quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

DEPOIS DA PONTE

Nada além depois da ponte existe
Apenas a solidão infinda...
Meu caminhar é trôpego e triste;
Teu beijo me queima a boca ainda...

O vento açoita meu rosto e implora:
-“Volte prá ela, volte!”... e assim...
Me lembro, como se fosse ontem
Quando nua entre meus braços estavas

Pedi: - “Não deixe que eu vá embora!”...
Te implorei, entre mil beijos sem fim:
-“Me chame antes de eu chegar à ponte!”...

Vejo além da ponte a escuridão...
Caminho... mas... se ouvir: - “volte amor!”!!!
Feito louco voltarei então.

por: Mario dos Santos Lima

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

UM CORPO

Um corpo
Exposto
Decomposto
No chão...
Talvez de alguém
Que no vai e vem
Pensando além
Cruzou a estrada...

Um corpo
Exposto
Decomposto
Causa espanto
De tantos
Que vieram de todos os cantos...

Um corpo
Exposto
Decomposto
Causa horror,
Pavor,
Muita dor
De quem está olhando...

Um corpo
Exposto
Decomposto
De quem será?...
Todos falando,
Perguntado
Mas ninguém ajudando...

Um corpo
Exposto
Decomposto
Permanece no chão...
A ambulância vem vindo,
A polícia medindo,
Conferindo
E as pessoas indo e vindo...

Um corpo
Exposto
Decomposto
De joão ou josé
Já não permanece mais no chão...

Um corpo
Exposto
Decomposto
Que um dia foi alguém...


Para alguém desconhecido que no dia 12/06/01 as 22 horas perto da PUC S. José foi atropelado e morto na rodovia

por: Mario dos Santos Lima

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

UM MUNDO MELHOR

Da vergonha de ser honesto um dia Rui falou...
Que saudade dos tempos que os mais velhos, os tios,
Professores, policiais eram ouvidos; nos rios,
Córregos se nadava... mas tudo isto já passou.

Meu grupo escolar sem cerca hoje se cerca de muro.
O banco em frente de casa onde meus pais conversavam
Não existe mais... o nosso medo era apenas do escuro,
De fantasmas, de duendes que nos ameaçavam...

Uma tristeza infinita me deu pelo que perdemos...
Matar, violentar crianças, enganar, passar a perna
Virou banalidade. Regalias que não temos
V irou moda nos presídios. É ser otário, palerma

Se não levarmos vantagem. Ninguém respeita ninguém;
Traficantes comandando; Grades nas nossas janelas;
Crianças morrendo de fome; Valores que não se tem.
Ter é maior do que ser; Drogas, como sair delas?...

Quero de volta a vergonha, quero a solidariedade
Entre os povos, entre irmãos. Quero a alegria a esperança,
Teto decente pra todos. Trabalho, honestidade.
Minha paz quero de volta e também a segurança.

Quero sentar na calçada sem Ter medo de ladrão,
Conhecer os meus vizinhos e abraçar os meus irmãos.
Não quero clone de gente, lista de animais em extinção;
eu quero é cópias de músicas, poesias e orações.

Vamos voltar a ser gente? Ter o amor, fraternidade.
Ajudando uns aos outros? Lutar pelos ideais,
Pela ética e respeito? Não quero mais Ter saudade
Daqueles tempos antigos que não podem voltar mais.

Quero um mundo melhor hoje, vou construir minha parte.
Quero contrariar o Rui pois a honra e a moral
Será a bandeira de todos. Faça então sua parte à parte
E seremos uma força para um mundo mais legal...


por: Mario dos Santos Lima

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

OS POBRES DE PARIS

O jeito cortes e a amabilidade do povo francês são, de alguma forma, um ranço hereditário que obrigatoriamente é cumprido ainda hoje entre todos. Este legado vem lá da idade média onde o mais rústico camponês estava envolvido nestes valores como num cerimonial ligado à própria existência.
Resolvi conferir estas coisas.
Sobrou uma grana que o filho de uma puta leão não conseguiu afanar de mim, e dei um pulinho até Paris para visitar minha filha. Foram 12 lindos e maravilhosos dias por conta de conhecer e me embebedar com as maravilhas de lá.
Se você ainda não conhece Paris, na sua inocência, imagina de imediato que a droga e a mendicância não existem por lá. Ledo engano. Aos montes, carcomidos, feios e desfigurados pelo álcool que consomem, lá estão eles ocupando bancos de praças, entradas dos metrôs, esquinas movimentadas ou sem movimento, mas sempre rogando misericórdia por algumas moedas. A caridade os veste de pesados sobretudos que os aquece e os protege das intempéries rigorosas européias.
Estes mendigos já fazem parte do cenário bucólico da cidade.
Eles são pobres, mas não perderam a civilidade.
Perto de onde fiquei, bem ao sol nascer, indo a boulangerie comprar o baguette para o café matinal, encontrava sempre o mesmo mendigo e seu cão, sentado recostado na parede do prédio.
Olhar perdido, avermelhado e sonolento, rosto embrutecido pelos sulcos de suas rugas, chapéu escondendo seus brancos cabelos em desarranjo, uma das mãos afagando o cachorro e outra, rude e calejada estendida, semi aberta, pedindo sempre a cada transeunte uma moeda, ou qualquer coisa. Mas antes da súplica, numa voz rouca, de quase duas oitavas abaixo da tonalidade normal, como que num canto gregoriano dizia:
- Bonjour madame, bonjour monsier.
Ao receber a dádiva completava na mesma cantilena:
- merci pour la gentillesse.
Invariavelmente, todos os dias, eu despertava e era impelido a ir até a boulangerie, não pela necessidade da baguette, e sim para apreciar aquela figura rústica e seu cachorro. Para mim aquilo era uma pintura e seu rogar era música gregoriana. Embebia-me de prazer ao me permitir alguns minutos apreciando a cena. Cheguei a investir nele algumas moedas só para ouvi-lo.
Certa manhã, a chuva fina, ordinária, sem trégua, castigava impertinente o aventureiro que perambulava pelas ruas. Peguei um guarda-chuva e desci para o costumeiro passeio. Enquanto subia pela calçada molhada e escorregadia pensava um pouco triste, que com certeza não iria encontrar o mendigo. Ele estaria em qualquer lugar coberto livre da chuva menos ali. Mas fui, no meu caminhar ligeiro, quase desmotivado com destino a boulangerie.
A chuva continuava severa caindo.
Quando alcancei a esquina, lá mais adiante vi feliz que o mendigo estava no mesmo local sentado encostado na parede. Apurei melhor minha visão e notei que ele estava com um guarda chuva. Imaginei confortado que ele estivesse protegido da chuva.
Fui chegando e o que vi foi para mim uma grande lição de amabilidade, cortesia e afabilidade.
Ele, com seu roto chapéu preto, encharcando-se, com seu rosto molhado, impassível educadamente rogava por caridade e do seu lado, protegido da impertinente chuva, o cachorro todo encolhido, recostado a seu colo desfrutava sozinho do conforto do guarda chuva.

por: Mario dos Santos Lima

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

FALTAVA VOCÊ

A pintura que eu via estava quase perfeita...
daquele por de sol o azul quase lilás
Por entre os montes verdes como se na espreita
Sperando o astro rei com ternura e muita paz .

O riacho pequeno entre pedras correndo
Que na curva mostrava a canoa encalhada,
Em cima no barranco muito humilde se erguendo
Uma casa de sapé por palmeiras amparada...

A estrada que morria na porteira quebrada
Dava um ar tão bucólico na pintura que eu via.
Os bois já não comiam rumavam pra invernada...

Olhei por muito tempo este quadro na moldura...
Lindo, quase perfeito, pois lá não existia
A minha amada para completar a pintura.

por: Mario dos Santos LIma

domingo, 30 de outubro de 2011

A BARAFUNDA NA SEXTA FEIRA

Comi uma feijoada mineira antes de dormir e tive um violento pesadelo. Descrevo-o a seguir.
Toda cerimônia de colação de grau é linda e emociona qualquer um, mesmo que nela se cometam algumas gafes.
Em quase quarenta anos de magistério em curso superior e mais de cem homenagens recebidas jamais assisti a uma formatura tipo pastelão.
Conto o milagre, mas não conto o santo.
Era uma vez, em uma cidade distante... muito distante.
Poucos alunos, nove ao todo, resolveram eles mesmos, por medidas econômicas, enfrentar e organizar a cerimônia de formatura.
Um desastre.
Às vezes o barato sai caro.
Pagaram o preço e receberam a mercadoria.
A acadêmica organizadora do evento trabalharia na minha empresa pela sua coragem e determinação, mas por outro lado não trabalharia pela falta de planejamento, pela falta de humildade e por não aceitar ajuda e por proporcionar um verdadeiro circo de trapalhadas, tipo as das comédias com Laurel e Hardy, na colação de grau que ela tentou organizar.
Ela, pelo que me parece não procurou informações a respeito do grau de importância e do que representa a solenidade de colação de grau de um curso.
A conclusão do curso além de ser uma celebração do estudante pela sua grande conquista é um momento de magnitude da Instituição de Ensino, quando dirigentes, professores, funcionários, pais e acadêmicos externam seus sentimentos para provar que a missão de ensinar foi cumprida e o esforço valeu a pena.
É claro, para que esse evento saia de acordo como a turma o idealizou é mister que tenha um mínimo de planejamento e siga as normas de protocolo para a Solenidade de Colação de Grau.
Nada disto, me pareceu que foi cumprido.
Não sei por que, mas foi organizado em segredo de estado, visto que apenas, com uma hora de antecedência o coordenador do curso foi comunicado da data e hora do evento.
A presidente da comissão organizadora desconhece completamente a hierarquia da Instituição, já que ao se dirigir ao coordenador do curso, em tom de pilheria falou:
- Como você é apenas uma figura decorativa vai ficar lá no canto da mesa.
- Será que ela não procurou saber como seriam as autoridades na composição da mesa? Será que ela desconhece o cerimonial público das universidades brasileiras? Com certeza sim.
Eu acho que ela acabou metendo os pés pelas mãos, senão vejamos.
Pelas atrapalhadas apresentadas, por certo convidou o cerimonial de último momento. Linda voz, mas completamente por fora do que estava acontecendo. O Diretor Geral seguia um programa enquanto o mestre de cerimônia lia outro. Chamou a professora paraninfa para ler seu discurso e quando a professora já estava quase a postos mudou o roteiro para a entrega das lembranças aos homenageados. O povo riu imaginando que isto fizesse parte da cerimônia.
Uma triste comédia!
As bandeiras Nacional, do Estado e da Instituição foram banidas da cerimônia. Não se encontravam presentes.
E para coroar de êxito a grande trapalhada o mestre de cerimônia, orientado pela presidente da comissão, anunciou a contagem regressiva para o famoso jogar de capelos ao alto, antes da finalização da cerimônia. O Diretor Geral olhou para um lado, olhou para outro bestificado por não poder encerrar a seção. Com esta patuscada indigesta a cerimônia até o presente momento ainda não acabou e o MEC pode embargar a colação.
Que Deus os proteja!
E o vomitório fez-me acordar com ânsia.

Obs. – qualquer semelhança com fatos e pessoas é pura coincidência, mas se a carapuça serviu, por favor, sinta-se a vontade.

por: Mario dos Santos Lima

sábado, 29 de outubro de 2011

A SAGA DE UM LIDER

Um dia, curioso como sempre fui, quis saber tudo sobre liderança e conhecer alguma coisa a mais sobre as características de um líder. Li muitos autores, pesquisei e me preparei convenientemente para um curso de liderança do Instituto Tadashi que me inscrevi. Só não me preparei fisicamente para ele e aí me lasquei. O encontro aconteceu em Atibaia no ano de 1997. Foi um convite e presente de meus compadres Gustinho e Marilu.
O curso se apresentava como um programa de treinamento com fundamentos filosóficos de origem Oriental. O autodomínio era a arma principal e a resistência o teste que envolvia riscos fora do comum e exigia grande perícia para concluir com êxito o curso e receber o certificado de liderança.
O encontro pregava que o equilíbrio emocional sempre foi importante em nossa vida. Ele tinha por objetivo despertar o líder que cada um é e que muitas vezes não sabemos sê-lo tornando-nos mais conscientes dos medos e capacidades que temos. Aprender a lidar com situações estressantes do dia a dia e passar a se relacionar melhor consigo mesmo era também o foco deste encontro. Afinal, a proposta era boa e iria ajudar a identificar os limites e desbloqueá-los. Pelo conteúdo programático achei interessante.
Para isto você se internava na quinta à noite e era libertado no domingo ao cair da noite caso não desistisse antes do prazo final.
Aventurei-me neste episódio ao qual vou denominar de treinamento radical de liderança.
Cheguei curioso ao local e mal consegui depositar minha mala em cima da cama e já tive que em desembalada corrida ir me juntar aos outros pretensos líderes na sala de palestra.
O discurso inicial foi tenebroso. Foram as regras despejadas e a provação pela qual iríamos ter que passar. A turma toda foi dividida em grupos e as tarefas teriam que ser desenvolvidas todas em equipes e para a equipe. A comida e a cama eram apêndices desfrutadas pelas equipes que terminassem a contento cada atividade desempenhada. A cada erro individual o grupo todo perdia ponto e recebia uma canecada de água na cabeça como castigo. Este castigo era vexatoriamente executado a frente de todos os outros grupos.
Algumas das atividades eram individuais como, por exemplo, decorar algum trecho literário complexo e apresenta-lo em público. Defender um tema qualquer de improviso. Outras atividades em grupo como, por exemplo, montar um intrincado quebra cabeça. Tudo tinha tempo e era cronometrado. Missão quase impossível. Verdadeira loucura institucionalizada.
De quinta para sexta meu grupo não desfrutou da cama e nem da comida, pois terminou o compromisso às sete da manhã e imediatamente tivemos que assumir outro compromisso. Sexta feira sem almoço e a cada cochilada uma canecada de água na cabeça e pontos perdidos. De sexta para sábado a mala permanecia fechada em cima da cama. O palestrante proferia seus ensinamentos aos berros para não deixar a turma dormir.
Eu e quase todos os participantes agíamos como robôs ao final do sábado. Imaginei que iria abrir minha mala na noite do sábado, ledo engano, pois a maldita tarefa só pode ser completada às oito horas do domingo. O estresse era geral e com certeza se alguém se manifestasse com vontade em matar os orientadores seria seguido por todos e a carnificina seria total.
O domingo parecia lindo. O sol ardia lá fora e o sono e a fome rondavam a sala de palestras. Só a cabeça molhada despertava meu sono. As técnicas de liderança eram cautelosamente repassadas pelos palestrantes e memorizadas cuidadosamente por cada participante. O palestrante pregava que devemos ir além do horizonte, além das expectativas e que isto só é possível se formos até onde nossos olhos puderem ver. Meus olhos cansados e sonolentos já não conseguiam olhar além do meu nariz. Ele dizia que não há resultado sem dor psicológica e sem cansaço físico. E eu que pensei que ser líder seria bem mais fácil. Neste momento quase gritei – “Eu desisto, quero ser um vassalo!” Mas fiquei calado, pois a fome era tanta e o grupo já todo encharcado não poderia perder mais pontos. Tudo pelo almoço!
Tudo parecia caminhar para um final feliz. A tarefa estava sendo completada a contento e com isto eu e meu grupo poderíamos desfrutar da primeira refeição depois destes quase três dias de jejum. Completei a minha parte e aproveitei deslocar rapidamente o meu esqueleto, pela primeira vez, fora daquelas macabras paredes. Não devo ter consumido neste breve passeio mais que dois minutos os quais foram suficientes para eu caminhar sobre uma relva linda e macia e apreciar, como nunca dantes o esplendor de um dia de sol. Recolhi-me rápido ao som da maldita sineta, e fomos perfilar no salão. Cada grupo deveria fazer duas filas e aguardar o resultado das tarefas.
A ordem, a disciplina e o silêncio davam o tom ao austero ambiente.
De repente um cheiro avassalador começou a provocar a desordem. Eu pensei nos ensinamentos recebidos que dizia que um líder é aquele que tem visão, sabe olhar a esquerda e a direita – só não lembro se poderia olhar para cima ou para baixo - é aquele que descobre aquilo que outros não vêem. Definitivamente pensei: “Quero ser um líder!” Olhei então para baixo e atônito descobri a origem daquela fedentina toda. Os ensinamentos diziam que o líder deve anunciar a boa nova – esta não era uma boa nova com certeza – lembro-me também que dizia que o líder partilha sua missão com os outros definindo objetivos. Que contagia e sabe estar com o pé no chão. Eu estava com o pé no chão, mas naquele momento não poderia estar com o pé no chão, não poderia revelar meus objetivos e minha missão. Teria que resolver tudo sozinho.
Temerosamente olhei para todos os lados e fixei meu olhar para baixo.
Que cena repugnante!
Saindo pelas bordas do solado do sapato aparecia a merda, a mais fedida de que se tem notícia. Deveria ser de um maldito gato ou de um cachorro com enorme problema intestinal que esvaziou o intestino grosso na grama que pisei. Vagarosamente, num processo de equilíbrio e concentração com outro pé consegui me desvencilhar do sapato emporcalhado e sorrateiramente fi-lo deslizar até a parede.
Diz o ditado que em bosta quanto mais mexida mais fedida e foi o que aconteceu. O tumulto era generalizado e eu pensava no almoço que provavelmente seria suprimido pelos pontos perdidos.
Perfilado com um pé sem sapato e com outro calçado fazendo de conta que nada era comigo, vi apavorado naquela mesa lá na frente o meu sapato emporcalhando a toalha branca. Um dos orientadores deve ter visto o meu sapato encolhidinho perto da parede, pegou-o, sujado a mão e por isto encolerizado, aos berros perguntava:
- De quem é este sapato imundo?
Desmaiei e acordei só na segunda feira no hospital com uma agulha espetada no braço a qual permitia a passagem do soro. Ao meu lado carinhosamente meus compadres sorridentes diziam:
- Parabéns você conseguiu!

por: Mario dos Santos Lima

terça-feira, 25 de outubro de 2011

O PODER DO PAI NOSSO

Sempre me pautei pela lógica quando no mister de realizar qualquer atividade por mais simples que ela possa parecer.
Era uma tarde de domingo e eu estava indo para dar continuidade a uma missão quase impossível.
- Este filho de uma puta, ao sair da cadeia, precisa perdoar o português que atirou nele, pensava cá com meus botões enquanto me dirigia a penitenciária de Campinas. Meu trabalho junto aos presos em processo de pré socialização já durava nada menos que dois anos.
- Preciso persuadi-lo a não cometer este crime!
Meus pensamentos divagavam soltos enquanto a largos passos caminhava em direção ao presídio; Continuava absorto, remoendo minha cachola com o objetivo de descobrir uma estratégia de comunicação eficaz, utilizando recursos lógico-racionais para induzir aquele infeliz a não concretizar seu louco intento.
- Mas o que poderia realmente fazer eu, para demover deste imbecil a vontade insana de ver a sangria do português? Pensava quase alto enquanto caminhava.
José, nome fictício, cumpria uma pena de deis anos condenado por assaltos violentos, pequenos furtos, por tentativa de assassinato e agressões violentas. Apresentava-se, a primeira vista pelo seu comportamento nada recomendável, com distúrbio mental grave caracterizado por um desvio de caráter, ausência de sentimentos genuínos, frieza, insensibilidade aos sentimentos. Uma titica de galinha mesmo! Parecia, no seu conversar, com transtorno de personalidade anti-social. Nas suas propostas futuras eu o considerava como perverso.
Cheguei e logo fui entregando as coisas básicas que ele tinha solicitado na última visita. Agradeceu-me, guardou o recebido e iniciamos o nosso papo costumeiro dos domingos.
Enquanto me envolvia no conversar costumeiro veio-me, num estalo, uma forma de persuadi-lo.
- Você conhece a oração do pai nosso? Perguntei de chofre a ele.
- Sim, já ouvi falar, mas nunca rezei esta droga. Falou-me com desdém.
- Quer fazer a experiência? Medrosamente perguntei.
- Não acredito muito nisto não, mas para passar o tempo...
Fui então recitando, frase a frase do pai nosso, comentado cada passagem. E ele, com ar incrédulo e desconfiado repetia comigo. Quando chegamos à segunda parte em que eu rezei e pedi para que ele repetisse: Perdoai-me Deus da mesma maneira em que eu perdôo o português.
- Ah! Isto eu não repito não! De pronto, levantando-se do local falando colérico para mim completou:
- Aquele filho de uma puta vai morrer quando eu sair daqui. Eu já estava caído, quase morto e ele descarregou a arma em mim! Vou fazer o mesmo com ele!
- Pense bem! Supliquei. Você é um cara feio e mal encarado e por esta razão o português apavorado fez o que fez.
- Só rezo a primeira parte! Sentenciou resoluto.
No assalto que ele tinha feito à mercearia do dito português acabou levando a pior, pois o lusitano sacou da arma e acertou um tiro que o derrubou de chofre, não bastasse isto, descontroladamente descarregou a arma acertando todos os tiros no seu esqueleto já desmaiado no piso. Nenhum tiro foi o suficientemente necessário para matá-lo. Foi arrastado pela polícia e preso sem antes passar por muitos dias no hospital em recuperação. As perfurações provocadas pelas balas deixaram marcas horrivelmente registradas em seu corpo esquelético. Pelas costuras mal feitas imaginei que a arte foi executada por um medroso aluno, calouro do primeiro ano de medicina, ou então, por um ensacador de batatas realizando a operação de costurar a embalagem. Olhando aquelas cicatrizes falei a ele muitas vezes:
- Você é um cara privilegiado, disse tentando convence-lo.
- Como privilegiado? Perguntou-me curioso.
- O médico que fez isto em você era um estudante de medicina que tinha medo de cortes, de sangue e de realizar cirurgias e hoje ele é um grande cirurgião. Graças a quem? Graças a você.
Ele parou a um canto e permaneceu em silêncio. Voltou-se para mim e sentenciou:
- Só rezo a primeira parte do pai nosso e quando sair daqui vou mandar o português pros quintos dos infernos.
Jamais consegui que o desgraçado rezasse a segunda parte do pai nosso. O filho de uma puta era teimoso e persistente. Tinha como meta liquidar o português.
Minhas visitas continuaram por algum tempo sem que eu tivesse o sucesso de demover daquele trancafiado o desejo ardente da vingança. Por motivos particular e desmotivado acabei abandonando este trabalho social. Fiquei bastante triste e decepcionado com o meu insucesso. Minha estratégia de convencimento tinha sido inútil, pensei eu; e por certo o português brevemente irá para a fita.
Passaram-se alguns anos.
Numa tarde qualquer, andando despreocupadamente pela Avenida Francisco Glicério de Campinas ouço uma voz, quase gritando:
- Seu Mario!
Fiz rapidamente um giro no meu tronco e identifiquei no meio da multidão um cara que sorrindo se aproximou de mim
Bem mais próximo aquele indivíduo fez a pergunta.
- Você não está me reconhecendo?
Olhei demoradamente, verifiquei os guardados de minha memória. Será algum aluno? Tenho tantos! Briguei com meu arquivo, consultei meus neurônios no hipocampo e não pude identificar ninguém e respondi:
- Não, não sei quem você é.
Ele olha fixo para mim, sorri e diz:
- Vou te dar uma pista! Muito alegre concluiu. Eu sou aquele que se negava a rezar a segunda parte do pai nosso, lembra-se?
- Meu Deus! Pensei. Este cara está solto e deve ter feito o serviço no português. Criei coragem e perguntei:
- Matou o português?
- Não, seu Mario, eu rezo a segunda parte do pai nosso.
Não pude conter a emoção; abracei de imediato àquele cara e duas lágrimas indiscretas correram felizes pela minha face.

por: Mário dos Santos Lima

sábado, 15 de outubro de 2011

UTUPIA?

Me envolvo
e resolvo...
não me escondo,
respondo
problemas banais.
Mas me anima
a estima
que recebo da turma.
Crio
e recrio,
e a fórmula aparece...
é a glória...
a vitória...
e a turma nunca esquece.
É o alguém
que no vai-e-vem,
me chama pelo nome;
e a vida
na corrida,
que não pára de passar;
mas... me anima
a estima...
Me envolvo
e resolvo...
crio
e recrio,
pois curto
este culto
sempre oculto
de ser professor.

*Professor Mario dos Santos LIma

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

BINÓCULO NO DIA DA PROVA

O mundo de fantasia que se cria para uma criança e a imersão que ela faz nele é algo indescritível. Pelo que observamos neste mundo do faz de conta, que para ela é real desenrolam-se cenas das mais variadas. Algumas vezes alegres, quando ela ri, mas outras vezes tristes e assustadoras, quando então ela chora. No mundo imaginário dela ela trava diálogos acalorados, repreendendo com o dedo em riste o seu interlocutor ou então, numa fala mansa despeja alguns conselhos. Às vezes é com sua boneca ou com um bichinho de estimação, mas muitas das vezes é com alguém não materializado.
Este é o cenário de uma criança ainda nos primeiros anos de vida.
Mas, muitas vezes, tem por aí criatura grande, crescida, vacinada que acredita na existência da cegonha como ave que traz o nascituro, acredita em papai Noel, que o coelhinho bota ovos de chocolate, que pode existir políticos honestos, mas por certo esta santa ignorância pode ser característica daqueles menos dotados de informações ou noções adquiridas pelo estudo ou pela experiência, daqueles sem a prática da vida e possuídos da pobreza de alma. São os pobres imbecis que a vida não lhes deu oportunidade ou então roubou muito daquilo que pouco tinham. Para estes infelizes o que resta unicamente é elucubrar perdidamente acreditando nos seus devaneios.
A classe estava atenta porque fazia eu uma revisão geral para a prova do primeiro bimestre.
Entre muitos conceitos passados e entonação mais incisiva para aquele ponto que provavelmente iria fazer parte da prova um aviso jocoso foi repetido algumas vezes para a sala:
- Não deixem de trazer o binóculo no dia da prova.
Os alunos estranharam aquele aviso e perguntaram:
- Um binóculo?! Mas por que um binóculo?
Apenas reafirmei o aviso:
- Não deixem de trazer o binóculo.
Tentei criar um mundo fantasioso. Estava induzindo aqueles alunos a escorregar do real ao mundo irreal.
Num primeiro momento não consegui.
O dia da prova chegou.
Distribui as provas e colei um minúsculo papel na moldura do quadro negro. Virei para a sala e perguntei:
- Alguém de vocês trouxe o binóculo?
Esperei alguns segundos e completei apontando para o miúdo papel colado no quadro.
- O gabarito da prova está neste papel. Ninguém poderá levantar-se para olhá-lo, apenas poderá conferir olhando pelo binóculo.
Os alunos se entreolharam, num burburinho danado na ânsia indômita em descobrir se alguém dentre eles havia trazido o maldito binóculo.
Ninguém havia trazido o binóculo.
Dois meses depois a turma está reunida para a realização da segunda prova.
Da mesma forma que você não conta duas vezes a mesma piada para a mesma pessoa, eu não brinquei, a respeito do binóculo com estes alunos quando fiz a revisão para a segunda prova.
Distribui a prova e me posicionei num ponto panorâmico para policiar e coibir as famosas colas quando alguns alunos de binóculos a punho pendurados no pescoço reclamaram:
- O professor não vai colar o gabarito no quadro negro?
Achei aquilo absurdo, muito engraçado e pensei:
- Estas antas de galocha se foderam!
A crença se constrói ou pela esperança ou pela santa ignorância. E a crença para aqueles imbecis fez-se então pela ignorância, pelo mais fácil, pelo tirar vantagem, morrendo estupidamente na desesperança.
Aqueles que trouxeram os binóculos acreditaram no absurdo.

por: Mario dos Santos Lima

terça-feira, 13 de setembro de 2011

PALESTRA

UM BÊBADO É ABORDADO PELA POLÍCIA ÀS 3 DA MANHÃ.
O POLICIAL PERGUNTA:
- AONDE VAI A ESTA HORA?
O BÊBADO RESPONDE:
- VOU A UMA PALESTRA SOBRE O ABUSO DO ÁLCOOL E SEUS EFEITOS LETAIS PARA O ORGANISMO, O MAU EXEMPLO, AS CONSEQUÊNCIAS NEFASTAS PARA A FAMÍLIA, BEM COMO O PROBLEMA QUE CAUSA NA ECONOMIA FAMILIAR E A IRRESPONSABILIDADE ABSOLUTA.

O POLICIAL, INCRÉDULO, OLHA PARA ELE E PERGUNTA:

-SÉRIO? E QUEM VAI DAR ESSA PALESTRA A ESTA HORA DA MADRUGADA?

E O BÊBADO RESPONDE:

- E QUEM PODE SER?... A JARARACA DA MINHA MULHER... ASSIM QUE EU CHEGAR EM CASA.

sábado, 3 de setembro de 2011

O BIDÊ AO LADO DA CAMA


Eu nunca me dei conta das diferenças regionais que reinam por aí. Ouvia alguém falando alguma coisa diferente, simplesmente achava engraçado, mas não me perdia em tempo em me aprofundar na questão dialética. Era quando muito hilário, e pronto.
Aqui na região de Curitiba é comum quando queima o foco que iluminava o ambiente pedir outro foco para substituir o queimado. O foco pode ser de 110 volts ou então para economizar energia um de 220 volts.
Para aqueles que não entendem o regionalismo metropolitano de Curitiba, foco é a lâmpada, pura e virgem, que se sustenta pendurada iluminando ou espantando a escuridão de um ambiente.
Aprendi que regionalismo é o conjunto das particularidades lingüísticas de uma determinada região geográfica, decorrentes da cultura lá existente. Em algumas situações é quase que um dialeto. Se alguém pede um caixote seco deverá entender que ele está necessitando de um caixote livre e desimpedido
E foi morando em São Mateus que, convivendo e estudando, aprendi muita coisa e particularidades lingüísticas. Aprendi a fazer e a empinar pipa e bidê. O bidê era mais produzido, mais complexo. Era feito em varetas de painas que a gente buscava nos campos.
Durante o dia empinava o bidê e a noite usava o meu bidê como base para o castiçal com a vela.
Achava superinteressante, mas usava um bidê do lado da cama. E não era a pipa ou papagaio. O bidê do lado da cama sempre foi bem mais confortável, mais prático para se colocar as chinelas na parte de baixo e na gaveta guardar alguns papéis e documentos e na parte de cima para deixar, o despertador, o livro e o castiçal antes de dormir.
Meu bidê era fabricado em imbuia e graciosamente envernizado. Era uma peça trabalhada, linda e muito útil.
Fomos eu e mais dez de São Mateus para a pequena cidade de Tremembé. Outras paisagens, outras culturas e outros dialetos tivemos que enfrentar.
A dona da hospedaria que ficamos nos deixou bem à vontade e com o máximo conforto pondo-nos livres para solicitar qualquer eventual necessidade.
Um dia cheguei à hospedaria e lá estava a maior confusão. A polícia se achava presente para acalmar os ânimos e prender o transgressor. Todos gritavam, se acotovelavam e xingavam ao mesmo tempo.
Vi meu amigo em camisa de força
Cheguei com cuidado.
- O que aconteceu, perguntei aflito a dona da hospedagem.
- Imagine só, começou a falar bastante agitada a proprietária. Ele, e apontou para o meu amigo imobilizado e amordaçado, pediu para mim um bidê do lado da cama dele.
- Mas, minha senhora, tentei contornar a coisa, mas ela continuou enlouquecida.
- Eu disse que não iria instalar isto lá e então ele começou a gritar comigo dizendo que compraria um e colocaria do lado da cama dele e cobraria o preço da compra.
Mas,... tentei novamente falar, mas em vão
- Teu amigo é um perigoso e tarado animal.
- Mas por que chamou a polícia? Perguntei então.
- Ele estava por demais alterado, dizendo que eu era uma louca e incompetente proprietária de um bordel. Este filho de uma puta me ofendeu.
- Mas, minha senhora, por qual razão você não quer colocar o bidê do lado da cama dele? Evitaria todo este transtorno.
- Primeiro porque acho uma indecência e em segundo lugar não existe instalação hidráulica e nem sanitária no quarto.
Aí então entendi o engodo. No estado de São Paulo bidê é aquela peça sanitária, com o formato de uma bacia oblonga para lavagem das partes inferiores do tronco, as partes íntimas, e é claro, necessita de água para a ducha.
Coloquei a mão no ombro dela e expliquei.
- No Paraná nós colocamos o bidê do lado da cama e por isto ele pediu. O bidê lá é o mesmo criado mudo aqui.
A multidão se dispersou e a polícia desafogou o meu amigo e se recolheu.
A proprietária resfolegou iracunda e reclamando foi buscar o bidê para a cama do meu amigo dizendo:
- Nunca mais vou hospedar aqui caras com este linguajar estranho.

Por:Mario dos Santos LIma

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

MINHA MÃE E O SISTEMA KANBAN

O sistema Kanban, segundo vários autores consultados é um dispositivo sinalizador visual, um cartão que fornece instruções para que a produção inicie a fabricação dos itens marcado no cartão ou então para mostrar quanto de material está em estoque e quanto deste material vai ser preciso comprar. É um sistema largamente usado pelas indústrias e pelos supermercados. A palavra é de origem japonesa e significa, na língua deles etiqueta ou cartão; O sistema se utiliza de um quadro, estrategicamente localizado para colocar estes cartões que servirão de aviso ou de lembrete para as compras ou fabricação.
Por que é dado o privilegio da invenção do sistema Kanban aos japoneses? Somente pelo nome Kanban? Não só por isto. Então vamos ver.
Conta a história que na década de cinqüenta o Japão pós-guerra estava faminto por organizar e deixar com qualidade seu parque fabril. Dependia desta organização para se ter um custo reduzido aos seus produtos fabricados e se ter um controle refinado sobre o terrível desperdício principalmente no chão de fábrica.
A indústria automobilística americana pela pujança e mecanização despertava muita a atenção e muitas vezes servindo de exemplo. para o mundo.
Um grupo de empresários japoneses desesperados por organização nas suas empresas resolveu fazer uma espionagem industrial. Viajaram disfarçados de turistas para os Estados Unidos – óculos escuros, binóculo e máquina fotográfica dependurados no peito, chapeuzinho de pano com aba, ar de besta com suas camisetas e bermudas floridas e um caderninho de apontamentos. Eram os verdadeiros calçudos da época.
Chegaram e cada um foi para a porta de uma fábrica. Disfarçados de operários entraram e conferiram a organização. À noite, no hotel cansados, estropiados, pois tiveram que trabalhar para não despertar a atenção, chegaram a um acordo de que nada do que viram não estava sendo praticado no Japão. Desanimados começaram a fazer as malas para o retorno.
Como naquela época era muito comum quem visitasse os Estados Unidos desse uma chegadinha e fizesse umas compras na Sears, foram então, para cumprir este cerimonial no dia seguinte antes do embarque comprar algumas quinquilharias para suas esposas, filhas ou namoradas ou mesmo amantes. Quando estavam passando pelo caixa verificaram que a atendente retirava uma parte da etiqueta dos presentes e colocava num recipiente. Curiosos perguntaram qual o significado daquela ação. A atendente gentilmente explicou que a etiqueta seria recolhida por alguém que daria comando para repor na gôndola aquele material que eles estavam levando.
- Kanban, gritaram felizes em coro os japoneses. Beijaram a atendente, deixaram um monte de gorjeta e saíram felizes para o aeroporto. A atendente não entendeu nada, mas ficou feliz com a gorda gorjeta recebida. E dizem as más línguas que a partir desta data os japoneses inventaram o sistema kanban.
Mas... Continuemos a história.
Muito antes deles minha mãe, de origem polonesa já tinha inventado este maravilhoso sistema que ela chamava carinhosamente de grepel. Ela quis um dia registrar em marcas e patentes, mas os organismos internacionais recomendaram a ela que desistisse do intento porque achavam de pouca importância o assunto e também, segundo eles causaria um conflito internacional em vista da palavra em japonês já ser de domínio público.
Os malditos filhos de uma puta enganaram minha mãe.
Então vamos aos fatos em defesa do invento desta simpática polonesa.
Ainda quando pequeno, na década de quarenta tenho na memória bem registrado de que maneira minha mãe comunicava ao meu pai a necessidade da compra da casa, principalmente dos mantimentos.
Como ela não gostava muito de verbalizar o pedido, porque sempre esquecia alguma coisa criou um sistema muito legal que visualmente informava ao meu pai o que de imediato precisava comprar para a casa. De tantos vou apenas descrever um.
O café era comprado em grãos verdes que torrávamos em casa. Era acondicionado em uma lata mais ou menos na quantidade de 5 quilos. Minha mãe deixava no fundo uma quantidade de 1 quilo colocando o cartão (grepel) em cima e cobria com o restante dos quatro quilos. Usava, dia a dia até chegar ao cartão. Pegava o grepel e pendurava num prego perto da porta de saída. Meu pai olhava, anotava e trazia o café na quantidade solicitada. O grepel registrava o nome do item e a quantidade que deveria ser comprado. Minha mãe de posse do café comprado procedia religiosamente da mesma forma. O ciclo se repetia sem erro para o café como para todos os outros itens controlados.
Assim, esta polonesa graciosa, geria tanto o estoque de mantimentos como os itens de produtos de limpeza para que não sobrasse e nem tão pouco faltasse nada na despensa de casa.
Por esta razão a minha querida mãe é a verdadeira criadora do sistema controlado por cartões e que vá a merda os japoneses.

por: Mario dos Santos Lima

domingo, 21 de agosto de 2011

O BRANCO DA BANDEIRA


Dando uma espiadela de leve pela Wikipédia, para saber o significado dos símbolos de uma nação, pude então confirmar que eu realmente estou com os conhecimentos em dia. Então, eu sei, que tudo o que se considere ou se manifeste para o mundo como uma comunidade nacional é um símbolo. É importante conhecer e respeitar, pois os símbolos nacionais pretendem unir pessoas criando representações visuais, verbais ou icônicas do povo, dos valores, objetivos ou da história nacional.
Dentre muitos, a bandeira é um símbolo nacional oficial. Suas cores sempre representam alguma coisa, e seu formato e apresentação é procedimentado.
Há muito tempo, pelos idos de 1959.
Estava com meus 19 anos, e na época estava sendo treinado para a defesa nacional contra possíveis ataques de povos inimigos e alienígenas. Na oportunidade eu só imaginava, na minha santa inocência, que apenas os índios eram perigosos, e talvez fosse por isto que o exército convocasse os jovens alentados para o treinamento de luta contra eles. Outros possíveis inimigos eu não os conhecia, não tinha a menor idéia de quem eram eles. Hoje eu sei que muito mais que povos de outras nações; que os inofensivos índios; que os habitantes de outros planetas; existem os inimigos mais perigosos da pátria que são os grandes safados, sanguessugas, desonestos, vilões residentes aqui, representando a fragilidade do nosso país. São desleais, hipócritas, miseráveis que desrespeitam os símbolos e saqueiam a olhos vistos as riquezas da nação. Contra estes não existe treinamento. É uma luta inglória.
Recebia todos os tipos de adestramento – com armas, sem armas; na cidade ou no campo; sozinho ou em grupo. Mas, o inimigo sempre era invisível. O sargento nunca comentou conosco sobre os políticos perniciosos, sobre bêbados nos volantes; sobre a internet, sobre a televisão, traficantes e seqüestradores. O inócuo treinamento, que era teórico ou prático, servia para nada.
Um dia, em que o sol fazia feder assado os piolhos da cabeça, perfilados com as pernas semiabertas e as mãos grudadas acima da bunda, recebíamos a transmissão dos conhecimentos. O sargento, numa cantilena infernal, desfilava moral e ética para os ouvidos atentos da rapaziada fincada imóvel a sua frente.
O discurso daquele dia era sobre o valor e o respeito aos símbolos nacionais. Lamentável que nenhum bandido, político ou filho de uma puta estivesse ali para ouvir.
Falou sobre os símbolos oficiais e os não oficiais e perdeu-se em delonga sobre a bandeira nacional. Foi uma verdadeira prolação, principalmente, em estado imóvel em que se encontrávamos, fritados pelo astro rei.
O calor era infernal e as palavras vomitadas pelo instrutor batiam inúteis nos ouvidos derretidos pelo sol escaldante. Aquele prosar ao sol ardente fez um valoroso soldado despencar terra abaixo. Ninguém nem piscou petrificado pelo discurso intergaláctico daquele sargento. O pobre diabo permaneceu por longo período inerte esticado ao chão.
E lá na frente, impassível, o sargento perdia-se por veredas tantas na explicação do significado dos símbolos, adentrando nas cores da bandeira nacional.
Lembro-me que no alto de sua parolagem, discorria paulatinamente o significado de cada cor e sinais da bandeira.
- As estrela significam nossos estados, dizia ele, e continuava na sua oratória inútil para surdos ouvidos:
- O verde representa nossas florestas virgens e imensas.
Cinqüenta anos depois deste discurso, lamentavelmente não tão virgens e nem tão imensas.
Continuava o instrutor a frente daquele contingente que aos poucos ia se derretendo.
- O amarelo representa as nossas riquezas.
Eu imagino que naquele tempo os portugueses não tinham ainda levado todo o ouro da pátria amada e a dívida externa não estava tão alta, senão, com certeza, a cor seria vermelha.
- O azul do pavilhão reproduz este nosso lindo firmamento; é a imagem de nossas esperanças num porvir que há de vir sempre límpido e puro, de alma nobre, e pronto a servir, deste nosso povo abençoado.
Cá fico matutando que naquela época as condições sociais eram ótimas e o respeito e igualdade entre as pessoas tinham um significado diferente. Sei que a pureza de um povo está nos seus valores, e os valores estigmatizados de hoje estão emporcalhando a nossa gente.
O sargento foi desfiando o rosário de considerações e explicando o significado de cada coisa e de repente, ao ver todos aqueles postes imóveis, perfilados fincados a sua frente, resolve jogar uma pergunta para alguém. Não sei ao certo se o sargento não sabia a resposta ou foi uma estratégia para despertar da inércia o pelotão.
- Você, soldado 35, diga qual é o significado do branco na bandeira nacional.
Houve um silêncio sepulcral. Os passarinhos curiosos pararam de voar e até a brisa que vadia passava por ali, parou de soprar.
O recruta 35 de negro quase ficou alvo. Olhou atônito para o sargento, estufou o peito e seu olhar desviou-se para cima, e foi se perder na imensidão azul. Algumas nuvens, pequenas e sapecas passeavam despreocupadamente pelo céu rindo para o 35.
- 35, dê um passo à frente e responda! Ordenou o carrasco.
Ele obedeceu dando um passo a frente, mas sem tirar os olhos fixos da amplidão acima.
Eu acho que o 35, no despertar do sono, de sua indolência, deve ter racionalizado e concluído o seguinte, antes de responder:
- Se o azul representa o céu, se o verde nossas matas e o amarelo o ouro, então... Olhou para o sargento e com convicção respondeu:
- Representa a nuvens!
O mundo todo tremeu; os passarinhos desmaiados despencaram de seus galhos e a brisa escafedeu-se frente aos uivos esganiçados do sargento.
De castigo ficamos o resto do dia perfilados ao sol e o 35 passou três dias em cana por desrespeito ao símbolo nacional.

Por: Mario dos Santos Lima


quarta-feira, 17 de agosto de 2011

VIAGEM A ILHA DO MEL


A galera resolveu fazer um final de semana de relaxamento na Ilha do Mel, mas antes vamos conhecer um pouco este lugar.
A Ilha do Mel é uma ilha brasileira situada na embocadura da Baia de Paranaguá.
Segundo alguns historiadores a Ilha do mel teve alguns nomes e a origem de seu nome, segundo a lenda pode ter vindo de uma das quatro vertentes: 1ª) Até a segunda guerra mundial a ilha era chamada de Almirante Mehl. Era o nome do cara que morava lá e se dedicava à cultura do mel; 2ª) Pode ter sido porque moravam na ilha muitos marinheiros aposentados que se dedicavam à exploração e cultura da apicultura isto até os anos 60. Chegaram até exportar o mel. 3ª) Não sei se vocês perceberam aquela água amarelada escura escorrendo antes de chegar ao mar, alguém até sugeriu que era merda em esgoto a céu aberto; pois é minha gente, não é merda não; A água doce da ilha contém mercúrio que em contato com a água salgada causa a coloração amarelada semelhante à cor de favos de mel; 4ª) Também a origem do nome pode ser bem antiga pelo fato dos antigos moradores, os índios carijós apreciarem o mel e explorarem a apicultura. Bem pessoal, pesquisei e estou dando quatro alternativas para a origem do nome da Ilha do Mel. Fiquem a vontade para dotar a que mais é do agrado de cada um.
Pesquisando um pouco mais sobre a ilha vou viajar com a colunista Fernanda Preto que descreveu, numa reportagem um pouco da história da Ilha do Mel, esta bela e afrodisíaca ilha localizada no litoral no Paraná. Ela dá dicas dos principais pontos para fotografar e para passear.
Diz ela que conhecer a Ilha do Mel é um grande privilégio, pois é um pedacinho do mundo onde é possível relaxar aproveitando as belezas naturais de um lugar acolhedor. Isto eu concordo em gênero e número com ela.
A Ilha do Mel é o xodó dos Paranaenses; já foi lugar de hippies nos anos 70 e hoje é lugar de quem busca além de praias, a Mata Atlântica ainda preservada, pois é também uma estação ecológica desde 1982. Para o visitante que chega à ilha são distribuídas máscaras contra fumaça e gás, principalmente para aqueles que se atrevem a caminhar à noite adentro, por entre as trilhas, para que na volta não sejam surpreendidos e presos por estarem ligadões. A neblina que muitas vezes aparece à noite não é neblina não, é a concentração da fumaça provocada pelas folhas e inflorescências dessecadas, trituradas e enroladas em forma de papelotes de cigarro da maconha.
Entre caminhadas na praia, na restinga e banhos de mar, a Ilha também permite a prática da escalada esportiva assim como, boulder, um tipo de escalada de até 6 metros de altura sem o uso de corda. No local há rochas muito antigas, da idade Pré-Cambriana, e formações arenosas muito recentes. Hoje afloram nos morros devido à ação da erosão que continuamente remove as camadas superficiais da crosta. Não se recomenda o uso de chinelos para estes passeios principalmente no Morro do Sabão.
Na Praia de Encantadas, onde mora a maioria das pessoas, estão as escaladas no Morro do Careca, no Mar de Fora, na Praia do Miguel, na Praia da Bica. É também onde fica a Gruta das Encantadas, e diz a lenda que mulheres de beleza sedutora e de bela voz, encantavam os visitantes que, caminhando pela praia, aproximavam-se da gruta e desapareciam misteriosamente. A bem da verdade, pesquisando apontamentos antigos dos índios Carijós fiquei sabendo que ali era a zona de meretrício deles. Como os deuses proibiam terminantemente o sexo foi única maneira que encontraram para dar umas metidinhas escondidos destes deuses boiolas e doidos. A gruta no começo era apenas um buraquinho, mas com os gritinhos das índias na hora do orgasmo as rochas foram se soltando dando a profundidade e altura que tem hoje. Eu entrei dentro e pude perceber que a caixa acústica da gruta e muito boa e ainda se ouve, se você ficar atento os gritos das índias.
Outro atrativo é a Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres do século XVIII, na Praia do Forte, que foi construída em 1766. “A Fortaleza marcou a história da colonização paranaense pelo litoral, e também durante a Segunda Guerra Mundial quando se tornou a sentinela de vigilância contra submarinos que pretendessem invadir as águas de Paranaguá”, diz o site da ilha. A Fortaleza é tombada pelo Patrimônio Histórico Nacional, mas quem visita pode ver a falta de preservação. O Forte fica no Morro da Baleia. O forte tem: uma casa de guarda; prisões e paiol de pólvora. O local hoje é bem usado pelos caras que vão lá só para esvaziar o tubo digestivo.
Os canhões vergonhosamente foram usados duas vezes apenas. A primeira, em 1850 contra o Navio de Guerra Inglês comandado pelo Cormorant que veio aprisionar Navios Negreiros brasileiro no porto de Paranaguá. A segunda em 1894 durante a revolução federalista. Os navios dos federalistas passaram com os marinheiros na maior algazarra, inclusive mostrando bananas ao pessoal do forte, pois as balas não chegavam até eles. Tomaram Paranaguá por quatro meses e foderam com a cidade.
Em 1945 a ilha foi considerada Zona de Guerra, entenda-se de guerra e não de meretrício, mas a bem da verdade foderam com o pessoal da ilha também, pois botaram todos para correr para fora dela, índios e não índios confiscando suas propriedades. Foi uma tristeza enorme ver aqueles índios todos, em pranto perderem suas tabas e ocas incendiadas pelos soldados. O Governo colocou no oco deles e proibiu que a rede globo fizesse a cobertura.
Instalaram os canhões e trincheiras de pedras no alto do Morro da Baleia. Os índios e gente humilde que não quiseram abandonar a ilha foram usados como bucha de canhão.
O Farol da Concha, no lado de Brasília, orienta desde 1872 os navegantes na Baía de Paranaguá. A vista é maravilhosa, principalmente na lua cheia, quando se pode se ver a Serra do Mar, a planície costeira, e o barulho calmo das ondas batendo nas paredes rochosas, e também casais de namorados em juras de amor e na maior sacanagem.
A ilha tem quatro agrupamentos de almas: Nova Brasília; Farol; Forte que o pessoal chama de Fortaleza e o agrupamento das Encantadas.
Existe uma lei, não sei de quem ou qual o seu número determinando que todos os navios com destino a Paranaguá devem passar pelo Forte – por certo para justificar a sua construção ali, mas os navios teimam em passar pelo Farol das Conchas atrapalhando a passagem dos barcos que levam o pessoal para a ilha.
Foi aprovada uma lei para a instalação de um aeroporto moderníssimo na Ilha e também um grupo já comprou um terreno para a construção de um mega shopping. Para a iluminação total da ilha estão pensando num reator igual a que existe em Angra.
Bem, agora que conhecemos com detalhes onde acomodaremos o nosso esqueleto vamos à narrativa de nossa epopéia.
A Fran organizou tudo... quem quiser saber o que aconteceu lá é só implorar que eu narrarei.

por: Mario dos Santos LIma

domingo, 24 de julho de 2011

A GALINHA PEDREZ

A GALINHA PEDREZ
A busca da segurança é uma ilusão permanente. A solução deste dilema está na sabedoria da insegurança ou da incerteza. Na realidade a busca da segurança é um apego ao conhecido, àquilo que já vivemos, que já experimentamos e o conhecido nada mais é que o nosso passado. O bom ou o mau passado, isto não importa. Se vivermos apenas do conhecido estaremos regredindo, estaremos cometendo uma tragédia em vista de que o conhecido nada mais é do que a prisão de velhos condicionamentos. Não existe evolução no conhecido, porque ele já foi revelado e será apenas a estagnação e pode gerar desordem. Acredito piamente que a incerteza do que fazer, que o sufoco que muitas vezes enfrentamos é um terreno fértil para a criatividade.
Por estas e outras eu vivo o presente na expectativa da incerteza do depois no alegre cenário do antes que faço repetir muitas e muitas vezes.
Kierkegaard escreveu: A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se adiante.
Eu gosto de reviver as cenas de quando era criança para me divertir e muitas vezes para refletir. Vou até lá e assim tal qual criança sapeca crio e recrio, invento e reinvento, pinto e repinto com o poder de minha mente.
Se me permitem vou levar vocês até o meu primeiro dia de aula.
Minha mãe teve o cuidado de confeccionar o jaleco branco e o embornal para acondicionar caderno, lápis, borracha e o livro Cartilha Sodré.
Antes de sair para a minha aventura radical de buscar conhecimentos além das quatro paredes de casa, minha mãe deu uma bela olhada nas minhas unhas e nas minhas orelhas, penteou meu cabelo e me deu a sua preciosa benção.
Naquele momento eu era o orgulho da família, estava ingressando na escola primária. Por certo meu pai contou para seus colegas de trabalho, deve ter escrito uma carta para seu pai dizendo que seu neto era um cara de grande sucesso. Minha mãe deve ter ido às vizinhas para contar a grande novidade. Ela deve ter rezado algumas ave-marias para pedir proteção a virgem santíssima, pois seu filho estaria, a partir de agora no meio de gente estranha.
Eu fui todo paramentado para escola, feliz e orgulhoso, mas angustiado pelo desconhecido que estaria enfrentando a partir daquele momento.
Quase chegando à escola ainda estava na lembrança o insistente tchau que minha mãe dava e as lágrimas que vi correr pela sua face.
Chamaram pelo meu nome e indicaram a sala. Tremi nas pernas ao entrar nela.
Minha primeira vez foi cruel e sufocante.
Era uma sala provisória, pequena e de poucos alunos. Sentei-me na fila da direita e era o terceiro da frente para o fundo.
A professora entrou, ficamos de pé e eu gelado, angustiado, de goela seca parecendo boi assustado na fila do matadouro.
Aqueles poucos colegas de sala se agilizavam, cumpriam as ordens da professora sem pestanejar e eu feito um bocó, perdido queria somente um buraco para sumir.
A professora deu a ordem da leitura. Cada aluno deveria levantar e ler um trecho. Começou desastradamente exatamente pela minha fila. O primeiro da fila levantou, empunhou o livro a sua frente e começou a leitura da tal galinha pedrez. Achei bonita e engraçada a história que ele lia. Terminou a leitura e a professora ordenou que o da minha frente fizesse o mesmo. Ele leu o mesmo trecho. Estava chegando a minha vez. Só não urinei nas calças porque me segurei ou talvez a urina tenha saído pelos meus poros, pois suava feito um lazarento.
O moleque da frente terminou a leitura e a professora falou qualquer coisa que não entendi e ordenou que eu iniciasse a leitura.
Peguei o livro, abri-o na página adequada com a ajuda do colega da frente e com muito custo me coloquei de pe. Só entendia das figuras isto porque não era cego, mas das letras... nada disto ainda tinha sido apresentado para mim.
O sufoco, a angustia acaba sempre criando em nós um dispositivo de defesa.
Com certeza toda aquela criançada estava passando pelo mesmo sufoco que eu e, no entanto estavam ali realizando as suas tarefas normalmente. Eram criativas e por que não eu. Investi-me de uma segurança inabalável, de uma fortaleza inacreditável e me coloquei a ler. Na realidade comecei a repetir com desenvoltura, teatralmente exatamente o que os outros dois tinham lido. Imitando os dois meus colegas fiz até as entonações de voz.
- É a próxima lição, interrompeu a professora.
O colega da frente levantou-se, pegou o livro e disse para a professora:
- Ele está na próxima lição.
Todos os olhares para mim. A professora chega-se e pergunta com ar de cretina:
- Você não sabe ler, guri?
Ouvia falar tanto nos castigos da escola. Na tal régua na cabeça, na palmatória, no ficar de joelho que quase desmaiei a frente daquela brutamonte.
- É a minha primeira vez, com voz sumida consegui segredar para a minha primeira e inesquecível professora.
- Você está na classe errada, esta é a classe do segundo ano, falou aquela galinha pestilenta.
Só não apanhei dela porque o bedel me encaminhou para a sala dos analfabetos.
E em casa todos curiosos queriam saber como foi meu primeiro dia de aula e eu todo satisfeito disse que tinha lido para a sala a história de uma tal galinha pedrez. Minha mãe deu uma olhada disfarçada para o meu pai e deve ter pensado:
- Este menino vai longe, já no primeiro dia conseguindo ler!

por: Mario dos Santos Lima

sexta-feira, 27 de maio de 2011

CAVALGANDO UMA BICICLETA MUITO DOIDA

Quem, quando guri não morreu de vontade de andar de bicicleta? Pois sou um destes indivíduos que quando imberbe ainda, e não pubescente sonhava com a magrela dia e noite. Implorava insistentemente uma para meu pai, mas ele impassível ignorava as minhas doridas súplicas. No meu tempo, lamentavelmente não tinha ainda a grande motivação de –“Não esqueça de minha caloi”.
A bicicleta povoava meus sonhos. Era uma coisa boa e um tormento ao mesmo tempo. Eu sonhava com aquelas lindas propagandas de bicicletas que apareciam nos jornais e revistas. A sueca Monark, por exemplo, era considerada a rainha das bicicletas e era feito em aço de primeira, acabamento esmerado e cores lindas. Era a preferida do Brasil segundo a propaganda. Era a minha preferida também. A danada vinha com dínamo Hackel para os faróis Riemann e estava acoplada com a bomba pneumática Progress. Uma belezinha. Eu vivia fazendo coleções de recortes destas propagandas. Nos meus sonhos eu já havia andado milhares e milhares de quilômetros deslizando ruas, estradas, vielas e campos. Eu estava perito no assunto em botar a bunda no selim.
Para mim, um estilingue no pescoço, um picuá carregado de pedras na cintura, um pião, umas bolinhas de gude e uma magrela para me carregar era o máximo de minha ambição. Nada mais eu queria. O estilingue, o picuá, o pião e as bolinhas de gude eu os tinha, mas a bicicleta em meio a névoas ficava turva em meus anseios. Quando eu a teria? Martelava constantemente em meu cérebro esta pergunta. Quando?
Um dia vou possuir uma, pensava otimista olhando demoradamente aqueles recortes de propaganda.
Este dia não demorou a chegar.
No meu tempo, todo bom moleque que já sabia ler e escrever tinha que procurar alguma ocupação ou ofício para desenvolver. E lá fui eu aprender o ofício de marceneiro. Tinha 12 anos de pura inocência e muitos sonhos a realizar. Muito mais sonhos e pouca realidade.
Na marcenaria trabalhavam alguns marmanjos, eram os meus professores e a um canto, lá mais para o fundo do barracão, tal qual uma princesa encantada permanecia sempre uma linda e indescritível sueca. Pareceu-me, algumas vezes que ela dava umas piscadelas para mim. Eu acredito que foi amor à primeira vista.
Minha iniciação na arte de construir tranqueiras em madeira estava indo muito bem, mas minha paixão pela sueca aumentava desesperadamente dia a dia. O percurso de casa até a oficina de artes em madeira era bem longo, mas minha motivação em estar lá antes da hora e sair depois da hora era esta linda e graciosa sueca que impassível permanecia lá como se estivesse obcecadamente me esperando. Era uma atração fatal.
Dois tímidos. Eu de um lado fazendo minhas tarefas, jogando de quando em quando um olhar furtivo e enamorado e ela de outro lado, calada, linda me espreitando.
Um dia o dono da oficina me surpreendeu passando a mão nela. Fiquei sem jeito, esperei uma bronca, mas ele simplesmente me disse:
- Cuidado com ela, moleque, ela é minha e sou muito ciumento, mas como sou bastante liberal, se você quiser um dia eu o deixo sair com ela.
Minha alegria foi tanta naquele momento que quis gritar, dar um abraço nele, mas apenas timidamente agradeci.
Isto nos fez, eu e a sueca mais próximos um do outro. O nosso namoro estava cada vez mais forte. Ela era caladona, mas me permitia que eu ficasse ali ao seu lado falando qualquer coisa, sobre mim, sobre meus amigos; Era um bla bla danado sem fim.
A minha paixão pela sueca estava em proporções descomunais. Quando em casa não via a hora de retornar ao trabalho para estar ao lado dela. Os finais de semana me pareciam longos e intermináveis.
O grande momento de realizar o meu sonho chegou! Meus lindos sonhos seriam realidade agora. Vou finalmente andar de bicicleta.
Alguém da oficina precisaria ir fazer uma entrega de uma encomenda qualquer do outro lado da cidade. Eu fui o escolhido.
- Você sabe andar de bicicleta? Perguntou-me o dono da Marcenaria.
Esperei um pouco dei um tempo para responder. O treinamento que fiz nos meus muitos e variados sonhos me pareciam reais. Eu sabia, é claro que eu sabia andar de bicicleta e muito bem. Recompus-me não acreditando ainda na pergunta e de imediato, meio gaguejando respondi.
- Sim, sim eu sei.
Colocaram com cuidado a obra de arte restaurada no bagageiro da bicicleta dizendo-me:
- Cuidado com esta peça, ela é antiga e de muito valor.
- Sim, gaguejei.
- Guri, cuidado com a minha Monark, ela é uma coisa preciosa que tenho, acrescentou o dono da marcenaria.
Finalmente a sueca estava em meus braços e logo logo estaria sob minhas pernas. A minha alegria era tanta que acabei acreditando que sabia realmente bicicletar e com isto tive um orgasmo precoce.
Olhei aquela formosura toda reluzindo de impecável pintura preparada para a missão quase impossível.
Os primeiros 100 metros eu os fiz apenas empurrando a sueca. Fui num monólogo tranqüilo com ela. Queria estar longe das vistas do dono dela no memento sublime de dar à primeira trepadinha. A cidade até parecia que parou para me permitir andar sem problema. Suas ruas em colossal areal se estendiam desertas por quase todo o trecho. Até os cachorros vadios se recolheram.
Criei coragem, mas tremendo de medo frente a uma enorme descida me encavalei desajeitadamente em cima dela. Pareceu-me ouvi-la dizendo:
- Vá com calma meu amor!
Eu estava tarado, estava afoito, na realidade eu era naquele momento o noivo virgem doido pela primeira foda e não atendi ao seu reclamo, comecei a descida em desembalada corrida. Ela gemia sob meu corpo que quase solto queria escapulir.
Meus cabelos soltos ao vento acenavam felizes e eu em início de operação radical começava a suar frio. O medo estava solto correndo lado a lado comigo. Meu anjo da guarda suplicou aos céus e me abandonou. A Monark desgovernada, zig zagueando doida engolia a distância, gritando frases desconexas. Meus pés soltos não encontravam os pedais e o selim fazia bolhas na minha bunda.
A sueca gritava frases de ordem, rebolava toda, mas eu juro que ela estava feliz pela liberdade incondicional que eu estava lhe proporcionando.
Como um peão nos corcovos da mula xucra eu tinha presa apenas uma mão no guidão da desgovernada Monark.
Pouco mais de 50 metros, nada mais do que isto foi palco da mais ousada e radical desembalada corrida ciclística que se tem notícia coroando ao final com um fenomenal acidente.
Um banco de areia ao nos ver doidamente se aproximando gritou, acenou, gesticulou, quis sair do lugar e nos seus braços espetacularmente fomos parar.
A sueca quando colocou seu rodado dianteiro no areal, deu um espetacular corrupio no ar, xingou largando-me em pleno vôo. Planei por alguns segundos e vertiginosamente de cabeça cai. A minha fuça foi a primeira a chegar ao areal vindo logo em seguida a Monark que num baque se enrolou toda em mim para amaciar sua queda.
A logística da entrega foi estancada neste ponto. Apenas 50 metros de adrenalina pura. Foi uma experiência incrível cavalgar numa xucra sueca que acabou culminando na realização do meu sonho – Andar de bicicleta. Desastrosa experiência, mas foi o início. Finalmente andei de bicicleta.
No local uma boa alma me ajudou a se desvencilhar da magrela que toda retorcida prendia-me a ela num abraço funeral; juntou cuidadosamente os pedaços da obra de arte que levava na garupa e me entregou com cuidado.
Eu estava todo empoeirado e sangrando, mas estava muito mais feliz que preocupado.
De repente, recompondo-me um pouco bateu loucamente em minha memória a recomendação:
- Cuidado com esta peça ela é uma obra de arte e de muito valor. Cuidado com a minha bicicleta, ela é bla e bla e mais bla.
Comecei a chorar desesperadamente reunindo os restos mortais da obra de arte e juntando do areal maldito a linda sueca toda retorcida.
- O cara vai me matar, pensei eu, enquanto caminhava de volta.
Pensei em fugir, desaparecer deste mundo, mas criei coragem e continuei o meu regresso. Como um bom empregado, ao emprego estou retornando.
Ao chegar de volta com aquele monte de ferro e lata retorcida disse ao dono da marcenaria:
- Fui atropelado e não me lembro de nada.
A sueca, no seu último suspiro teve forças e me deu um beliscão pela mentira. O dono da marcenaria, esbravejou, vomitou impropérios e quando quis me bater desmaiou caindo espetacularmente ao chão.
Mudei de cidade, fui para o seminário e até hoje não tive coragem de ir lá receber o meu salário.

por: Mario dos Santos LIma

terça-feira, 24 de maio de 2011

POR ONDE SAI O OVO?

Criança sempre tem cada idéia que as vezes faz na gente arrepiar os pêlos mais íntimos que temos. Quer pular de um andar para outro imaginando ser o homem aranha ou então quer morrer para ver se de outro lado é mesmo da maneira como os adultos contam. Quando ninguém ajuda, coloca nomes às coisas e aos animais que só mesmo ela entende. É sempre lógica e deduz de forma brilhante qualquer pesquisa de interesse de foro íntimo dela.
Desde que nasce, a criança já entende que o mundo dos adultos não é o mesmo que o dela. Ela entende que o mundo fará dela uma besta, tão besta como o são seus pais, seus avós, seus tios e outras pessoas que se acercam dela fazendo bilu bilu ou então dizendo como se ela fosse um bicho inútil de estimação: “- Que gracinha”.
A criança sabe por experiência e por muita pesquisa que também ela se tornará uma besta um dia. Isto normalmente acontece quando os pêlos começam a brotar aqui e acolá nas partes inferior e anterior do osso ilíaco.
O ser humana nasce, se torna criança e aos primeiros apêndices filamentosos da pele vira uma besta e quando estes filamentos começam a cair retorna ao estado de criança que nunca deveria deixar de ser. Neste estado de criança outra vez, ele ou morre abandonado ou se torna um ente extra terreste, anormal no meio dos bestas considerados normais.
Na realidade não quero falar dos bestas que habitam esta terra e sim dos seres normais impúberes que buscam sabedoria derribando sonhos e arquitetando conceitos e ações.
Fui criança. Hoje sou um besta, mas a beira da criancice.
Eu e minha irmã, antes que as hastes queratinizadas viessem perturbar as axilas e partes íntimas nossas brincávamos tranqüilos pelo quintal de casa.
O quintal era grande e a mãe aproveitava para criar umas penosas a fim de ter o precioso ovo e nos finais de semana uma deliciosa depenada assada.
Adotamos, desde o romper da casca do ovo uma carijó e não sei por qual razão batizamo-a de ximbica. Hoje quis saber o significado da palavra ximbica. Escarafunchando o Aurélio nada pude encontrar e então fui esgaravatar a internet e só então, eriçado completamente hirto descobri o significado quase imundo da palavra. Só não encontrei como nome de uma nobre galinha.
A ximbica era uma graça de galinha; desde pequenina teve um apego sincero por nós dois. Vinha buscar os artrópodes que a gente buscava pelo quintal só para ela. Ela gostava de se aninhar em nosso colo para receber os carinhos na sua empenada cabeça.
Um dia a curiosidade nos abateu e a pergunta bailou feito uma doida em nossas cacholas: Por onde sai o ovo da galinha?
- Mãe, por onde sai o ovo da galinha? Perguntamos para nossa mãe e ela de pronto respondeu:
- Pór um buraquinho debaixo da asa.
Lá fomos nós, pegar a ximbica e esperar pacientemente a hora do ovo sair.
Ficamos montando um plantão cruel; um pouco eu e um pouco a minha irmã com a ximbica no colo aguardando por onde saia o tão esperado ovo.
Finalmente, a pobre ximbica não aguentando mais reter o ovo em suas entranhas despejou-o para fora.
O ovo caiu diretamente em meu colo e eu gritei para minha irmã:
- Eu sei por onde saiu o ovo.
- Toda espavorida, correndo ao meu encontro perguntou incontinente:
- Por onde? Por onde?
Respondi então:
- Por um buraquinho que abriu e fechou aqui debaixo da asa.

por: Mario dos Santos Lima

quarta-feira, 18 de maio de 2011

UM CACHORRO ENROSCADO NA CRUZ

O Frei Dionísio como um bom franciscano... ou ele era jesuíta? ou... Não sei mais, mas que gostava de animais, gostava mesmo isto eu sei. Tinha um casal de cachorros peludos que era uma maravilha. O casal de caninos ficava preso o tempo todo na casa paroquial cercado de mil cuidados e mil carinhos e desta forma era uma recomendação veemente dele para nós sacristãos:
- Não me deixem nunca a porta aberta porque as minhas crianças podem escapar e ir se misturar aos vira-latas pulguentos e malcheirosos da redondeza.
Não conseguia entender como alguém, principalmente um padre pudesse ser tão racista e discriminador. Coitados dos vira-latas que não tinham o direito de entrar na Igreja e nem comer as míseras migalhas de comida que sobravam de seus peludos.
- Não quero estes sarnentos dentro da minha Igreja. – Sempre recomendava ele para nós e nós mantínhamos um policiamento feroz contra estes inimigos da Igreja.
Comecei a olhar todos os vira-latas que cruzavam pela rua como uma coisa satânica e amaldiçoada. Se algum deles passasse por perto de mim imediatamente me vinha uma vontade incontida de meter um ponta-pé no traseiro dele. O Frei estava fazendo em mim uma verdadeira lavagem cerebral sem que eu me apercebesse. disso Só o casal de peludos dele é que iria para o céu, isto já estava bem claro na minha cabeça.
Toda vez que abria a Igreja de manhã lá estava o sarnento e pulguento deitado, todo encaracolado na soleira da porta.
- Maldito, saia daqui – gritava eu para o pulguento que sossegadamente abria apenas um olho e olhava para mim, punha-se em pé sacudindo de um lado para outro todas as pulgas do seu magro lombo e descia compassadamente a escadaria rumo à rua.
Mal eu virava a costa e lá vinha ele de volta se acomodar no capacho que ficava ao pé da porta da Igreja.
Às vezes me passou pela cabeça que aquele pulguento estava apaixonado pela cadelinha peluda do Padre e era então por isto que o Frei tinha todo aquele cuidado com a porta de entrada da casa paroquial. Talvez tenha até acontecido, no passado algum caso, rolado um clima entre o pulguento e a peludinha e o frei, lamentavelmente tenha descoberto. Mas se isto realmente aconteceu e se existe ainda essa doida paixão entre o sarnento e a peludinha é claro que, para o bem dos bons costumes este romance deverá ser abortado incontinenti mesmo. Ele é um vagabundo, pulguento, latidor das madrugadas e perturbador de portas de igreja e ela, peludinha, bem educada, cheirosinha e amorosa. Jamais daria certo. Ela é de dentro da Igreja e ele das escadarias da Igreja. Ele um amaldiçoado, satânico e ela uma santificada.
- Para o bem da Igreja preciso dar um jeito neste vira-lata – pensava eu.
O meu grande medo era de que ele reunisse, num dia qualquer destes todos seus amigos e viesse fazer um grande cachorrismo ali na escadaria da Igreja exigindo os direitos caninos e eu então estaria fodido perante o Frei por não ser um bom guardião das coisas santas de Deus. Seria despedido e o Frei me excomungaria.
Tomei uma decisão. Vou preparar algo para que este filho de uma cadela não mais venha incomodar a Igreja e colocar em perigo a minha santa ida um dia para o céu.
Pegar o pulguento foi fácil, ele até grunhiu e lambeu as minhas mãos imaginado por certo de que eu finalmente estava me rendendo a ele. Amarrei facilmente umas bombinhas no seu rabo e deixei a coisa acontecer. Depois de alguns dias ele voltou trôpego, assustado e sem rabo.
Num primeiro momento me causou pena ver seu lastimoso estado, mas imediatamente me recompus:
- Você não aprende mesmo – bati o pé e lá foi ele todo trôpego embora com o que sobrou do rabo entre as pernas e cabisbaixo.
No dia seguinte quando abri de manhã a Igreja lá estava o sem rabo todo encorujado aguardando a minha bronca.
- Esta noite a cachorrada vadia em assembléia com uivos esganiçados não me deixou dormir – o Frei já cedo comentou comigo o fato e isto deixou bem claro que estes vadios de rua só podem ser criação do capeta.
Uma notícia deixou-me satisfeito por aqueles dias. Estava na cidade um circo e como todo circo que se preze deve ter animais ferozes, grandes e famintos. Tinha um leão velho, manso como um corno, mas que uivava de fome dia e noite.
O dono do circo dava uma entrada para a matinê por cada bicho que era trazido ao circo. É claro que o dono do circo não dizia claramente que era para alimentar seus bichos e dar um sossega no leão.
A matinê ficava lotada e a bicharada do circo satisfeita. A molecada feliz empoleirada se deliciando com as piruetas e palhaçadas dos palhaços não estava nem aí com o holocausto das vítimas.
A minha grande esperança é de que alguém achasse o pulguento e o levasse ao circo.
Passa dia e mais outro e nada disso aconteceu. Estava cada vez mais angustiado com aquela situação. Eu seria considerado incompetente perante a Igreja se não aproveitasse a oportunidade e desse um fim no sem rabo.
Tomei então uma decisão definitiva.
A torre da Igreja é bem alta, uns 40 metros de altura.
Peguei o sem rabo, amarrei nele um lençol velho. Cada ponta do lençol numa pata. Subi até a torre da Igreja e dela soltei o sarnento.
Minha idéia era pregar um belo susto no filho do capeta e que o lençol como um para-queda, pelo vento o levasse para bem longe; Talvez para perto do circo ou até dentro do circo.
Soltei. O pior aconteceu.
Não tinha vento. O lençol não se abriu e acabou se enroscando no braço da cruz santa que ficava um pouco abaixo. Como o endemoninhado animal começou escandalosamente a latir pude escutar o povo lá em baixo assustado falando:
- Isto só pode ser coisa do sacristão
O Frei deve ter sido tomado por uma louquice estranha ou tudo tenha sido uma bela jogada política religiosa para abafar o caso, pois acabou chamando o corpo de bombeiro para salvar o pestilento e terminou por adotar o animal, coisa que até hoje não entendi.
O Frei só não me excomungou, mas fui expulso da Igreja.

por: Mario dos Santos LIma

terça-feira, 17 de maio de 2011

ORAÇÃO DA NOITE


Naquela noite eu saí da sala de aula, antes de seu término iracundo, espumando pelas ventas. Normalmente sou tolerante, mas aquela turma extravasou qualquer limite de tolerância naquela conturbada noite.
Se tivesse que indicar alguém para qualquer cargo administrativo ou gerencial eu os condenaria completamente. Era o sexto período de administração e um bando de moleques travessos e irresponsáveis!
Eu caminhava, a passos largos até a secretaria a fim de entregar o livro de chamada e justificar a não minha presença junto aquele bando de desordeiros.
Na época fiquei realmente bravo considerando uma tremenda falta de respeito, coisa sem propósito, mas hoje eu reconheço que eles foram, além de ridículos, atrevidos e ousados. Ao lembrar a cena hilária não consigo prender o riso.
Fico imaginando cá com os meus botões que provavelmente se estivesse estudando junto com eles provavelmente teria experimentado do mesmo sabor daquela balburdia.
Agora estou me recordando que naquele dia preparei com esmero e carinho a aula de produção para aquele sexto período. Saí com um pouco atraso de casa e com isto entraria em sala com alguns minutos do início.
Cheguei esbaforido a Faculdade.
Atravessei os corredores para alcançar a sala e percebi que naquela noite as outras turmas por onde eu passava aconchegavam espremidos na porta alunos contagiados de uma alegria sem par. Pareciam cães tarados farejando cadelas no cio. Acotovelavam-se com as cabeças no corredor curiosos e ansiosos olhando para a sala em que eu estava por chegar. O murmúrio era tanto que o vozeio perturbava todo o ambiente.
Estranhei, fiquei curioso, mas me coloquei avante.
A sala foi se aproximando perigosamente à medida que meus passos engoliam o corredor. A luz lá fosca e avermelhada me deu a sensação de estar indo para um lugar proibido. Verifiquei primeiro, com um beliscão no braço se realmente estava acordado e medrosamente me vi no umbral da porta de entrada.
O que vi é indescritível, mas vou tentar relatar.
A sala parecia um amplo dormitório.
Aquelas meninas todas nas suas transparentes camisolas, algumas minúsculas deixando lindas tetas quase de fora abraçando sensualmente seus ursinhos de dormir. Suas pantufas lilás ou rosa choque naqueles pés delicados perturbavam meus olhos que safados se deliciavam lambendo suas lindas cochas morenas.
Deveria ter alguns machos por entre elas que por certo desmunhecaram, mas eu nos os vi e nem fiz questão para tanto. Apenas meus olhos se deliciavam e bolinavam aquelas maravilhosas sereias. Musas infernalmente tentadoras.
Foram momentos que quase me levaram ao mais alto grau de excitação olhando tudo aquilo, mas a responsabilidade e o bom senso me acordaram, e então pude, livre de toda a emoção, de todos os calafrios por que passava meu corpo analisar friamente avaliando aquela esbórnia.
A empresa contratada para a formatura estava a postos em diversos ângulos com suas potentes máquinas filmadoras e fotográficas. Por certo o material depois de revelado deve ter saído uma bosta visto que estes tarados profissionais estavam abundantemente babando muito mais que trabalhando apreciando aquelas bundas, aqueles peitos e aquelas cochas. É justificado, pois concordo que ninguém é de ferro.
Por momento petrificado, confesso que também babei, mas me refiz e adentrei sala para tomar conhecimento da desordem, e entendi ali o porquê de toda a Faculdade estar ouriçada também.
- O que significa isto? Perguntei numa voz esganiçada.
- Estamos filmando para a formatura, responderam-me em coro e continuaram:
- Queremos aula!
Quase perguntei se aquele era um curso de administração ou de sacanagem, mas me contive e disse:
- Eu acho que vocês estão mais para dormir que receber conhecimentos, justifiquei.
Por alguns momentos não sabia se saia correndo, se ia até minha casa buscar meu pijama ou...
- Bem pessoal, com minha voz de comando completei:
- Quero todos de joelho! Vamos fazer a oração da noite!
Incontinente todos se puseram de joelho, ao lado das carteiras repetindo a oração da noite comigo.
Eu acho que Deus também gostou muito em ver aquelas lindas criaturas mal vestidas mostrando suas belas formas. Quem não gostou mesmo foi o Diretor que não sendo convidado para a festa aplicou na turma uma semana de suspensão.


OBS. Deixo de mencionar data e a instituição. Quem foi meu aluno na oportunidade com certeza ao ler lembrará do fato que por certo está registrado nos seus álbuns de formatura.

por: Mario dos Santos Lima

UM LADRÃO MODERNO

A vida é feita de surpresas; De muitas surpresas. Muitas vezes alguns acontecimentos nos trazem conseqüências, nos envolvem em situações momentâneas entre desastrosas ou hilariantes. Sempre na hora do fato ela nos é funesta ou desastrosa, mas depois, ao lembrá-la ou comenta-la ela se torna engraçada, muito cômica mesmo.
A Irene comprou o seu carro zero bala e deu nome de princesa. Cercou-o de mil cuidados. Nada pode acontecer a ele. Ele é intocável. Ninguém está autorizado a usá-lo. Para olhar é com olhos e não com os dedos ou mãos. Muitas vezes ela acaba indo de ônibus ao trabalho só para evitar aquelas doidas circunstâncias que possam oferecer qualquer perigo à princesa dela.
Se uma mosca desavisada nos seus vôos mirabolantes senta despreocupadamente na lataria do carro a Irene sempre atenta e ali por perto de guarda espanta-a violentamente ameaçando-a de morte. Imediatamente pega a lupa que sempre está na sua bolsa para verificar se as patas nojentas do inseto causaram qualquer dano à pintura de sua princesa.
O carro já algum tempo guardado estava até com teias de aranha gerando alguns protestos dos moradores principalmente daqueles que tem a garagem contígua ao carro da Irene. Para evitar maiores problemas no condomínio ela resolveu tirar a princesa para tomar uma fresquinha temerosamente solicitando que eu fizesse isto, mas não sem antes fazer mil e umas recomendações. A garagem do prédio é um verdadeiro funil e de estreita passagem e em função disto e das severas recomendações eu levei mais de quarenta minutos para sacá-lo da garagem para a rua. Formou-se atrás, na garagem um congestionamento enorme de carros e um tremendo buzinaço. Quase fui linchado por isto, mas consegui tirar a princesa da Irene sã e salva sem qualquer arranhão.
O dia estava calmo e convidativo para umas voltas.
O carro olhou para mim com aquele olhar de súplica, tal qual uma vadia se desnastrando toda sugerindo:
- Vamos dar uma voltinha na quadra garotão?
Aquele convite de encômio autêntico aguçou minha vontade de dirigir aquele caro cheirando a virgem. Olhei de um lado e olhei de outro e adentrei àquela preciosidade. Eu senti que com esta penetração a princesa deu um suspiro de prazer.
- A Irene nem vai perceber, pensei eu cá com meus botões.
Liguei a ignição e o rádio.
- Ladrão perigoso rouba bicicleta do supermercado e assalta banco colocando todo o dinheiro na cesta de plástico fixado no bagageiro. Esta foi a notícia que eu estava escutando.
Tudo estava indo as mil maravilhas até eu pegar a rua de sentido único. O movimento estava intenso, mas...
Um pouco mais acima vislumbrei um tresloucado de arma em punho pedalando alucinadamente uma bicicleta contra a mão. Logo atrás diversos carros da polícia de sirene ligada e quatro helicópteros metralhando o indivíduo gritando:
- Pega ladrão, e o cara numa desembalada corrida se agigantava cada vez mais contra o carro da Irene.
Todos os motoristas a minha frente abrindo espaço subiam nas calçadas abandonando aos berros seus carros e eu rezava feito um filho de uma puta para todos os santos e deuses que porventura existissem para que tudo aquilo fosse apenas um sonho, fosse uma grande mentira.
E eu acho que Deus e os santos não existem.
As balas assoviavam felizes passando por mim, acertando a princesa e estilhaçando o pára-brisa. Eu já não mais guiava o carro, ele se guiava aos gritos e aos pulos de felicidade acelerava ainda mais de encontro ao ciclista maluco.
A bicicleta veio de encontro e num estrondo gigantesco abraçou como se fosse um sinapismo a princesa da Irene numa foda monumental. O cara vazou pelo pára-brisa e sem perder a postura, de ponta cabeça no banco, por entre as pernas apontou a arma para mim e pediu que eu tocasse rápido para fugir da polícia.
Iniciou a grande fuga radical.
O carro sobe nas calçadas, dá cavalo de pau, faz a curva em duas rodas, passa por canteiros, passa por galerias, quebra muros e postes, derruba árvores deixando a polícia enlouquecida com diversos carros trombados e capotados. E lá vou eu com a arma apontada no pescoço dirigindo em cenas cinematográficas americanas fugindo da polícia ao som funéreo das sirenes, balas sibilando e do povo gritando.
Depois de quase cinco horas de fuga o exército americano, convocado consegue finalmente abater o carro com uma bala de canhão que pesava mais de duzentos quilos. A bala atingiu em cheio a traseira do carro arregaçando completamente fazendo as rodas abrirem pra fora feito uma vadia de pernas abertas. Alguns gemidos de prazer nem sei e a princesa finalmente parou.
Mil armas apontadas para mim.
O ladrão fugiu em desembalada corrida levando o dinheiro e eu me fodi.
Saí de mãos erguidas e me joguei no chão. Fui algemado e preso por ter dado acolhida ao ladrão; por formação de quadrilha; por roubo qualificado; por ter perturbado o sossego público; por dirigir perigosamente, por estacionar em local inadequado; por atropelamento.
A Irene pagou a fiança de soltura e eu saí livre, mas proibido de dirigir qualquer carro que ela futuramente vá comprar.
A princesa dela está em exposição no centro da cidade toda quebrada, riscada, perfurada com a bicicleta fundida na frente e a bala de canhão grudada atrás. Uma verdadeira obra de arte.
por: Mario dos Santos LIma

sábado, 7 de maio de 2011

URINOL FURADO

Quando chegava de férias do seminário pouco ficava eu em casa; tinha um prazer enorme em ser convidado pelo Padre Vigário para ajudá-lo nas cerimônias da santa missa. Certa feita me convidou para ir até ao Pontal do Paraná.

A estrada estreita, em terra batida era muito linda e agradável ladeada de mata nativa que em certos trechos até parecia um túnel. De quando em quando a gente tinha o prazer de encontrar com algum bicho silvestre que assustados cruzavam a estrada, ouvir o canto estridente do tucano e o rebuliço das araras em bando. Passava ao largo de Teodoro Sampaio embrenhando-se cada vez mais na mata virgem.

Depois de umas 3 horas de viagem de Jipe - jipe modelo 54 - chegamos a uma grande clareira onde se via ao centro a Igrejinha ladeada por algumas casas em madeira. O sol já se espreguiçando, perdendo a cor teimava em querer desaparecer. Era uma pintura o local. Eu estava boquiaberto admirando tudo aquilo quando o Pe. Rosalvo vira-se para mim e todo feliz numa voz de vitória diz: - “Chegamos”.
Alguns foguetes vieram quebrar a quietude daquele lugar. Os pássaros em revoada abandonaram assustados os galhos das árvores, não sei se de medo do berro do padre ou dos foguetes. Como se tivesse mexido num formigueiro, surgindo não sei de onde uma multidão cantando, gritando, dando vivas nos recebeu em festa. Ali mesmo, cansado da viajem, mas muito feliz pela recepção o padre convidou aquele povo para a reza do terço que aconteceria logo à noite. O povo, na sua imensa alegria nos carregou com malas e tudo igreja adentro. A festa toda tinha um sentido muito nobre e muito grande para aquela gente humilde, pois o padre aparecia de quando em vez por ali.

Depois da reza do terço o padre ficou acomodado na parte dos fundos da igreja num quartinho singelo, mas posto em ordem e eu fiquei na casa da família logo ao lado da Igreja.

O quarto era grande, cama de casal e urinol branco, louçado – coisa de rei – reluzente ele dava sinal de vida indicando de que eu não precisaria sair lá fora para fazer minhas necessidades – à noite sempre me apavorou com seus mistérios e uivos desconhecidos. Conferi tudo. A cama de palha bem mexida. Uma coberta de pena de ganso – as noites nestes lugares encravados na floresta sempre são mais frias. Um criado mudo e uma lamparina a querosene em cima iluminava parcamente o local com sua luz crepitante. Olhei para o teto e fiquei deveras preocupado. Não tinha forro e meu quarto era contíguo ao quarto do casal. Tinha que ser comedido nos meus movimentos para não atrapalhar com o barulho o sono inocente de meus anfitriões. Andava nas pontas dos pés. Cuidadosamente me pus por debaixo das cobertas. Imperceptíveis ruídos se espalharam pelo ambiente acreditando eu que não ultrapassou a parede que dividia meu quarto com o deles. Lá fora ainda escutei o piado sorumbático de uma coruja e um calafrio perpassou toda minha espinha. Apaguei a lamparina, fiz minhas orações da noite e adormeci apreensivo, mas feliz.


De madrugada acordei com o cacete aprumado. Como não tinha tido nenhum sonho erótico verifiquei que era apenas minha bexiga avisando de que precisava ser esvaziada. Pus-me mansamente fora da cama, me inclinei e peguei o penico. Preocupou-me na hora o ruído característico que o jato de urina faria no fundo do urinol que, por certo acordaria assustada a população toda – os humanos e os bichos.

Por alguns minutos tracei um plano para atingir o meu objetivo inicial de não fazer qualquer ruído que atrapalhasse o santo e justo sono daquela população e em especial a dos meus vizinhos de quarto. A situação estava cada vez mais crítica e exigia uma ação rápida, pois já não mais agüentava toda a pressão urinária. O cacete estava bonito, mas a situação estava feia.

Acomodei o branquinho por cima das cobertas com a finalidade de abafar o ruído e finalmente puxei um ar para os pulmões, fechei os olhos e satisfeito comecei a descarregar o líquido. Como tinha tomado muita gasosa ao jantar fiquei ali aliviando a coisa por quase 10 minutos.

Terminei a operação completa de chacoalhar e guardar e ao pegar o urinol para posicioná-lo novamente debaixo da cama quase caí de costa – não foi por estar pesado ou coisa parecida, mas simplesmente porque dentro do recipiente não se encontrava qualquer tipo de líquido. Apalpei-me e vi que estava acordado e que isto não era um sonho; apertei minha bexiga e ela se encontrava prazerosamente vazia. Comecei a examinar o penico e com espanto verifiquei que havia um orifício enorme na parte de baixo. O fato apavorou-me.

Começou então a santa inquisição. Se estou acordado, se já não estou mais com vontade de urinar, se eu urinei aonde foi parar o dito líquido? Na hora quis que tivesse acontecido um milagre da evaporação e fui com a mão diretamente em cima das cobertas. Lá estava a urina toda acomodada e muito feliz esparramada no chão por debaixo da cama e por quase todo o quarto. Fiquei tão espavorido com a situação que não mais dormi. Perdi a tesão e fiquei sem condições de deitar naquela cama toda mijada. Fiquei sentado aos pés da cama o resto da noite.

Seis horas da manhã bateu num relógio de parede e antes que alguém levantasse fugi assustado, apavorado revoltado daquela casa.

Por falta de sorte mesmo o padre foi convidado para almoçar justamente naquela casa. Convidaram-me através do padre, mas não apareci. Simulei uma doença brava qualquer e fiquei escondido na parte traseira do jipe durante todo o dia até a hora de irmos embora.

Até hoje existe na região a lenda do menino que se desintegrou transformando-se em xixi. Foi a única maneira encontrada por aquela gente simples para explicar como alguém dormindo pudesse urinar por cima das cobertas.
por: Mario dos Santos Lima

sábado, 30 de abril de 2011

TALVEZ

Na sala mal cabia o corpo, mas o povo compareceu em peso. Era Terça feira, 15 horas. “Qual o nome do defunto?” – alguém obstinadamente perguntou para um... para outro... principalmente para aqueles que, de olhos marejados de lágrimas, contritamente cabisbaixos estavam mais próximos do cadáver. “ Não conhecemos...” foi a resposta que bateu todos recordes, estatisticamente falando.

Mas... pela cara sofrida, amarela, barba por fazer e já esbranquiçada, e sulcada pelos anos ou pelos sonhos desfeitos, vamos batizá-lo de José.

Seu Zé talvez tivesse sido aquele homem que juntou numa trouxa o pouquinho que tinha, nalgum ponto qualquer deste imenso nordeste, mais mulher e penca de filhos e veio tentar a vida neste sul tão prometido.

Talvez tenha até conseguido um pedaço de terra; “este é o nosso pedaço de chão, muié” – dizia ele, certamente muito feliz, às tardes, quando retornava, suado, sujo, da labuta.

Talvez a seca... talvez algum financiamento... e lá se foram suas terras para o leilão.

Tentou, quem sabe, invadir alguma terra devoluta juntamente com outros infortunados iguais a ele. Talvez tenha apanhado de cassetete da polícia, pois, no meio de todos os sulcos que se via em sua testa, percebia-se perfeitamente um corte, mal costurado, que avançava por entre seus cabelos grisalhos e em desalinho.

Talvez tenha vindo para a cidade tentar emprego. “Ô vô. O senhor não sabe fazer nada e está na hora de se aposentar”. – foi talvez a resposta mais ouvida pelo seu Zé, ao bater de porta em porta pedindo emprego.

Tentou talvez vender rifa, mas o pobre diabo provavelmente não tivera o privilégio de freqüentar escola.

Com muito custo, talvez tenha conseguido se aposentar pelo Funrural e era talvez com estas míseras migalhas que seu Zé estivesse pagando os dois cômodos de fundo, de piso de chão batido.

Alguém solícito trouxe café em pó alguém fez fogo no fogão de taipa. Lenha verde ou chaminé entupida provocou uma fumaceira dos diabos.

Alguém puxou o terço... e aquela multidão toda contrita acompanhou. Poucos rezavam porque sabiam; a grande maioria, de cabeça baixa, abrindo e fechando a boca, dublava, porque não sabia... mas tinha que mostrar serviço.

Ninguém ousava conversar ou mesmo contar piadas, mas... quase todos exibiam crachás, bonés, camisetas e nos seus carros estava escrito...

O esquife sai... caixão de primeira; havia até uma faixa escrita, com coroas.

Segue o cortejo lentamente pela avenida... O comércio cerra as portas em sinal de respeito... O povo a pé – umas trezentas pessoas – faz lembrar uma grande jibóia, rebolando, pronta para o bote final. O eleitor, admirado, se acotovelando na calçada, perguntava curioso: “Quem morreu?” – e a pergunta morria no ar...

O seu Zé, talvez a vida toda não tivesse tido sorte. Nasceu pobre; não pode estudar; perdeu o pouco que tinha conseguido, mas foi um felizardo: teve um enterro de gente de bem ao morrer antes das eleições.

por: Mario dos Santos LIma

quinta-feira, 28 de abril de 2011

CHUCHU, MALDITO CHUCHU

Em casa era assim, se você manifestasse uma aversão a qualquer alimento a mamãe servia à mesa por alguns dias aquela especiaria. Não adiantava reclamar, ou comia ou comia.
Caí na besteira de levantar a bandeira em luta contra o chuchu. Que alimento mais lazarento de ruim. Era, no almoço e no jantar chuchu.
Em casa tinha um pé de chuchu. Todos sabem do dito que quando uma zinha resolve dar a periquita sem qualquer controle ou restrição o povo vai logo dizendo: “Ela está dando mais que pé de chuchu na cerca". Pois é, o maldito pé de trepadeira dava chuchu pra caralho.
Milhares de flores cobriam aquela trepadeira ordinária. Milhares de chuchuzinhos e outros tantos milhares de chuchus adultos esperando ansiosos para serem colhidos e degustados. O pé de chuchu se estendia por mais ou menos dez metros na cerca de balaústre. A cerca estava camuflada no meio da ramagem verde desta trepadeira maldita.
Nas minhas orações noturnas pedia ao bom Deus, já que Ele é o criador de todas as coisas que fizesse alguma coisa para que o pé de chuchu não desse mais aquela bosta de fruto. Pedia, mas achava que Deus por ser velho demais estava surdo e não estava me escutando, pois no dia seguinte ao levantar, rápido eu ia dar uma olhadela naquela trepadeira sem vergonha. Ficava decepcionado. Estava cada vez mais linda. Até parecia que ela quando me via mostrava a língua dizendo: Aí seu filho de uma puta não adianta rezar; O seu Deus não tem forças contra mim. Eu sou mais poderoso que este seu Deus. Insultava-me, me deixava louco da vida e na hora do almoço e o jantar ainda tinha que sofrer de náuseas por ter que engolir aquela merda toda. A minha aversão era tanta que sempre eu via no prato o chuchu mostrando a língua pra mim com as duas mãos unidas à língua imitando um tocar de flauta.
A mãe não conseguia ver aqueles abusos e falava:
- Mario coma tudo e não deixe nada no prato.
Nesta época estava freqüentando o grupo escolar, correspondente ao primeiro ano do primeiro grau de hoje.
Tudo ia normalmente e sem grandes lances na escola: - aprendendo a ler e escrever; fazendo muitas tarefas; me socializando até que um dia a professora veio quebrar uma rotina que para mim veio mudar a minha triste vida.
Era uma aula de botânica. A professora muito entusiasmada falava das plantas, dos diversos tipos, seus nomes e propriedades.
Eu não prestava muita atenção ao que a professorinha falava. De repente eu ouço uma palavra familiar. Fiquei ligado no que ela falava do chuchu e o que mais me antenou foi ter ouvido que ela gostava muito desta merda.
Daquele momento em diante comecei a maquinar alguma coisa.
- Preciso saber aonde esta professora mora, pensava cá com meus botões.
Um dia não tive dúvida, após a aula, a uma certa distância disfarçadamente fui seguindo aquela que por certo seria a minha grande salvação.
À medida que avançava na caminhada de perseguição fui verificando com espanto que ela se dirigia para o lado aonde eu morava. Ela passou pelo portão de casa e se encaminhou a uma quadra pra frente quando adentrou. Fiquei feliz e nesse momento acreditei que Deus não estava tão velho assim e estava atendendo as minhas preces.
Cheguei em casa e fui logo dizendo pra mãe:
- Mãe, minha professora pediu um pacote de chuchu para mim e ela mora aqui na outra quadra.
- Muito bem meu filho, então vai levar para ela.
O plano estava perfeito. Levarei os chuchus, além de fazer um moral com a professora me livro destes malditos.
Apanhei um pacotão de chuchu mas fiquei desesperado, pois parecia que o pé a cada fruto que tirava brotava mais um montão no seu lugar.
Levei até a casa da professora. Ela com um largo sorriso agradeceu.
No dia seguinte fiz a mesma coisa. A professora apenas agradeceu.
No terceiro dia fiz a mesma coisa. A professora só recebeu.
No quarto dia a professora me disse:
- Mario, não consegui ainda comer a primeira remessa.
Quis falar com ela, explicar, pedir algum endereço aonde pudesse descarregar aqueles malditos frutos. Fiquei triste, abaixei a cabeça e vim de volta pra casa com aquele pacotão de bosta.
Passei desesperado pelo pé de chuchu e ainda o vi mostrando a língua pra mim.
por: Mario dos Santos LIma

quarta-feira, 27 de abril de 2011

CORRENDO ATRÁS DO VENTO: trombone de frutas - lavo sua roupa

CORRENDO ATRÁS DO VENTO: trombone de frutas - lavo sua roupa
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Mario dos Santos Lima