quinta-feira, 28 de setembro de 2017

A #GALINHA CARIJÓ DA PORTUGUESA

Desde que me conheço por gente a minha memória, profundamente escavada me traz morando em casa de parede-meia. Tudo era mais dos outros do que nosso. Era um saco mesmo. O quintal compartilhado sem plantas, imundo com aquelas porcas valetas parecendo uma serpente conduzindo a céu aberto aquela água escura, ensaboada, nojenta das muitas tinas de lavar roupas que por ali existiam. O nosso mundo era restrito, apertado dentro de nossa casa e sem autorização para muita algazarra para não perturbar sabe lá Deus o que os bostas dos vizinhos estivessem fazendo. Era um saco escrotal pronto para estourar. A mãe quando dava umas chineladas para corrigir algumas peraltices praticadas por mim, Inca ou Laura estava sempre mais preocupada com o morador contíguo do que com os vergões vermelhos deixados nas nossas pernas dizendo: - Não chore alto, chore para dentro para não incomodar o vizinho. Nem isto a gente tinha o direito de praticar, tinha que engolir incontinente o choro contido. Animais de estimação neste gueto, nem pensar. Um dia, um gato magro, branco e preto meio adoentado se atreveu a adentrar a nossa casa não sei vindo de onde. Veio rosnando com seu olhar suplicando com sua espinha em v ao contrário e rabo empinado esfregando-se todo em nossas pernas. Os dias estavam pra lá de frios e resolvemos por caridade acolher o miserável. Naquele dia cobrimos o pobre diabo de muitos cuidados – água, comida e até colo. Aquela noite foi-lhe permitido permanecer dentro de casa – foi a última. No dia seguinte, acordamos mais cedo do que de costume e fomos sôfregos procurar o bichano. Reviramos a casa toda e não o encontramos; Deve ter ido embora o ingrato. Após o almoço, quando a mãe foi limpar o fogão de taipa deu de chofre, bem ao fundo, com o gato, todo retorcido assado. Deve ter se acomodado à noite no lugar mais quente que encontrou e de manhã quando o pai fez o fogo certamente não percebeu o bichinho que dormia à sono solto. Lamentamos inconsoláveis aquela catástrofe. Um dia, todo feliz o pai chega para o jantar e anuncia que iríamos mudar de casa e... mudamos. Esta casa foi um sonho encantado na época. Era ela absoluta reinando numa imensidão de terreno toda cercada em balaustre. Pra mim esta casa foi um castelo. Casa sem parede-meia e o terreno só nosso. A casa sem pintura, de duas águas fincadas em estacas de madeira a uma altura de 40 centímetros do chão ficava a direita de quem olhava da rua e a uns quinze metros afastada da frente. Ela tinha, do lado esquerdo de quem a olhava do portão de entrada da rua um gracioso puxado que a gente chamava de varandola. Dois degraus, em madeira e a gente estava nesta área pronto para entrar na sala da casa. Da porta de entrada se via que a casa por dentro era graciosa e simples toda assoalhada. Este assoalhado sempre bem enceradinho e cuidado. Não tinha forro. Da porta de entrada da sala, logo a direita via-se a porta do quarto chamado das crianças. Este quarto tinha a janela para frente da rua. Logo em seguida, fazendo vizinhança com o quarto das crianças encontrava-se o quarto dos pais, também com a janela para a rua. Correndo os olhos da porta do quarto do casal a esquerda encontrava-se a porta de um quartinho que era utilizado como despensa. Do lado oposto ao quarto das crianças encontrava-se a porta que dava para a cozinha. A janela da sala ficava ao lado da porta olhando a varanda. A cozinha ficava num puxado aos fundos e do lado esquerdo de quem descia as escadas da cozinha ficava mais um puxado aonde se tomava banho ou o pai usava para fazer às vezes alguns defumados. Do lado direito, na cerca se acomodava desasenvergonhadamente um maldito pé de chuchu. O quintal se estendia graciosamente por mais um vinte e cinco metros para os fundos. De fronte a cozinha, perto da cerca dando proteção ao chuchu se erguia majestoso pé de pêssego. Debaixo do pessegueiro, meio cambaleante, carcomido pelo tempo estava o forno à lenha equilibrado parcamente em quatro estacas aonde a mãe assava as gostosas broas. Na mesma direção da escadaria em madeira, a uns 3 metros se encontrava o velho poço que nos abastecia de água fresca. A mãe mantinha-nos distante dele dizendo que no seu interior era habitado por cruéis monstros que comiam criancinhas. Lá bem ao fundo do terreno, do lado direito de quem olhava estava o galinheiro aonde a mãe, muito feliz resolveu criar umas penosas. Atrás do galinheiro estava a privada. Do lado esquerdo do terreno, ao fundo abatido e já velho jazia deitado um tronco de árvore que o pai todos os dias tirava umas lascas para o fogão de taipa e para o forno. Do lado esquerdo do terreno, desde a frente até o fundo perto tronco estendido o pai resolveu plantar uns pés de mandioca, milho e feijão relembrando seus velhos tempos de roça. Com tudo isto ainda sobrava um bom pedaço de quintal para a gente fazer as estripulias. As galinhas eram nossos bichos de estimação que a gente desde pintainhos ia à busca para elas de minhocas e gafanhotos pelo quintal. Eram mansinhas e vinham comer milho e os bichinhos na nossa mão, mas viravam uns bichos ferozes todas arrepiadas quando estavam com seus pintainhos. A mãe dizia que um tal de gambá durante a noite vinha comer as cabeças das galinhas e por isto a gente ao entardecer recolhia pacientemente as penosas ao galinheiro e tratava de conferir se estava bem trancada a portinhola. Pela manhã conferia uma a uma se continuavam com suas devidas cabeças no lugar e então as soltava. O quintal era todo cercado de balaustre e não tinha nenhum vizinho nem do lado direito, nem do lado esquerdo e nem ao fundo. Isto nos dava uma liberdade para gritar a vontade e quando apanhava poder xingar e chorar bem alto. A gente vivia feliz correndo de um lado para outro neste imenso terreno colhendo ovos e tratando das penosas. Um dia esta vida tranqüila e prazerosa foi violentamente quebrada. Correndo pelos ninhos verificamos espantados que alguns ovos jaziam quebrados e vazios. – Será que o tal gambá come ovos também? Ficamos inquietos e começamos a montar guarda. Um dia surpreendemos um lagarto enorme que ao nos avistar se mandou atravessando a cerca feito um filho de uma puta indo se esconder num buraco no meio do terreno que ficava do lado do chuchuzeiro. Não demos trégua a este bicho. Toda vez que a galinha cacarejava em desembalada corrida lá íamos nós pegar o ovo antes do maldito lagarto. Quantas vezes com o ovo na mão mostrava uma banana e soltava a língua para o safado lagarto que de espreita desolado ficava com a cabeça de fora lá na toca lamentando a perda. Algumas vezes a gente jogava algumas pedras que nem perto dele chegavam. O pai dizia que carne de lagarto é muito boa, mas não fazia nada para matar este capeta que tentava invadir a nossa propriedade. Bem, o tal gambá nunca deu as caras, mas de repente começou a brigar e a bicar as nossas galinhas uma tal carijó muito estranha e arisca. Uma marginal sem família ou talvez sem um responsável por ela. A galinha carijó era muito abusada ou esperta demais, pois já bem de manhã lá estava ela, toda faceira no meio das nossas comendo o milho, ciscando as minhocas e apanhando os gafanhotos. Aquele abuso mexia com nossos brilhos. Todos os dias a mesma coisa. Muitos corridões atrás da infeliz até que um dia acertei uma paulada nas cadeiras dela que a deixou desfalecida por alguns instantes no chão o tempo suficiente para pegá-la. O lagarto apavorado assistia tudo do outro lado da cerca. - O que vamos fazer com esta putela? Perguntei para a Inca. - Vamos jogar para o lagarto comer sugeriu ela. - A mãe disse que lagarto só come ovo retruquei para ela. - Então vamos amarrar na porta do galinheiro, do lado de fora para o gambá vir comer a cabeça dela? Gritou então a Inca pegando a galinha de minhas mãos indo correndo para o local do crime. - O tal gambá deve ser muito medroso ou não existe, pois nunca apareceu, completei eu correndo atrás da Inca. Depois de muito confabular, medir os prós e contras lá fomos nós dar um corretivo nesta safada penosa pendurando-a de ponta cabeça amarrada pelos pés lá na cerca dos fundos. Para o nosso azar o animal que parecia não ter dono de repente aparece um. A galinha carijó era da portuguesa. O fundo do terreno dela fazia canto com canto com o fundo do nosso terreno. Depois de muito procurar a portuguesa chorando descobriu a galinha carijó, poedeira, criadeira e de muita raça pendurada na cerca dos fundos do nosso quintal. Chamou a nossa mãe. Confabularam as duas. Parecia que a portuguesa estava deveras nervosa. A mãe chegou, pegou um galho do pessegueiro e fomos eu e a Inca dormir com a bunda quente. Será que o lagarto tem dono também? POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 24 de setembro de 2017

UM VAPOR, UM RIO E UMA SAUDADE

Era uma daquelas madrugadas fria, final de primavera. As flores em profusão, respingadas do suor da serração, ainda em êxtase, exalavam mil perfumes pelo ar. As borboletas ainda dormiam embriagadas ou dopadas pelo néctar roubado nos jardins. Tudo era maravilhosamente deserto em descanso profundo, e assim, maculando este cenário, caminhava eu a esmo no ritmo da dança das recordações. Mais adiante avistei o solitário vapor Pery. Ele me viu e feliz, bocejando, acenou para mim. Mecanicamente acenei também. Cheguei, como quem não quer nada, e me postei encostado nele como puta velha buscando soluções para coisas impossíveis e insolúveis. - Oi! Velho camarada, disse a ele batendo várias vezes com a palma da mão no seu casco. - Oi, respondeu-me ele parecendo um pouco triste e saudoso. - O que acontece? Algum problema? Sempre o vi alegre e esperançoso? Ele suspirou, num suspirar de imensa tristeza e como se estivesse num divã desfiou suas mágoas em torrentes sem fim. O Pery estava ali, preso, estaleirado como um corpo inerte numa cirurgia completa de restauro. De onde ele estava tinha uma visão privilegiada do rio, e por isto, perdia-se em tantas ferrugens almejando desesperadamente o singrar por aquelas águas como dantes navegara. Tinha esperança e, de qualquer forma, isto alentava a sua vida metal. - Há tempo não vejo meus amigos vapores Leão, Paraná, Iguassu, Sara, Vitória e tantos outros! O que é feito deles? Perguntou-me em voz rouca. Bateu-me a saudade e uma imensa tristeza invadiu minha alma. Pensei um pouco e disse que estavam felizes aguardando a volta dele nas águas do rio. Foi para ele uma gota de alento esta informação. Contou-me da alegria quando, rio acima ou rio abaixo, cruzava com seus amigos. O silvo rouco, a chaminé soltando fumaça e fagulhas era o conversar deles na solidão do rio, que feito uma serpente, com suas águas deslizando transparentes e lépidas lambendo sôfregas as margens que as continham. Ele, numa voz quase sumida, contou-me dos lenços brancos nas mãos dos passageiros ao cruzar das embarcações. Subi até ao convés para melhor conversar com ele. Para não desanimá-lo completei dizendo que os amigos dele estavam também sendo preparados para a grande festa da volta. A certeza que todos tinham é de que sem tardança aquelas águas novamente estariam felizes acolhendo todos os barcos e vapores; E no vai e vem das ondas espumantes provocadas pelas rodas d’água, transportariam felizes mercadorias e pessoas. Seria tudo como dantes. Ele sorriu! Fui até a proa, passei a mão nela, e sentado por alguns momentos olhei o rio que se perdia numa curva mais adiante. Olhei demoradamente, e colocando-me no lugar dele pude perceber a angustia que meu querido vapor passava, estaleirado ali, e tanto tempo sem o contato com as águas. O gigante estava no ancoradouro, quase inútil preso, um tanto carcomido pela ferrugem, sendo aos poucos restaurado, apenas para servir de deleite para alguns curiosos que se postarão junto a ele para fotos futuras de recordação. A condenação para a inutilidade do Pery estava numa situação irreversível. Ninguém tinha mais paciência para estas viagens de prolongado tempo, e o rio maculado pela imundície e de leito aterrado pelo areal não se prestaria para qualquer tipo de navegação. E o pobre Pery isolado, triste desconhecia tudo isto. Estava ali, tal qual um moribundo que lhe escondem a doença, acreditando que ainda navegará pelo rio Iguaçu. E continuei meu conversar. Lembrei com ele a beleza e o encantamento da procissão de Nossa Senhora dos Navegantes. O Rio ficava apinhado de barcos e vapores enfeitados que deslizavam graciosos pelas águas do rio. Sumiam na curva da nascente e apareciam logo mais para o delírio, com palmas e vivas, gritadas pelo povo que se aglomerava na margem direita, na entrada do porto. Lembramos dos momentos festivos, e o burburinho buliçoso do povo no embarque e desembarque. Da retirada das entranhas dos vapores as mercadorias, e da cena bucólica das senhoras de vestidos longos e chapéus enfeitados e de seus homens em terno e gravata. A chegada do vapor no porto, anunciada pelo seu silvo rouco, era motivo de festa. A população se enfeitava, e feito criança descia para ver, para saber, para fofocar, e para participar. Ele riu um pouco do jeito dele, matutou por alguns segundos e perguntou depois de um longo suspiro: - Você acredita mesmo que eu posso novamente singrar todos estas milhas de água novamente? O sol já aparecia despertando as borboletas, os entregadores de pão, as fofoqueiras de plantão e tantos outros viventes. O campanário lá mais para o alto tocou o sino do nascer do dia. Não respondi. Apenas fiquei olhando condoído para aquele gigante e confesso que vi lágrimas em profusão nas suas feições. Mudei de direção o meu lacrimejado olhar e olhei saudoso para aquele rio podre, lodoso; Muitas lembranças boas me vieram; Voltei-me então para o Pery, e mais uma vez contemplei condoído o vapor enferrujado; E para não chorar com ele, afastei-me dali no meu passo mole, de um passar incerto que me levou para a realidade nua e crua que me vestia do agora cruelmente. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

MINHA MÃE E O SISTEMA KANBAN

O sistema Kanban, segundo vários autores consultados é um dispositivo sinalizador visual, um cartão que fornece instruções para que a produção inicie a fabricação dos itens marcado no cartão ou então para mostrar quanto de material está em estoque e quanto deste material vai ser preciso comprar. É um sistema largamente usado pelas indústrias e pelos supermercados. A palavra é de origem japonesa e significa, na língua deles etiqueta ou cartão; O sistema se utiliza de um quadro, estrategicamente localizado para colocar estes cartões que servirão de aviso ou de lembrete para as compras ou fabricação. Por que é dado o privilegio da invenção do sistema Kanban aos japoneses? Somente pelo nome Kanban? Não só por isto. Então vamos ver. Conta a história que na década de cinqüenta o Japão pós-guerra estava faminto por organizar e deixar com qualidade seu parque fabril. Dependia desta organização para se ter um custo reduzido aos seus produtos fabricados e se ter um controle refinado sobre o terrível desperdício principalmente no chão de fábrica. A indústria automobilística americana pela pujança e mecanização despertava muita a atenção e muitas vezes servindo de exemplo. para o mundo. Um grupo de empresários japoneses desesperados por organização nas suas empresas resolveu fazer uma espionagem industrial. Viajaram disfarçados de turistas para os Estados Unidos – óculos escuros, binóculo e máquina fotográfica dependurados no peito, chapeuzinho de pano com aba, ar de besta com suas camisetas e bermudas floridas e um caderninho de apontamentos. Eram os verdadeiros calçudos da época. Chegaram e cada um foi para a porta de uma fábrica. Disfarçados de operários entraram e conferiram a organização. À noite, no hotel cansados, estropiados, pois tiveram que trabalhar para não despertar a atenção, chegaram a um acordo de que nada do que viram não estava sendo praticado no Japão. Desanimados começaram a fazer as malas para o retorno. Como naquela época era muito comum quem visitasse os Estados Unidos desse uma chegadinha e fizesse umas compras na Sears, foram então, para cumprir este cerimonial no dia seguinte antes do embarque comprar algumas quinquilharias para suas esposas, filhas ou namoradas ou mesmo amantes. Quando estavam passando pelo caixa verificaram que a atendente retirava uma parte da etiqueta dos presentes e colocava num recipiente. Curiosos perguntaram qual o significado daquela ação. A atendente gentilmente explicou que a etiqueta seria recolhida por alguém que daria comando para repor na gôndola aquele material que eles estavam levando. - Kanban, gritaram felizes em coro os japoneses. Beijaram a atendente, deixaram um monte de gorjeta e saíram felizes para o aeroporto. A atendente não entendeu nada, mas ficou feliz com a gorda gorjeta recebida. E dizem as más línguas que a partir desta data os japoneses inventaram o sistema kanban. Mas... Continuemos a história. Muito antes deles minha mãe, de origem polonesa já tinha inventado este maravilhoso sistema que ela chamava carinhosamente de grepel. Ela quis um dia registrar em marcas e patentes, mas os organismos internacionais recomendaram a ela que desistisse do intento porque achavam de pouca importância o assunto e também, segundo eles causaria um conflito internacional em vista da palavra em japonês já ser de domínio público. Os malditos filhos de uma puta enganaram minha mãe. Então vamos aos fatos em defesa do invento desta simpática polonesa. Ainda quando pequeno, na década de quarenta tenho na memória bem registrado de que maneira minha mãe comunicava ao meu pai a necessidade da compra da casa, principalmente dos mantimentos. Como ela não gostava muito de verbalizar o pedido, porque sempre esquecia alguma coisa criou um sistema muito legal que visualmente informava ao meu pai o que de imediato precisava comprar para a casa. De tantos vou apenas descrever um. O café era comprado em grãos verdes que torrávamos em casa. Era acondicionado em uma lata mais ou menos na quantidade de 5 quilos. Minha mãe deixava no fundo uma quantidade de 1 quilo colocando o cartão (grepel) em cima e cobria com o restante dos quatro quilos. Usava, dia a dia até chegar ao cartão. Pegava o grepel e pendurava num prego perto da porta de saída. Meu pai olhava, anotava e trazia o café na quantidade solicitada. O grepel registrava o nome do item e a quantidade que deveria ser comprado. Minha mãe de posse do café comprado procedia religiosamente da mesma forma. O ciclo se repetia sem erro para o café como para todos os outros itens controlados. Assim, esta polonesa graciosa, geria tanto o estoque de mantimentos como os itens de produtos de limpeza para que não sobrasse e nem tão pouco faltasse nada na despensa de casa. Por esta razão a minha querida mãe é a verdadeira criadora do sistema controlado por cartões e que vá a merda os japoneses. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

O #SAPATO SAGRADO

Nos tempos idos em que era guri não atinava muito com estas coisas de obediência, de temor a Deus. Queria ter meu próprio reinado. A bíblia, no entanto é muito severa quanto a isto e deixa a criança a mercê dos seus progenitores. Ela coloca a falta de submissão à vontade dos pais na mesma latitude e longitude de outros terríveis pecados que pululam soltos por aí, tais como o tráfico de drogas, pedofilia; corrupções, sonegação ou apropriação indébita com dinheiro em cueca, meia, mensalão e dos diários secretos da câmara dos deputados. Eu acho que Deus, por preguiça ou por falta de controle, colocou nos ombros dos pais estas leis para se ver livre da molecada. Veja em Efésios: Honra teu pai e tua mãe para que te vá bem e tenha vida longa. Meu pai com seus 96 anos deve ser o exemplo disto. Não sei não se viverei muito! Na bíblia está escrito que os pais devem orientar seus filhos na disciplina e na admoestação do Senhor. Tarefa cruel esta! No meu tempo de piá, Deus era mais moço e muito severo. Não me afinava muito com Ele. Eu ia com meu pai a Igreja e enquanto ele rezava eu ficava de olho naquele olho cruel dentro do triângulo onde se lia que Deus tudo vê e castiga. Isto me deixava puto da vida e um tanto apavorado. Nunca quis conversar com Ele, mas se fosse conversar iria dizer umas boas. Hoje o meu Deus é mais velho e mais experiente e me permito bater uns bons e saudáveis papos. Tenho aprendido muito com a Sua experiência e ele tem sido mais compassivo, mais tolerante e até mais humano. Bem eu vivi nesta severidade toda onde a lei de proteção ao menor não era observada e o trabalho menor escravo corria solto sem qualquer fiscalização. Entre muitas atividades que tinha que fazer a contra gosto em casa uma tarefa odiosa era o de engraxar o sapato de meu pai. E aí eu ficava mais e mais encanado com Deus, pois sempre o sapato engraxado aos finais de semana era para ir visitar a Sua casa aos domingos. No final de semana minha mãe sempre me lembrava: - Já engraxou o sapato do seu pai? E lá ia eu furioso com Deus e meu pai executar a terrificante, impiedosa e laboriosa tarefa. - Por que será que Deus exige que meu pai tenha os sapatos engraxados para ir visitá-lo? Perguntava isto resmungando furioso para mim mesmo enquanto me desgastava, me acabando todo nesta labuta. Um dia ao iniciar a fatigante e terrível tarefa de engraxar o sapato verifiquei que não tinha a graxa marrom. Não sei se por espírito criativo ou por revolta mesmo peguei a graxa preta e fiz o processo tranquilamente. - Meu pai nem vai perceber e até vai gostar, pensei cá com meus botões. O sapato ficou com uma cor toda atrapalhada que variava do marrom ao preto. Ficou da cor de vão de cerca. Talvez uma nova cor tenha sido criada. Não gostei muito, mas a tarefa foi cumprida. No dia seguinte é que fui sentir as conseqüências do inconseqüente ato. O sapato da cor marrom era de exclusividade para a casa do Senhor e o da cor preta para trabalho. A cor que elaborei e compus no sapato certamente seria para conduzir à casa do capeta, pois meu pai quando viu aquilo virou o bicho e como servo obediente daquele Deus rigoroso, fez sua oração ali mesmo. Não pode ir a Igreja e me aplicou umas lambadas na parte posterior traseira amaciada. Passei o dia todo sem poder sentar removendo a graxa preta do sapato sagrado. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA