domingo, 30 de outubro de 2011

A BARAFUNDA NA SEXTA FEIRA

Comi uma feijoada mineira antes de dormir e tive um violento pesadelo. Descrevo-o a seguir.
Toda cerimônia de colação de grau é linda e emociona qualquer um, mesmo que nela se cometam algumas gafes.
Em quase quarenta anos de magistério em curso superior e mais de cem homenagens recebidas jamais assisti a uma formatura tipo pastelão.
Conto o milagre, mas não conto o santo.
Era uma vez, em uma cidade distante... muito distante.
Poucos alunos, nove ao todo, resolveram eles mesmos, por medidas econômicas, enfrentar e organizar a cerimônia de formatura.
Um desastre.
Às vezes o barato sai caro.
Pagaram o preço e receberam a mercadoria.
A acadêmica organizadora do evento trabalharia na minha empresa pela sua coragem e determinação, mas por outro lado não trabalharia pela falta de planejamento, pela falta de humildade e por não aceitar ajuda e por proporcionar um verdadeiro circo de trapalhadas, tipo as das comédias com Laurel e Hardy, na colação de grau que ela tentou organizar.
Ela, pelo que me parece não procurou informações a respeito do grau de importância e do que representa a solenidade de colação de grau de um curso.
A conclusão do curso além de ser uma celebração do estudante pela sua grande conquista é um momento de magnitude da Instituição de Ensino, quando dirigentes, professores, funcionários, pais e acadêmicos externam seus sentimentos para provar que a missão de ensinar foi cumprida e o esforço valeu a pena.
É claro, para que esse evento saia de acordo como a turma o idealizou é mister que tenha um mínimo de planejamento e siga as normas de protocolo para a Solenidade de Colação de Grau.
Nada disto, me pareceu que foi cumprido.
Não sei por que, mas foi organizado em segredo de estado, visto que apenas, com uma hora de antecedência o coordenador do curso foi comunicado da data e hora do evento.
A presidente da comissão organizadora desconhece completamente a hierarquia da Instituição, já que ao se dirigir ao coordenador do curso, em tom de pilheria falou:
- Como você é apenas uma figura decorativa vai ficar lá no canto da mesa.
- Será que ela não procurou saber como seriam as autoridades na composição da mesa? Será que ela desconhece o cerimonial público das universidades brasileiras? Com certeza sim.
Eu acho que ela acabou metendo os pés pelas mãos, senão vejamos.
Pelas atrapalhadas apresentadas, por certo convidou o cerimonial de último momento. Linda voz, mas completamente por fora do que estava acontecendo. O Diretor Geral seguia um programa enquanto o mestre de cerimônia lia outro. Chamou a professora paraninfa para ler seu discurso e quando a professora já estava quase a postos mudou o roteiro para a entrega das lembranças aos homenageados. O povo riu imaginando que isto fizesse parte da cerimônia.
Uma triste comédia!
As bandeiras Nacional, do Estado e da Instituição foram banidas da cerimônia. Não se encontravam presentes.
E para coroar de êxito a grande trapalhada o mestre de cerimônia, orientado pela presidente da comissão, anunciou a contagem regressiva para o famoso jogar de capelos ao alto, antes da finalização da cerimônia. O Diretor Geral olhou para um lado, olhou para outro bestificado por não poder encerrar a seção. Com esta patuscada indigesta a cerimônia até o presente momento ainda não acabou e o MEC pode embargar a colação.
Que Deus os proteja!
E o vomitório fez-me acordar com ânsia.

Obs. – qualquer semelhança com fatos e pessoas é pura coincidência, mas se a carapuça serviu, por favor, sinta-se a vontade.

por: Mario dos Santos Lima

sábado, 29 de outubro de 2011

A SAGA DE UM LIDER

Um dia, curioso como sempre fui, quis saber tudo sobre liderança e conhecer alguma coisa a mais sobre as características de um líder. Li muitos autores, pesquisei e me preparei convenientemente para um curso de liderança do Instituto Tadashi que me inscrevi. Só não me preparei fisicamente para ele e aí me lasquei. O encontro aconteceu em Atibaia no ano de 1997. Foi um convite e presente de meus compadres Gustinho e Marilu.
O curso se apresentava como um programa de treinamento com fundamentos filosóficos de origem Oriental. O autodomínio era a arma principal e a resistência o teste que envolvia riscos fora do comum e exigia grande perícia para concluir com êxito o curso e receber o certificado de liderança.
O encontro pregava que o equilíbrio emocional sempre foi importante em nossa vida. Ele tinha por objetivo despertar o líder que cada um é e que muitas vezes não sabemos sê-lo tornando-nos mais conscientes dos medos e capacidades que temos. Aprender a lidar com situações estressantes do dia a dia e passar a se relacionar melhor consigo mesmo era também o foco deste encontro. Afinal, a proposta era boa e iria ajudar a identificar os limites e desbloqueá-los. Pelo conteúdo programático achei interessante.
Para isto você se internava na quinta à noite e era libertado no domingo ao cair da noite caso não desistisse antes do prazo final.
Aventurei-me neste episódio ao qual vou denominar de treinamento radical de liderança.
Cheguei curioso ao local e mal consegui depositar minha mala em cima da cama e já tive que em desembalada corrida ir me juntar aos outros pretensos líderes na sala de palestra.
O discurso inicial foi tenebroso. Foram as regras despejadas e a provação pela qual iríamos ter que passar. A turma toda foi dividida em grupos e as tarefas teriam que ser desenvolvidas todas em equipes e para a equipe. A comida e a cama eram apêndices desfrutadas pelas equipes que terminassem a contento cada atividade desempenhada. A cada erro individual o grupo todo perdia ponto e recebia uma canecada de água na cabeça como castigo. Este castigo era vexatoriamente executado a frente de todos os outros grupos.
Algumas das atividades eram individuais como, por exemplo, decorar algum trecho literário complexo e apresenta-lo em público. Defender um tema qualquer de improviso. Outras atividades em grupo como, por exemplo, montar um intrincado quebra cabeça. Tudo tinha tempo e era cronometrado. Missão quase impossível. Verdadeira loucura institucionalizada.
De quinta para sexta meu grupo não desfrutou da cama e nem da comida, pois terminou o compromisso às sete da manhã e imediatamente tivemos que assumir outro compromisso. Sexta feira sem almoço e a cada cochilada uma canecada de água na cabeça e pontos perdidos. De sexta para sábado a mala permanecia fechada em cima da cama. O palestrante proferia seus ensinamentos aos berros para não deixar a turma dormir.
Eu e quase todos os participantes agíamos como robôs ao final do sábado. Imaginei que iria abrir minha mala na noite do sábado, ledo engano, pois a maldita tarefa só pode ser completada às oito horas do domingo. O estresse era geral e com certeza se alguém se manifestasse com vontade em matar os orientadores seria seguido por todos e a carnificina seria total.
O domingo parecia lindo. O sol ardia lá fora e o sono e a fome rondavam a sala de palestras. Só a cabeça molhada despertava meu sono. As técnicas de liderança eram cautelosamente repassadas pelos palestrantes e memorizadas cuidadosamente por cada participante. O palestrante pregava que devemos ir além do horizonte, além das expectativas e que isto só é possível se formos até onde nossos olhos puderem ver. Meus olhos cansados e sonolentos já não conseguiam olhar além do meu nariz. Ele dizia que não há resultado sem dor psicológica e sem cansaço físico. E eu que pensei que ser líder seria bem mais fácil. Neste momento quase gritei – “Eu desisto, quero ser um vassalo!” Mas fiquei calado, pois a fome era tanta e o grupo já todo encharcado não poderia perder mais pontos. Tudo pelo almoço!
Tudo parecia caminhar para um final feliz. A tarefa estava sendo completada a contento e com isto eu e meu grupo poderíamos desfrutar da primeira refeição depois destes quase três dias de jejum. Completei a minha parte e aproveitei deslocar rapidamente o meu esqueleto, pela primeira vez, fora daquelas macabras paredes. Não devo ter consumido neste breve passeio mais que dois minutos os quais foram suficientes para eu caminhar sobre uma relva linda e macia e apreciar, como nunca dantes o esplendor de um dia de sol. Recolhi-me rápido ao som da maldita sineta, e fomos perfilar no salão. Cada grupo deveria fazer duas filas e aguardar o resultado das tarefas.
A ordem, a disciplina e o silêncio davam o tom ao austero ambiente.
De repente um cheiro avassalador começou a provocar a desordem. Eu pensei nos ensinamentos recebidos que dizia que um líder é aquele que tem visão, sabe olhar a esquerda e a direita – só não lembro se poderia olhar para cima ou para baixo - é aquele que descobre aquilo que outros não vêem. Definitivamente pensei: “Quero ser um líder!” Olhei então para baixo e atônito descobri a origem daquela fedentina toda. Os ensinamentos diziam que o líder deve anunciar a boa nova – esta não era uma boa nova com certeza – lembro-me também que dizia que o líder partilha sua missão com os outros definindo objetivos. Que contagia e sabe estar com o pé no chão. Eu estava com o pé no chão, mas naquele momento não poderia estar com o pé no chão, não poderia revelar meus objetivos e minha missão. Teria que resolver tudo sozinho.
Temerosamente olhei para todos os lados e fixei meu olhar para baixo.
Que cena repugnante!
Saindo pelas bordas do solado do sapato aparecia a merda, a mais fedida de que se tem notícia. Deveria ser de um maldito gato ou de um cachorro com enorme problema intestinal que esvaziou o intestino grosso na grama que pisei. Vagarosamente, num processo de equilíbrio e concentração com outro pé consegui me desvencilhar do sapato emporcalhado e sorrateiramente fi-lo deslizar até a parede.
Diz o ditado que em bosta quanto mais mexida mais fedida e foi o que aconteceu. O tumulto era generalizado e eu pensava no almoço que provavelmente seria suprimido pelos pontos perdidos.
Perfilado com um pé sem sapato e com outro calçado fazendo de conta que nada era comigo, vi apavorado naquela mesa lá na frente o meu sapato emporcalhando a toalha branca. Um dos orientadores deve ter visto o meu sapato encolhidinho perto da parede, pegou-o, sujado a mão e por isto encolerizado, aos berros perguntava:
- De quem é este sapato imundo?
Desmaiei e acordei só na segunda feira no hospital com uma agulha espetada no braço a qual permitia a passagem do soro. Ao meu lado carinhosamente meus compadres sorridentes diziam:
- Parabéns você conseguiu!

por: Mario dos Santos Lima

terça-feira, 25 de outubro de 2011

O PODER DO PAI NOSSO

Sempre me pautei pela lógica quando no mister de realizar qualquer atividade por mais simples que ela possa parecer.
Era uma tarde de domingo e eu estava indo para dar continuidade a uma missão quase impossível.
- Este filho de uma puta, ao sair da cadeia, precisa perdoar o português que atirou nele, pensava cá com meus botões enquanto me dirigia a penitenciária de Campinas. Meu trabalho junto aos presos em processo de pré socialização já durava nada menos que dois anos.
- Preciso persuadi-lo a não cometer este crime!
Meus pensamentos divagavam soltos enquanto a largos passos caminhava em direção ao presídio; Continuava absorto, remoendo minha cachola com o objetivo de descobrir uma estratégia de comunicação eficaz, utilizando recursos lógico-racionais para induzir aquele infeliz a não concretizar seu louco intento.
- Mas o que poderia realmente fazer eu, para demover deste imbecil a vontade insana de ver a sangria do português? Pensava quase alto enquanto caminhava.
José, nome fictício, cumpria uma pena de deis anos condenado por assaltos violentos, pequenos furtos, por tentativa de assassinato e agressões violentas. Apresentava-se, a primeira vista pelo seu comportamento nada recomendável, com distúrbio mental grave caracterizado por um desvio de caráter, ausência de sentimentos genuínos, frieza, insensibilidade aos sentimentos. Uma titica de galinha mesmo! Parecia, no seu conversar, com transtorno de personalidade anti-social. Nas suas propostas futuras eu o considerava como perverso.
Cheguei e logo fui entregando as coisas básicas que ele tinha solicitado na última visita. Agradeceu-me, guardou o recebido e iniciamos o nosso papo costumeiro dos domingos.
Enquanto me envolvia no conversar costumeiro veio-me, num estalo, uma forma de persuadi-lo.
- Você conhece a oração do pai nosso? Perguntei de chofre a ele.
- Sim, já ouvi falar, mas nunca rezei esta droga. Falou-me com desdém.
- Quer fazer a experiência? Medrosamente perguntei.
- Não acredito muito nisto não, mas para passar o tempo...
Fui então recitando, frase a frase do pai nosso, comentado cada passagem. E ele, com ar incrédulo e desconfiado repetia comigo. Quando chegamos à segunda parte em que eu rezei e pedi para que ele repetisse: Perdoai-me Deus da mesma maneira em que eu perdôo o português.
- Ah! Isto eu não repito não! De pronto, levantando-se do local falando colérico para mim completou:
- Aquele filho de uma puta vai morrer quando eu sair daqui. Eu já estava caído, quase morto e ele descarregou a arma em mim! Vou fazer o mesmo com ele!
- Pense bem! Supliquei. Você é um cara feio e mal encarado e por esta razão o português apavorado fez o que fez.
- Só rezo a primeira parte! Sentenciou resoluto.
No assalto que ele tinha feito à mercearia do dito português acabou levando a pior, pois o lusitano sacou da arma e acertou um tiro que o derrubou de chofre, não bastasse isto, descontroladamente descarregou a arma acertando todos os tiros no seu esqueleto já desmaiado no piso. Nenhum tiro foi o suficientemente necessário para matá-lo. Foi arrastado pela polícia e preso sem antes passar por muitos dias no hospital em recuperação. As perfurações provocadas pelas balas deixaram marcas horrivelmente registradas em seu corpo esquelético. Pelas costuras mal feitas imaginei que a arte foi executada por um medroso aluno, calouro do primeiro ano de medicina, ou então, por um ensacador de batatas realizando a operação de costurar a embalagem. Olhando aquelas cicatrizes falei a ele muitas vezes:
- Você é um cara privilegiado, disse tentando convence-lo.
- Como privilegiado? Perguntou-me curioso.
- O médico que fez isto em você era um estudante de medicina que tinha medo de cortes, de sangue e de realizar cirurgias e hoje ele é um grande cirurgião. Graças a quem? Graças a você.
Ele parou a um canto e permaneceu em silêncio. Voltou-se para mim e sentenciou:
- Só rezo a primeira parte do pai nosso e quando sair daqui vou mandar o português pros quintos dos infernos.
Jamais consegui que o desgraçado rezasse a segunda parte do pai nosso. O filho de uma puta era teimoso e persistente. Tinha como meta liquidar o português.
Minhas visitas continuaram por algum tempo sem que eu tivesse o sucesso de demover daquele trancafiado o desejo ardente da vingança. Por motivos particular e desmotivado acabei abandonando este trabalho social. Fiquei bastante triste e decepcionado com o meu insucesso. Minha estratégia de convencimento tinha sido inútil, pensei eu; e por certo o português brevemente irá para a fita.
Passaram-se alguns anos.
Numa tarde qualquer, andando despreocupadamente pela Avenida Francisco Glicério de Campinas ouço uma voz, quase gritando:
- Seu Mario!
Fiz rapidamente um giro no meu tronco e identifiquei no meio da multidão um cara que sorrindo se aproximou de mim
Bem mais próximo aquele indivíduo fez a pergunta.
- Você não está me reconhecendo?
Olhei demoradamente, verifiquei os guardados de minha memória. Será algum aluno? Tenho tantos! Briguei com meu arquivo, consultei meus neurônios no hipocampo e não pude identificar ninguém e respondi:
- Não, não sei quem você é.
Ele olha fixo para mim, sorri e diz:
- Vou te dar uma pista! Muito alegre concluiu. Eu sou aquele que se negava a rezar a segunda parte do pai nosso, lembra-se?
- Meu Deus! Pensei. Este cara está solto e deve ter feito o serviço no português. Criei coragem e perguntei:
- Matou o português?
- Não, seu Mario, eu rezo a segunda parte do pai nosso.
Não pude conter a emoção; abracei de imediato àquele cara e duas lágrimas indiscretas correram felizes pela minha face.

por: Mário dos Santos Lima

sábado, 15 de outubro de 2011

UTUPIA?

Me envolvo
e resolvo...
não me escondo,
respondo
problemas banais.
Mas me anima
a estima
que recebo da turma.
Crio
e recrio,
e a fórmula aparece...
é a glória...
a vitória...
e a turma nunca esquece.
É o alguém
que no vai-e-vem,
me chama pelo nome;
e a vida
na corrida,
que não pára de passar;
mas... me anima
a estima...
Me envolvo
e resolvo...
crio
e recrio,
pois curto
este culto
sempre oculto
de ser professor.

*Professor Mario dos Santos LIma