quarta-feira, 22 de novembro de 2017

UM GUAPECA SARNENTO

Sempre gostei dos animais de um modo geral. Já tive até um cavalo, fruto que foi da troca por uma bola. Era tão velho, e desdentado que o infeliz acabou morrendo, no portão de minha casa, logo após a permuta. Era menino ainda, e pedia insistentemente ao meu pai um cachorro, para que eu pudesse com ele brincar pelas pradarias, pular valetas e se banhar nos riachos. Seria meu companheiro para todas as horas, e dormiria no meu quarto ao pé da cama. Meu pai resistia a idéia. Não queria ter mais uma boca para alimentar, e também não queria aumentar os latidos e uivos noturnos de que a rua era campeã. Mas eu não abandonava meu desejo. Meu sonho era ter comigo este companheiro. Vivia arquitetando em sonhos como seria nossos folguedos. Era um dia chuvoso, que despencava cinzento e friorento lá no horizonte. Meu caminhar era solitário como solitários são todos os caminhares das crianças. Absorto divagava com o meu imaginário companheiro, e nesta fantasia doida, corria alegre jogando pedaços de pau para que ele, aos pulos e feliz latindo trouxesse para mim. Flutuando meus pensamentos ao sabor do vento, andava a esmo quando ouvi, ali na valete, esquelético, sarnento, quase sem a pelagem, uivando melancolicamente um cachorro pedindo misericórdia. Olhei demoradamente para aquele animal pestilento, perdido em pulgas, e constatei que ele não representava o companheiro que tanto tinha idealizado. Alem de feio, pulguento, estava completamente combalido. Continuei olhando, e me veio na lembrança dos cuidados com que minha mãe tratava de meus ferimentos, e com que rapidez eu me restabelecia. Pensei, olhando demoradamente para o cachorro: - Vou levá-lo, e minha mãe vai tratar dele, e por certo vou ter rapidamente curado o companheiro que tanto quero. Peguei-o com cuidado acomodando em meus braços, e ele ganiu, não sei se de dor ou sabe lá Deus porque. Olhei para ele, mais uma vez agora já em meus braços e disse: - Você vai ser meu grande amigo, e companheiro! olhava condoído para ele que, quase desfalecido, se dependurava em meus braços. Meus passos eram agora mais vigorosos e rápidos. Minha ansiedade era maior ainda. Pensava nele já curado, e serelepe pulando, de um canto ao outro, nos folguedos comigo. O pensamento era tão real que meu coração se descompassou. Esbaforido cheguei em casa e fui apresentar o cão a minha mãe; Ela quase caiu de costa quando viu aquele canino quase cadáver, feito uma gelatina pendurado em meus braços, e me perguntou: - O que isto meu filho! Você trás para casa um animal sarnento, quase morrendo! O que faz ele em seus braços? Por favor, vá imediatamente tomar um banho, completou ela. - Eu o trouxe para a senhora tratar dele! - incontinente respondi. Minha mãe olhou, com seu olhar de compaixão, primeiramente para mim e em seguida para o pobre animal e sentenciou: - Mas ele está morrendo! não podemos fazer nada. Brotou em mim um desespero e gritei: - Não, não é verdade! ele é meu companheiro e não vai morrer! E eu continuava sustentando o animal em meus braços. Minha mãe se acercou de nós, colocou sua mão em meu ombro, e partilhando de meu sofrimento não disse mais nada. Eu desesperado, aflito, olhando o cachorro moribundo, vi, que num esforço medonho, ele levantou a cabeça, olhou-me com um olhar de felicidade, lambeu minha mão, pendendo morto sua cabeça em meus braços. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

terça-feira, 14 de novembro de 2017

UM JEEP NADA CATÓLICO

Todo #moleque que se preze sonha com uma #bicicleta. Quer estar em cima da magrela zanzando por aí. Eu já era diferente, nunca tive uma e por isto não tinha a menor idéia e nem me interessava como se equilibrar nesta geringonça. Meu sonho mesmo era estar ao volante dirigindo um carro. Eu achava o máximo alguém na boléia de um carro. Aquilo exercia um fascínio incontrolável em mim. De ônibus ou de carro eu me punha atento aos movimentos mecânicos de mãos e pés do motorista. Aquilo para mim era poesia, era música divina. Eram estas as minhas aulas teóricas que aos poucos eu ia absorvendo. Durante o dia ou à noite, acordado ou dormindo imaginando estar ao volante fazia freneticamente os movimentos de pés e mãos na troca de marcha e aceleração. Com a boca bru e mais bru imitando o ronco do motor lá me ia eu dirigindo um hipotético carro pelas ruas. Muitas vezes surpreendido por alguém que me encarava com estranheza imaginando-me insano. Durante minhas férias do seminário ficava o dia todo na Igreja fazendo algumas tarefas para passar o tempo na esperança de poder a qualquer momento dirigir o #jipe do padre. O tão esperado e decantado dia finalmente chegou. O padre Rosalvo tinha que sair para uma visita fúnebre e estando atrasado para este compromisso gritou para mim: - Aqueça o motor do Jipe e o tire com cuidado da garagem para mim. Aquilo foi como se eu tivesse ganhado sozinho na loteria. No momento fiquei todo atrapalhado, nervoso, confuso não acreditando no fato. Fui incontinenti ao encontro do Jipe. Neste breve caminhar aproveitei para recordar todas as minhas lições que tive ao longo do tempo como condutor. - Devo primeiro ligar a chave apertando com o pé esquerdo o pedal da embreagem, depois eu devo bla, bla, bla. Repassei assim todas as lições e quando me dei conta já estava todo trêmulo e perturbado no assento do monstro. Suava frio à cântaros. Quis desistir, mas me faltou coragem. – Esta é a minha grande oportunidade, pensei eu – Que Deus me proteja, proteja também o patrimônio da Santa Igreja e lá vamos nós. Início do malogro. Liguei hesitante a ignição sem apertar com o pé a embreagem fazendo o jipe dar um salto violento para traz morrendo imediatamente para sorte minha. O resultado da operação foi um galo na cabeça e um hematoma no joelho. - Vamos Mario! Coragem e tente novamente, parecia ouvir meu pensamento nervosamente gritando em meus ouvidos. Eu acho que ele queria é ver o meu oco, pois continuava martelando no meu ouvido: - Vamos! Não tenha medo, não seja covarde, não seja cagão. A Igreja era contígua à garagem. A garagem ficava anexada à casa paroquial exatamente no pátio ao lado da Igreja. Quem estava dentro da Igreja tinha uma visão panorâmica de toda a garagem bem como da casa paroquial. Os fieis adentravam a casa santa tanto pela porta da frente como pela porta lateral que permaneciam escancaradas para amainar o calor que muitas vezes era infernal naquela região. Naquela manhã de domingo a Igreja estava apinhada de fieis que se acotovelavam até pelo lado de fora das portas. O momento era sagrado; Era mágico. Consagração da hóstia. O povo contrito num silêncio sepulcral fazia ouvir o virar de páginas do missal lá no altar. Aquele silêncio dos diabos me incomodava à beça naquele exato momento. Deixava-me doido; Era interminável; Era insustentável; Era diabolicamente insuportável. - Por que este maldito padre não canta ou faz o povo cantar? Perguntava-me eu desesperadamente. Preciso de muito barulho neste momento, continuava eu confabulando comigo mesmo. E a cerimônia não tinha fim, continuava lerda, muito lerda se arrastando dolentemente exigindo naquele momento um silêncio absoluto para que a magia se consumasse. Até os pássaros e a cachorrada vadia permaneciam em silêncio em respeito ao grande momento. Tentava feito um doido ligar o carro que com seu vum, vum, vum teimava em não ligar. A cada vum, vum do jipe roubava a compenetração dos fieis da Igreja que viravam a cabeça do lado olhando com ar de desaprovação a minha impertinência. - Liga logo seu filho de uma puta rezava eu baixinho, muito contrito para o puto do jipe endemoniado. -Liga seu merda, continuava eu na santa e bendita reza batendo violentamente com os punhos o painel do carro como que num flagelo colossal. Por fim o lazarento do jipe se deu por vencido, fez-se ligar e acabou aprontando uma merda comigo. A marcha estava engatada e o animal liberto foi todo faceiro beijar brutalmente estuprando a parede do fundo da garagem e assim a parede toda, gemendo, num gozo celestial, desfalecendo foi se quebrar com violência no chão num ruído ensurdecedor ao meio de um poeirão danado. Imediatamente no desespero pisei no freio engatando a marcha ré. Sem tirar o pé do acelerador ouvi os pneus cantarem no piso uma melodia nada sacra. O cheiro de borracha queimada e uma fumaça maldita invadiram como incenso o ambiente sagrado da Igreja. Vi desesperado que o lazarento do jipe saiu como um raio, de ré me carregando junto de encontro ao muro do jardim da casa paroquial. A garagem, aos berros de dor, não teve sustentação vindo ao chão porque o jipe violentamente na passagem arrancou a porta que estava meio aberta. O monstro só parou quando com um baque violento mais adiante pos impiedosamente o muro do jardim a nocaute. O momento na Igreja# era sagrado ainda e continuava a exigir silêncio absoluto, mas foi interrompido sacrilecamente pelo enorme – “puta que o pariu, estou fudido” que soltei a todo pulmão preso que estava entre as ferragens do jipe e tijolos do muro. Com os estrondos o padre Dionísio abandonou correndo a missa imaginando que fosse um ataque suicida e o povo aos berros em debandada saíu da igreja gritando: - É o final do mundo! É o final do mundo! Todo ensangüentado por entre os escombros e no meio da poeira que o jipe tinha deixado recebi a sentença máxima dita aos berros pelo padre Rosalvo ainda em cueca: - Está expulso da Igreja seu filho de uma puta. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA