domingo, 31 de agosto de 2014

PAGANDO O MICO

Do nada surge uma estridente música. O celular além de seduzir, ele alheia a pessoa do meio ambiente em que está. É o indivíduo com o tinhoso aparelho em eterna maldita sintonia. Ele quebra o silêncio, invade o ambiente sem pedir licença, e não desgruda da orelha do escutante. Não admito o celular dentro da sala de aula porque, com certeza estarei eu tal qual João Batista clamando inutilmente no deserto. Minha voz se perderia massacrada a um canto competindo com a falação do tal aparelho. Não permito e pronto, e se por acaso ele tocar, como castigo, num pulo pego o celular do irreverente aluno e atendo escandalosamente. Todos conhecem o meu jeito e evitam levar o aparelho em sala de aula. Se estiver indo para aula, o meu celular eu desligo antes de sair de casa. Eu prego isso e, é claro, fico refém desse decreto. Todos ficam torcendo e até gostariam ouvir meu celular tocando nestes sacrossantos momentos. Um dia a merda aconteceu. A cerimônia de apresentação do trabalho final de curso é algo que gera estresse, e esta razão nervosamente é apresentado pelo concluinte. Nesse momento, lá na plateia os familiares estão reunidos, nervosos também, atentos e torcendo pelo sucesso do apresentador. Foi dado o sinal de início das apresentações. O auditório estava completamente tomado. Os alunos estavam preparados no palco para a defesa do trabalho. Nos, os professores avaliadores, estávamos a postos para o massacre de praxe. Levantei da minha posição, e solenemente me dirigi à plateia: - Pessoal, este é um momento muito importante para os acadêmicos que estão concluindo seu curso, desta forma peço muito silêncio! Pedi o silêncio e não deixei de fazer a recomendação mais importante da noite. - Por favor, desliguem seus celulares! Olhei para os nervosos concluintes e perguntei. - Tudo em ordem? Então um bom trabalho para vocês! Sentei-me, peguei meu celular. Tinha acabado de comprar e sem muito traquejo com o aparelho, deixei no vibra e coloquei no dispositivo cronometragem, a fim de controlar o tempo da apresentação. O trabalho já estava em andamento. O silêncio na plateia era sepulcral. Do nada surge uma estridente música. Não sei que maldita tecla acessei que de repente o endiabrado aparelho começou a tocar uma amaldiçoada música – um nojento pancadão. Nervosamente tentei desligar. Não conseguindo passei para meu colega ao lado. Ele também não conseguir calar aquela tresloucada música. Alguém da plateia veio, pegou o celular e saiu às pressas para fora. Os alunos de olhos arregalados pararam a apresentação. Descobriram que o celular era meu, e por isso, para eles foi a glória. Nervosamente gargalharam. O povo não entendeu, mas riu junto. Pedi desculpas dizendo: - Vocês viram como um celular realmente atrapalha? POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 24 de agosto de 2014

EXAME ESTOMACAL

O medo é uma bosta mesmo! Ele é um estado de alma, uma sensação que nos leva a uma condição de aleta ao sentir-se ameaçado ou sentir-se frágil diante de um perigo qualquer. O medo nos conduz ao maldito pavor. O pavor estupidamente nos desveste do senso comum; O pavor nos deixa enlouquecido. Minha irmã, que carinhosa eu chamo de Inca, um dia na casa do pai resolveu tomar um chimarrão. Ela é uma mato-grossense não muito familiarizada com a cuia. Por certo o mate já estava contaminado com alguma substância maligna, pois ao iniciar o procedimento de ingerir o líquido verde, ela imediatamente botou as tripas pela boca, e de quatro, admirando o vaso sanitário, suando frio, chorava desesperada clamando: - Alguém me acuda! Eu acho que vou morrer! Não quero morrer longe de meu bem! O bem dela estava bem longe. Foi feito tudo o que se podia para reanimar a menina, dentro dos conhecimentos farmacológicos e enfermagem que nos dispúnhamos. Ela aos gritos caia, desmaiava e logo em seguida levantava, caia e desmaiava. O drama estava funesto. Ficamos deveras preocupados, não tanto pelos desmaios dela, mas sim pela sujeira que ela estava aprontando com seus esverdeados golfejados pelo chão. Encostamos o carro, e a colocamos branca, fria e toda vomitada no banco braseiro. Rumo ao hospital. Nenhuma viva alma se via pelas ruas. O carro desenvolvia uma doida corrida; A buzina ligada para os menos avisados, que por ventura saíssem de suas casas, deixassem o caminho livre. De repente, como voltando de um transe maluco, a Inca de olhos esbugalhados pergunta: - Onde estão me levando? - Ao hospital, respondemos de imediato. Meio atordoada ainda, pergunta de novo. - Por quê? - Vão fazer exame estomacal em você! Ela demora um pouco para conferir e intender a informação, e ainda em meio transe pergunta. - E como é feito isso? A Isa, no alto de sua compaixão e conhecimento, explicou em detalhes para ela. - Você vai ficar pelada e de bruços, eles vão enfiar um tubo pelo seu trapeiro para examinar seu estômago. Ela desesperada grita ao processar rapidamente a notícia recebida dizendo. - No meu cuzinho ninguém vai por a mão não. E como se tivesse recebido uma entidade maluca, tentou abrir o carro gritando desesperada. - Pare o carro, eu quero descer! Ainda bem que estava já na entrada do hospital. Cinco enfermeiros vieram e imobilizaram a Inca com uma camisa de força; Aplicaram nela uma dose elefantar de um tal sossega leão. E a voz se apagando aos poucos a Inca foi gritando desesperada nos braços dos paramédicos. - No meu cuzinho não! No meu cuzinho não! - E aí doutor? Perguntamos. - Tudo bem, foi apenas a síndrome do medo! Respondeu ele. Ficamos de vigília. Depois de umas dez horas, já sem o soro no braço ela acorda, olha desconfiada para nós, e apavorada, mas com muito cuidado, só para conferir, coloca a mão na bunda ainda pelada. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 17 de agosto de 2014

PRESENTE DE CASAMNTO

O presente de casamento terá seu valor estimado não só pelo preço de aquisição, mas muito mais pelo que ele irá proporcionar ao ser usado depois. O dito cujo muitas das vezes é complicado tanto para quem vai presentear, da mesma forma para aquele que vai receber. Conhecemos muito bem a expressão “presente de grego” que acaba sendo aquele presente que vai virar, com certeza, um entulho, um tranca canto. Hoje, graças ao capitalismo cruel, está bem mais prático presentear, pois as listas de presente nas lojas nos facilitam bastante. Um dia, como qualquer ser dependente, casei. Do meu casamento, há quase cinquenta anos atrás, guardei as preciosidades inúteis que por longo tempo, até que consegui aos poucos me desfazer de todas. Desapeguei. Logo após o casamento, eu e mulher, antes da viajem de núpcias, fomos fazer o levantamento do estoque recebido. Recebemos desde pinguins para a geladeira, a qual ainda não tínhamos, até jarra de água, em plástico amarelo escândalo, no formato de abacaxi. Além das inutilidades, recebemos presentes repetidos, tal como três pinicos em plástico, se bem que em cores diferentes. Recebemos bons presentes também, embora alguns repetidos. Viajamos felizes, porque as malas, e o dinheiro para a viagem ganhamos do nosso padrinho de casamento. Ao final de nossa andança nupcial aportamos na casa de meus pais. Meu pai tinha uma empresa comercial de ferragens, secos e molhados. Uma empresa tipo tem de tudo. Resolvemos comprar o que realmente iriamos precisar para o início de nossa vida de casados; Coisas que no inventário feito no dia do casamento não apareceu. Selecionamos tudo o que tinha lá de utilidade doméstica. Pratos, panelas, talheres. Tudo para o café como também para as refeições. Na hora de pagar a conta, a nota fiscal saiu sem valor. Foi um presente. Que pressente lindo e de fina utilidade! Duas caixas enormes, com os presentes caprichosamente acondicionados, como num complicado quebra cabeça, foram necessárias. O bagageiro do ônibus com as caixas ficou quase preenchido, fazendo com que o motorista mostrasse habilidades de lógica espacial para acomodar as mochilas, valises, sacos e bagagens. A viagem, como qualquer outra transcorria sacolejante e poeirenta até chegar à divisa do estado. O ônibus é parado pelo posto fiscal, e após alguns minutos um tarado guarda entra e pergunta: - De quem são aquelas duas caixas enormes no bagageiro do ônibus? Estava sonolento, e demorei um pouco para entender o que estava ocorrendo quando ouço o desgraçado guarda vociferar: - Maldição! A quem pertencem aquelas caixas? - É nossa, respondi de imediato, são presentes de casamento. O cretino guarda grita - Não pode ser de todo mundo, tem que ser de um individuo. Eu calmamente argumentei. - É que o padre quando nos casou disse que a partir dessa data seríamos apenas um, e por isso não é de todos ocupantes desse ônibus, mas nosso aqui, meu e de minha mulher. - Seu engraçadinho, eu quero a nota fiscal e você vai ter que abrir as caixas! Naquele momento um calafrio subiu do fundilho das calças indo morrer na base na nuca ao imaginar perdendo para a fiscalização todas aquelas panelas e louças. Criei coragem e respondi: - Não temos nota fiscal, e não vamos abrir as caixas! - O guarda, no desempenho da função dele, não queria ser contrariado. E eu estava contrariando-o. O filho de uma puta quase dançou de cueca naquele momento, e sacando de uma arma me pós para fora para tentar dar um corretivo. Até aquele momento, os ocupantes do ônibus estavam passivamente sentados apenas, e tão somente atentos ao malfadado e garabulhento diálogo meu com o alterado guarda, mas quando o encapetado me joga para fora do ônibus a coisa ficou feia. O motorista pulou a janela indo se esconder atrás de um toco de árvore. Os guardas de pistolas em punho tentaram manter a ordem enquanto o povo nervoso gritava: - Ninguém vai mexer nas caixas dos noivinhos! Os anjos de plantão se escafederam deixando a vaga para os capetas. Aquele desalinho ficou completamente descontrolado. O povo queria pegar os guardas para uma cerimônia de castração. Os policiais acuados pediram reforço. E a fortificação imediatamente chegou. Veio um batalhão do exército; e a aeronáutica mandou aviões especiais de combate para apaziguar aquele anárquico cenário. Só a televisão não compareceu para registrar o fato porque na região, naquela época, ainda isto era novidade. Algemados, nós todos fomos para a cadeia esperando meu pai chegar com o documento especial para autorizar a circulação de mercadorias. Meu pai finalmente chega, depois de algumas horas, com a nota fiscal, ele dá os esclarecimentos necessários. Uma vez resolvido todo aquele imbróglio, conseguimos tomar assento para continuar viajem. E para felicidade de todos, as caixas de presente do casamento não foram desvirginadas, chegando intactas ao destino. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 3 de agosto de 2014

POR QUE AS MARGARIDAS?

A flor# aformoseia-se toda, na singeleza das multicoloridas perfumadas pétalas de que a compõem, para o início da magia linda da reprodução da planta. Pela variedade de cores, pelo seu perfume, pela sua beleza e por tudo que nos encanta a flor simboliza a festa eufórica da vida. Os amantes conquistam suas amadas com as flores que oferecem. Que seriam dos jardins sem as flores? Das festas e dos altares? As sepulturas não se cobrem de tristeza quando as flores estão por ali! Aprendi a gostar das flores com minha mãe - a fada das flores - e depois com minha avó - o anjo das margaridas. Aprendi simplesmente a gostar! Aprendi em casa, quando com minha mãe as cultivava, e com a minha doce avozinha ao ajuda-la no plantio, no arranjo e na colheita. Que lindo era ver minha vó Rosália cuidar com esmero e carinho as margaridas# que plantava! As margaridas que minha vó plantava eram lindas, sempre floridas e pareciam ter uma magia esplendorosa. Eu ficava, ao pé da escada, sentado, horas e horas, absorto admirando aquela linda criatura lidando com as flores como se elas fossem filhos seus. Para mim ali estava uma maravilhosa tela ao natural. Resolvi melhorar o ambiente de trabalho para ela. Preparei então um canteiro, fofando a terra, cercando com tijolos para a terra não ruir. Semeei as sementes de margarida e o restante deixei por conta da babka. Como era formoso o canteiro florido de margarida na casa de minha doce avozinha! Eu acho que para repousarem os anjos armavam suas camas ali. Aprendi que as margaridas transmitem inocência, pureza, simplicidade, lealdade e criatividade, e era isso que eu via naquele quadro quase todo em branco pintado de amarelo com aquela linda senhora tão amorosa no meio dele. Mas por que tanta afeição por este espécime? - A babka gosta de margarida, não é mesmo? Às vezes eu perguntava só para ouvi-la falar, naquele seu portunês muito carregado. - Sim, eu gosto porque aprendi com seu dziadzio a gostar delas! Assim eu deduzi. - As flores eram para meu avô, então! Mas por que as margaridas? E a dúvida permaneceu se contorcendo além. Na minha cabeça martelava sempre a pergunta: - Por que as margaridas? Todos os sábados, bem ao amanhecer, lá iam eu e ela colher no jardim as flores mais bonitas, e prepará-las em um buquê. Ela se punha toda bonita, e depois do café tomado, descíamos até o cemitério para visitar o túmulo de meu avô Silvestre. O cemitério não ficava muito longe, e em poucos minutos estávamos lá para o mesmo cerimonial de sempre – limpar o jazigo, jogar as flores murchas, e colocar o buquê fresco de margaridas. As orações em polonês, e algumas lágrimas em seguida, eram constantes. Em silêncio, nada dizia, apenas colocava minha mão no ombro dela. - Por que as margaridas? Um dia, quando retornávamos do cemitério, perguntei para ela. Ela me segredou, rindo feliz. Por certo ao voltar ao tempo em que meu avô era vivo. - Sempre quando seu avô ia caçar, ao retornar com as codornas, não deixava de trazer para mim algumas margaridas que ele colhia, aqui e ali, pelo campo florido. Ao entregar o maço de margaridas carinhosamente me dizia - Moja milosci, as margaridas são quase tão lindas quanto você! Seu olhar, naquele azul celeste, perdeu-se por alguns instantes no tempo; Um longo silêncio, e por fim, olhando para mim completou: - Devolvo as margaridas para ele com o mesmo carinho que as recebi. Naquele momento, comovido, senti um intenso perfume de margaridas e no murmurar do vento me pareceu ouvir meu avô dizendo: - Moja milosci. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA