sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

CARIDADE

CARIDADE Pessoal estamos precisando de ajuda. Temos 150 famílias e só temos 80 cestas básicas até agora. Ganhamos bastante brinquedos mas está faltando os papeis para presente. VAMOS FAZER ESTA GENTE FELIZ NESTE NATAL!... CONTATO VERA TEL 3366 1069 RUA MARIAN TADEUSZ LASLOWSKI, 4 - CAJURU - CURITIBA

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

UTOPIA

Me envolvo e resolvo... não me escondo, respondo problemas banais. Mas me anima a estima que recebo da turma. Crio e recrio, e a fórmula aparece... é a glória... a vitória... e a turma nunca esquece. É o alguém que no vai-e-vem, me chama pelo nome; e a vida na corrida, que não pára de passar; mas... me anima a estima... Me envolvo e resolvo... crio e recrio, pois curto este culto sempre oculto de ser professor. POR MARIO DOS SANTOS LIMA

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

UM MUNDO MELHOR

Da vergonha de ser honesto um dia Rui falou... que saudade dos tempos que os mais velhos, os tios, professores, policiais eram ouvidos; nos rios, córregos se nadava... mas tudo isto já passou. meu grupo escolar sem cerca hoje se cerca de muro. O banco em frente de casa onde meus pais conversavam não existe mais... o nosso medo era apenas do escuro, de fantasmas, de duendes que nos ameaçavam... uma tristeza infinita me deu pelo que perdemos... matar, violentar crianças, enganar, passar a perna virou banalidade. Regalias que não temos virou moda nos presídios. É ser otário, palerma se não levarmos vantagem. Ninguém respeita ninguém; Traficantes comandando; Grades nas nossas janelas; Crianças morrendo de fome; Valores que não se tem. Ter é maior do que ser; Drogas, como sair delas?... Quero de volta a vergonha, quero a solidariedade entre os povos, entre irmãos. Quero a alegria a esperança, teto decente pra todos. Trabalho, honestidade. minha paz quero de volta e também a segurança. Quero sentar na calçada sem ter medo de ladrão, conhecer os meus vizinhos e abraçar os meus irmãos. Não quero clone de gente, lista de animais em extinção; eu quero é cópias de músicas, poesias e orações. Vamos voltar a ser gente? Ter o amor, fraternidade, ajudando uns aos outros? Lutar pelos ideais, pela ética e respeito? Não quero mais ter saudade daqueles tempos antigos que não podem voltar mais. Quero um mundo melhor hoje, vou construir minha parte. Quero contrariar o Rui pois a honra e a moral será a bandeira de todos. Faça então sua parte à parte e seremos uma força para um mundo mais legal... POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

segunda-feira, 6 de julho de 2015

SARAU, ARTE LIVRE

Puta que pariu! Minha nossa! Quando me apercebi lá estava eu no meio da sala, nervoso com mil olhos a me fixar e mil ouvidos sedentos por cultura. – Pai, comece você, foi assim que Alexandre abriu oficialmente este sarau. De repente, não mais do que isto me vi muito longe dali a muito tempo também. A sala do clube, reservada para o sarau tinha um toque feminino e foi cuidadosamente arrumada pela Vanda. Ela era violinista e adorava tocar nos saraus; Tocava Stravisnki, Bach e outros. Ela não era linda, mas de um coração belo, de uma gentileza finíssima, de companheirismo incansável e apaixonadíssimo pelos saraus. Ela se realizava; se entregava toda nos afazeres de organizar o cerimonial – Por que você não se apresenta para uma grande platéia? Você toca tão bem, sempre tinha alguém incentivado a Vanda. – Não; prefiro aqui porque estamos entre amigos e todos vocês tem apreço pelo que faço, respondia ela, humildemente com um sorriso amarelo no canto da boca e ficava o tempo todo tocando, como fundo musical enquanto se recitava ou se fazia a leitura de trecho de algum clássico. O sarau acontecia aos domingos à tarde. Lendo os versos alexandrinos, completamente absorto, seduzido pelo ambiente. O som do violão que o Daniel fazia como fundo musical pareceu-me o som de um violino, fiquei confuso, meu coração se descompassou e por instante não sabia em que época estava. 45 anos atrás ou agora? Mas o som das palavras é forte e decisivo – Este soneto eu fiz para minha filha, foi esta frase que me trouxe para a realidade, do hoje, do agora. O sarau homenageou Chiquinha Gonzaga, Graciliano Ramos e Grande Otelo. O apartamento 204, bloco 10 do Tívolli estava todo preparado ao gosto anarquista do Alexandre e com um toque feminino da Bela. Pedras, livros, cartazes e até algumas páginas dos famosos catecismos pornográficos dos anos 60 que a Maira sensualmente apresentou para a galera. A sopa de feijão estava ótima, mas o Xandão, com medo de que faltasse a gororoba pediu ajuda para Irene no patrocínio de uns salgadinhos. Todos entraram no clima como se já fosse um velho costume; em silêncio prestavam atenção nos trechos apresentados; suspiravam ao toque maravilho que o Daniel empreendia ao violão num Vila Lobos clássico ou se envolviam na apresentação da Sol; na poesia do Bruno; na poesia de Fernando Pessoa declamada pela Calinka ou na fala final da Bela. O ambiente às 23,30 horas era tranqüilo, mas bastante animado com luzes apagadas e todos dançando um tango na voz de Mercedes Sosa no comando da Bela, tão animado que fez o representante do síndico deste bloco chegar até a porta e delicadamente soca-la. O Alexandre vai atender imaginando mais alguém interessado no sarau e dá de chofre de encontro com uma cena dantesca. O indivíduo, representante máximo da autoridade do condomínio, espumando por um canto da boca, com os olhos avermelhados, esbugalhados, vestindo do lado avesso apenas à parte de cima do pijama; um pé com chinelo e outro não; o cacete a mostra, meio duro meio mole – por certo deveria estar numa tentativa final. O cabra estava bonito para um filme de terror. Olha para o Alexandre e grita: - Que caralho é isto? Eu quero dormir. O Alexandre, que tinha acabado de ver a apresentação da Sol e estava embebido nos rebolados do tango imaginando que o cara estava ali tão somente representando uma peça dramática deu então sua colaboração, apontando para o bilau dele, num tom teatral fala: – Meu nobre, se é isto ai, relaxadamente pendurado no meio de tuas pernas!!! Cara!!! e fazendo uma pausa, comprimindo seus lábios e meneando a cabeça de um lado para outro, arriscando mais uma olhadela para aquela coisa bruta mole acrescenta em tom solene: - é muito mole e não fará sucesso algum nesta festa. Botando a mão no ombro dele quis completar: - enfim... Não terminou a frase. Foi o fim da festa, pois o cara ficou mais possesso, derrubou o Alexandre com um golpe e não fosse à galera toda vir acudir a esta hora o Alexandre já era. As meninas apavoradas aos gritos, vendo aquele caralho mole correram para os quartos, privadas, cozinha, dispensa e para debaixo da mesa. Os meninos como não tinham para onde correr foram juntos com diplomacia tentar conversar e convencer o animal: - Tio, estamos indo embora, volte dormir tranqüilo. O tiozinho, com uma mão tampando o mole e com outra encobrindo a bunda desceu a escadaria de ré. O Alexandre, livre do sufoco se levanta rápido e com os braços erguidos para cima da cabeça grita: - Otimismo!!! Otimismo!!! Galera, a festa continua e tem surpresa à meia noite lá na rua. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 19 de abril de 2015

UM CAPITÃO DESOLADO

- Lamentavelmente foi o destino! O destino existe? A fatalidade é uma realidade insofismável? Será que o destino é a concepção de uma sucessão inevitável de acontecimentos obedecendo a uma possível ordem cósmica? Às vezes fico em dúvida. Meu pai me contou uma história muito relacionada a isso, e eu escrevo exatamente tal qual ele me relatou. Vamos lá então! Ele servia o exército na Companhia dos Sapadores em Pedra Preta. A Companhia trabalhava na abertura da estrada. O sistema de transporte da tropa era bastante precário e radical; usava-se, para o transporte dos soldados, caminhão basculante. Um dia, o caminhão estava apinhado de soldado em cima da caçamba pronto para sair. O capitão chegou bufando soltando labaredas pelas ventas. Seu motorista particular – o chamado bagageiro - não tinha deixado o leite preparado para seu café. Dirigindo asperamente ao seu bagageiro diz: - Hoje você vai para frente de trabalho! Apontou para um soldado, que estava em cima da caçamba, fazendo-o descer dizendo: - Hoje você vai ser meu bagageiro! Naquele dia o capitão amanheceu mesmo com os grãos trocados ou sua mulher tinha dormido de calça. Foi até ao cárcere e dizendo ao prisioneiro: - Chega de moleza, você vai trabalhar hoje! Apontou para outro soldado que já estava no caminhão pedindo para que descesse. Ao passar pela enfermaria o soldado enfermo suplica ao Capitão: - Não aguento mais ficar nessa cama, quero ir trabalhar na abertura da estrada. O médico tinha recomendado repouso total. O Capitão não se fez de rogado ao apelo do soldado adoentado, e fez descer o terceiro soldado para que o enfermo tomasse o lugar dele. O capitão entrou no alojamento pisando duro sem ver o caminhão perder-se na poeira da estrada. Meu pai contou que nesse dia estava de folga. Perto do almoço um esbaforido desconhecido, a galope, passa gritando: - A guerra começou, tem um monte de soldado morto na estrada! O capitão estranhou aquele mensageiro e se perguntou: - Mas que guerra? Bem ao entardecer a tragédia foi desvendada. Um carroção chega trazendo muitos feridos e oito mortos. O momento era funesto e lamentoso. - O que aconteceu? Desesperado grita o capitão. - O caminhão caçamba tombou quando chegava! Respondeu o carroceiro todo ensanguentado. Dois grupos de trabalho foram designados; Um para atender os ferido e outro para preparar os cadáveres. Meu pai ficou no segundo grupo construindo as urnas mortuárias e preparando os mortos. Quando o capitão conferiu os mortos ficou inconformado ao ver que entre eles estavam seu bagageiro, o prisioneiro e o enfermo que ele fez subir na caçamba. Pôs a mão na cabeça e inconsolável aos prantos gritou: - Eu sou o culpado pela morte deles! Eu sou o culpado! Alguém, tentando consolá-lo, coloca a mão no ombro dele dizendo: - Lamentavelmente foi o destino! POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 11 de abril de 2015

SEXO RADICAL

Sexo segundo o dicionário é o conjunto das características que distinguem os seres vivos, com relação à sua função reprodutora. Dentro das quatro paredes, - o mais normal - o sexo pode ser desenvolvido e praticado segundo a criatividade e as taras dos sexuados. Tudo é permitido desde que Deus esteja distraído ou cuidando de outras coisas. Na prática do sexo eu sou tradicionalista e um tanto conservador. Nada de gritinhos que possa atrapalhar o ambiente contíguo. Dou meus uivos, mas sempre sufocado pelo travesseiro. Naquela madrugada algo estava para acontecer e aconteceu. Acordei aos berros com uma forte e insuportável dor causada por cálculo renal. Gritava a todo pulmão - Irene eu não agüento mais... Irene eu não agüento mais. A Irene apavorada medicou um buscopan composto que com dificuldade eu engoli, pois, seminu estava com uma perna cravada fora da cama e outra por entre os lençóis. Uma mão dava apoio ao meu corpo na cama e outra pregada nas costas exatamente por cima do rim. Ridiculamente eu deveria estar parecendo um maluco em êxtase vendo visões aterradoras. Eu continuava berrando de dor enquanto a Irene tentava vestir em mim a calça do meu agasalho. Ela tentava erguer o pé que estava fincado no assoalho e eu gritava: - Eu não agüento mais, me deixe em paz, berrava feito um alucinado. Enquanto a Irene tentava me vestir a vizinhança acordou e alguém mandou chamar a polícia. - Que absurdo, em plena madrugada uma sem-vergonhice desta, aonde já se viu – comentavam os vizinhos por imaginarem que eu estivesse praticando um sexo animal e em pleno orgasmo gritando feito um doido. A cachorrada animada, latindo procurava as cadelas no cio. Os passarinhos acordados, pulando de galho em galho se acasalavam doidamente. Alguns vizinhos, com auscultador na parede se motivavam para um trepadinha que há tempo não faziam. Foi um sururu danado naquela doida madrugada. Eu continuava aos berros quando a polícia chegou. Abrindo violentamente a porta do quarto e me vendo naquele estado crítico a policia recuou rapidamente imaginando que ainda não tinha terminado o meu orgasmo. Como eu continuava gritando colocando o bairro todo em polvorosa a polícia resolveu agir jogando um balde de água fria por cima de mim para tentar aquietar o meu afogueamento sexual. Usou em mim a mesma tática utilizada para o desengate da cachorrada. A coisa só piorou. A noite estava fria e com isto além da dor eu estava agora morrendo de frio. Como a Irene não conseguiu colocar as minhas calças a polícia resolveu intervir. Desceu uma cacetada na minha cabeça e saiu comigo arrastando até ao camburão. Eu continuava aos berros. Na delegacia, a Irene tentava por todos os meios explicar para o delegado que aquilo não era resultado de sexo e sim de uma maldita pedra no rim. O delegado não quis acreditar e mandou chamar o corpo clínico para os exames de rotina. Depois de muitas horas de berros e de espera chega um babaca vestido de branco que as apalpadelas no meu cacete diagnosticou realmente que só poderia ser a pedra no rim. O delegado e os policiais ficaram decepcionados com o resultado, pois imaginavam estar à frente de um caso inédito de sexo radical com um prolongado e gostoso orgasmo. Na enfermaria da própria delegacia fui medicado voltando no dia seguinte para casa. Quando cheguei fui recepcionado por muitos casais com cartazes aonde se lia: “Você é o cara!” “Mostra pra nós o teu segredo” Virei lenda nas cercanias. A vizinha que chamou a polícia foi execrada e expulsa do condomínio. A Irene por força das circunstâncias transformou-se em consultora sexual a fim de explicar como é que ela conseguiu aquela proeza tão animal, tão radical. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

O SURPREENDENTE NOME DE MEU FILHO

A medicina hoje em dia está uma beleza, principalmente quando se trata de reprodução, Em alguns casos até a forma da relação sexual dá o indicativo do sexo da criança. - Como é que você fez o sexo? Pergunta a máquina e o casal informa clicando botões, e então solenemente ela responde: - Ah! Parabéns você vai ter um ... E lá tá anunciado o sexo da criança. No meu tempo acreditava-se que deixando a janela aberta para que a brisa entrasse sorrateiramente, e deslizasse pelos corpos suados do casal em amores carnais, permitiria rachar a coisa do meio das pernas da criança em gestação, e batata, nascia uma menina. Eu sempre fui muito recatado, e o sexo para mim é com portas e janelas fechadas e sem iluminação. Talvez por isso eu tenha três moleques. A filha deve ter sido um descuido meu não fechando a porta ou janela. Bem, a mulher ficou grávida e o coração da criança pulsava a mil. A lista de nomes se desfilava tanto para menina quanto para menino. - Meu bem esse nome fica muito bem se for menina ou então esse muito bem se for menina. A gente ficava horas a fio descobrindo nomes. A lista era interminável e a angustia do dia da chegada da criança era grande. Nós dois fizemos pesquisas em calendários, em almanaques coletados em farmácias, e na árvore genealógica da família. Fizemos sorteios e por fim se apaixonamos por dois nomes, um para se fosse menina e outro se fosse menino. Na véspera do nascimento o médico fez a punção e do líquido amniótico retirado concluiu-se que 80% tinha a possibilidade de ser uma menina. Pronto, começamos os preparativos para receber a Carmela. O dia amanheceu complicado com a bolsa estourando, e correria ao hospital. O parto que era para ser normal acabou sendo Cesária, e exatamente às 13 horas e 40 minutos o menino veio ao mundo. A Carmela ficou para outro parto. A mãe ainda estava em recuperação, e as visitas que chegavam perguntavam: - E o nome do menino? Bem, como veio um menino, tivemos que dar uma passada novamente na lista para escolher um nome. - Talvez João? Ou talvez Francisco? Ou... Passamos quase a noite toda nessa labuta. De manhã a fumaça branca não havia saído ainda pela chaminé da decisão do nome quando chega um casal de amigos. A Sueli e o Edgar Kraemer eram amigos de pouco tempo e vieram com um ramalhete de lindas flores para a mãe do garoto e um álbum do bebê para o garoto. Ajeitamos as flores e fomos dar uma olhada no álbum. Abrimos a primeira página e lá tinha uma dedicatória: - Gustavo seja bem vindo, desejamos que você tenha uma cuca legal. Eu olhei para Alice e nós dois caímos numa gargalhada doida sem que o casal tenha entendido o porquê, perguntando: - O que aconteceu? - Vocês acabaram de dar nome ao nosso filho! Ficamos alguns minutos em silêncio e eu disse: - Pronto o nome de nosso filho será Gustavo. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 5 de abril de 2015

O TEMIDO BANDIDO AGNELO

Encanta-me ouvir as histórias que meu pai conta. Fico olhando, auscultando e anotando tudo. Fico principalmente muito atento ao brilho do seu olhar e as expressões faciais no decorrer da narrativa. Ele dá vida ao que ele narra. É um autêntico e brilhante contador de histórias. Uma das histórias que tenho aqui nas minhas muitas anotações é de um tal Agnelo, bandido muito temido na região da Lapa pelo final do século retrasado. Reli com cuidado as anotações, e vou descrever com velada parcimônia. Ele contou, e eu anotei, que esse tal Agnelo era um homem cruel e temido por todos. Poucas vezes visto, mas muito falado, e costumas foco nas conversas de bêbados, e grupos ociosos nos bancos de praças, e esquinas de ruas de parca iluminação. Diziam que quando era visto as mulheres se benziam, os homens se escondiam e os cachorros vadios, de rabos entre as pernas, rosnavam. Comentavam também que se Jesus estivesse entre nós, ao avistar o Agnelo correria medroso para os braços de sua mãe. Não se tem foto e nem caricatura desse temível bandido, talvez por tão poucas vezes ele ter se mostrado ou porque ninguém encarraria a própria morte de frente. Diz a lenda, mas meu pai afirma que é pura realidade, que Agnelo era um justiceiro. Não era arruaceiro nem briguento, mas não levava desaforo para casa. Se o cara esnobasse valentia para ele, imediatamente via suas vísceras dependuradas fora da barriga. Agnelo tinha muitas mortes em sua fúnebre coleção. Normalmente suas vítimas não eram bons viventes. Eram cidadãos perdidos na vida – vagabundos de carteirinha. Sempre, nas rodas das bodegas de beira de estrada, tinha um pseudovalente que gostava de contar vantagens a respeito do Agnelo, do tipo: - Passei pelo Agnelo, e não abaixei a cabeça encarando-o frente a frente. E completava: E o covarde me respeitou! Com certeza esse cara pode até ter passado por perto de onde estava o bandido, mas o certo mesmo é que abaixou a cabeça, saindo correndo com a cueca emporcalhada. E foi num desses encontros, em papos inúteis, muito mais falando sobre o bandido que sobre mulheres que, entre uma pinga e outra, um farfante gabola grita no meio da bodega: - Eu sou o Agnelo! A noite já tinha se anunciado. Eu sou Agnelo, Agnelo, Agnelo, e a frase ressoou mortuária pelo ambiente fazendo correr o mais valente dos homens se estivesse de plantão. Ao ouvir isso os marmanjos que estavam por ali, mijando-se de medo se entocaram por debaixo das mesas. O silêncio foi sepulcral. O lusco fusco, no tremular das lamparinas, fez apenas uma figura alheia lá no fundo da bodega permanecer com a bunda colada na cadeira. Se era de medo ou aleijado não se sabe. O fanfarrão, ao lado do balcão, ignorando a figura desconhecida lá no fundo da bodega e notando o medo dos inúteis bêbados por debaixo das mesas, bate com força na mesa e grita. - Seus filhos de uma puta, medrosos do caralho, podem beber e comer de graça por que eu sou Agnelo. E completou: - Eu mando e não peço. Um e outro aos poucos foram se chegando ao balcão. O dono da bodega, se urinando todo, viu suas parcas economias ser devastada por ordem daquele canalha irresponsável. Todos se fartaram e se embebedaram além do limite. Quando o valentão deu sinais que iria escorregar o esqueleto para fora indo embora, a misteriosa figura levanta-se lentamente, e a passos firmes, com uma reluzente arma na mão se dirige ao fanfarrão. Com a mão forte no colarinho e a arma apontada na testa do metido gabola diz: - Seu farsante de uma figa! Agnelo pode ser bandido, coisa ruim, o capeta vestido de gente, mas respeita o trabalhador e as pessoas honestas! Não pegou o gabola pelo cu das calças porque já estava toda urinada e emporcalhada, mas pela goela gritando: - Vá lá e pague a sua dívida, seu porqueira! A dívida foi paga. Agnelo, sem pressa, pega o cavalo e desaparece na escuridão da estrada. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 29 de março de 2015

URINOU NO QUARTO DA NOIVA

A mulher, em todos os sentidos, sempre foi mais recatada, mais discreta, mais delicada que o homem, principalmente quando tem vontade de fazer xixi; Ela vai fazer xixi com elegância, como quem vai passear; Vai disfarçadamente a lugar reservado, e sempre pede a companhia de uma amiga. O homem, pelo contrário, já é mais relaxadão, é um brutamonte, é mais porcalhão; Se estiver com a bexiga para estourar desocupa a urina em qualquer lugar; Atrás de uma árvore, atrás de um carro, atrás de uma moita sempre serão lugares encantadores, apaixonantes para espumar a urina no chão. Vou contar o pecado, mas preservando a figura do pecador. Eram dois amigos inseparáveis. Quase irmãos. Um deles gostava de usufruir em demasia do líquido que os passarinhos se recusam a tomar. Um dia, para o casamento da filha do que sempre se mostrava sóbrio, o amigo bebum foi convidado, como não poderia ser de outra maneira. Ele foi e bebeu pra cacete. A festa se desenrolava solta e alegre na casa da noiva. Muitos convidados se cotovelavam pela sala, pelos quartos, cozinha e quintal. A noite já pintava tudo de negro. A lua cheia, lá no alto, permitia com seu brilhar que as pessoas não se trombassem no quintal. A casa era simples e de madeira. No quarto, na cama de casal, se amontoavam dezenas de presentes. O líquido estonteante, espumando nos copos, rolava solto. As mulheres faziam fila na única privada que existia na residência – era uma casinha em madeira lá no fundo do quintal. Os homens aliviavam-se por de trás da casa. O amigo do pai da noiva sentiu-se na obrigação, no elevado dever de dar conforto a seu esqueleto, e para aliviar sua bexiga começou a dura procura pelo lugar adequado. A mangueira que ele tem no meio das pernas, usada para esvaziar a urina, estava exageradamente endurecida causando certo constrangimento no mulherio presente, que fugiam em gritinhos de temor ou de saudade. Cambaleando, sem se preocupar com o vexame, procura o bêbado incessantemente um lugar adequado para se aliviar. Por fim ele abre uma porta. O lusco fusco do ambiente que se descortinou, misturado com o álcool que ele ingeriu, deu uma visão de uma linda e convidativa privada para o quarto repleto de presentes. Não teve dúvidas e começou com dificuldade abrir a braguilha. A noiva se retocava a um canto na penumbra, e quando viu aquele jumento acomodando, para o lado de fora da braguilha, seu instrumento urinário, pensou que seria estuprada antes do noivo. Quando ela percebeu que não era ela o objeto do desejo do bêbado, e sim o conforto que o atrás da porta trazia para ele, começou a gritar. O bêbado ouvindo os gritos pensou que fosse seu cacete dando à bronca, e com voz entrecortada diz: - Calma meu companheiro, já estou te aliviando! A urina corria, caudaloso rio, por debaixo da porta invadindo o corredor e tomando conta dos aposentos. A noiva aos gritos, fugindo do quarto escorrega naquela imundície e cai de prancha. O pai dela vem em seu socorro enquanto o povo pisando nas pontas dos pés tapava as narinas para evitar o forte cheiro de ureia. Quando o pai da noiva vê o bêbado saindo de trás da porta, pega-o pelo colarinho e espumando de raiva grita. - Seu porco imundo, veja o que você fez! O bêbado, quase caindo, babando, coloca a mão no ombro do amigo para não cair, e com voz conturbada diz: - Bonita festa meu amigo, quero beber para comemorar! POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sexta-feira, 27 de março de 2015

O VERDUGO E A GATA

O amor aos animais é um bichinho que nos contamina por dentro de maneira espantosa, incontida mesmo, e isso é hereditário. Minha mãe amava os animais como se fossem seus filhos, seus dependentes. Minha mana foi contaminada por esse vírus, e desta forma não pode ver qualquer peludo e empenado em sofrimento que imediatamente vai a seu socorro. Certa feita uma gata... Rondava a casa dela um felino em busca de migalhas que caia da gaiola ou sobras da ração da cachorra. Minha irmã se encantou por ele; Tentou pegá-lo, mas foi inútil; Não conseguindo captura-lo arquitetou um plano infalível. Foi aos poucos, dias após dias, pacientemente sevando o animal colocando alimento aqui e ali para que ele viesse busca-lo. A primeira ração foi colocada bem distante, e a cada dia trazia mais para perto, até que a última colocou dentro de uma armadilha. Um enorme barulho, miados angustiados, e assim lá estava o gato capturada. Pense no capeta recebendo água benta! Pelo temperamento hostil e barraqueiro minha mana descobriu que era uma gata. A gata xingou, disse impropérios, ameaçou e cuspiu raiva, mostrando suas afiadas unhas para quem tentasse se aproximar do artifício no qual estava presa. Minha mana, não tendo coragem de abrir a armadilha, chamou o corpo de bombeiro, que com luvas especiais em raspa de couro e com revolver em punho tirou a gata de dentro da armadilha dizendo para minha mana. - Puta merda esta gata tem um gênio feroz, é bom que você leve ao veterinário para castrar e dar um sossega leão nela! Com a licença do IBAMA o próprio batalhão se encarregou de fazer isso; Escoltado pela polícia militar, levaram a fera até ao veterinário. A gata tentou escapar pulando do caminhão, mas foi contida em caganeira provocado pelo gás de efeito moral lançado pela polícia, e pelo forte jato d’água jogado pelo bombeiro. O veterinário abriu a barriga do capturado animal arrancando os miúdos dela. Foi uma castração de sucesso. A gata passou quatro dias sonolenta pelo efeito da anestesia. Aos poucos, voltando ao estado normal, aceitou a convivência com minha mana e recebeu na pia batismal o nome de Teca. A Teca rosnava livremente pela casa; Esfregava sensualmente pelas pernas de quem estivesse por perto; Fazia montinhos de merda pelos cantos da casa para marcar o território; Arranhava desfiando cortinas e sofás na maior liberdade e aquiescência da dona da casa. Mas um dia... Desesperada minha mana procurou a Teca pela casa encontrando apenas as cortinas e sofás arranhados e os montinhos de sujeira. Sai pelas ruas, e numa caminhada continuada, sem se alimentar e dormir, em busca, por dias seguidos, da gata que tanto amava. - Teca! Teca! Gritava loucamente pela cidade. Colocou aviso na televisão, no jornal. Para continuar a busca pediu verba extra para a Petrobrás, pediu ajuda para a Dilma. As verbas que chegavam eram insignificantes para manter o projeto da busca; A prefeitura não participou porque queria criar o GATÃO para desviar verba, mas a minha irmã não aceitou. O tempo passa e o desespero aumenta. Muitas lágrimas. Um dia minha mana recebe um estranho pacote. Dentro do pacote foram encontrados, uma unha felina, a foto do Prefeito encapuçado com uma navalha no pescoço da Teca e um bilhete em cd onde se ouvia. - A sua gata vai ser decapitada e eu comerei um gostoso churrasquinho com a carne dela! Ah! Ah! Ah! O prefeito tinha uma rixa política religiosa com minha irmã. Andava aprontando sempre botando fogo na casa de outra irmã, jogando pedra na cabeça de meu pai e outras tantas tramas cruéis. O desespero tomou conta dela. Ela postou no facebook a terrível foto da degola. Teve, em poucos minutos mais de um milhão de acesso. Até o Papa Francisco curtiu a página lamentando. Quando já tudo parecia consumado eis que um dia minha mana escuta uns toque toque na porta e vai correndo abri-la e grita de alegria: - Teca, você voltou? E a gata, toda machucada, manquitola, ensanguentada num olhar suplicante, com voz sumida, erguendo em súplicas as patas dianteiras, diz: - Sim sou eu. Escapei milagrosamente ao arranhar o pinto murcho do filho de uma puta do prefeito, e estou de volta. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 7 de março de 2015

A JARDINEIRA E A MARIA-FUMAÇA

- Maldição, lá tá vindo o trem! Reviver as boas, e às vezes, as não tão boas coisas que passei é um exercício salutar que pratico constantemente. Esse processo normalmente tem um start em alguma coisa que instantaneamente vejo ou escuto. Por exemplo, o apito do trem exerce esse fascínio em mim, e assim eu viajo no tempo nos trilhos da imaginação. Hoje vou navegar por sonhos mil num episódio que aconteceu; Estive nele; Na época, por ser ainda de fraldas, estava no colo de minha mãe, desta forma dele tenho pouca recordação. Para recordar melhor tentei fazer regressão e outras coisas que me sugeriram, mas não consegui ter uma boa resolução do fato. Perguntei então ao meu pai, e ele me contou em riqueza de detalhes, por isso tomo a liberdade de descrever tal qual ele me relatou. Eu deveria ter quase dois anos e disputava ferrenhamente, com minha mana, o colo de minha mãe. Naquele tempo maravilhoso, a locomoção de nosso esqueleto, de uma cidade a outra, era feita por uma moderníssima jardineira. Cada jardineira, além do motorista tinha o cobrador que, entre muitas funções, era a de colocar e retirar malas, porcos, galinhas, sacos, caixão de defunto e outros apetrechos do bagageiro que ficava, do lado de fora, por cima do teto do veículo, e, para segurança dos passageiros, descer da jardineira para sinalizar que a passagem de nível estava livre. Chovia a cântaro. Eu, minha mana e meus pais estávamos realizando uma viagem radical por uma estrada lamacenta. Nas subidas os homens desciam para empurrar a jardineira e nas descidas, feito uma rampera no cio, ela rebolava de um lado ao outro na estrada. O motorista meteu o pé no freio, mas a filha de uma puta da jabiraca não parou, e toda descontrolada foi deslizando, deslizando, até parar quase nos trilhos, além do limite considerado seguro. Os passageiros se alvoroçaram feito pássaros em gaiola derrubada. As nuvens cuspiam água sem parar. O cobrador desceu com uma capa na cabeça para não ficar tão encharcado, e já, por cima dos trilhos, fazendo uma concha acústica com as mãos na orelha, ouviu o apito rouco da Maria fumaça que vinha engolindo trilhos e vomitando fagulhas por onde passava. O cobrador desesperado não sabia se sinalizava para o maquinista ou gritava para o motorista. A água da chuva veio se misturar a urina e as merdas que escorriam pelas suas pernas. Por fim soltou a voz. - Para trás! Para trás! Gritou aflito, completamente desvairado, o infeliz todo molhado para o motorista. Maldição, lá tá vindo o trem! O motorista ,quando se deu conta da merda que iria acontecer, emporcalhou o banco. Apavorado tentou, numa patinação terrível da jardineira, retirar a parte dianteira que avançava nos trilhos. Não estava conseguindo. E a Maria Fumaça vinha fumegante, cansada, nervosa e arrotando um apito rouco, gritava: - Saia da frente sua jardineira vagabunda, incompetente! O motorista fez o sinal da cruz, clamando aos céus por ajuda, e pediu para que todos se segurassem. O povo, em desmaio, gritava desesperado no bojo da jabiraca. Alguns tentando pular pela janela e outros, em lamúria, entregando a alma a Deus. Num milagroso e último esforço o motorista agoniado conseguiu que a jardineira recuasse alguns centímetros; Isto foi o suficiente para que não se transformasse numa merda maior. A Maria Fumaça chegou, e sem piedade, toda senhora de si, arrancou o para-choque da pobre jardineira, e a cada vagão que passava dava uma atritada dilacerando a lataria. E a cada carinho do trem na jardineira o povo gritava em desespero. Meu pai não contou o resto, mas imagino que os passageiros tiveram que sair rápido dali, a um lugar adequado, para trocar as cuecas e calcinhas, e lavar por dentro a jardineira toda emporcalhada para então seguir viagem. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 22 de fevereiro de 2015

SUPLICIO DA FARPA DE BAMBU DEBAIXO DA UNHA

Tortura é, segundo alguns escritos sumérios, a imposição de dor física ou psicológica, deliberadamente dolorosa, por prazer ou crueldade, intimidação, punição, a fim de obter uma confissão qualquer do sacrificado. Foi isso que fizeram comigo. Malditos! O prefeito do lugarejo – não menciono o nome porque o processo corre em segredo de justiça - queria, por todo o custo, acabar com minha vida só porque não concordei com os roubos, as safadezas e os desmandos na destruição da aldeola. Mandou me apedrejar e acabou acertando a testa de meu pai; Arquitetou minha morte na fogueira; O filho de uma puta imaginando que estivesse na casa de minha mana, mandou botar fogo na casa dela; De todos eu escapuli, só não consegui me escafeder da maldita farpa de bambu debaixo da unha. A tarde agonizava cuspindo chuva à cântaro; Eu desprevenido, encharcado, pisando em poças, seguia pensativo à casa de meu pai. De repente. - É ele! Escutei aterrorizado um bando maldito encapuzado acercando-se de mim. Tentei escapar. Foi inútil; Eram muitos. Imobilizaram-me e aos gritos, que me ensurdeciam, urravam: - Agora você vai se foder! O nosso santo prefeito não merece suas críticas! Vamos nos vingar! Debati-me tentando libertar minha mão esquerda que estava presa, nos braços daqueles facínoras. Pude ver uma farpa enorme de bambu que estava posicionada entre a carne e a unha do meu dedo indicador da mão esquerda. Rindo feito uma doida a farpa gritava: - Vou escavar o seu dedo! Vou escavar o seu dedo! Vi milhões de estrelas quando a farpa entrou, num só golpe, por debaixo da unha, passando pela falange distal até estacionar no osso trapézio do pulso. Quando os mandados do maldito prefeito iam espetar outra farpa, providencialmente minha irmã chegou botando os bandidos encapuçados para correr. Quando vi meu dedo, completamente imobilizado pela taquara, sangrando feito bica d’água, virei os olhos e puff no chão. No hospital, das três enfermeiras duas desmaiaram, e a que sobrou perguntou: - como é que você fez isso? - eu não fiz, fizeram isso comigo. Gemendo de dor respondi para ela. Ela tentou puxar a farpa sem anestésico, mas pelos meus urros ela optou pela anestesia. Puta que os pariu, antes tivesse tentado sem a anestesia! Eu acho que a enfermeira é comunada com o prefeito; Ela pegou uma agulha, quase mais grossa que um lápis, e estocou várias vezes, atravessando de um lado ao outro, o meu dedo enfarpado. Peidei fino de dor, e o volume de meu saco desapareceu completamente. Apalpei uma vez, apalpei varias vezes por entre as pernas e agoniado não encontrei as bolas no meu saco. Apavorado me perguntei: - Será que os filhos de uma puta me castraram? A dor era imensa, mas não conseguia gritar por estar engasgado. A enfermeira apavorada percebeu que eu estava morrendo sufocado, correu chamar a médica. A médica vendo os dois papos estranhos no pescoço diagnosticou como minhas bolas alojadas na garganta. Deu-me um copo de água e esfregou no meu saco um pó especial de perereca. Os grãos deslizaram felizes garganta abaixo até se instalarem novamente na parte de baixo. Fico feliz porque meu saco hoje carrega as duas bolas, e meu dedo já está em movimento sem muita dor. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

O BILHETE

Jairo introjetava um comportamento anarquista, aparentemente inócuo embora fosse proletário com desejos e sonhos de um burguês capitalista. Nunca confidenciou isto a ninguém. Era um hedonista introspectado e não tinha boca pra nada. Seu trabalho há muito tempo numa repartição pública já tinha seu traçado definido e certo, com cargos e salários programados. Ganhava bem, mas odiava sua chefa. Aquela figura mesquinha, esquelética de raros fios de cabelo, caolha atrás de um fundo de garrafa sustentada por uma armação ensebada, limitada em conhecimentos, veio única e exclusivamente a este mundo para perturbar e atazanar a vida do Jairo. Muito a contra gosto, como proletário Jairo era metódico, organizado e conhecedor profundo de seu trabalho; aos poucos ia conquistando posições e certamente em pouco tempo desbancaria a figura medonha e cruel do seu chefe. Em algumas datas, estrategicamente mandava flores, mas a bem da verdade gostaria de estar mandando uma bomba. Para ele sua existência era um desastre em casa e no trabalho. Permanecia sempre calado, obediente e triste. Duas mulheres, sem medidas impiedosamente esmagando-o. A maneira burguesa de viver de sua mulher obrigava-o a ser um proletário a contra gosto. Embora vulgar, feia, sempre exigindo futilidades, era ela que nas noites de invernia medonha aquecia seu corpo para um sono de sonhos bonitos. Por outro lado sua chefa determinava e cobrava sua condição de proletário. Ele era a obediência e a passividade em pessoa, mas se corroendo em ódio por dentro. - Você deve fazer isto; apresentar-me aquilo; se não fizer vou prejudicar você nas promoções; vou abrir um processo administrativo. Lá ia, dia após dia aquela morfética mulher infernizando a vida do Jairo. No fundo´no fundo, a sua maneira, ela amava aquele mocetão. Ela era o avesso dele. Mas o Jairo, pacientemente, calado, carregava mal equilibrada a sua pesada cruz, sendo açoitado, escarrado, sangrado, ouvindo a maldita maitaca grunhir. Ele dependia dela para ganhar suas promoções, e ganhar mais e mais para sustentar sua maldita vida de burguês. - Ah! Se um dia eu ganhar na loteria! Pensava o Jairo hedonista na ânsia de querer quebrar os grilhões que o prendia àquela vida proletária. Mandarei este urubu nojento para aquele lugar, continuava o Jairo perdido em seus pensamentos. Arrancarei suas calças e darei umas tapas em sua bunda pelada e cuspirei naquele lugar. No final do expediente defecarei em sua mesa e urinarei em cada uma de suas gavetas. Escreverei impropérios e me masturbarei na frente dela. Pensava feito um louco o Jairo anarquista com um sorriso maroto no canto da boca olhando de esguelha aquele monte de ossos que ordenava, ordenava, sem parar, coisas e mais coisas para ele. ‘ - Hi, hi, hi, surprendeu-se de repente rindo alto, coisa que nunca tinha feito antes. Disfarçou, olhando de um lado para outro preocupado. - Esta maldita mulher está me deixando louco, continuou ele perdido em seus pensamentos macabros. Separo-me da mulher, continuou ele. Dou a casa para ela e desapareço no mundo. - Se eu ganhar farei exatamente isto! Pensou. Conferia religiosamente todas as quartas e sábados as suas apostas. Era uma quarta feira cinzenta e chuvosa. O vento sulino açoitava impiedosamente o rosto descoberto. Jairo conferia, pelo rádio, os números como sempre fazia, e de repente, quase teve um ataque cardíaco. O rádio chiava informando os números. O primeiro número, o segundo, terceiro, quarto, quinto e sufocado, tremendo, quase morrendo em desmaio, o sexto número. Ganhei! Ganhei! Gritou alto para dentro para ninguém escutar. Chegou a casa, ligou o rádio e ouviu: - Apenas um ganhador de... E afoito, desesperado, com o coração acelerado não esperou o locutor falar de onde, já sabia; era dali, era dele é claro. Naquela noite, por uma insignificância qualquer aos berros bateu na mulher e chamou o advogado para redigir a separação. Não quis nada, deu tudo para ela. Foi a primeira noite que não dormia abraçado a ela para ter seus lindos sonhos. Seus sonhos já eram realidade. De bar em bar esperou ansioso o dia amanhecer. Todo mundo estranhou, pois foi a primeira vez, em tantos anos, que chegava atrasado à repartição todo desalinhado. Os olhos esbugalhados denotavam o sono não dormido. Sentou-se a sua mesa como se nada tivesse acontecido para furor da sua chefa que veio pronta para lhe dar o esculacho. Quando ela iniciou a vociferação ele agora já alforriado alucinadamente despejou e cumpriu tudo o que tinha imaginado. Xingou-a de puta, vaca esquelética. Grudou-a facilmente, e a vista do público atônito presente, arrancou-lhe as calcinhas cuspindo na bunda dela. Subiu em cima da mesa, arriando as calças, emporcalhou de merda papeis e outros apetrechos que sua chefa tinha. E por fim, ali em cima da mesa, de pé a sua frente, com as calças arriadas até aos joelhos parecendo um libertino se masturbou doidamente. Antes que a policia chegasse, abriu corredor entre a multidão estupefata e saiu a passos lentos e seguro para a rua. Foi até a caixa econômica para sacar um dinheiro, colocar o restante na poupança e sair pelo mundo. - Puta que o pariu! Isto não é possível! Gritava feito um doido conferindo o resultado. Quase morreu. Tinha chegado um pouco antes da polícia que estava em seu encalço. Foi preso em camisa de força e levado para o manicômio. Acertou ele e mais um montão de sonhadores apenas os cinco primeiros números dos seis da mega sena que deveria acertar. O jornal do dia seguinte estampava seu rosto com uma manchete bombástica dizendo: - Funcionário louco defeca e se masturba na frente da chefa. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 8 de fevereiro de 2015

A MALA NA RUA Por: Mario dos Santos Lima Ctba. 7 de fevereiro de 2015. Naquele momento, se pudesse escolher entre ter ou não ter uma determinada irmã, eu optaria por não tê-la. Suei raiva por todos os poros, feri ouvidos puros proferindo impropérios, e sôfrego também suei azedume salgado esperando o fim da via cruzes. Nem Jesus trocaria seu lenho pesado por aquela pesada mala cruel. Minha irmã – não vou dizer o nome dela para não comprometer sua integridade física e moral – constantemente vem em casa passar uns dias, e sou quase sempre eu que a ajudo com o transporte da mala, tanto para busca-la e algum ponto ou leva-la de volta. Normalmente a mala é leve, com poucas coisas dentro, e são, normalmente, distâncias curtas que no bom bate papo acaba nem se percebendo o tempo correr. Mas a mala, que ela tem, é uma maldita, com rodinhas quase microscópicas, que acaba constantemente tendo dificuldade até de rodar em piso completamente liso. Imagine então em piso irregular! O transporte, de um lado ao outro, necessariamente é praticado com a dita cuja, a meia altura, longe do piso. Certa feita, depois de alguns dias aqui comigo, tragicamente o sistema, que ela iria utilizar, para transportar seu esqueleto e a famigerada mala, daqui de casa para a cidade dela, ficava um tanto distante, ou melhor, bem distante mesmo. Confesso que fiquei arrepiado. Chegou o momento da partida. - Maninha, não se preocupe eu te ajudo; eu vou com você! Disse solícito a ela. Maldição! Eu deveria ser um vidente em algumas situações, e assim teria simulado alguma dor que me impossibilitasse de me mover. Não, não sou, e não fiz isso! Acabei me estropiando. Na véspera da viagem ela comprou uma panela de ferro, um saco de cinco quilos de arenito, colocou as roupas molhadas num saco plástico, e mais um processador de alimentos, acomodando tudo, não sei como, dentro da mala. Tivermos que eu, ela e alguns vizinhos subir em cima da famigerada mala para poder fechá-la com o zíper. A mala simplesmente ficou estufada, pesando, nada mais nada menos, uns cento e cinquenta quilos. De onde moro ao terminal de ônibus não tem cem metros, e no sofrimento carregamos a mala nos braços. Chegamos, eu e ela, tropicando na língua ouvindo a mala gritando: - Estou estufada, não aguento mais! Vou vomitar! Quero peidar! A mala não tem boca, mas mandei que ela se calasse. O motorista do coletivo, em princípio, não queria deixar aquela coisa estranha entrar alegando excesso de peso. Por fim adentramos com a ajuda dos passageiros. O buzão, inclinado, patinando, acelerado, sofreu por algum tempo e nos deixou num ponto que seria o mais próximo onde minha mana ficaria. Eu calculo que foi cravado uns dois quilômetros. Carregar nos braços a mala, nem pensar, e lá fomos nós tentando usar as malditas rodinhas. Já anoitecia e a chuva se aprontava para cuspir enxurradas. E lá fomos nós puxando a estufada e pesada mala por calçadas arregaçadas, e ruas disformes. Os gritos da mala ralando no chão, e o barulho que ela fazia no piso acabaram despertando a atenção de todos. Gatos miavam amedrontados, cachorros vadios uivavam encolerizados, mulheres nas janelas gritavam desaforos, putas medrosas fugiam para seus abrigos e a polícia acompanhava medrosamente de longe imaginando que fosse uma mala terrorista. Puteado, cansado, exausto olhei para traz e vi que ia ficando um sulco no pobre asfalto; e que os ladrilhos, paralelepípedos pulavam soltos na calçada. Diz a lenda que nenhuma desgraça vem desacompanhada. E assim, para ajudar, a chuva chegou babando violentamente, e minha mana, ao invés de me emprestar a capa, simplesmente cobriu com ela a desgraçada mala. Por fim, depois de quase quatro horas arrastando aquela coisa pesada, chegamos ao destino. A mala estava aos pedaços. Deserdei minha irmã brigando com ela gritando: - Vá à merda você e esta famigerada mala! Não me apareça mais lá em casa! Fui caminhando a passos largos, tomando a chuveirada do tempo, e isto foi o suficiente para me acalmar. No dia seguinte, driblando a morte, com pneumonia galopante, antes de me internar no hospital, comprei uma mala nova, e um carrinho com rodas bem grandes, grandes mesmo, enviando por SEDEX com um bilhete que dizia: - Maninha aí vai a mala e o carrinho para você voltar aqui em casa! POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 7 de fevereiro de 2015

CARIDADE

Das muitas histórias que meu pai me contou, escolhi esta para escrever. Caridade sempre foi entendida como o amor ao próximo, benevolência, ajuda humanitária. Muitas vezes a caridade não é acompanhada de uma prática altruísta. Meu pai sempre foi um abnegado e comprometido com trabalhos junto aos Vicentinos, e por isso tenho dele o exemplo a seguir do amor, afeto com que tratava seus semelhantes carentes. Ele não tinha muitos recursos financeiros, mas usava de sua habilidade especial para se acercar e pedir ajuda daqueles que dispunham de melhor posse, ou daqueles que de uma forma ou outra conciliavam alguns momento para prestar ajuda humanitária. Uma vez, isto lá pelos idos dos anos cinquenta, seus amigos vicentinos chegaram até meu pai e disseram: - Seu Chico, tem uma família em condições de miséria; a mulher se encontra enferma, e sem condições de se locomover. Meu pai, tranquilamente perguntou: - O que deveremos fazer? - Pegar o dinheiro do caixa da Sociedade, e pagar um médico para ir urgente até lá! Meu pai olhou para eles e de imediato disse. - Não, não vamos precisar do dinheiro dos Vicentinos, vamos até ao hospital e conversar com o médico para atender esta família. E então os dois amigos do meu pai disseram: - Eles não irão! - Como não irão? Perguntou meu pai. - São médicos recém-formados, e estão há pouco tempo aqui no hospital, e precisam ganhar o seu dinheiro. - Vamos lá pedir uma caridade para um deles, completou meu pai. A confiança no sucesso da empreitada era tanta que deixou os dois amigos de meu pai completamente entusiasmados. Chegaram ao hospital. Meu pai entrou na frente seguido dos outros dois apoiadores. - Preciso falar com o médico de plantão! Solicitou meu pai a secretária. Não demorou muito e ao invés de um vieram dois médicos. - Sim! Interpelou um deles. Meu pai então de pronto contou a história da família carente acrescentando: - O Doutor poderia prestar uma caridade a esta família em nome de São Vicente de Paula? O médico, um tanto desconcertado com a súplica olha para seu colega de profissão e diz. - Nós vamos sim fazer esta caridade. - Meu pai e seus dois amigos ficaram tocados pelo fato de ao invés de um, seriam dois os que iriam atender a família. Meu pai todo satisfeito então diz: - vou então chamar o charreteiro para nos levar. - Não, não é preciso, vamos com o nosso carro. E se fez com sucesso o atendimento àquela família. Os amigos vicentinos após o atendimento dos médicos perguntaram ao meu pai: - Como é que você consegue com tanta facilidade o préstimo das pessoas? Meu pai então disse: Quando você invoca com fé uma caridade em nome de São Vicente de Paula, não é você que eles veem, e sim o Santo transfigurado implorando ajuda, desta forma tudo fica mais fácil. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 25 de janeiro de 2015

O FUGITIVO

Outro dia, num gostoso bate papo com meu querido pai, tomando um chimarrão debaixo da jabuticabeira que fica em frente à porta da cozinha da casa dele, notei que ele fez uma expressão de quem queria lembrar alguma coisa, e por fim me disse: - Tenho um caso muito interessante para você escrever! Só não sei o nome do homem, mas quem ajudou esse homem foi o tio Antônio, disse ele para mim. E assim me contou, e eu peço licença para escrever com minhas palavras até porque não gravei este bom papear que tive com ele. O tropeirismo era uma atividade econômica de grande importância para a região sul. Tinha uma rota que partia do Rio Grande do Sul e que ia terminar em Sorocaba. Por volta de 1850, - meu Deus, bastante tempo, não é mesmo? - Antônio, tropeiro dos bons, conduzia as tropas da Lapa até Sorocaba. Antônio era tio do meu avô Moisés. Certa feita, numa dessas tarefas, ao chegar à boca da noite em Sorocaba, quando estava acomodando os animais no pasto dá de chofre com um cara, que repentinamente o cercou. Antônio ficou amedrontado, mas fingiu coragem e enfrentou. - O que você quer rapaz? Falou num tom alto e ríspido. O rapaz aparentava 18 anos, estava assustado e aflito. - Você pode me ajudar a fugir daqui? - Como e por quê? Perguntou embaraçado Antônio. Estou sendo procurado pela polícia, pois em legítima defesa matei um cara. - Você viu o cara morrendo? - Não, mas acertei uma punhalada bem no meio do peito enquanto ele por cima tentava dar um tiro em mim. Antônio sentiu dó de ver implorando quase chorando aquele rapaz. Percebeu nele uma pessoa de caráter. - Você sabe cavalgar? - Não! - Então você vai se lascar! Antônio sarcasticamente disse e continuou. Apanhe bastante congonha-de-bugre, macete bem e coloque na sua bunda para aguentar a viagem. E concluiu: - Amanhã, depois de receber meu dinheiro vamos trotear de volta. No início da viagem a alegria do fugitivo era aparente, mas depois de algumas horas sua expressão de dor e incômodo ficou visível. Antônio estava fazendo uma caridade, mas tremendamente desconfiado; enquanto cavalgava desfiava mil considerações na cachola. - Não sei por que estou ajudando este filho de uma puta! De repente ele me mata e rouba todo o dinheiro que tenho na algibeira. Foi pensando, se martirizando e por fim concluiu. - Que Deus me proteja e que isto seja realmente uma boa causa. A viagem de volta demorou quase uma semana. O fugitivo às vezes caminhava atrás do cavalo, outras de barriga no selim sem deixar de catar pelo caminho congonha-de-bugre para amaciar e amortecer a bunda. À noite, sonâmbulo, sentava na cama e falava desesperado: “Não, não me prendam! Eu não tive culpa! Ele estava bêbado! Ele quis agarrar minha namorada! Eu fui defendê-la e o miserável sacou a arma! Não, por favor, não me prendam! Por fim chegaram a Lapa. Antônio acolheu o fugitivo dando a ele um canto para morar e um emprego nos ervais. O tempo foi passando e o rapaz casou teve filhos, mas sempre buscava saber dos tropeiros que vinham de Sorocaba se tinham alguma notícia de tal crime que aconteceu assim e assado. Se eles viram, por acaso, pregado nos postes, nas árvores pelo caminho o cartaz de procura-se. Mas ninguém trazia qualquer notícia a respeito. Vivia feliz com sua família, mas manteve em segredo carregando sua tristeza infinita. Às vezes sentia vontade de ir até Sorocaba para se redimir do crime, resolver por vez este tormento. Muito tempo se passou. Um dia, quando já na velhice, acamado quase agonizante recebe a visita de um desconhecido que ao vê-lo, muito feliz lhe diz: - Meu caro, há muito tempo te procuro! O fugitivo, com voz frágil, um pouco assustado pergunta: - Mas quem é você? O desconhecido com voz embargada diz: - Eu sou aquele safado, bêbado que você esfaqueou. E completou: - Quero pedir perdão a você. O fugitivo, com algumas lágrimas e num sorriso de felicidade, livre então desse tormento que o afligiu a vida toda, dando seu último suspiro lentamente inclina a cabeça do lado. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 17 de janeiro de 2015

LINDA HISTÓRIA DE AMOR

O amor por si só é um estado de alma em que dois seres se entrelaçam em sentimentos mil, em longos pensamentos, se abrigam felizes no aconchego das palavras para, numa magia do espaço e do tempo, finalmente se encontrarem e viverem felizes por momentos. O passado é o instante que já não existe mais, mas se foi bem vivido, retornar a ele faz um bem danado. Meu pai estava todo recordação, e desta forma aproveitei a oportunidade para perguntar: - Meu querido pai, gostaria de saber como foi, e onde foi o início de seu namoro com nossa mãe. Embora esteja fazendo algum tempo que minha mãe já não mais pertença a este mundo, meu pai precisou de uma boa respiração, um longo fechar de olhos para então narrar o que solicitei. Rabisco aqui com minhas palavras o que escutei dele. - Sua mãe morava na Água Azul (1) onde o sogro tinha uma serraria. Eu morava no Lageadinho (2), completou ele. Deu uma paradinha, pigarreou um pouco, e com um leve, mas não disfarçado sorriso no canto da boca continuou. - Meu sogro gostava de organizar uns bailes, ou na casa dele ou então na escolinha. Meu pai, com um ar maroto diz. - Eu sempre ia lá, e algumas vezes até dancei com a Marina. Bailes bons aqueles! Relembrou saudoso. Marina era o apelido carinhoso de minha mãe. Agora um pouco mais sério, e com um franzir de sobrolho continuou: - Eu estava ainda incorporado no 1º Batalhão de Sapadores fazendo o curso para cabo em Itaiópolis. Tinha desmanchado o meu noivado com a Gertrudes e estava livre e desimpedido. Parou um pouco para organizar o assunto. - Com mais frequência, nas minhas folgas, comecei a ir aos bailes do pai dela. Com uma satisfação enorme prosseguiu a narrativa: - Um dia, ao entrar no baile, a Marina estava de porteira. Apertou minha mão demoradamente perguntando-me se ainda era noivo. - Não, não sou mais. Uma pequena pausa, e deu seguimento a prosa. - Ela apertou mais forte ainda minha mão, e eu senti uma sensação muito boa, inexplicável que percorreu todo meu ser. - E daí, o que aconteceu? Perguntei curioso para ele. - No final do baile, ela segredou para mim que iria dia 20 de janeiro na festa de São Sebastião na Vargem Grande (3). - Mas como foi este encontro com minha mãe se você estava incorporado ainda? Perguntei para ele. - Consegui uma licença, e vim até a Vargem Grande no dia da festa. - Ela já estava lá? Perguntei. - Não, não estava; Chegou depois. Franziu a testa, organizou seus pensamentos e prosseguiu: - O dia estava bonito! Muita gente nas suas fatiotas domingueiras, buliçosas, passeando, de um lado a outro, festejando sem parar. O foguetório era intenso, e eu alheio a tudo aquilo tão somente com o pensamento na Marina. Busquei-a ansioso por todos os cantos, e já estava ficando aflito, um tanto contristado, pensando que ela não viria mais. - Mas e daí? Interrompi. Ele sorriu para mim, e com olhos brilhando intensamente concluiu: - Sua beleza era inconfundível. Mais adiante, no meio da multidão eu a vejo ansiosamente buscando por alguém. Ela me vê, fica imóvel por instante, sorri feliz e vem correndo ao meu encontro. Meu pai parou um pouco a narrativa para tomar um fôlego e organizar seus pensamentos. - E como foi a conversa? Perguntei aflito. - Eu, um pouco nervoso indaguei para ela se aceitaria namorar comigo. Vi seus olhos lindos azuis brilharem, e num rompante respondeu-me que sim. - E aí então começou oficialmente o seu namoro com nossa mãe? Perguntei. - Sim, respondeu-me ele todo faceiro. Parou um pouco e continuou. - Foi o início de nosso namoro, e de nossos setenta anos de amorosa convivência. E um pouco triste, com um olhar perdido no espaço, completou: - Eu tenho muita saudade dela meu filho! O tempo passou muito depressa para nós! Parece que foi ontem! Vi algumas lágrimas em seu rosto, e num abraço demorado eu segredei em seu ouvido: - Eu também meu pai, eu também tenho muita saudade de minha mãezinha, a linda menina dos olhos azuis. Nota (1) (2) e (3) Patrimônios pertencentes a São Mateus do Sul POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 11 de janeiro de 2015

A CARTA

Desde pequeno aprendi com meu pai que correspondências dos outros não devem ser violadas. Aprendi também que não devemos transferir aos outros a responsabilidade que cabe a nós resolver, e que só devemos fazer a tarefa do outro quando se tratar de caridade. Jesus teve que carregar a cruz, e não transferiu a tarefa a Cireneu; Foi Cireneu que praticou um ato de caridade ajudando a Jesus carregar o pesado lenho. Meu pai sempre foi, e ainda continua sendo, nos seus quase cem anos de idade, aquele homem cheio de regras e fiel nos procedimentos. Aprendi muito com ele. Um dia, num bate papo gostoso com meu velho, relembrando coisas antigas, perguntei: - Meu pai, conte pra mim sobre aquela carta. Ele olhou demoradamente para mim, franziu a testa, e como que para memorizar a cena, fechou os olhos por alguns segundos. Percebi um sorriso malandro em seus lábios. Ajeitou-se no sofá, e com um ar mais sério do que de costume descreveu o acontecido. Conto com minhas palavras, mas juro que foi bem assim que ele me narrou. Meu pai vivia dias negros de solidão, e desespero completo após o rompimento do noivado com a Gertrudes. Foi uma mulher de poucos princípios, não merecendo o amor de meu pai. Todos, sem conhecer o fato como foi, consideravam o rompimento como um ato absurdo. aquele era o tempo do valor inestimável do fio do bigode. Naquela época valia muito o respeito por compromissos assumidos. Todos os Santos Lima estavam contra meu pai cobrando justificativas. Meu velho é de pouca conversa, e de muita ação. Nada contou sobre seu desapontamento com a moça. Ele preferiu assumir a culpa pelo rompimento a desvendar o verdadeiro motivo pelo qual se fez romper o noivado. Vivia apreensivo com a promessa de uma surra prometida pelos irmãos da noiva safada abandonada. Ela, por certo, não contou para ninguém que tinha deixado meu pai plantado, feito dois de pau, na casa do tio dela, enquanto foi folgadamente se divertir com as amigas num baile de carnaval. Maldita Gertrudes! Meu pai era um moço bem apessoado, elegante e desejado por muitas pretendentes. Faziam isto e aquilo para conquistá-lo. Ele ainda guardava a magoa da decepção de um noivado abominado. Não queria compromisso com ninguém. E o tempo foi passando. Um dia chegou uma misteriosa carta endereçada para meu avô, pai de meu pai. Parece que o conteúdo da tal carta animou a família. Eu acho que meu avô fez a desvenda da tal carta para toda a família antes de vir conversar com meu pai. Alguns dias depois, meu avô, todo enigmático, misterioso. chamou meu pai e disse: - As coisas agora vão melhorar, meu filho! Meu pai, estranhando o jeito mudado repentino do meu avô, simplesmente emite laconicamente um som exclamativo: - Ah! Mas despertou em meu pai a curiosidade e então ele pergunta. - Vão melhorar no que meu pai? Os irmãos, tios, e primos, que sabiam do conteúdo da tal carta, se acomodaram atrás das portas, debaixo da mesa, dentro dos armários; Todos, de ouvidos bem abertos, esperavam ansiosos por saber o desfecho daquele encontro. Todo cerimonioso, meu vô tira a carta do bolso do paletó, prende-a entre o dedo polegar e indicador da mão direita, ergue-a sorridente para que meu pai a visse, e chacoalhando-a diz. - Esta carta, meu filho, vai mudar tudo! Vai mudar sua vida! Meu pai, entre atônito e bestificado pergunta para meu avô. - Mas o que tem ela de tão importante para mudar a minha vida? - Pegue-a! Estendendo para o lado de meu pai, meu avô alcançou a carta. Meu pai pegou-a, e antes de abrir o envelope conferiu a quem estava endereçada. - Mas esta carta veio endereçada ao senhor! Disse meu pai devolvendo-a a meu avô. - Mas é para você! Tentou meu avô convencer meu pai. - Mas como é para mim se no envelope está escrito o seu nome? Meu pai não obteve resposta, e então pergunta um tanto irritado: - O que diz ela de tão importante? E meu avô, percebendo que meu pai não pegaria a carta, medrosamente, tentou fazer um esboço do conteúdo da dita cuja. E assim disse ele: - Meu filho, esta carta é do meu amigo e compadre. Ele tem uma filha, bem prendada, e está oferecendo-a em casamento a você. Meu avô olhou sem jeito para meu pai e perguntou: - E daí, o que você vai responder? Meu pai, que sempre teve o pavio curto, sem delongas respondeu energicamente, antes de virar as costas e ir embora. - A carta não foi endereçada ao senhor meu pai? Eu não conheço a moça, e por isso responda simplesmente ao pai dela dizendo que sinto muito. A decepção tomou conta dos escondidos, e ouviu-se pelos cantos da casa um sonoro e alongado: Ah! POR: MARIO DOS SANTOS LIMA