, de terço santificado e protetor na mão, quase cagando de medo nas calças. Seriam seis quadras que eu teria que vencer até chegar a casa de minha avó. A chuva ordinária fazia poças de água que eu, no meu andar apressado, pisava encharcando minha bota. A noite era terrivelmente escura e o silêncio caminhava nas pontas dos pés para evitar o barulho. Eu me guiava pelos relâmpagos que de vez em quando cuspiam chispas riscando o céu. Tudo me assustava. Queria rápido chegar em casa. A tensão era grande quando de repente, ali mais adiante, no riscar do relâmpago, vislumbro um vulto disforme amontoado na rua. Congelei, e com certeza pelo meu ânus não passaria nem pensamento. Quando resolvi retornar uma voz bêbada chamou pelo meu nome. - Será que estes malditos fantasmas tem agenda com os nomes de suas vítimas? pensei quase desfalecendo ao chão. Aquela coisa chamou de novo pedindo ajuda, e então percebi que não se tratava de um fantasma e sim de um bêbado que por certo me conhecia. Perdi o medo, e resolvi ajudar aquele miserável, até porque a inofensiva criatura estava completamente encharcada tanto por dentro quanto por fora. Acheguei-me até a ele, inclinei-me para ficar mais próximo, e com o brilho do relâmpago pude identificar que aquilo ali era o filho do casal de idosos, meus visinhos. Estava bêbado, sujo e completamente molhado. Fiquei com pena dele. Com dificuldade consegui colocá-lo de pé, passando seu braço esquerdo por cima do meu ombro segurando sua mão, e com meu braço direito segurei-o pela cintura. Lá fomos os dois, cambaleantes, molhados, sujos, tropicando e por duas vezes caindo no lamaçal. - Você é o único amigo que tenho! Com voz bêbada jogava elogios. Conhecia-o de vista, mas no trecho até chegar a casa dele me contou sua triste história. Bebia porque sua noiva tinha deixado dele por um outro qualquer. Dei alguns conselhos, mas pouco adiantou, pois o bêbado, pelo que me parece, é mouco e só tem boca para lamentar, dizer impropérios, e para ingerir o líquido. Entreguei a encomenda ao casal que muito triste e envergonhado me agradeceu. Aquilo passou a ser uma rotina quando de minhas caminhadas noturnas. Eu até ficava contente porque sabia que o meu protetor contra os fantasmas, embora bêbado, estava sempre por ali esperando por minha ajuda. Eu já não tinha mais medo de fantasmas quando andava a noite por aquele trecho. O bêbado deve ter um olho infra vermelho; Eu nunca o enxergava, mas quando me aproximava dele sua voz rouca, embaralhada, chamava pelo meu nome pedindo ajuda. Ele bebia todas que podia, e o combustível ingerido dava para ele chegar até ali apenas. Ele acabou se tornando um fiel amigo meu e eu o seu confessor. Um dia, como tantos outros, voltava de minhas noitadas. A noite fria e úmida vomitava um vento que ia morar cruel lá no miolo dos ossos. Não temia os fantasmas porque o meu amigo bêbado estaria, lá mais adiante, me esperando. Preparava mentalmente alguns conselhos para tentar convencê-lo a largar da bebida, melhorar de vida, e etc. Caminhava rápido guiado pelo instinto de direção. Cheguei e passei pelo local. Ninguém suplicou por mim. Parei e voltei. Procurei algum corpo estendido. Talvez o sono e a bebida tenha feito seu corpo adormecer. Gritei diversas vezes pelo seu nome, meus gritos ecoaram pelo espaço tendo como eco apenas alguns latidos distantes. Procurei em vão, e muito apreensivo rumei para casa pensando. - Talvez alguma alma boa tenha passado e o levado para casa. Antes de entrar em casa, percebi luzes de lampião e velas iluminando a casa de meus visinhos idosos. Alguma coisa me puxou até lá. A porta estava aberta. Entrei e vi o casal de velhos afagando os cabelos do meu amigo que inerte estava na mesa entre quatro velas. Ela me olhou, com lágrimas nos olhos, sem tirar suas mãos da cabeça do filho, disse: - Ele não saiu hoje, faleceu agora a noitinha. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 11 de novembro de 2012

O AVIÃO SELVAGEM

Na história suja do contrabando podemos extrair muitas coisas que passeiam do hilário ao sepulcral, e da verdade insofismável a mentira quase aparente. Há muita verdade mentirosa, mas também há muita lenda verdadeira. O que vou descrever, não fosse presenciado por mim, jamais acreditaria se fosse contado por alguém. Você não vai acreditar? Não tem importância não, eu entendo. Apresento a Igreja, mas não digo a qual paróquia ela pertence. Era um lugarejo simples e bucólico, plantado e deslizando ao pé de uma pequena elevação, banhado pelo rio que solitário lhe fazia escorrendo e úmida companhia. O rio caudaloso surge por detrás da elevação e morre numa curva mais adiante. Entre o rio e a elevação, escondido do povoado, deitava comprido um tosco campo de aviação. As máquinas voadoras, que se aventuravam deslizar por este grotesco corredor de grama e terra, faziam antes um vôo de alerta, por cima do pequeno povoado, para que alguém fosse até lá espantar os famintos animais que devoravam a pista, e receber os visitantes. Isto acontecia lá de quando em quando, e quando acontecia era um diz que diz danado na cidade. Um dia o delegado da localidade recebeu um telegrama, através do correio, da polícia da capital no qual vinha uma informação de que havia indícios do uso da pista do aeroporto de forma criminosa; A pista estava servindo de entreposto da rota de contrabando. No telegrama era solicitado a averiguação e as providências cabíveis para coibir tal indecência. O delegado contratou um espião. Era um molecão, sem família, desempregado que tinha por objetivo ficar de tocaia, no alto da elevação para quando a máquina voadora chegasse fizesse as anotações da hora da chegada, prefixo e outros eventuais movimentos ao derredor. O moleque ficou plantado, dia e noite numa barraca só observando. A comida era ali trazida pela delegacia e suas necessidade físicas eram aliviadas nas moitas que por ali existiam. O pobre diabo permaneceu ali por quinze dias sem banho, cagando, mijando e comendo de forma cruel para o bem dos bons costumes. Convenhamos que era uma situação degradante para um espião. Finalmente a coisa iria acontecer. O espião ficou feliz e atento deixava momentaneamente a moita que ocupava. O dia já estava anunciando que iria descansar, quando no horizonte lá distante, um teco teco, deu umas voltas e desapareceu. Um carro chegou até a pista logo em seguida, e dois homens desceram e pareciam impacientes aguardando alguma coisa. O teco teco chegou, o carro se aproximou, e os dois mais o piloto travaram um rápido papo, entregaram alguma coisa ao piloto e descarregaram do avião algumas caixas colocando no carro. Imediatamente o avião levantou vôo e o carro pegou rumo da capital. Tudo fora anotado com propriedade pelo espião. O delegado telegrafou as informações para polícia da capital. Os dias transcorreram sem novidades até que um outro telegrama urgente dava todas as informações para o delegado armar uma emboscada e prender os contrabandistas. Discutiu-se o plano em segredo de estado, e armaram uma estratégia para a captura. O avião chegaria no meio da tarde. O assunto foi discutido em segredo, mas o delegado ficou sabendo que os malditos fofoqueiros já tinham se encarregado de divulgar a notícia. O povo estava se aprontando para a grande festa quando o delegado, de porta em porta, avisou: "Se alguém saísse de casa sairia preso". Ignorei a ordem e saí disfarçadamente e fui me esconder lá no alto para poder observar tudo. Os quatro policiais mais o delegado chegaram disfarçados de alface, ou de moita e rapidamente camuflaram a viatura. Ficaram amoitados, fortemente armados, impacientemente aguardando o contrabando chegar. Chegou um carro com dois indivíduos suspeitos. Nada poderia, por enquanto, se fazer visto que a ação criminosa ainda não estava em cena. O avião lá adiante apontou e iniciou o procedimento de aterrissagem. Eis que quando o avião já próximo de encostar o rodado na pista acontece alguma coisa mirabolante, indescritível, cretino mesmo. Eu acho que quando o piloto vislumbrou aquilo lá na pista prometeu ao deus dos contrabandos que iria abandonar esta vida de crime. O avião já estava preparado para suavemente aterrissar quando os quatro policiais e o delegado saindo das moitas, de arma em punho, no meio da pista, gritando voz de prisão. Eu acho que o avião era completamente surdo, pois não atendeu a ordem de prisão, batendo as asas em retirada quase matando os cinco policiais que tiveram que se jogar no chão para não serem atropelados. por: Mario dos Santos Lima

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

MEU PRIMEIRO LIVRO

Tudo o que acontece ou surge pela primeira vez em nossa vida fica indelevelmente marcado. É o primeiro beijo, a primeira namorada, a primeira vez, bem... Tudo fica registrado e lá de vez em quando recordamos e nos deliciamos com isto. O que me traz um gozo íntimo e suave é a lembrança do primeiro livro que ganhei. Tinha eu aproximadamente de seis para sete anos e a nossa família morava em uma casa, de parede e meio bem próximo de onde hoje se assenta a igreja matriz de Arapongas. Eu me encantava vendo, ao entardecer, logo após o jantar, meu pai desfolhar o jornal que ele recebia não sei de quem, mas que sempre era colocado por debaixo da porta da sala de casa. Ele me punha sentado em sua perna para eu ver e admirar a figura de um lindo cavalo que era reproduzido em tamanho quase total da página do jornal. Era uma propaganda impressa naquele jornal, mas para mim aquilo era real, e tinha o fascínio de me transportar para uma viagem a um mundo de fantasias. Eu ficava embebido na figura majestosa do animal ouvindo meu pai contar mil e umas maravilhosas histórias sobre o tal cavalo. Meu pai me envolvia no conto, e eu adorava isto. Estas histórias ficavam povoando na minha memória, e isto fazia com que eu sonhasse dia e noite cavalgando este belo animal. Nos meus devaneios o meu lindo alazão era parecido ao do jornal. Eu cavalgava sonhos e vencia barreiras. Meu alazão conversava numa conversação animada comigo, e nós riamos muito fazendo nossas traquinagens, nossas estripulias, correndo soltos pelo campo sem o compromisso com a realidade. Era meu amigo inseparável. Ainda bem que a nossa memória tem a capacidade de armazenar e evocar informações ao momento que desejamos. Este cavalo ainda está vivo em minhas recordações. Já não é um alazão novo e nem estamos por aí fazendo confusões, e nem mais eu mantenho um diálogo como dantes com ele, mas ainda lhe tenho grande estima. Às vezes sentamos nós dois, lado a lado e falamos recordando das coisas que fazíamos naqueles tempos. Ele relincha tristemente ao meu lado num relinchar saudoso, e eu lhe afago a cabeça. Um dia meu pai, ao entardecer chegou como sempre chegava, e logo após o jantar disse-me que tinha alguma coisa para me mostrar. Não pegou o jornal como de costume, mas trazia na mão um livro. Lembro-me que era bem colorido. Sentei na sua perna e ele leu, de cabo a rabo uma bonita história de um cavalo. Lembro-me ainda bem que em cada página tinha um potrinho e um menino em diversas situações empinando e correndo por belas paisagens, e logo abaixo das figuras algumas linhas escritas que por certo era de onde meu pai fazia a leitura. - Ah! Esta é a história de meu alazão, pensei acreditando ser verdadeira ao ouvir a leitura que meu pai fazia. A história era quase real. Narrava a vida de um cavalinho que nasceu numa fazenda e fez amizade com um menino e etc, etc e tal. - Sim, esta é a minha história com o meu alazão, pensei comigo. Eu me coloquei vivenciando as aventuras do personagem menino do livro. Meu pai terminou de ler a emocionante narrativa e me disse: - Amanhã vamos levar este livro para a biblioteca da escola. Você vai fazer uma doação dele. No momento fiquei p. da vida e perguntei: - Mas por quê? Ele é meu. - Não meu filho, o livro na biblioteca irá proporcionar e incentivar muita gente à leitura, e você vai ser o agente participando ativamente desta atividade configurada na doação deste livro. Muitos meninos vão poder ao lê-lo sentir as mesmas sensações, as mesmas emoções que você vivenciou e sentiu. - O livro é o invólucro do espírito transformado em caracteres e figuras, continuou ele para mim. Quanto mais pessoas abrirem e folhearem suas páginas, mais e mais vivo, e penetrante ele estará em outras mentes. Meu pai deve ter escrito alguma dedicatória na página inicial em meu nome; No dia seguinte lá fomos nós entrega-lo na escola. O meu primeiro livro tão rapidamente se foi como veio. Ele trazia a história de meu alazão num mundo imaginário. Entregando o livro, naquele momento, estava me sentido como um pai, num campo de concentração, vendo seu filho ser arrastado ao holocausto do banho, no forno a gás. Meu pai, segurando-me pela mão, e a passos largos se afastava cada vez mais da biblioteca. Experimentei olhar para trás, e lá estava ainda o livro no balcão da biblioteca, que sorriu e me deu um adeus com suas folhas em revoada. Uma lágrima correu sem vergonha pela minha face. Nunca mais vi o livro, mas guardo na memória a sua narrativa na voz de meu pai. por: Mario dos Santos Lima

domingo, 28 de outubro de 2012

FESTA DE ANIVERSÁRIO

A comemoração do aniversário de alguém é um evento que hoje é de praxe. Nem sempre foi assim. Na comemoração é comum ter apenas convidados da família e amigos, mas sempre, algum penetra, cara de pau, acaba festejando junto. Nos primórdios a festa de comemoração era considerada satânica pela igreja, mas ela acabou estrategicamente cedendo para poder comemorar o nascimento de Cristo. No início, as comemorações eram sérias e cheias de rezas, mas agora, muitas vezes, é uma verdadeira putaria com mulheres nuas saindo de bolos enormes, bolos explodindo, e etc. Eu acho que a Igreja vai acabar proibindo novamente. Antes a festa era pagã, e apenas os pecadores comemoravam, e agora são os sacanas que comemoram. Segundo pesquisa, o costume de dar parabéns, dar presentes e de celebração, com requinte de velas acesas, era para proteger o aniversariante de demônios e garantir segurança e bem estar no ano vindouro, mas nada está escrito que deva fazer sacanagem e dar festas surpresas. Em lugar algum está escrito que deva ter bexigas, línguas de sogra, para abrilhantar a festa. Eu acho que a coisa evoluiu com a necessidade de mudanças. Deixaram de lado as rezas e colocaram os cantos profanos, línguas de sogra e as bexigas. Quando guri não apreciava muito o dia de meu aniversário, e sinceramente não me lembro de tais festas, provavelmente porque meus pais eram cumpridores das normas da Igreja - não realize festas pagãs! No dia de meu aniversário procurava me esquivar de tudo e de todos. Se alguém descobrisse lá vinham os puxões de orelhas e pisadelas no pé, tantos quantos fossem os anos completados. Hoje a festa surpresa virou moda. Se você tem um grupo de amigos e vai aniversariar, pode saber que vão aprontar com uma festa surpresa. A festa surpresa já nem é mais surpresa. Alguém sempre te avisa para ir no lugar x ou y com alguma desculpa qualquer. E você vai sabendo que é a tal festa surpresa. Para ficar legal é interessante que você faça cara de espanto e felicidade. Em um aniversário meu, meu filho ainda pequeno veio até a mim e disse que a mãe pediu para não contar que eu teria uma festa surpresa. Só pelo fato de alguém estar inventando e preparando isto é porque realmente a data é significativa. Fiquei feliz e fiz cara de surpresa quando lá cheguei. Mas às vezes a festa surpresa acaba sendo surpresa para quem apronta. Certa feita uma amigo meu freqüentava uma escola técnica noturna e estava afim de deglutir a linda e sensual professora. Ela não dava a mínima para ele. Na aula, não prestava atenção, e vivia sonhando com ela pelada em seus braços perdida em beijos mil. No dia de seu aniversário, os bons espíritos pareciam que o estavam ajudando. A professora veio até ele, mas sem cumprimentá-lo convidou-o para ir a casa dela após a aula. Foi a aula mais demorada para ele. O relógio preguiçosamente patinava entre os números e ele feito um doido queria xingá-lo A aula terminou. Foi finalizada bem antes do horário, e a professora docilmente disse: - eu te espero as dez lá em casa. Como tinha muito tempo aproveitou para divagar um pouco em seus devaneios. Deixou solto seus pensamentos. Pensamentos sacanas, pornográficos. Pensou na sexualidade da professora; Nela despida com seus seios a amostra; Pensou na besteira boa que iria fazer com ela; Foi pensando, ficando cada vez mais excitado, e acabou por chegar um pouco antes do horário no apartamento da professora. Din don, a campainha tocou. Ela atendeu, deixando-o na anti sala. Pelos trajes dela parecia ainda estar finalizando o apronto de seu corpo. Ele se deliciou, deslizando seus olhos nas cochas que ficaram um pouco a amostra, e se embebedou dos seios que tentavam escapar da blusa ainda mau abotoada, e ouviu, como num sussurro maravilhoso ela dizendo: Aguarde só um pouquinho que já te atendo! Quase doido, em mil pensamentos pornográficos, ficou ali aguardando. - Entrarei assim vestido ou é melhor tirar a roupa? Ficou remoendo esta indecisão. Seu corpo todo tremia em êxtase, e como um animal, já com a arma engatilhada, resolveu tirar toda a roupa e aguardar o chamado. Ouviu finalmente uma voz macia, aveludada encharcada de sensualidade, convidando-o a entrar. Ansiosamente entrou, cego de amor para dar. O ambiente estava as escuras, mas ele adentrou pronto para o acasalamento. Um fósforo é riscado e uma vela se acendeu ao fundo; Fez se ouvir um coro, não de anjos, mas de intrometidos capetas que ruidosamente cantavam: - Parabéns pra você... A luz se acendeu. Olhos arregalados, espantados, e o silêncio sepulcral se implantou no ambiente. Com as mãos em concha no meio das pernas, apavorado tentou acalmar o monstro e ouviu e viu mãos assustadas na boca, e gritinhos de ui ui ui! por: Mário dos Santos Lima

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

EXAME DA PRÓSTATA

Jamais jogue um bumerangue a esmo, principalmente se você não estiver revestido de todas as habilidades para fazê-lo. Ele vai, volta e te atropela. Conversa de botequim, na grande maioria das vezes é só lamúria, vomitada por boca mole anestesiada pela cachaça, mas, muitas vezes, é um abre coração, um desabafo total. Palavras soltas, bêbadas, para a redação de uma boa crônica. E foi num desses encontros encharcados que meu amigo, um Major aposentado da aeronáutica, já chamando Jesus de Genésio, me contou uma passagem amarga e cruel de sua vida. Este meu amigo tem um conjunto de opiniões pré concebida quanto a raça e quanto ao sexo. Sexo para ele só pode ter dois, masculino e o feminino. O invertido para ele não existe, e ele o abomina. A mulher, quando muito, deverá estar pilotando, mais ou menos, um fogão e nada mais. Quando na ativa, tinha ele por tarefa dar treinamento de todas as manobras em terra aos aspirantes da aeronáutica. Era a primeira fase antes de assumir os treinamentos de vôo nos jatos; O aspirante tinha que ser muito macho e persistente para agüentar e passar pelas agruras da primeira fase com o machista e discriminador meu amigo. Ele pensava e agia assim, e desta forma eram poucos os que sobreviviam. Para ele só os caras de saco roxo poderiam passar para a segunda parte. Um dia a terra se abriu e o inferno veio à tona quando ao responder a chamada uma voz fina, macia, musical se fez presente no meio daqueles truculentos machões da tropa. Ele parou a chamada, ficou em silêncio externo, mas na maior confusão internamente. O batalhão, que conhecia bem suas opiniões, permaneceu sepulcralmente em silêncio aguardando o pior. Meu amigo petrificado grosseiramente perguntou: - Quem é você e o que está fazendo aqui? - Sou médica e aspirante em treinamento para vôo de caça. Aquilo foi o fim da picada para o troglodita. Engoliu à seco a informação e deu início a operação de treinamento, com muito mais rigor com o intuito de eliminar, o mais rapidamente, aquela coisa perniciosa que se fazia presente ali. - Um dia eu como o cu desta filha de uma puta e coloco-a no lugar que ela merece. Ela não vai agüentar o repuxo! pensava raivosamente meu amigo. Dos dez aspirantes em treinamento apenas dois conseguiram sobreviver ao duro calvário imposto pelo Major. Para sua infelicidade a médica conseguiu êxito em primeiro lugar. Imitando Hitler, se negou a entregar o certificado e cumprimentar a aluna. O cu da médica estava intacto. O tempo passou. Meu amigo agora um pouco mais flexível com relação às suas opiniões está aposentado e gozando das benesses do plano médico da aeronáutica. Um dia, o urubu da sorte pousou no ombro dele. Precisou fazer uns exames médicos preocupado com umas dores que sentia entre os grãos do saco e o final do tubo digestivo. Marcou consulta e se apresentou na horta marcada. O enfermeiro preparou-o, deitando-o de costa, só de roupão - aquela vestimenta branca, ordinária, que cobre a frente mas deixa a bunda livre para o vento e para quem quiser ver. Pediu que ficasse com as pernas dobradas e abertas para facilitar o serviço - estava tipo mulher grávida preparando-se para o parto. - A médica já vem, completou o enfermeiro. - A médica? perguntou espantado o Major. Quis levantar, mas foi impedido pelo enfermeiro que disse: - Calma, a médica é um capitão e é muito competente. - Uma mulher vai botar o dedo no meu cu! pensou desesperado o meu amigo. Os minutos que se seguiram foram séculos intermináveis de mil péssimos pensamentos para ele, e eis que surge na porta, colocando uma luva e metendo o dedo na vaselina, vestida de branco uma esbelta e sorridente mulher. - Bom dia professor! cumprimentou-o fazendo solene continência e se dirigindo direto ao orifício final do tubo digestivo do Major. Era sua odiosa aspirante que agora estaria fazendo nele o que ele gostaria de estar fazendo nela. Suava frio, e parecia que o dedo da maldita ex aspirante, ao se aproximar, criava uma dimensão enorme. Ele via no sorriso dela, um sarcasmo parecendo evidente que estava ali, por vingança, e a fim de fazer um estrago. O dedo da médica era maior que ela. Meu amigo jura que ouviu o maldito dedo escrachadamente dizendo ao se aproximar do orifício: - Se prepare machão que agora vou te cutucar. O dedo ria loucamente, e o meu amigo, de pernas abertas, sofria tristemente. A coisa enfim aconteceu. Ou pela dor, ou pela raiva, ou pela vergonhosa humilhação ou até pelo medo incontido, o esfíncter interno não ficou devidamente relaxado fazendo com que a penetração inicial do dedo no orifício anal causasse uma dor insuportável. Mijou na mão da médica e fez questão de desmaiou para não presenciar mais nada. por: Mario dos Santos Lima

SER MÉDICO

É, no despertar da aurora da vida quando tudo ainda é folguedo na vocação incontida, olhar esta meta, e sem medo se debruçar em mil livros para pesquisar e estudar a ciência que os males dos homens vem dar alívio ou curar... É ser sempre uma criança simples, amável e sincera quando no trato dos outros... é ser gente... se compadecer com o sofrimento e agonia do ser que na vida só espera uma mão amiga... forte... na hora extrema de falecer... É ver, por entre suas mãos fugir a vida, tranqüilo, porém estar pelo dever cumprido... é ouvir...ser apoio sempre amigo e jamais ser mercenário... bem receber o rico e o mendigo... É não desistir até o derradeiro suspiro de alguém; É tentar até o impossível... é chorar, abraçar... é ser gente... É suplantar os defeitos... ser anjo de amor sempre presente.

sábado, 6 de outubro de 2012

EXCESSO DE FUNDO QUEBRA O BANCO

A saúde de uma instituição financeira depende basicamente das entradas das aplicações financeiras que são formadas e mantidas por ávidos, finórios e esperançosos aplicadores. Quanto maior for o fundo de investimento mais sólido é o caminho do retorno esperado por estes gananciosos aplicadores. Que eu saiba um banco jamais quebraria por excesso de fundo. A aula transcorria normalmente com minhas informações e discussões a respeito de fundo de investimento, sobre governança do sistema financeiro, sobre a taxa de alavancagem entre os passivos e os ativos da instituição financeira, sobre o risco sistêmico e etc. Pela minha atitude de poucos amigos e de aspecto sisudo a classe com quase setenta alunos permanecia calada na maior abstração. Ou era por não estar entendendo nada ou por medo de se manifestar. Na realidade eu acho que os alunos eram chauvinistas com tendências narcisistas com minomanias extravagantes. Mesmo que fosse uma falácia a minha exposição eles estavam ali quietos e dominados. O ruído do movimento das asas de uma mosca era perfeitamente audível. Até a brisa que atrevida invadia a classe pelas janelas abertas sussurrando coisas incompreensíveis era notada. Nada mais perturbava ou transgredia a minha ordem de silêncio absoluto enquanto decorria o tema. Até a sutil vibração da mudança de pensamento podia-se ouvir. O calor que se fazia era cruel e se podia ouvir o ruído das gotas de suor que caiam das faces angustiadas como se este ruído fosse um crepitar de lenha ardendo. Uma a uma rolavam pelo rosto indo se chocar até ao chão e se evaporando célere no ar. Os alunos hipnotizados não se permitiam nem o piscar. Se fosse pintado ou congelado este momento por certo a cena seria uma pintura quase macabra. Eu me sentia o próprio deus no domínio total da sua criatura. Tudo estava dominado naquele ambiente. Alguém, lá no fundo da sala detentor de um esqueleto que carregava nada mais que cento e cinqüenta quilos de ossos, carne, músculos, tripas e merdas suava a cântaros aguardando em pânico por certo o final da aula. Tanto mexeu de um lado para outro que a pobre cadeira não agüentando simplesmente abriu as pernas fazendo o animal se esborrachar no chão. O baque daquele enorme corpo fez estremecer toda a sala. Este impacto quebrou a inviolabilidade do silêncio imposto. Tudo ficou congelado no tempo e no espaço. As gotas de suor deixaram de cair petrificadas de medo. As moscas se escafederam e a brisa medrosa saiu sorrateira da sala para não levar a bronca inevitável. Em cada aluno havia a expressão angustiada do depois. De bocas abertas estavam todos de olhos fixos em mim. O aluno, de peso avantajado em pânico, todo esborrachado ao chão olhava para mim suplicando clemência. A cadeira toda arrebentada destoando do clima ria feliz da situação. Todos esperavam de mim uma atitude cruel pelo sacrilégio cometido. Agüentei até onde pude para não rir da situação burlesca. Quebrei então o gelo retirando a máscara de bárbaro algoz desenhando então no canto de minha boca um leve, furtivo e delicioso sorriso. Os alunos então perceberam. Descontraíram-se. O cenário se descongelou e num ruidoso e alegre burburinho incontinente se viraram para trás olhando a vítima estendida ao chão em meio à coitada da cadeira quebrada. Voltaram-se então para mim e provocantes disseram: - Mas o professor não afirmou agora a pouco que excesso de fundo não quebra um banco? Tive que admitir a brincadeira e quebrando o protocolo rir com eles. por: Mario dos Santos Lima

O PREÇO DE UMA AULA

Fazendo a analogia do aluno com a matéria prima, eu diria que se no processo de fabricação o produto estiver sendo prejudicado, na sua qualidade, na sua funcionalidade pela porcaria da matéria prima, é dever do gestor eliminar este material para que o produto se apresente a contento lá na ponta de venda. Ou por outro lado, se fizer a analogia do aluno com cliente num processo de compra e venda, e o pretenso cliente não estiver comprando, apenas enxovalhando o produto, este maldito cliente deverá ser descartado. Eu diria que isto nem considero como meu ponto de vista uma vez que é simplesmente a lógica do negócio. A maça podre deve ser eliminada. Bem, eu sou pelo valor intrínseco das coisas, pela ética e pelos bons costumes. Para mim, o aluno deveria vir de boa formação e conduta de berço. Com estes valores sedimentados em casa, ao freqüentar uma escola com o objetivo explícito de conviver, buscar, pela experiência dos mestres, os saberes e práticas para sua vida, estaria apto e preparado adequadamente para servir a sociedade. É isto que acontece? Diria, com raras exceções. O professor é desrespeitado, é enxovalhado, e sempre é considerado um velho que deveria estar aposentado. É ameaçado e muitas vezes vítima de violência. O professor além de não ser valorizado pela grande maioria dos alunos, ele também recebe pouco apoio da instituição em que leciona. É um bucha de canhão. É a bolinha de pingue pongue no vai e vem da vontade das duas partes – alunos e instituição. O professor se amedronta? Acovarda-se? Não, segue convencido, firme, alinhado no seu ideal quase utópico de transformar uma massa sem princípios, sem ética, sem civilidade numa obra prima. Consegue? Por alguns exemplos soltos por aí, acredita-se que sim. Sempre vão existir mestres corajosos e idealistas. Muitas vezes a educação que faltou em casa é necessária corrigi-la em sala de aula. Não que isso seja uma regra, mas muitas vezes a matéria prima pode ser recuperada no processo de transformação. Foi numa atitude corajosa de enfrentamento que um professor – digo aqui o pecado, mas não conto nem quem foi o pecador e nem quem foi o padre. – resolveu, de forma brilhante, dar uma lição num fedelho, mal educado, mau caráter que assistia a sua aula. O fedelho chegou tarde, não se ligou nas explicações e de repente, para perturbar a aula resolveu questionar: - Poderia explicar tudo de novo? Não estou entendendo nada! O professor até aqui calmamente, tendo acompanhado a displicência do criançola mal educada, resolveu interpor dizendo: - A dúvida é a incerteza ou desconfiança em relação a uma idéia, um fato, uma ação, de uma asserção ou de uma decisão, assim, você poderia dizer para mim e para a sala do que estou realmente tratando e onde reina a sua dúvida? O desconexado, de dedo em riste querendo se sair bem da enrascada perante a sala vomita: - Seu babaca, eu pago pelas suas aulas e por isto você tem que explicar as coisas quantas vezes eu quiser! A sala gelou. Ouvia-se o bater das asas das moscas. O professor, sem se alterar, quase como desconhecendo os impropérios ditos pelo mal criado, abriu sua bolsa, sacou uma máquina de calcular e por alguns minutos seus dedos passearam pelo teclado numa dança nervosa e feroz. - Muito bem! Diz o professor já num tom mais de tenor cantando duas oitavas acima. - Você comprava a minha aula! A partir de agora não vendo mais para você. Tirou do bolso duas moedas, dirigiu-se até a carteira do mal criado fedelho, e bateu-as no tampo da mesa e vociferou, apontando para a porta - Está aqui o que você pagou, pode se retirar! A sala em suspense assistiu a cena. O topetudo saiu dizendo: - Você não sabe com quem está se metendo! O desgraçado estava saindo sem as moedas, o professor pegou-as e entregou-as respondendo: - Sei sim com que estou falando! Estou falando com um tremendo mal criado, um desajustado que não teve ou não soube aproveitar a educação que seus pais lhe deram, um egoísta desajustado! O aluno saiu batendo a porta e a sala aplaudiu o professor. O desfecho foi melhor. O desgovernado, pensando ser o senhor da situação tentou entrar em sala de aula algumas vezes, mas recebia, implacavelmente já na porta os centavos. Contou uma história qualquer em casa e os pais vieram furibundos a fim de tirar satisfação com o mestre. Reunião tensa na direção. O monstro, seus pais e colegas de sala. Tornando-se mais plácido, o professor olhando para os pais sentenciou: - Eu aceito o retorno de seu filho desde que ele vá agora, frente à sala de aula, e se retrate. Os pais concordaram, inclusive acompanhando o desgovernado até a sala de aula. A atitude do calhorda serviu para os demais colegas reconhecer a grandiosidade do professor nos míseros centavos que pagam a ele. Nota para reflexão: Visto que a maioria das Instituições pensa muito mais no faturamento que em adicionar conhecimentos, modelar a massa, será que algum professor teria coragem e peito para agir desta forma? E se agir? Qual seria o final da novela? Por: Mário dos Santos Lima

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

REUNIÃO DE CONDOMINIO

Tenho certeza que você mora em condomínio ou já morou, e nunca foi a uma reunião. E se foi, jurou, de pés juntos, nunca mais ir num encontro infernal desses. Pelo seu semblante pode-se notar que isto é a verdade. Eu duvido que exista alguém, neste mundão de Deus, que tenha prova concreta de ter participado de uma reunião de condomínio já na primeira convocação. A lei permite, e por isto elas sempre acontecerão no segundo momento com qualquer número de participante. Isto é lei e pronto, ninguém se apresenta na primeira convocação. Nenhuma reunião começa na primeira convocação. Isto é cultural. Afinal, o que é uma reunião ou a que se presta? Segundo alguns atrevidos estudiosos e delirantes pesquisadores, uma reunião nada mais é que um encontro de duas ou mais pessoas com um propósito ou tema pré definido. Mas por que as reuniões dos condomínios acabam sendo putrefatas? Segundo Christian Barbosa, um dos maiores especialistas em gerenciamento do tempo e produtividade pessoal e empresarial, escreveu, certa feita, um artigo, onde relata sete itens para serem aplicados em uma reunião para que ela tenha bom êxito. No fundo, no fundo, sobre reunião de condomínio ele não se atreveu a ressaltar muita coisa. Não trouxe grandes novidades. Vou me ater apenas em um deles. Diz ele que se devem estabelecer previamente os propósitos da reunião para que os condôminos venham preparados, e a reunião seja mais produtiva. Não vejo criatividade alguma, visto que no regimento dos condomínios está escrito que a reunião deve ser marcada com antecedência, e deve apresentar a pauta; Desta forma o Barbosa não está apresentando qualquer novidade. Mas a multidão ínfima, que se predispõe pagar os pecados na reunião, já vem com o último item da pauta na cabeça apenas. Para os condôminos o último item da pauta – outros, é o melhor e mais importante. Outros no final da pauta é como o etc. O etc. e outros sempre é o que sobrou, o que não tem importância, o que não é lembrado, mas para o condômino que está na reunião é o momento mais esperado. É como o orgasmo no ato sexual. É o momento para criar grandes polêmicas sobre pequenas coisas tais como: O Cachorro do visinho late muito fino; A vizinha anda de salto alto no apartamento; A descarga da privada do vizinho é muito prolonga e está gastando água; O pessoal anda falando muito alto no hall dos andares; O elevador está demorando em abrir; O porteiro anda de cara feia comigo; O casal do apartamento de cima anda fazendo sexo muito prolongado e barulhento; A garagem é muito apertada; Roubaram o meu chinelo; Riscaram minha bicicleta; O morador do andar tal é um taradão; etc. Bem, a conclusão é que, se a pauta da reunião tem 10 itens, sempre o mais importante vai ser o último, - o item outros. O outros sempre é o que o morador ao lado faz ou deixou de fazer, mas nunca os pecados do santificado que vem à reunião para vomitar os queixumes. Numa dessas reuniões, marcada com antecedência, constava apenas dois itens na pauta. Um item era sobre segurança e o segundo, outros. A galera do outros compareceu feliz em peso; A reunião não seria enfadonha e os participantes poderiam vomitar impropérios, fazer acusações, reclamações e xingar os vizinhos ausentes. Uma onda de assaltos e invasões em condomínios se alastrava mais que fofoca em salão de beleza. O síndico preocupado com isto convocou a reunião para tratar e resolver especificamente sobre isto. Os condôminos como de praxe, só compareceram para a segunda convocação. E compareceram em peso porque a pauta só tinha dois itens e com isto sobraria mais tempo para o outros. O síndico, seguindo as orientações do Barbosa, de pé colocou um enorme relógio na mesa deixando bem claro o motivo da reunião. - Agradeço a presença dos senhores! O assunto que vamos tratar hoje é bastante delicado e importante, por isto não vamos nos perder em questiúnculas paralelas e vamos controlar o nosso precioso tempo. Foi assim que o síndico iniciou a reunião. - Este cara é um chato! Foi assim que se leu na mente dos emburrados condôminos que ansiosos esperavam pelo item seguinte. Cada um já tinha uma lista enorme de reclamações e atrapalhadas sugestões sobre outros. Nada, absolutamente nada, eles queriam saber ou resolver sobre segurança, sobre os assaltos, sobre o perigo de invasão do prédio. Isto não tem importância! Se eles pudessem em coro gritariam: - Queremos o item outros! Vamos ao item outros. Enquanto o síndico se debulhava apresentando argumentos, e cobrava sugestões, o pessoal tranquilamente dormia a sono solto, mas de antena ligada para o início do segundo item. O síndico era como João Batista falando no deserto. Para ninguém. Para o vento. Quando a reunião já estava prá lá de enfadonha, no entender dos malditos condôminos, que ansiosos esperavam pelo segundo item da pauta, eis que de repente, não se sabe de onde, veio alguém para animá-la. Entrou educadamente, como quem não quer nada, fez questão de assinar a lista de presença, e se colocou de pé ao lado do síndico. Ninguém o conhecia e ele se apresentou de uma forma fantástica. Sacou uma arma e berrou deseducadamente como se todos fossem surdos: - Isto é um assalto! Todos deitados e com a mão na cabeça! Ensacou o que pode e saiu calmamente tal qual tinha entrado. Deixou os homens só de cueca e as senhoras de calcinha. O pessoal, despojado de suas vestes e pertences, refeito do susto, embrulhado em toalhas, encontrou o pobre porteiro pelado, amarrado e amordaçado. Com certeza, na próxima reunião o assunto do item outros vai ser unânime: O síndico é incompetente, e deve ser trocado. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

BAITA GENRO

BAITA GENRO Um assaltante mal encarado entra num Banco em Camaquã com um 38 em punho e exige que o caixa lhe passe toda a "grana". O caixa, apavorado, entrega o dinheiro. Na saída, olha para um cliente e pergunta: - Se tu é macho mesmo me responde ... Tu me viu robá esse Banco? O cliente mui macho responde na bucha: - Sim, eu vi !!! O ladrão atira nele sem piedade. Logo em seguida, volta-se para outro cliente que está de bombacha parado ao lado de uma senhora e faz a mesma pergunta: - Vivente... Tu me viu robá esse Banco? - Mas ...Bah, tchê... Eu tava aqui meio que distraído e não vi nada, mas a minha sogra aqui viu tudo!...

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A PROSTITUTA

São muitas as táticas e estratégias a que se recorre para a sedução e conquista de alguém, que se quer, para a satisfação do instinto sexual. Serenatas, cartas, cantadas e etc. Normalmente é o homem que parte para a ignorância no afã de chegar às vias de fato no ato sexual. Não tem muita conversa não, vai à luta para conquistar a coisa. Já no reino animal irracional o processo muitas vezes e racional. O pavão, por exemplo, abre seu rabo colorido em leque para atrair a sua amada para o acasalamento. Os gibões passam um bom tempo cantando em cima dos galhos das arvores até irem para os finalmente. Existem também as formas de acasalamento mais radicais. As meninas gafanhotos, aranhas e escorpiões, puteadas de tanta encenação e perda de tempo, nos ritos de acasalamento, que após o ato sexual matam e comem os machos para que eles não perturbem mais outras fêmeas. Bem, a vida sexual é um cu para contar e outro para conferir. As meninas de programa e principalmente as rampadeiras, são elas que iniciam o rito do acasalamento. Elas lá têm suas táticas não muito convencionais. Partem para a ignorância com a exibição de seu corpo quase desnudo ao relento e aos olhos dos machos sedentos. Fazem do corpo desnudo uma isca. Estas vadias se realizam satisfazendo os iniciantes e os marginalizados sexualmente. Uma destas desvirginadas da vida foi despejada pelo vagabundo carente sexual satisfeito numa rua de pouco movimento. Ela, embriagada, sem as roupas de baixo, segurava desajeitada o vestido a meia altura, acima do umbigo, para assim permitir uma ventilação adequada na genitália em ardência. Cantava desafinada uma canção qualquer. Os cachorros sérios, de raça, nos quintais e os vadios da rua uivavam num coral desastroso acompanhando a desvairada perdida. A noite era fria e no céu a lua envergonhada se escondia por detrás das densas nuvens. A cantilena continuou até que alguém, um macho já sexualmente satisfeito viesse para por fim aquela melopéia infernal, e ao chegar perto da caolha diz: - Sua cadela filha de uma puta, de o fora daqui! Depois de todo este elogio ela tentou abraçá-lo e respondeu: - Queridão, você não quer se divertir um pouquinho? - Eu vou chamar a polícia! - Não precisa tanto homem assim, você já me satisfaz. Foram inúteis as ameaças. Ele se recolheu para refrescar a cachola e na esperança de que ela desse o fora. O musical continuou no meio da rua. Um pouco depois, extravasando rancor ele sai e aos gritos comunica: - Vou buscar minha filha e quando eu voltar não quero ver você aqui, entendeu? - Oh! Meu amor, você está nervoso! Eu posso te acalmar. O sangue só não conseguiu sair pelas veias, mas a vermelhidão do seu rosto mostrou toda sua ira contida, e assim sentenciou: - Se quando eu voltar você estiver ainda por aqui eu fodo com você, sua biscate nojenta! - Vai garotão que eu te espero! Ele pegou o carro e saiu cantando pneu. Mais tarde ele voltou e quem lá estava no meio da rua cantando suas desastradas canções? Ela, a vadia, a persistente prostituta. - Vem cá, gostosão, estou te esperando! Vou te fazer feliz! Ele prometeu foder com ela e por isto ela esperou. Ele entrou furibundo para dentro de casa; Imediatamente saiu, e no jardim ele pegou alguma coisa, e veio ao encontro dela. Ela bêbada, arregalou os olhos e babou satisfeita quando viu aquela coisa comprida balançando na mão do cara. Para facilitar ela já estava despida, e gritou: - Vem, meu amor, que eu endureço esta coisa mole! Ele chegou e sem muita cerimônia apagou o fogo dela. Ouviram-se gritos que assustou o bairro todo. Com a mangueira do jardim na mão, se aproximou, ligou a água e deu um belo banho na pervertida. A doidivanas pelada, molhada, de fogo apagado enquanto fugia gritava: - Seu filho de uma puta, eu vou à delegacia da mulher! E perdeu-se na escuridão da noite. por: Mario dos Santos Lima

sábado, 28 de julho de 2012

RUSTICO

O sol descambando no horizonte cansado atropelava algumas nuvens, e pintava o céu num tom escarlate que ia morrer num amarelo desbotado. As aves em revoada, como que respingando de negro a tela do infinito, buscavam afoitas seus galhos aqui e acolá. O caboclo puxou a última enxadada, descurvou-se, arredou um pouco para trás seu chapéu de palha e com a manga de sua camisa desbotada enxugou o suor que marejava em seu rosto da mormaceira do dia. Olhou absorto, por um largo tempo, aquele cenário da natureza, sorriu, fechou os olhos e fazendo um sinal da cruz agradeceu ao Criador pelo dia de trabalho e pela lindeza do entardecer. Pegou o embornal com a marmita que sua cabocla tinha preparado, ajeitou a enxada no ombro e pegou o rumo da palhoça. Assobiou uma canção qualquer enquanto caminhava. Suas passadas firmes fincavam marcas na poeira da estrada. Sua casa apareceu, mais adiante, na curva da estrada fazendo parte da pintura daquele morrer de dia. Era uma cena bucólica: - o caboclo na estrada e sua cabana mais alem ao entardecer Enquanto se aproximava foi admirando a paisagem detalhadamente, como se tivesse degustando um vinho precioso. Tudo para ele era belo, um sonho encantado. Olhava feliz para os dois coqueiros que envergados pelo vento pareciam reverenciar a sua casa. Olhava os canteiros floridos que faziam o contorno de sua casa. A fumaça que saia da chaminé, e se perdia bêbada pela amplidão, anunciava que dentro daquela casa tinha alguém que o esperava. Olhou e sorriu. Notou mais adiante, no sitio visinho que os bois em fila se recolhiam aos currais. O mundão para ele era tudo aquilo, nada mais desejava, nada mais lhe faltava. Tudo era mansidão e paz e ele sentia-se o homem mais feliz do mundo. Quando já perto chegava, uma criança abriu a porta e de braços abertos, passou correndo pelo semi aberto portão seguida pelo seu guapeca. Vinha feliz, gritando em sua direção, anunciando: - Mamãe, mamãe o papai ta chegando! O caboclo contente, também de braços abertos, se ajoelhou para ficar na mesma altura e esperou pelo abraço gostoso que chegava de seu filho. O cachorro de rabo abanando permaneceu ladrando a sua volta, Na porta da palhoça a cabocla, de avental, sorrindo viu se repetir, de tantas, mais uma vez, esta linda cena. Num abraço apertado os dois permaneceram, pai e filho, por algum momento em silêncio como se fosse o regresso de uma longa ausência. O cachorro então, parecendo entender, apenas gania baixinho. O caboclo levantou-se, pegando no colo seu filho, que em mil perguntas queria saber tudo o que aconteceu com o pai naquele dia. Passou a mão calejada na cabeça do pulguento e rumou para casa. Na soleira da porta abraçou sua cabocla. A casa era singela de paredes e assoalho em madeira lavrada coberta de sapé. Uma mesa tosca, com quatro cadeiras em palhinha, era a mobília mais importante presente que fora dado por um compadre seu. Na parede, assentado numa cantoneira, um rádio antigo, valvulado tocado a bateria era a única modernidade daquela família. Um quadro antigo da sagrada família estava pendurado na outra parede abençoando o ambiente. Um lampião a querosene deixava rastros de fumaça na parede onde estava pendurado. O quarto era contiguo a cozinha onde acomodava o casal e seu filho nas camas toscas coberta de colchão de palha de milho. A lata de água no fogão a lenha de taipa para o banho já estava quase borbulhando. As panelas de ferro já anunciavam que o jantar logo estaria pronto. Pegou o machado atrás da porta, verificou o fio e foi cortar um pouco mais de lenha. Empilhou-a no puxado ao lado do poço. Com o sarilho tirou alguns baldes d’água enchendo a tina que estava dentro da cozinha. Conferiu as galinhas no galinheiro fechando-o cautelosamente. Deu uma rápida olhada no leitão que engordava no chiqueiro, quando então, escutou a voz de sua cabocla: - A água já tá quente, amor! Anunciou ela; A noite já se apresentava vestida de estrelas no brilho do luar que se perdia na amplidão. O caboclo entrou, acendeu o lampião da cozinha e levou a lamparina para o lugar do banho. Desceu na roldana o balde de chuveiro, colocou a água fria e em seguida a água quente dosando a temperatura; Ergueu-o na altura adequada, amarrando a corda num prego de caibro que se encontrava cravado na parede. O caboclo sentou-se à mesa, e em seguida seu filho. A cabocla carinhosamente serviu o jantar e sentou-se também. Na mesa o feijão, o arroz, a farinha de mandioca e o frango tudo do processo do próprio sítio. Um breve silêncio, e a voz de barítono do caboclo elevou-se em oração de bênçãos, e agradecimento pelas coisas que tinham. Num banco tosco, ao lado de fora recostados na parede os três conversavam tomando banho de luar admirando as estrelas ao som da orquestra da zoina dos mosquitos, dos grunhidos do porco no chiqueiro, do pio das corujas e do muar das vacas nos currais mais distante. Tudo era melodia quando então o caboclo para completar a sinfonia pegou sua viola e começou a cantar uma modinha qualquer. Seu filho, que brincava com o cachorro, sentou no banco ao lado da mãe para se deliciar com as canções de seu pai. Sua toada, na voz melodiosa foi além da cerca, além dos currais, perder-se no horizonte escuro. Quando viu o filho adormecido no regaço da sua cabocla cantou, com alegria e muito amor, sua última canção. Esta música foi como uma oração que ele dedicou ao seu criador antes de se recolher. Apagou-se o lampião. Tudo agora dorme na sinfonia surda do silêncio, apenas o vento, do lado de fora, brinca nos ramos verdes do coqueiro que se curva ainda mais. por: Mario dos Santos Lima

terça-feira, 3 de julho de 2012

UM VAPOR, UM RIO E UMA SAUDADE

Era uma daquelas madrugadas fria, final de primavera. As flores em profusão, respingadas do suor da serração, ainda em êxtase, exalavam mil perfumes pelo ar. As borboletas ainda dormiam embriagadas ou dopadas pelo néctar roubado nos jardins. Tudo era maravilhosamente deserto em descanso profundo, e assim, maculando este cenário, caminhava eu a esmo no ritmo da dança das recordações. Mais adiante avistei o solitário vapor Pery. Ele me viu e feliz, bocejando, acenou para mim. Mecanicamente acenei também. Cheguei, como quem não quer nada, e me postei encostado nele como puta velha buscando soluções para coisas impossíveis e insolúveis. - Oi! Velho camarada, disse a ele batendo várias vezes com a palma da mão no seu casco. - Oi, respondeu-me ele parecendo um pouco triste e saudoso. - O que acontece? Algum problema? Sempre o vi alegre e esperançoso? Ele suspirou, num suspirar de imensa tristeza e como se estivesse num divã desfiou suas mágoas em torrentes sem fim. O Pery estava ali, preso, estaleirado como um corpo inerte numa cirurgia completa de restauro. De onde ele estava tinha uma visão privilegiada do rio, e por isto, perdia-se em tantas ferrugens almejando desesperadamente o singrar por aquelas águas como dantes navegara. Tinha esperança e, de qualquer forma, isto alentava a sua vida metal. - Há tempo não vejo meus amigos vapores Leão, Paraná, Iguassu, Sara, Vitória e tantos outros! O que é feito deles? Perguntou-me em voz rouca. Bateu-me a saudade e uma imensa tristeza invadiu minha alma. Pensei um pouco e disse que estavam felizes aguardando a volta dele nas águas do rio. Foi para ele uma gota de alento esta informação. Contou-me da alegria quando, rio acima ou rio abaixo, cruzava com seus amigos. O silvo rouco, a chaminé soltando fumaça e fagulhas era o conversar deles na solidão do rio, que feito uma serpente, com suas águas deslizando transparentes e lépidas lambendo sôfregas as margens que as continham. Ele, numa voz quase sumida, contou-me dos lenços brancos nas mãos dos passageiros ao cruzar das embarcações. Subi até ao convés para melhor conversar com ele. Para não desanimá-lo completei dizendo que os amigos dele estavam também sendo preparados para a grande festa da volta. A certeza que todos tinham é de que sem tardança aquelas águas novamente estariam felizes acolhendo todos os barcos e vapores; E no vai e vem das ondas espumantes provocadas pelas rodas d’água, transportariam felizes mercadorias e pessoas. Seria tudo como dantes. Ele sorriu! Fui até a proa, passei a mão nela, e sentado por alguns momentos olhei o rio que se perdia numa curva mais adiante. Olhei demoradamente, e colocando-me no lugar dele pude perceber a angustia que meu querido vapor passava, estaleirado ali, e tanto tempo sem o contato com as águas. O gigante estava no ancoradouro, quase inútil preso, um tanto carcomido pela ferrugem, sendo aos poucos restaurado, apenas para servir de deleite para alguns curiosos que se postarão junto a ele para fotos futuras de recordação. A condenação para a inutilidade do Pery estava numa situação irreversível. Ninguém tinha mais paciência para estas viagens de prolongado tempo, e o rio maculado pela imundície e de leito aterrado pelo areal não se prestaria para qualquer tipo de navegação. E o pobre Pery isolado, triste desconhecia tudo isto. Estava ali, tal qual um moribundo que lhe escondem a doença, acreditando que ainda navegará pelo rio Iguaçu. E continuei meu conversar. Lembrei com ele a beleza e o encantamento da procissão de Nossa Senhora dos Navegantes. O Rio ficava apinhado de barcos e vapores enfeitados que deslizavam graciosos pelas águas do rio. Sumiam na curva da nascente e apareciam logo mais para o delírio, com palmas e vivas, gritadas pelo povo que se aglomerava na margem direita, na entrada do porto. Lembramos dos momentos festivos, e o burburinho buliçoso do povo no embarque e desembarque. Da retirada das entranhas dos vapores as mercadorias, e da cena bucólica das senhoras de vestidos longos e chapéus enfeitados e de seus homens em terno e gravata. A chegada do vapor no porto, anunciada pelo seu silvo rouco, era motivo de festa. A população se enfeitava, e feito criança descia para ver, para saber, para fofocar, e para participar. Ele riu um pouco do jeito dele, matutou por alguns segundos e perguntou depois de um longo suspiro: - Você acredita mesmo que eu posso novamente singrar todos estas milhas de água novamente? O sol já aparecia despertando as borboletas, os entregadores de pão, as fofoqueiras de plantão e tantos outros viventes. O campanário lá mais para o alto tocou o sino do nascer do dia. Não respondi. Apenas fiquei olhando condoído para aquele gigante e confesso que vi lágrimas em profusão nas suas feições. Mudei de direção o meu lacrimejado olhar e olhei saudoso para aquele rio podre, lodoso; Muitas lembranças boas me vieram; Voltei-me então para o Pery, e mais uma vez contemplei condoído o vapor enferrujado; E para não chorar com ele, afastei-me dali no meu passo mole, de um passar incerto que me levou para a realidade nua e crua que me vestia do agora cruelmente. por: Mario dos Santos Lima

domingo, 17 de junho de 2012

MINHA MAGRELA HOLANDESA

Só bem mais tarde eu fiquei sabendo do que aconteceu. Ela desapareceu e nunca mais fiquei sabendo do seu paradeiro! Certa vez!... A saudade já corroia minha alma e eu absorto em mil pensamentos perambulava pelas ruas naquela madrugada fria. Aqui e ali um pulguento ladrava e em vôos rasteiros alguma ave noturna farfalhava suas asas, de um lado ao outro, na busca de alimento. E nada mais existia, apenas eu e o mundo. A lua, companheira das madrugadas, caminhava comigo silenciosa iluminando meus passos hesitantes. Ela, branca tal qual uma noiva, respingava em luzes respeitando meu silêncio. A viela, margeada de flores, cercas podres caindo, poças de água imunda e postes bêbados enfileirados, dava um tom melancólico as minhas tristes lembranças. Caminhava no meu caminhar, de passos perdidos, quando ouço uma voz lânguida, medrosa, suplicante que em desespero me chama de um jeito especial. Reconheço aquela voz metálica. – Por certo é ela, pensei comigo, e perturbado, assustado, parei e feito sonâmbulo fui atraído involuntariamente para o local. - Meu chefe! Aquela voz sumida, triste foi melodia para meus ouvidos naquele momento. - É ela, é ela! Sim é ela, eu reconheço, pois era assim que me chamava. Um misto de tristeza e alegria invadiu minha alma. Alegria por encontrá-la finalmente depois de tanto tempo e tristeza pelo lamentável estado em que a encontrei. Quase de joelhos, ao lado dela, passei delicada e demoradamente meus dedos por todo o seu frio corpo. Queria absorver aos poucos, numa sensação de retrocesso, todo o tempo perdido. Uma lágrima morna desprendeu-se de meus olhos e correu salgada molhando o canto de minha boca. - O que aconteceu com você? Supliquei para ela. E assim, enquanto eu a acariciava, ela começou em profundo soluço falando. - Eu e a Laura nos divertíamos muito! Alguns segundos de sepulcral silêncio, e ela então continuou: - Eu me lembro bem que você me deixava a um canto pedindo para que dali não saísse até a sua volta, mas sua irmã vinha e dizia: - Vamos, vamos sair! Ninguém vai ficar sabendo! - Eu acho que não vou não. Meu chefe vai ficar zangado. - Vamos sim! Eu prometo que deixo você no mesmo lugar. E ela, demonstrando uma saudosa alegria continuou. - E saíamos às duas feitas doidivanas correndo de um lado para outro. Muitos tombos eu levei e ela preocupada cuidadosamente me limpava. Ela suspirou e por algum tempo ficou silenciosamente como que remoendo saudosos momentos passados. Respeitei o seu silêncio, mas com um pouco de raiva, neste intervalo de tempo, pensei: - Ah! Minha irmã, então era você que brincava escondida com a minha holandesa? Em voz sumida completou dizendo: - A minha vida era tão boa, com você e às escondida com sua irmã, mas numa noite escura, lamentavelmente fui seqüestrada. Suspirou demoradamente e continuou: - Enquanto ele me levava eu gritava em vão -“Deixa-me, deixa-me vil ladrão! Quero voltar para meu chefe; Quero brincar com a irmã dele. Deixe-me, deixe-me” E com uma tristeza infinda completou: - Inutilmente eu supliquei para aquele desalmado ladrão e assim fui usada, abusada e abandonada aqui neste local. - Maldito ladrão! Pensei eu. Seu sepulcral silêncio indicou que tudo era tristemente finalizado. Inutilmente eu a chamei. Gritei num grito de dor, e meu grito se perdeu confuso no grito de tantos outros gritos naquela madrugada fria. Chorei lágrimas de dor, raiva e desespero. Juntei o que restou da bicicleta e continuei meu caminhar solitário. por: Mario dos Santos Lima

domingo, 10 de junho de 2012

O GRANDE CIRCO

O circo, segundo a literatura velha, empoeirada e estocada em bibliotecas e também perdida em prateleiras particulares por aí, diz-se dele que é uma empresa itinerante que congrega artistas de diferentes especialidades, tais como malabaristas que faz desaparecer dinheiro, documentos e outras coisas de forma habilidosa; os funâmbulos que vivem na corda bamba, mas não caem; os ilusionistas que enganam o povo com suas habilidades, e principalmente os engraçados palhaços. Ah! Os palhaços como eu gostava e me divertia com eles. Todos estes artistas faziam a graça e a diversão do povo que sentados na arquibancada, em tábuas rústicas ao derredor do picadeiro, aplaudiam e riam à beça. A família, os amigos e os vizinhos estavam juntos. Suas interpretações teatrais não apenas demonstravam interesses individuais e sim despertavam a consciência mútua, sobre o amor, o respeito e a honestidade. Era singelo, mas eficaz. Uma das características do circo era sua lona. De longe a gente avistava-a e se empolgava. Ela exercia um fascínio inexplicável e funcionava tal qual um imã. O circo já fez história por mais de quatro mil anos; Foi praticamente institucionalizado pelos romanos, antes de Cristo, que tinham como política, para conter a insatisfação do povo, pão e circo, e por fim profissionalizado pelos ingleses no século dezoito, e agora?... No meu tempo de guri o circo chegava barulhento na cidade, mas sempre em temporada curta. A petizada curiosa corria e ficava em derredor dele apreciando os animais e vendo, como num passe de mágica, a lona ser erguida. O circo quando se instalava na cidade era assunto sério na pauta de qualquer discussão familiar. - Cuidado com as crianças! Sempre o pai cuidadoso alertava em casa. A lenda era de que o pessoal do circo roubava as crianças e dava de alimento aos animais, mas o certo mesmo é de que a cachorrada vadia da cidade e alguns gatos eram pratos prediletos das onças e outros animais e não as crianças. O circo além da graça que apresentava tinha por função ser o predador natural dos vira-latas e gatos abandonados. Eu tenho saudade dos circos de minha época de meninice. Os donos eram verdadeiros empreendedores e estrategistas. Eles sabiam organizar bons espetáculos, fazer boas propagandas e estabelecer o tempo de permanência no local antes que curva de demanda caísse. Era da bilheteria a renda para sustentar as despesas com alimentação aos bichos, salários aos artistas e manutenção dos fatores de operação. Ninguém ganhava por fora e a platéia concordava com o valor da entrada. O circo foi se transformando para atender as exigências do público e foi, aos poucos, se encolhendo sufocada principalmente pela televisão. Da grandiosidade e importância do circo de antigamente hoje, pequeno e na palidez do desterro luta heroicamente para sobreviver nas mãos de alguns circenses que quase no anonimato, com suas lonas velhas, furadas sustentadas parcamente por ferros enferrujados, se apresentam em cenas bizarras de pouca expressão. São valentes nesta luta inglória. A luta é inglória e por quê? Fazendo uma analogia, o circo hoje é um anão desarmado que se embate contra um gigante fortemente municiado. Quem é este gigante invejoso que veio buscar das lonas o aprendizado e roubar seu público inocente? O gigante tem dois tentáculos – A televisão e os políticos. A lona virou o teto de nossa casa, a arquibancada o nosso sofá, e o picadeiro a tela da televisão. E os ilusionistas, os mágicos, os equilibristas e os palhaços? Ah! Estes graciosos artistas de antanho hoje são vermes que empobrecem nossos anseios e enche de imundície a nossa vida. Deixam aniquilados os cérebros de nossas crianças. São vazios na essência do saber e nos encharcam a alma de banalidades, de imoralidades e desrespeito com nossos ideais. O picadeiro se individualizou e se multiplicou pela casa. Nós nos drogamos lentamente sozinhos. O gigante hoje quer apenas ganhar dinheiro e embrutecer o nosso espírito. A telinha está rica de inutilidades e a lona que vemos em cada cidade, em cada estado e capital do país está cheia de malabares, de mágicos e de palhaços que lá os empregamos com nossos votos. Cada um de nós é o grande circense que tem o poder de colocar estes canalhas que se prestam ao ridículo como vereadores, prefeitos, deputados, senadores e presidente sob a grande lona de seus palácios. Eles nos representam? Desta forma, nós é que somos os palhaços, travestidos nestes velhacos, rindo da própria desgraça no grande circo que instalamos. O circo se institucionalizou. por: Mario dos Santos Lima

quinta-feira, 24 de maio de 2012

UM LADRÃO MUITO FEDIDO Quando nos deixamos levar pelo pavor, muitas vezes as conseqüências disso podem dar em merda. Pela afinidade o medo, o pavor e a ansiedade são irmãs que saíram do mesmo saco escrotal. O medo nos põe em estado de prontidão pelo receio de que alguma coisa física possa nos atacar. A reação do medo é o pavor que às vezes é trágica e fedida. Quem olha o medroso, no momento da ansiedade, da cintura para baixo, poderá notar quase sempre, líquido ou sólido escorrendo por entre as pernas. Como o medo é uma reação obtida através do contato com algum estímulo físico, sempre gera uma reação pandemônica. O pânico se instala. Meu amigo, de alta patente da aeronáutica, é um desses cagões que passam a vida em pânico. Vive com medo até da própria sombra. Sua casa é uma verdadeira guarnição. Ele, a mulher e os três filhos cada um tem o porte de pelo menos cinco tipos de armas. Na frente de sua casa está estacionado um tanque de guerra e uma guarita fortemente armados. Lá com seus defeitos, mas é um protetor ferrenho dos animais e faz questão de propagar isto, tem seus animais muito bem protegidos. O cachorro mora numa casinha de paredes a prova de balas. O coitado do guaipeca tem uma armadura e um capacete que o coíbe de se locomover com certa velocidade. O gato, coitado, não tem condições de dar as trepadinhas na gata da vizinha porque a vestidura de proteção que ele usa é de espessura que ultrapassa o tamanho do membro reprodutor do bichano. Até o papagaio usa farda da aeronáutica e colete a prova de bala. A casa está pronta para qualquer contenda. As armas na residência de meu amigo estão posicionadas estrategicamente em todos os pontos. As janelas e portas alem das grades de proteção, em aço especial, são trancadas a sete chaves. Todas as noites, antes de dormir, meu amigo dá a ordem unidade e todos juntos, mulher, filhos e animais fazem a oração da noite pedindo ao poderoso dos altos céus muita proteção. É um medroso convicto! Certa vez, ao entardecer, enquanto o lusco fusco das lâmpadas dos postes brigava com o manto escuro que a noite trazia, alguma coisa estranha acontecia no telhado de sua casa. Todos juraram que eram passos bandidos de um filho de uma puta qualquer tentando apropriar-se sabe lá deus do que. O pulguento ganiu assustado, o gato deu uma miada esganiçada e o papagaio tremeu e caiu do poleiro. Era o fim do mundo! Estava decretada a batalha. Alguns tiros foram dados em direção ao teto da casa que era em madeira e a besta sem qualquer questiúncula fugiu apavorada. Algumas goteiras se fizeram presente anunciando que alguém deve ter atingida a inocente caixa d’água. O encanador não levou mais que trinta minutos para corrigir o acidente, e disse: - Se vocês forem praticar tiro, não o façam nesta área. Demarcou com giz, no teto onde ficava a caixa d’água. No dia seguinte a tarde quente novamente chegou permitindo que o destemido e audaz larápio voltasse para conseguir o que fora interrompido na noite anterior. E o barulho de passos se fez ouvir no teto. Pareciam que olhos perscrutavam nos orifícios deixados pelos projéteis. O pavor tomou conta da casa. Respeitando a zona proibida pelo encanador, novamente uma saraivada de balas sibilou por entre o vazio do forro e o telhado quebrando muitas telhas. Após todo este forféu o silêncio sepulcral meteu medo nos moradores da casa sinistrada. Montou-se rodízio de guarda a noite toda. Meu amigo, por certo deve guardar alguma coisa muito preciosa despertando a ganância do gatuno. Pela terceira noite seguida ele veio marcar ponto no peneirado teto da casa dele. Pareciam muitos lá em cima que olhavam pelos furos, com olhos em brasa e riam do pavor da família reunida. Antes de tomar uma providência um pouco mais violenta, chamou o quartel, o corpo de bombeiros e a polícia montada. - Eu chamei a polícia seu filho de uma puta! Meu amigo gritou a todo pulmão olhando para o teto, tentando amedrontar o safado. O bandido desconheceu a ameaça e continuou fazendo sabe lá deus o que, e isto tornou meu amigo mais possesso ainda, e feito um capeta sapecado foi lá fora, posicionando o canhão do tanque para o lado do telhado, gritando mais uma vez: - Seu filho de uma puta, saia daí ou mando você para os quinto dos infernos. Fez-se silêncio lá fora, mas no teto da casa o bandido parecendo surdo continuava no seu incansável laborar, e isto fez meu amigo tomar a decisão final. - Você quer guerra, então vamos a ela! Muitos tiros de canhão reboaram pela amplidão escura. A polícia chegou assustada juntamente com um destacamento do exército e o corpo de bombeiro, e nada pode fazer. A parte do telhado e caixa d’água estavam completamente destruídos. Foi encostada a escada e o bombeiro subiu para apanhar o que restou do corpo do miserável gatuno. Por entre os entulhos do telhado com a lanterna na mão o bombeiro finalmente encontrou o animal, juntamente com sua fêmea, ferido na perna. Tapou o nariz, pegou os dois e apresentou ao meu amigo um fedido e inocente casal de gambás. por: Mario dos Santos Lima

quinta-feira, 26 de abril de 2012

CRONICAS AO SABOR DO TEMPO

EU TENHO CERTEZA DE QUE VOCÊ VAI GOSTAR DO MEU LIVRO DE CRÔNICAS. VOCÊ ME DA O ASSUNTO E EU ESCREVO DE FORMA ENGRAÇADA. PODE SER COMPRADO DIRETAMENTE NA EDITORA. O ENDEREÇO ESTÁ LOGO ABAIXO. NAS LIVRARIAS A EDIÇÃO ESTÁ ESGOTADA. ESPERO, COM A COLABORAÇÃO DE CADA UM, CHEGAR EM 1000000 DE EXEMPLARES. I SURE THAT YOU WILL LIKE MY BOOK OF CHRONICLES. THE SUBJECT OF YOU AND ME I WRITE SO FUNNY. YOU CAN BUY DIRECT FROM THE PUBLISHER. THE ADDRESS IS BELOW. ISSUE IN BOOKSTORES is exhausted. HOPE, WITH THE COLLABORATION OF EACH, GET IN THE EXEMPLARY 1000000 Prof. Mario dos Santos Lima Professor, Consultor e Escritor meu blog http://WWW.MARIOLAJE.BLOGSPOT.COM veja também: http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=61038 curriculum lates: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4771476D5 PARA COMPRAR O MEU LIVRO http://loja.livrariadapaco.com.br/catalogsearch/result/?q=MARIO+DOS+SANTOS+LIMA&x=23&y=10

sábado, 14 de abril de 2012

UMMONSTRO RESSUSCITADO

Devemos ter muito cuidado na condução e maneira de educar nossos filhos. Nas suas cabecinhas virgens mundos malucos podem ir se povoado como se fossem realidades. Devemos estar atentos naquilo que eles fazem, que lêem ou assistem. Podem, muitas vezes, se tornar um Dom Quixote e fugir da realidade para viver uma fantasia. E aí que reina o perigo.
Aconteceu com meus filhos quando ainda eram lampinhos e despelados do pescoço para baixo. Mal tinham saído dos cueiros, e já tinham muitos mundos irreais para explorar. Muitas histórias contadas e muitas loucuras apresentadas na televisão e pronto, lá estavam eles prontos, transvestidos de Dom Quixote e Sancho Pança para a luta e a conquista de espaços.
Minha vizinha tinha um pestinha que nascera na mesma época. Aderiu aos meus e para completar o grupo de combate os três conquistaram a amizade de um negrinho que sem família, solto pelo mundo era, pela sua experiência o professor deles.
Os quatro, nas peraltices se transvestiam de Dom Quixote. Um Quixote já é dose cavalar, imagine quatro.
Certa feita, um caboclo parou seu Gordini quase em frente de casa por falta de combustível. Desceu do carro, disse uns impropérios, chutou o pneu e saiu meio sem rumo em busca de combustível.
Os quatro boquiabertos assistiram a cena e imediatamente seus neurônios entraram em convulsão e a coisa aconteceu.
- Vamos ajudar o homem a combater o monstro? Um deles perguntou, mas sua pergunta foi muito mais em tom de ordem. Com cabos de vassoura, pedaços de paus e facas foram corajosos e destemidos à luta.
Aos olhos deles o gordine se transformou em um dragão que faminto e amalucado soltava labaredas pelas ventas. Os três, em armadura anti-chama, e com suas espadas empunhadas começaram a luta.
O início da batalha foi uma dança extraterrestre. Pulavam aos gritos ao derredor do monstro. A dança tinha a finalidade de atordoar o infeliz.
A luta seria sanguinolenta e iria necessitar de muita coragem e determinação.
A dança estava surtindo efeito. O monstro estava se rendendo.
Quando as chamas das ventas do monstro não estavam tão aquecidas, atacaram estrategicamente em primeiro lugar suas quatro patas, que imediatamente num psiiiiii prolongado arriou ao chão. O monstro, com suas pernas quebradas, em parte estava dominado, e assim os quatro subiram no seu dorso e sem dó e nem piedade desceram o cacete.
O monstro se contorcia, gemia, pedia clemência, mas nada fazia com que as espadadas, cacetadas parassem de ser desferidas no seu lombo.
Num uivo ensurdecedor, se urinando todo, soltando fumaça pelas ventas o monstro finalmente entregou a alma ao deus dele.
Muito feliz a molecada gritava o grito do combate terminado quando lá distante observaram a chegada do homem que havia fugido do monstro. Por certo ele espreitou toda a luta e agora, com segurança, estava vindo para agradecer.
Chegou correndo.
Vinha bufando e desesperado, com um pacote plástico cheio de um líquido que mais parecia urina.
Ao olhar estupefato seu carro com os quatro pneus furados e com a lataria completamente danificada uivou:
- Seus filhos de uma puta, o que vocês fizeram com o meu lindo gordine?
Gordine deveria ser o nome do monstro. Mas lindo?! Isto já foi exagero do homem.
O homem, em desespero sentou na calçada, ao lado de seu danificado carro e gritou para a molecada.
- Quero o pai de vocês imediatamente aqui, seus pestinhas vagabundos! Eu deveria matar vocês!
A molecada não conseguiu entender nada. O monstro jazia inerte no chão e ao invés de elogios eles estavam recebendo ameaças e ainda tinham que chamar o pai? Mas por que chamar o pai, se não foi ele que abateu o monstro? Será que o homem vai agradecer o pai pelo feito? Isto não seria justo!
Resolveram sob protesto chamar o pai.
O neguinho era filho do mundo. Seu pai era a tempestade e sua mãe o luar. Nada mais se sabia dele. O pestinha do meu vizinho era órfão de pai; e a mãe? Bem a mãe, não sei. Acabou sobrando para mim. Teria que ir lá receber os elogios do homem pela morte do monstro.
Quando cheguei, quase cai de costa. Vi a realidade nua e crua. Do lado de um carro destruído havia um homem espumando de ódio. Rapidamente entendi o que aconteceu. Encomendei minha alma ao meu Deus e fui tremendo de medo enfrentar a fera.
Nesta luta eu fui abatido.
Gastei em pneus e funilaria o dinheirinho sagrado de uma viagem que iria fazer.
Meus filhos numa luta sangrenta abateram o dragão e ficaram muito felizes e orgulhosos pelo pai todo poderoso que ressuscitou o monstro.

por: Mario dos Santos Lima

quarta-feira, 4 de abril de 2012

O CORAÇÃO NO PÉ

De repente um sururu danado no hospital. Lá estava a mãe de minha amiga envolvida no maior qüiproquó da região.
Com os dedos tampando os orifícios das fossas nasais, envolvi-me também no drama e fiquei sabendo do cerne da história.
Tudo aconteceu por medo, afobação, falta de organização e método.
Ha seis meses a mãe de minha amiga em conversa fofocal com o Senhor Volta, lá pelas tantas perguntou de que mal a mãe dele havia falecido.
- Do coração! De pronto o Senhor Volta responde e completa.
- Ela estava bem, assim como você está agora e de repente, bumba, aconteceu!
- Mas, mas, gaguejando a mãe de minha amiga quer detalhes.
- Ela simplesmente não fazia os exames de rotina! Abrilhantou o Senhor Volta e acrescentou em tom de ordenança:
- Pelo seu aspecto seria conveniente você fazer os exames médicos, principalmente do coração!
Colocaram um ponto final no tagarelar e ela, gelada, tremendo, com tonturas, se apoiando no ombro da filha pede para levá-la imediatamente ao médico.
O médico faz todos os exames e conclui:
- Nada de errado com a senhora. Tudo está funcionando adequadamente. Pode ir tranqüila.
- Por favor, Doutor, de-me uma guia para exames do coração.
O médico com pressa e querendo se livrar da mãe de minha amiga lavra a guia e a entrega. Num telefone público qualquer ali ao derredor da clínica a mãe de minha amiga agendou o tal exame.
Ao terminar o telefonema, e dar meia volta para sair, torce desgraçadamente o pé num maldito buraco na calçada. Aos gritos é levada ao pronto socorro para exames. O médico nada constatou, mas forneceu uma guia para raio x da região afetada.
Pelo acúmulo de serviço os exames só seriam possíveis seis meses mais tarde. Guardou a guia para o coração e praticamente dispensou a guia para o raio x do pé. Ela caminhava bem, mas seu coração sabe lá Deus!
O tempo não pra e passou correndo, feito um doido, despreocupado de tudo.
Certa manhã a mãe de minha amiga acorda toda esbaforida. Deita os olhos num calendário qualquer e confirma: - Era a véspera do exame do coração. Ela pula da cama e sai doida à busca da guia.
- Cadê a guia? Foi a pergunta que bailou louca por toda a casa.
- Cadê a guia? E a pergunta foi repetida aos berros, naquela casa, milhares de vezes.
Já sem forças, não gritava, resmungava apenas.
- Cadê a maldita guia? E todo mundo em pavorosa procurando a dita guia. Gavetas, armários tudo ficou revirado, a casa ficou num pandemônio danado, e nada da guia.
Foram inúteis as buscas que se estenderam noite adentro. Por fim a empregada aos prantos confessa que jogou uns papeis na lixeira tempos idos.
A madrugada estava fria e uma neblina cobria a cidade como se fosse um véu macabro de noiva morta no dia do casamento. Era fria e umedecia os ossos. Minha amiga, sua mãe e a empregada no lixão da cidade reviravam afoitas cada centímetro quadrado daquela imundície toda. Restos de comida, merdas e outras nojeiras passavam de mão e mão na desesperança quase incontida de encontrar a maldita guia.
A madrugada rendeu-se ao dia que veio com o sol escaldante. O cheiro do monturo era insuportável e três criaturas, quase irreconhecíveis lá estavam chafurdando tudo ao lado de magros cães, gatos pestilentos e centenas de urubus. Os mendigos chegaram e quase teve o início de um tumulto geral, e a pergunta que não queria calar ecoou no lixão:
- O que vocês três estão fazendo aqui no nosso sagrado ambiente de trabalho?
Um momento de sepulcral silêncio e as três imundas criaturas, aos prantos tentaram explicar e pediram ajuda.
Mendigo é bicho sujo, ignorante e feio, mas tem dentro desta carcaça um bom coração, e assim lá estavam eles também chafurdando aquele monturo atrás da famosa guia.
O sol a pino só não queimava a pele das três porque elas estavam encobertas de excrementos e restos de alimentos.
- Achei!
Como se fosse o uivo da fêmea na hora do orgasmo, um dos mendigos, lá mais no alto, de braços erguidos segurando um papel grita:
- Achei a guia!
Com a guia na mão, as três choravam copiosamente circundadas pelos vagabundos do lixão que aplaudiam e cobriam de imundicie ainda mais as costas das três com suas mãos batendo em felicidade.
As três imundas pegaram o caro e saíram cantando pneus.
Faltava pouco tempo para a hora do exame.
Na portaria o porteiro saiu correndo com os dedos nas narinas. O povo que aguardava atendimento, ao sentir o cheiro de carniça e merda saiu em debandada. Das atendentes apenas uma, com máscara, ficou para recepcionar as três. A polícia foi convocada.
A mãe de minha amiga olha para atendente e apresenta orgulhosa a guia toda suja de merda, amassada e quase desfigurada.
A atendente veste uma luva, pega aquilo, lê com dificuldade e pergunta:
- É o exame de raio X do seu pé direito? Não é?
A mãe de minha amiga dá um urro que ecoou por todo o hospital
- Puta que o pariu achamos a guia errada!
Ela só não caiu porque a polícia com máscaras contra gases chegou e colocou as três em camisa de força, levando-as para o pinéu.
E eu nada pude fazer!

por: Mario dos Santos Lima