sexta-feira, 27 de maio de 2011

CAVALGANDO UMA BICICLETA MUITO DOIDA

Quem, quando guri não morreu de vontade de andar de bicicleta? Pois sou um destes indivíduos que quando imberbe ainda, e não pubescente sonhava com a magrela dia e noite. Implorava insistentemente uma para meu pai, mas ele impassível ignorava as minhas doridas súplicas. No meu tempo, lamentavelmente não tinha ainda a grande motivação de –“Não esqueça de minha caloi”.
A bicicleta povoava meus sonhos. Era uma coisa boa e um tormento ao mesmo tempo. Eu sonhava com aquelas lindas propagandas de bicicletas que apareciam nos jornais e revistas. A sueca Monark, por exemplo, era considerada a rainha das bicicletas e era feito em aço de primeira, acabamento esmerado e cores lindas. Era a preferida do Brasil segundo a propaganda. Era a minha preferida também. A danada vinha com dínamo Hackel para os faróis Riemann e estava acoplada com a bomba pneumática Progress. Uma belezinha. Eu vivia fazendo coleções de recortes destas propagandas. Nos meus sonhos eu já havia andado milhares e milhares de quilômetros deslizando ruas, estradas, vielas e campos. Eu estava perito no assunto em botar a bunda no selim.
Para mim, um estilingue no pescoço, um picuá carregado de pedras na cintura, um pião, umas bolinhas de gude e uma magrela para me carregar era o máximo de minha ambição. Nada mais eu queria. O estilingue, o picuá, o pião e as bolinhas de gude eu os tinha, mas a bicicleta em meio a névoas ficava turva em meus anseios. Quando eu a teria? Martelava constantemente em meu cérebro esta pergunta. Quando?
Um dia vou possuir uma, pensava otimista olhando demoradamente aqueles recortes de propaganda.
Este dia não demorou a chegar.
No meu tempo, todo bom moleque que já sabia ler e escrever tinha que procurar alguma ocupação ou ofício para desenvolver. E lá fui eu aprender o ofício de marceneiro. Tinha 12 anos de pura inocência e muitos sonhos a realizar. Muito mais sonhos e pouca realidade.
Na marcenaria trabalhavam alguns marmanjos, eram os meus professores e a um canto, lá mais para o fundo do barracão, tal qual uma princesa encantada permanecia sempre uma linda e indescritível sueca. Pareceu-me, algumas vezes que ela dava umas piscadelas para mim. Eu acredito que foi amor à primeira vista.
Minha iniciação na arte de construir tranqueiras em madeira estava indo muito bem, mas minha paixão pela sueca aumentava desesperadamente dia a dia. O percurso de casa até a oficina de artes em madeira era bem longo, mas minha motivação em estar lá antes da hora e sair depois da hora era esta linda e graciosa sueca que impassível permanecia lá como se estivesse obcecadamente me esperando. Era uma atração fatal.
Dois tímidos. Eu de um lado fazendo minhas tarefas, jogando de quando em quando um olhar furtivo e enamorado e ela de outro lado, calada, linda me espreitando.
Um dia o dono da oficina me surpreendeu passando a mão nela. Fiquei sem jeito, esperei uma bronca, mas ele simplesmente me disse:
- Cuidado com ela, moleque, ela é minha e sou muito ciumento, mas como sou bastante liberal, se você quiser um dia eu o deixo sair com ela.
Minha alegria foi tanta naquele momento que quis gritar, dar um abraço nele, mas apenas timidamente agradeci.
Isto nos fez, eu e a sueca mais próximos um do outro. O nosso namoro estava cada vez mais forte. Ela era caladona, mas me permitia que eu ficasse ali ao seu lado falando qualquer coisa, sobre mim, sobre meus amigos; Era um bla bla danado sem fim.
A minha paixão pela sueca estava em proporções descomunais. Quando em casa não via a hora de retornar ao trabalho para estar ao lado dela. Os finais de semana me pareciam longos e intermináveis.
O grande momento de realizar o meu sonho chegou! Meus lindos sonhos seriam realidade agora. Vou finalmente andar de bicicleta.
Alguém da oficina precisaria ir fazer uma entrega de uma encomenda qualquer do outro lado da cidade. Eu fui o escolhido.
- Você sabe andar de bicicleta? Perguntou-me o dono da Marcenaria.
Esperei um pouco dei um tempo para responder. O treinamento que fiz nos meus muitos e variados sonhos me pareciam reais. Eu sabia, é claro que eu sabia andar de bicicleta e muito bem. Recompus-me não acreditando ainda na pergunta e de imediato, meio gaguejando respondi.
- Sim, sim eu sei.
Colocaram com cuidado a obra de arte restaurada no bagageiro da bicicleta dizendo-me:
- Cuidado com esta peça, ela é antiga e de muito valor.
- Sim, gaguejei.
- Guri, cuidado com a minha Monark, ela é uma coisa preciosa que tenho, acrescentou o dono da marcenaria.
Finalmente a sueca estava em meus braços e logo logo estaria sob minhas pernas. A minha alegria era tanta que acabei acreditando que sabia realmente bicicletar e com isto tive um orgasmo precoce.
Olhei aquela formosura toda reluzindo de impecável pintura preparada para a missão quase impossível.
Os primeiros 100 metros eu os fiz apenas empurrando a sueca. Fui num monólogo tranqüilo com ela. Queria estar longe das vistas do dono dela no memento sublime de dar à primeira trepadinha. A cidade até parecia que parou para me permitir andar sem problema. Suas ruas em colossal areal se estendiam desertas por quase todo o trecho. Até os cachorros vadios se recolheram.
Criei coragem, mas tremendo de medo frente a uma enorme descida me encavalei desajeitadamente em cima dela. Pareceu-me ouvi-la dizendo:
- Vá com calma meu amor!
Eu estava tarado, estava afoito, na realidade eu era naquele momento o noivo virgem doido pela primeira foda e não atendi ao seu reclamo, comecei a descida em desembalada corrida. Ela gemia sob meu corpo que quase solto queria escapulir.
Meus cabelos soltos ao vento acenavam felizes e eu em início de operação radical começava a suar frio. O medo estava solto correndo lado a lado comigo. Meu anjo da guarda suplicou aos céus e me abandonou. A Monark desgovernada, zig zagueando doida engolia a distância, gritando frases desconexas. Meus pés soltos não encontravam os pedais e o selim fazia bolhas na minha bunda.
A sueca gritava frases de ordem, rebolava toda, mas eu juro que ela estava feliz pela liberdade incondicional que eu estava lhe proporcionando.
Como um peão nos corcovos da mula xucra eu tinha presa apenas uma mão no guidão da desgovernada Monark.
Pouco mais de 50 metros, nada mais do que isto foi palco da mais ousada e radical desembalada corrida ciclística que se tem notícia coroando ao final com um fenomenal acidente.
Um banco de areia ao nos ver doidamente se aproximando gritou, acenou, gesticulou, quis sair do lugar e nos seus braços espetacularmente fomos parar.
A sueca quando colocou seu rodado dianteiro no areal, deu um espetacular corrupio no ar, xingou largando-me em pleno vôo. Planei por alguns segundos e vertiginosamente de cabeça cai. A minha fuça foi a primeira a chegar ao areal vindo logo em seguida a Monark que num baque se enrolou toda em mim para amaciar sua queda.
A logística da entrega foi estancada neste ponto. Apenas 50 metros de adrenalina pura. Foi uma experiência incrível cavalgar numa xucra sueca que acabou culminando na realização do meu sonho – Andar de bicicleta. Desastrosa experiência, mas foi o início. Finalmente andei de bicicleta.
No local uma boa alma me ajudou a se desvencilhar da magrela que toda retorcida prendia-me a ela num abraço funeral; juntou cuidadosamente os pedaços da obra de arte que levava na garupa e me entregou com cuidado.
Eu estava todo empoeirado e sangrando, mas estava muito mais feliz que preocupado.
De repente, recompondo-me um pouco bateu loucamente em minha memória a recomendação:
- Cuidado com esta peça ela é uma obra de arte e de muito valor. Cuidado com a minha bicicleta, ela é bla e bla e mais bla.
Comecei a chorar desesperadamente reunindo os restos mortais da obra de arte e juntando do areal maldito a linda sueca toda retorcida.
- O cara vai me matar, pensei eu, enquanto caminhava de volta.
Pensei em fugir, desaparecer deste mundo, mas criei coragem e continuei o meu regresso. Como um bom empregado, ao emprego estou retornando.
Ao chegar de volta com aquele monte de ferro e lata retorcida disse ao dono da marcenaria:
- Fui atropelado e não me lembro de nada.
A sueca, no seu último suspiro teve forças e me deu um beliscão pela mentira. O dono da marcenaria, esbravejou, vomitou impropérios e quando quis me bater desmaiou caindo espetacularmente ao chão.
Mudei de cidade, fui para o seminário e até hoje não tive coragem de ir lá receber o meu salário.

por: Mario dos Santos LIma

terça-feira, 24 de maio de 2011

POR ONDE SAI O OVO?

Criança sempre tem cada idéia que as vezes faz na gente arrepiar os pêlos mais íntimos que temos. Quer pular de um andar para outro imaginando ser o homem aranha ou então quer morrer para ver se de outro lado é mesmo da maneira como os adultos contam. Quando ninguém ajuda, coloca nomes às coisas e aos animais que só mesmo ela entende. É sempre lógica e deduz de forma brilhante qualquer pesquisa de interesse de foro íntimo dela.
Desde que nasce, a criança já entende que o mundo dos adultos não é o mesmo que o dela. Ela entende que o mundo fará dela uma besta, tão besta como o são seus pais, seus avós, seus tios e outras pessoas que se acercam dela fazendo bilu bilu ou então dizendo como se ela fosse um bicho inútil de estimação: “- Que gracinha”.
A criança sabe por experiência e por muita pesquisa que também ela se tornará uma besta um dia. Isto normalmente acontece quando os pêlos começam a brotar aqui e acolá nas partes inferior e anterior do osso ilíaco.
O ser humana nasce, se torna criança e aos primeiros apêndices filamentosos da pele vira uma besta e quando estes filamentos começam a cair retorna ao estado de criança que nunca deveria deixar de ser. Neste estado de criança outra vez, ele ou morre abandonado ou se torna um ente extra terreste, anormal no meio dos bestas considerados normais.
Na realidade não quero falar dos bestas que habitam esta terra e sim dos seres normais impúberes que buscam sabedoria derribando sonhos e arquitetando conceitos e ações.
Fui criança. Hoje sou um besta, mas a beira da criancice.
Eu e minha irmã, antes que as hastes queratinizadas viessem perturbar as axilas e partes íntimas nossas brincávamos tranqüilos pelo quintal de casa.
O quintal era grande e a mãe aproveitava para criar umas penosas a fim de ter o precioso ovo e nos finais de semana uma deliciosa depenada assada.
Adotamos, desde o romper da casca do ovo uma carijó e não sei por qual razão batizamo-a de ximbica. Hoje quis saber o significado da palavra ximbica. Escarafunchando o Aurélio nada pude encontrar e então fui esgaravatar a internet e só então, eriçado completamente hirto descobri o significado quase imundo da palavra. Só não encontrei como nome de uma nobre galinha.
A ximbica era uma graça de galinha; desde pequenina teve um apego sincero por nós dois. Vinha buscar os artrópodes que a gente buscava pelo quintal só para ela. Ela gostava de se aninhar em nosso colo para receber os carinhos na sua empenada cabeça.
Um dia a curiosidade nos abateu e a pergunta bailou feito uma doida em nossas cacholas: Por onde sai o ovo da galinha?
- Mãe, por onde sai o ovo da galinha? Perguntamos para nossa mãe e ela de pronto respondeu:
- Pór um buraquinho debaixo da asa.
Lá fomos nós, pegar a ximbica e esperar pacientemente a hora do ovo sair.
Ficamos montando um plantão cruel; um pouco eu e um pouco a minha irmã com a ximbica no colo aguardando por onde saia o tão esperado ovo.
Finalmente, a pobre ximbica não aguentando mais reter o ovo em suas entranhas despejou-o para fora.
O ovo caiu diretamente em meu colo e eu gritei para minha irmã:
- Eu sei por onde saiu o ovo.
- Toda espavorida, correndo ao meu encontro perguntou incontinente:
- Por onde? Por onde?
Respondi então:
- Por um buraquinho que abriu e fechou aqui debaixo da asa.

por: Mario dos Santos Lima

quarta-feira, 18 de maio de 2011

UM CACHORRO ENROSCADO NA CRUZ

O Frei Dionísio como um bom franciscano... ou ele era jesuíta? ou... Não sei mais, mas que gostava de animais, gostava mesmo isto eu sei. Tinha um casal de cachorros peludos que era uma maravilha. O casal de caninos ficava preso o tempo todo na casa paroquial cercado de mil cuidados e mil carinhos e desta forma era uma recomendação veemente dele para nós sacristãos:
- Não me deixem nunca a porta aberta porque as minhas crianças podem escapar e ir se misturar aos vira-latas pulguentos e malcheirosos da redondeza.
Não conseguia entender como alguém, principalmente um padre pudesse ser tão racista e discriminador. Coitados dos vira-latas que não tinham o direito de entrar na Igreja e nem comer as míseras migalhas de comida que sobravam de seus peludos.
- Não quero estes sarnentos dentro da minha Igreja. – Sempre recomendava ele para nós e nós mantínhamos um policiamento feroz contra estes inimigos da Igreja.
Comecei a olhar todos os vira-latas que cruzavam pela rua como uma coisa satânica e amaldiçoada. Se algum deles passasse por perto de mim imediatamente me vinha uma vontade incontida de meter um ponta-pé no traseiro dele. O Frei estava fazendo em mim uma verdadeira lavagem cerebral sem que eu me apercebesse. disso Só o casal de peludos dele é que iria para o céu, isto já estava bem claro na minha cabeça.
Toda vez que abria a Igreja de manhã lá estava o sarnento e pulguento deitado, todo encaracolado na soleira da porta.
- Maldito, saia daqui – gritava eu para o pulguento que sossegadamente abria apenas um olho e olhava para mim, punha-se em pé sacudindo de um lado para outro todas as pulgas do seu magro lombo e descia compassadamente a escadaria rumo à rua.
Mal eu virava a costa e lá vinha ele de volta se acomodar no capacho que ficava ao pé da porta da Igreja.
Às vezes me passou pela cabeça que aquele pulguento estava apaixonado pela cadelinha peluda do Padre e era então por isto que o Frei tinha todo aquele cuidado com a porta de entrada da casa paroquial. Talvez tenha até acontecido, no passado algum caso, rolado um clima entre o pulguento e a peludinha e o frei, lamentavelmente tenha descoberto. Mas se isto realmente aconteceu e se existe ainda essa doida paixão entre o sarnento e a peludinha é claro que, para o bem dos bons costumes este romance deverá ser abortado incontinenti mesmo. Ele é um vagabundo, pulguento, latidor das madrugadas e perturbador de portas de igreja e ela, peludinha, bem educada, cheirosinha e amorosa. Jamais daria certo. Ela é de dentro da Igreja e ele das escadarias da Igreja. Ele um amaldiçoado, satânico e ela uma santificada.
- Para o bem da Igreja preciso dar um jeito neste vira-lata – pensava eu.
O meu grande medo era de que ele reunisse, num dia qualquer destes todos seus amigos e viesse fazer um grande cachorrismo ali na escadaria da Igreja exigindo os direitos caninos e eu então estaria fodido perante o Frei por não ser um bom guardião das coisas santas de Deus. Seria despedido e o Frei me excomungaria.
Tomei uma decisão. Vou preparar algo para que este filho de uma cadela não mais venha incomodar a Igreja e colocar em perigo a minha santa ida um dia para o céu.
Pegar o pulguento foi fácil, ele até grunhiu e lambeu as minhas mãos imaginado por certo de que eu finalmente estava me rendendo a ele. Amarrei facilmente umas bombinhas no seu rabo e deixei a coisa acontecer. Depois de alguns dias ele voltou trôpego, assustado e sem rabo.
Num primeiro momento me causou pena ver seu lastimoso estado, mas imediatamente me recompus:
- Você não aprende mesmo – bati o pé e lá foi ele todo trôpego embora com o que sobrou do rabo entre as pernas e cabisbaixo.
No dia seguinte quando abri de manhã a Igreja lá estava o sem rabo todo encorujado aguardando a minha bronca.
- Esta noite a cachorrada vadia em assembléia com uivos esganiçados não me deixou dormir – o Frei já cedo comentou comigo o fato e isto deixou bem claro que estes vadios de rua só podem ser criação do capeta.
Uma notícia deixou-me satisfeito por aqueles dias. Estava na cidade um circo e como todo circo que se preze deve ter animais ferozes, grandes e famintos. Tinha um leão velho, manso como um corno, mas que uivava de fome dia e noite.
O dono do circo dava uma entrada para a matinê por cada bicho que era trazido ao circo. É claro que o dono do circo não dizia claramente que era para alimentar seus bichos e dar um sossega no leão.
A matinê ficava lotada e a bicharada do circo satisfeita. A molecada feliz empoleirada se deliciando com as piruetas e palhaçadas dos palhaços não estava nem aí com o holocausto das vítimas.
A minha grande esperança é de que alguém achasse o pulguento e o levasse ao circo.
Passa dia e mais outro e nada disso aconteceu. Estava cada vez mais angustiado com aquela situação. Eu seria considerado incompetente perante a Igreja se não aproveitasse a oportunidade e desse um fim no sem rabo.
Tomei então uma decisão definitiva.
A torre da Igreja é bem alta, uns 40 metros de altura.
Peguei o sem rabo, amarrei nele um lençol velho. Cada ponta do lençol numa pata. Subi até a torre da Igreja e dela soltei o sarnento.
Minha idéia era pregar um belo susto no filho do capeta e que o lençol como um para-queda, pelo vento o levasse para bem longe; Talvez para perto do circo ou até dentro do circo.
Soltei. O pior aconteceu.
Não tinha vento. O lençol não se abriu e acabou se enroscando no braço da cruz santa que ficava um pouco abaixo. Como o endemoninhado animal começou escandalosamente a latir pude escutar o povo lá em baixo assustado falando:
- Isto só pode ser coisa do sacristão
O Frei deve ter sido tomado por uma louquice estranha ou tudo tenha sido uma bela jogada política religiosa para abafar o caso, pois acabou chamando o corpo de bombeiro para salvar o pestilento e terminou por adotar o animal, coisa que até hoje não entendi.
O Frei só não me excomungou, mas fui expulso da Igreja.

por: Mario dos Santos LIma

terça-feira, 17 de maio de 2011

ORAÇÃO DA NOITE


Naquela noite eu saí da sala de aula, antes de seu término iracundo, espumando pelas ventas. Normalmente sou tolerante, mas aquela turma extravasou qualquer limite de tolerância naquela conturbada noite.
Se tivesse que indicar alguém para qualquer cargo administrativo ou gerencial eu os condenaria completamente. Era o sexto período de administração e um bando de moleques travessos e irresponsáveis!
Eu caminhava, a passos largos até a secretaria a fim de entregar o livro de chamada e justificar a não minha presença junto aquele bando de desordeiros.
Na época fiquei realmente bravo considerando uma tremenda falta de respeito, coisa sem propósito, mas hoje eu reconheço que eles foram, além de ridículos, atrevidos e ousados. Ao lembrar a cena hilária não consigo prender o riso.
Fico imaginando cá com os meus botões que provavelmente se estivesse estudando junto com eles provavelmente teria experimentado do mesmo sabor daquela balburdia.
Agora estou me recordando que naquele dia preparei com esmero e carinho a aula de produção para aquele sexto período. Saí com um pouco atraso de casa e com isto entraria em sala com alguns minutos do início.
Cheguei esbaforido a Faculdade.
Atravessei os corredores para alcançar a sala e percebi que naquela noite as outras turmas por onde eu passava aconchegavam espremidos na porta alunos contagiados de uma alegria sem par. Pareciam cães tarados farejando cadelas no cio. Acotovelavam-se com as cabeças no corredor curiosos e ansiosos olhando para a sala em que eu estava por chegar. O murmúrio era tanto que o vozeio perturbava todo o ambiente.
Estranhei, fiquei curioso, mas me coloquei avante.
A sala foi se aproximando perigosamente à medida que meus passos engoliam o corredor. A luz lá fosca e avermelhada me deu a sensação de estar indo para um lugar proibido. Verifiquei primeiro, com um beliscão no braço se realmente estava acordado e medrosamente me vi no umbral da porta de entrada.
O que vi é indescritível, mas vou tentar relatar.
A sala parecia um amplo dormitório.
Aquelas meninas todas nas suas transparentes camisolas, algumas minúsculas deixando lindas tetas quase de fora abraçando sensualmente seus ursinhos de dormir. Suas pantufas lilás ou rosa choque naqueles pés delicados perturbavam meus olhos que safados se deliciavam lambendo suas lindas cochas morenas.
Deveria ter alguns machos por entre elas que por certo desmunhecaram, mas eu nos os vi e nem fiz questão para tanto. Apenas meus olhos se deliciavam e bolinavam aquelas maravilhosas sereias. Musas infernalmente tentadoras.
Foram momentos que quase me levaram ao mais alto grau de excitação olhando tudo aquilo, mas a responsabilidade e o bom senso me acordaram, e então pude, livre de toda a emoção, de todos os calafrios por que passava meu corpo analisar friamente avaliando aquela esbórnia.
A empresa contratada para a formatura estava a postos em diversos ângulos com suas potentes máquinas filmadoras e fotográficas. Por certo o material depois de revelado deve ter saído uma bosta visto que estes tarados profissionais estavam abundantemente babando muito mais que trabalhando apreciando aquelas bundas, aqueles peitos e aquelas cochas. É justificado, pois concordo que ninguém é de ferro.
Por momento petrificado, confesso que também babei, mas me refiz e adentrei sala para tomar conhecimento da desordem, e entendi ali o porquê de toda a Faculdade estar ouriçada também.
- O que significa isto? Perguntei numa voz esganiçada.
- Estamos filmando para a formatura, responderam-me em coro e continuaram:
- Queremos aula!
Quase perguntei se aquele era um curso de administração ou de sacanagem, mas me contive e disse:
- Eu acho que vocês estão mais para dormir que receber conhecimentos, justifiquei.
Por alguns momentos não sabia se saia correndo, se ia até minha casa buscar meu pijama ou...
- Bem pessoal, com minha voz de comando completei:
- Quero todos de joelho! Vamos fazer a oração da noite!
Incontinente todos se puseram de joelho, ao lado das carteiras repetindo a oração da noite comigo.
Eu acho que Deus também gostou muito em ver aquelas lindas criaturas mal vestidas mostrando suas belas formas. Quem não gostou mesmo foi o Diretor que não sendo convidado para a festa aplicou na turma uma semana de suspensão.


OBS. Deixo de mencionar data e a instituição. Quem foi meu aluno na oportunidade com certeza ao ler lembrará do fato que por certo está registrado nos seus álbuns de formatura.

por: Mario dos Santos Lima

UM LADRÃO MODERNO

A vida é feita de surpresas; De muitas surpresas. Muitas vezes alguns acontecimentos nos trazem conseqüências, nos envolvem em situações momentâneas entre desastrosas ou hilariantes. Sempre na hora do fato ela nos é funesta ou desastrosa, mas depois, ao lembrá-la ou comenta-la ela se torna engraçada, muito cômica mesmo.
A Irene comprou o seu carro zero bala e deu nome de princesa. Cercou-o de mil cuidados. Nada pode acontecer a ele. Ele é intocável. Ninguém está autorizado a usá-lo. Para olhar é com olhos e não com os dedos ou mãos. Muitas vezes ela acaba indo de ônibus ao trabalho só para evitar aquelas doidas circunstâncias que possam oferecer qualquer perigo à princesa dela.
Se uma mosca desavisada nos seus vôos mirabolantes senta despreocupadamente na lataria do carro a Irene sempre atenta e ali por perto de guarda espanta-a violentamente ameaçando-a de morte. Imediatamente pega a lupa que sempre está na sua bolsa para verificar se as patas nojentas do inseto causaram qualquer dano à pintura de sua princesa.
O carro já algum tempo guardado estava até com teias de aranha gerando alguns protestos dos moradores principalmente daqueles que tem a garagem contígua ao carro da Irene. Para evitar maiores problemas no condomínio ela resolveu tirar a princesa para tomar uma fresquinha temerosamente solicitando que eu fizesse isto, mas não sem antes fazer mil e umas recomendações. A garagem do prédio é um verdadeiro funil e de estreita passagem e em função disto e das severas recomendações eu levei mais de quarenta minutos para sacá-lo da garagem para a rua. Formou-se atrás, na garagem um congestionamento enorme de carros e um tremendo buzinaço. Quase fui linchado por isto, mas consegui tirar a princesa da Irene sã e salva sem qualquer arranhão.
O dia estava calmo e convidativo para umas voltas.
O carro olhou para mim com aquele olhar de súplica, tal qual uma vadia se desnastrando toda sugerindo:
- Vamos dar uma voltinha na quadra garotão?
Aquele convite de encômio autêntico aguçou minha vontade de dirigir aquele caro cheirando a virgem. Olhei de um lado e olhei de outro e adentrei àquela preciosidade. Eu senti que com esta penetração a princesa deu um suspiro de prazer.
- A Irene nem vai perceber, pensei eu cá com meus botões.
Liguei a ignição e o rádio.
- Ladrão perigoso rouba bicicleta do supermercado e assalta banco colocando todo o dinheiro na cesta de plástico fixado no bagageiro. Esta foi a notícia que eu estava escutando.
Tudo estava indo as mil maravilhas até eu pegar a rua de sentido único. O movimento estava intenso, mas...
Um pouco mais acima vislumbrei um tresloucado de arma em punho pedalando alucinadamente uma bicicleta contra a mão. Logo atrás diversos carros da polícia de sirene ligada e quatro helicópteros metralhando o indivíduo gritando:
- Pega ladrão, e o cara numa desembalada corrida se agigantava cada vez mais contra o carro da Irene.
Todos os motoristas a minha frente abrindo espaço subiam nas calçadas abandonando aos berros seus carros e eu rezava feito um filho de uma puta para todos os santos e deuses que porventura existissem para que tudo aquilo fosse apenas um sonho, fosse uma grande mentira.
E eu acho que Deus e os santos não existem.
As balas assoviavam felizes passando por mim, acertando a princesa e estilhaçando o pára-brisa. Eu já não mais guiava o carro, ele se guiava aos gritos e aos pulos de felicidade acelerava ainda mais de encontro ao ciclista maluco.
A bicicleta veio de encontro e num estrondo gigantesco abraçou como se fosse um sinapismo a princesa da Irene numa foda monumental. O cara vazou pelo pára-brisa e sem perder a postura, de ponta cabeça no banco, por entre as pernas apontou a arma para mim e pediu que eu tocasse rápido para fugir da polícia.
Iniciou a grande fuga radical.
O carro sobe nas calçadas, dá cavalo de pau, faz a curva em duas rodas, passa por canteiros, passa por galerias, quebra muros e postes, derruba árvores deixando a polícia enlouquecida com diversos carros trombados e capotados. E lá vou eu com a arma apontada no pescoço dirigindo em cenas cinematográficas americanas fugindo da polícia ao som funéreo das sirenes, balas sibilando e do povo gritando.
Depois de quase cinco horas de fuga o exército americano, convocado consegue finalmente abater o carro com uma bala de canhão que pesava mais de duzentos quilos. A bala atingiu em cheio a traseira do carro arregaçando completamente fazendo as rodas abrirem pra fora feito uma vadia de pernas abertas. Alguns gemidos de prazer nem sei e a princesa finalmente parou.
Mil armas apontadas para mim.
O ladrão fugiu em desembalada corrida levando o dinheiro e eu me fodi.
Saí de mãos erguidas e me joguei no chão. Fui algemado e preso por ter dado acolhida ao ladrão; por formação de quadrilha; por roubo qualificado; por ter perturbado o sossego público; por dirigir perigosamente, por estacionar em local inadequado; por atropelamento.
A Irene pagou a fiança de soltura e eu saí livre, mas proibido de dirigir qualquer carro que ela futuramente vá comprar.
A princesa dela está em exposição no centro da cidade toda quebrada, riscada, perfurada com a bicicleta fundida na frente e a bala de canhão grudada atrás. Uma verdadeira obra de arte.
por: Mario dos Santos LIma

sábado, 7 de maio de 2011

URINOL FURADO

Quando chegava de férias do seminário pouco ficava eu em casa; tinha um prazer enorme em ser convidado pelo Padre Vigário para ajudá-lo nas cerimônias da santa missa. Certa feita me convidou para ir até ao Pontal do Paraná.

A estrada estreita, em terra batida era muito linda e agradável ladeada de mata nativa que em certos trechos até parecia um túnel. De quando em quando a gente tinha o prazer de encontrar com algum bicho silvestre que assustados cruzavam a estrada, ouvir o canto estridente do tucano e o rebuliço das araras em bando. Passava ao largo de Teodoro Sampaio embrenhando-se cada vez mais na mata virgem.

Depois de umas 3 horas de viagem de Jipe - jipe modelo 54 - chegamos a uma grande clareira onde se via ao centro a Igrejinha ladeada por algumas casas em madeira. O sol já se espreguiçando, perdendo a cor teimava em querer desaparecer. Era uma pintura o local. Eu estava boquiaberto admirando tudo aquilo quando o Pe. Rosalvo vira-se para mim e todo feliz numa voz de vitória diz: - “Chegamos”.
Alguns foguetes vieram quebrar a quietude daquele lugar. Os pássaros em revoada abandonaram assustados os galhos das árvores, não sei se de medo do berro do padre ou dos foguetes. Como se tivesse mexido num formigueiro, surgindo não sei de onde uma multidão cantando, gritando, dando vivas nos recebeu em festa. Ali mesmo, cansado da viajem, mas muito feliz pela recepção o padre convidou aquele povo para a reza do terço que aconteceria logo à noite. O povo, na sua imensa alegria nos carregou com malas e tudo igreja adentro. A festa toda tinha um sentido muito nobre e muito grande para aquela gente humilde, pois o padre aparecia de quando em vez por ali.

Depois da reza do terço o padre ficou acomodado na parte dos fundos da igreja num quartinho singelo, mas posto em ordem e eu fiquei na casa da família logo ao lado da Igreja.

O quarto era grande, cama de casal e urinol branco, louçado – coisa de rei – reluzente ele dava sinal de vida indicando de que eu não precisaria sair lá fora para fazer minhas necessidades – à noite sempre me apavorou com seus mistérios e uivos desconhecidos. Conferi tudo. A cama de palha bem mexida. Uma coberta de pena de ganso – as noites nestes lugares encravados na floresta sempre são mais frias. Um criado mudo e uma lamparina a querosene em cima iluminava parcamente o local com sua luz crepitante. Olhei para o teto e fiquei deveras preocupado. Não tinha forro e meu quarto era contíguo ao quarto do casal. Tinha que ser comedido nos meus movimentos para não atrapalhar com o barulho o sono inocente de meus anfitriões. Andava nas pontas dos pés. Cuidadosamente me pus por debaixo das cobertas. Imperceptíveis ruídos se espalharam pelo ambiente acreditando eu que não ultrapassou a parede que dividia meu quarto com o deles. Lá fora ainda escutei o piado sorumbático de uma coruja e um calafrio perpassou toda minha espinha. Apaguei a lamparina, fiz minhas orações da noite e adormeci apreensivo, mas feliz.


De madrugada acordei com o cacete aprumado. Como não tinha tido nenhum sonho erótico verifiquei que era apenas minha bexiga avisando de que precisava ser esvaziada. Pus-me mansamente fora da cama, me inclinei e peguei o penico. Preocupou-me na hora o ruído característico que o jato de urina faria no fundo do urinol que, por certo acordaria assustada a população toda – os humanos e os bichos.

Por alguns minutos tracei um plano para atingir o meu objetivo inicial de não fazer qualquer ruído que atrapalhasse o santo e justo sono daquela população e em especial a dos meus vizinhos de quarto. A situação estava cada vez mais crítica e exigia uma ação rápida, pois já não mais agüentava toda a pressão urinária. O cacete estava bonito, mas a situação estava feia.

Acomodei o branquinho por cima das cobertas com a finalidade de abafar o ruído e finalmente puxei um ar para os pulmões, fechei os olhos e satisfeito comecei a descarregar o líquido. Como tinha tomado muita gasosa ao jantar fiquei ali aliviando a coisa por quase 10 minutos.

Terminei a operação completa de chacoalhar e guardar e ao pegar o urinol para posicioná-lo novamente debaixo da cama quase caí de costa – não foi por estar pesado ou coisa parecida, mas simplesmente porque dentro do recipiente não se encontrava qualquer tipo de líquido. Apalpei-me e vi que estava acordado e que isto não era um sonho; apertei minha bexiga e ela se encontrava prazerosamente vazia. Comecei a examinar o penico e com espanto verifiquei que havia um orifício enorme na parte de baixo. O fato apavorou-me.

Começou então a santa inquisição. Se estou acordado, se já não estou mais com vontade de urinar, se eu urinei aonde foi parar o dito líquido? Na hora quis que tivesse acontecido um milagre da evaporação e fui com a mão diretamente em cima das cobertas. Lá estava a urina toda acomodada e muito feliz esparramada no chão por debaixo da cama e por quase todo o quarto. Fiquei tão espavorido com a situação que não mais dormi. Perdi a tesão e fiquei sem condições de deitar naquela cama toda mijada. Fiquei sentado aos pés da cama o resto da noite.

Seis horas da manhã bateu num relógio de parede e antes que alguém levantasse fugi assustado, apavorado revoltado daquela casa.

Por falta de sorte mesmo o padre foi convidado para almoçar justamente naquela casa. Convidaram-me através do padre, mas não apareci. Simulei uma doença brava qualquer e fiquei escondido na parte traseira do jipe durante todo o dia até a hora de irmos embora.

Até hoje existe na região a lenda do menino que se desintegrou transformando-se em xixi. Foi a única maneira encontrada por aquela gente simples para explicar como alguém dormindo pudesse urinar por cima das cobertas.
por: Mario dos Santos Lima