domingo, 11 de junho de 2017

ORIGEM DO TROVÃO

Eu, quando guri, sempre brigava com as malditas nuvens que vomitavam chuva. Dizem que de louco e físico cada um tem um pouco, mas disso tudo eu fui lesado. Definitivamente não sou físico, mas vou explicar de como eu entendia, quando criança, aquele barulhão filho de uma puta que acontecia lá nas alturas do céu. Muito das coisas aprendi com minha mãe. O trovão já era tema de muitos estudo pelos antigos filósofos e, segundo pesquisa, foi Aristóteles, pai que era de muitos filhos, ao ser inquirido a origem do trovão, imediatamente, para se livrar da molecada, deu uma explicação plausível sobre a barulheira toda que acontece lá pelos altos.. Ele disse para seus filhos, e depois dizia para seu alunos, que o trovão é o som provocado pela trombada das nuvens umas contra as outras. Era bem engraçado, mas eu imaginava as nuvens como carros, soltos, desgovernados, de um lado para outro, lá nas alturas. Quando era guri pequeno entendia que as nuvens eram dirigidas pelos anjos e almas boas que moravam nela, mas pelo jeito traquinas, e com pouca experiência no trânsito, provocando assim as focinhadas das nuvens. Lendo Aristóteles fico imaginando, nestes choques violentos das nuvens, os anjos e almas caindo lá do alto. Talvez seja por isso que anjos e almas nascem novamente ou vem povoar as casas mal assombradas. Tenho uma vaga lembrança de uma aula de física que assisti, na qual o professor dizia que, o trovão é um evento, que acontece pela velocidade incrível do raio, que vai passando, e rasgando tudo pelo caminho criando um vácuo super aquecido que acaba explodindo. Depois desta aula, eu olhava para o céu nublado e via o raio, sendo montado por um imbecil qualquer - uma dessas almas que não tem o que fazer. O raio xucro, querendo derrubar a alma inoportuna, galopava feito um lazarento, como se tivesse pimenta no fundilho, peidando feito um doido. Corcoveia daqui, corcoveia dali! Corcoveava e ao passar corcoveando em alta velocidade, provocava uma confusão entre as nuvens, as quais ao se chocarem, derrubavam muitas almas e muitos anjos, em forma de chuva na terra. Os urros nas nuvens, na realidade eram os gritos de desespero das almas que tentavam se segurar para não caírem. Uma vez alguém me disse que o trovão é um gigantesco empurrão de ondas sonoras. Eu olhava para as nuvens, e via as almas mais saradonas surfando estas ondas, e com isto provocando o som do trovão. De todas estas figuras, entre Aristóteles, professor de física e outros, a minha mãe foi a que mais me convenceu com sua sábia teoria. - Meus filhos, dizia ela explicando a origem do trovão, é São Pedro lavando o céu e afastando os móveis. Imediatamente eu imaginava a nossa casa sendo lavada. E continuava ela na sua didática explanação: - A chuva é a água que São Pedro lava o céu. Quando a nossa casa era lavada, eu via debaixo do assoalhado a água vazando pelas frestas em forma de chuva. Era a prática na teoria. Eu sempre imaginava todos os santos e anjos empurrando, de um lado para outro, os imensos móveis lá no céu. Pelas frestas do assoalhado do céu eu via a água que corria em profusão. Quando trovoava, incontinente pensava: - Lá vem a turma fazer faxina! Ao ameaçar um temporal, minha mãe imediatamente nos punha por debaixo da mesa, e corria, medrosa, queimar alguns ramos verdes. Ela dizia para nós, justificando a mesa como proteção: - Quando estão lavando o céu é muito perigoso para nós as coisas que acabam caindo lá de cima! De fato, as chuvas de pedra me davam medo. Para minha mãe era apenas o medo do temporal destelhar a casa, e cacos de telha cair por cima de nossas cabeças. Ainda hoje, quando avisto alguma nuvem que passa sorrateira, rápida, ziguezagueando pelo céu, com saudade vejo minha mãe toda feliz brincando nela. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

segunda-feira, 5 de junho de 2017

MOLEQUE PIRRACENTO

Chorando, então voltei, e fui enxugar as lágrimas na saia de minha mãe. Você já foi birrento, pirracento? Não tem na memória, ou está mentindo? Pergunte então para seus pais. Eu acho, apenas acho que não fui nada birrento, mas, por ironia da vida, infelizmente tem uma cena registrada em minha cachola, que diz o contrário. Por mais que queira apagar, ou negar, tem meu pai para dela me lembrar. Diz a lenda que o fedelho, a partir dos dois ou três anos até uns aos cinco, começa a se manifestar ruidosamente principalmente em público. Dizem os psicólogos e pedagogos que os pequenos projetos de gente começam a radicalizar suas vontades, a apavorar seus pais, ao descobrirem, por encanto, que é através dessas manhas, dessas birras que eles conseguem se fazer ouvir rapidinho. As birras muitas das vezes vêm para extravasar um descontentamento ou então um aviso: - “Ei, eu estou aqui e quero ser atendido!” Se os pais ou responsáveis pelo menor não o atender vai, com certeza, pagar o mico. Na minha época umas boas chineladas na bunda e puxões de orelhas resolvia rapidinho o beco sem saída, mas hoje isso é considerado violência, e o aplicador dos tapas pode apodrecer na prisão. Recebi injustamente muitas chineladas, isso muito bem me faz lembrar. A cidade em que a gente residia era de chão vermelho. Era tão vermelho que o pessoal usava a terra para tingir roupas e pintar as casas. Era um torrão grudento, incrivelmente pegajoso, tão aderente que a polícia usava para engessar os bandidos. Era o terror para as mães, principalmente quando chovia. Quando levava umas chineladas de minha mãe, lá ia eu me vingar dela me espojando, quase chafurdando, naquela imundície. Rapidinho ela tinha que me lavar para não virar moleque de pedra. Eu adorava fazer isto para ver minha mãe esbravejando. Era como uma pequena vingança para abrandar o ardume das chineladas. Um dia, numa viagem de vapor, de Porto Amazonas a São Mateus, aprontei alguns inconvenientes, e recebi como paga umas boas chineladas. Eu achava que era preterido pelos meus pais por causa de minha irmã mais nova. Coisa de moleque ciumento. Diga-se de passagem, uma viagem de vapor para uma criança, de três ou quatro anos, julgada excluída pelos seus pais, não poderá ser comparada com um passeio pela Disney. Quando o vapor estava atracando em São Mateus, ainda sentia minha bunda ardente pelas chineladas recebida. Arquitetei um monstruoso plano que iria colocar minha mãe e meu pai numa verdadeira sinuca. Talvez essa atitude fosse a maneira deles me notarem, foi isto que pensei. Seria uma pequena grande vingança. O vapor atracou. O tempo estava chuvoso. Saí prancha abaixo em direção ao lamaçal, ouvindo minha mãe desesperada gritar: - Mario, cuidado! Volte aqui menino! Sem dar ouvidos a ela, só não chafurdei para não sujar a roupa que adorava vestir, mas meti as mãos naquele barro com fé e coragem. Ao invés de bravos, ouvi meu pai e minha mãe gargalhando. De imediato, olhei para minhas mãos e não acreditei no que via. Fiquei decepcionado. Minhas mãos estavam limpas, limpíssimas, apenas cheias de areia, e nada mais. - Que bosta de terra é essa que não suja? Questionei-me perplexo e desconcertado. Chorando, então voltei, e fui enxugar as lágrimas na saia de minha mãe, que ainda ria passando amorosamente a mão na minha cabeça. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA