sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

SÃO MATEUS EM 1963

QUER SABER COMO ERA SÃO MATEUS EM 1963? É SÓ COPIAR O LINK ABAIXO file:///D:/jornal_1%20(1)%20(1).pdf

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

DESASTRADO CORTE DE CABELO

Meti a máquina na cabeça dele e comecei a desastrada operação. No meu tempo de moleque pequeno, lembro-me perfeitamente que quase todos os filhos, seguiam, por uma razão ou por outra, a mesma profissão do pai. Se o pai era marceneiro o filho seria ótimo em fazer móveis; Se o pai era alfaiate o filho seria hábil na tesoura; e assim por diante. Hoje a coisa está bastante mudada, os filhos rebeldes, cada um segue a carreira que mais se identifica com eles. Mas tem muitos deles, que ainda seguem orgulhosos a profissão do pai. A tarefa, quando passada de pai para filho, traz a experiência vivida de muitas e muitas batalhas. É, com certeza, uma vantagem competitiva. Assim, com esta bagagem toda acumulada, o filho será o senhor absoluto da situação. Infelizmente eu não tive de meu pai a experiência de um barbeiro. Ele era do comércio, e por isto me dei mal na aventura de querer ser um barbeiro. Quando muito, hoje eu sou barbeiro, pelas ruas de minha cidade, na condução da tropa de cavalos e éguas que existe no motor de meu carro. Se bem, que me lembro ainda, que meus pais tinham uma máquina de cortar cabelo. Quando as cabeleiras, minha e de meu irmão, estavam além do limite, volta e meia, eles davam umas tosadas no topete com a maravilhosa máquina. Parecia incrivelmente fácil. Eu acho que meu sentimento intenso começou por ai, mas, infelizmente, sem nunca ter a oportunidade da prática. No seminário, com oitenta moleques para cortar o cabelo, sempre tinha alguém, que por experiência vivida, cortava o cabelo da gurizada. E minha paixão pela profissão aumentava mais e mais. O crek crek da máquina me hipnotizava. Aqueles cabelos caindo das cabeças, indo se acomodar no piso, era para mim um espetáculo jamais vivido por alguém. Embora tivesse vontade, no seminário nunca cortei o cabelo de ninguém , e nem me atrevi pedir para fazê-lo. Mas um dia de férias, em casa surgiu a oportunidade. - Silvestre, você precisa cortar o cabelo! escutei minha mãe implorando isto para meu irmão. Ele tinha medo da máquina de cortar cabelo da mesma forma que o gato escaldado com água quente tem medo de água fria. - Minha mãe, eu corto o cabelo dele! disse com convicção. - Mas você sabe fazer isto? perguntou incrédula ela. - Aprendi, e pratiquei muito no seminário! Disse minha tremenda mentira. Com muito custo e uma boa lábia, consegui fazer com que meu irmão sentasse no caixote em cima da cadeira. Peguei a máquina, fiz o sinal da cruz pedindo para que os anjos me ajudassem, mas eu acho que eles estavam de folga ou queriam me sacanear. A máquina na minha mão se debateu de um lado ao outro gritando: - Você não sabe fazer isto! Largue de mim seu padreco mentiroso! - Cale a boca, máquina imprestável! gritei furioso para ela. Meu irmão, arregalou os olhos, e medrosamente virou uma estátua. Com a mão trêmula e indeciso me perguntei. - Como é que eu começo este troço? Será que é de baixo para cima ou de cima para baixo? Suava frio. Meti a máquina na parte frontal da cabeça dele. e comecei a desastrada operação. Deixei a máquina no grau zero e aí comecei o escalpo. Já nos primeiros clek, clek a máquina de repente parou engastada de cabelos. Um grito de dor soou vizinhança afora. Minha mãe apavorada, saiu prá fora e quando viu aquilo caiu desmaiada. Meu irmão, com a máquina atolada no meio da cabeleira, com o sangue correndo pela testa, gritava feito um loco de dor. Eu, desesperado, não sabia se o levava ao hospital ou a uma barbearia. Botei o moleque nas costas e sai em busca de socorro. O barbeiro, numa operação delicada, livrou a cabeça de meu irmão da maldita máquina. Ele olhou demoradamente para mim decretando seu cruel veredicto, enquanto colocava mercúrio e esparadrapo no ferimento da cabeça de meu irmão: - Guri, nunca mais pegue numa máquina de cortar cabelo, ela é uma arma perigosa em sua mão! Morreu, então aí, o desejo meu de ser barbeiro. MARIO DOS SANTOS LIMA

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

ARENA DE FUTEBOL OU DE GLADIADORES?

A violência do futebol tem a sua origem. Quando eu assisto a um jogo de futebol que invariavelmente termina em pancadaria generalizada me reporto aos gladiadores. Só que naquela época a encrenca era dentro da arena e nunca fora dela. Às vezes desigual como, por exemplo, homens versus leões, mas a carnificina se restringia aquele cercado e o sangue corria apenas ali e deslizava até ao ralo e nunca para fora da arena. Os gladiadores eram lutadores escravos treinados na Roma Antiga. Eles se enfrentavam com a finalidade de entreter o público como o futebol o é hoje também. O duelo só terminava quando um dos contendores morria ou ficava desarmado ou gravemente ferido. No futebol também nós vemos isto, pernas quebradas, braços e cabeças rachadas e para completar as cusparadas fazem parte do espetáculo. O futebol termina sutilmente com a marcação ou não de gols. Bem ao contrário do público do Coliseu os torcedores insanos do futebol quase sempre invadem o campo ou jogam bombas, sacos com urina ou merda e outros materiais nos jogadores. As lutas dos gladiadores já aconteciam a mais de 280 anos antes de Cristo, no começo da Primeira Guerra Púnica, e por serem consideradas violentas foram proibidas no reinado de Constantino I, no ano 325 da era cristã. Para compensar isto criaram então as rinhas de briga de galos para satisfazer, com esta barbárie, a um público que necessita ficar babando, de olhos estalados, aguardando o final trágico de um dos animais penados. Diz a literatura que o futebol data do século III antes de Cristo na China e que evoluiu em regras e violência até a Inglaterra no século 12 da era cristã. Por volta de 1300, estes jogos eram marcados, entre os habitantes de vilarejos próximos, com várias formas e regras de acordo com suas regiões, e alguns jogos até mesmo sem nenhuma regra com excessiva violência que resultava em brigas, destruições e até mesmo mortes. Por conta disto o Rei Eduardo II proibiu a prática do futebol no Reino Unido alegando ser um esporte anticristão. Ainda bem que o coitado e inocente Rei Eduardo não nasceu na nossa era. Os gladiadores foram proibidos de lutar por Constantino I, a briga de galo foi proibida por Jânio Quadros e o futebol proibido por Eduardo II, mas hoje toda esta violência animalesca ficou aculturada, e podemos assistir em qualquer lugar principalmente nos campos de futebol. A briga de galos e a luta dos gladiadores sempre foram praticadas por dois contendores, e muito respeitadas pelo seu público. O futebol, no entanto deveria ser praticado por vinte e dois contendores, mas acaba sendo por uma multidão englobando os jogadores juizes e o público. O campo de futebol é um palco que não se restringe somente na arena como o coliseu ou a rinha de galos. É um palco de selvageria dentro, mas diferentemente da rinha e o coliseu é uma guerra sangrenta de paus, pedras, socos e pontapés nas arquibancadas, nas ruas e ônibus também. Além do resultado do placar, é também o resultado de mortos nos cemitérios e feridos nos hospitais. Os gladiadores tinham treinamentos em escolas especiais conhecidas como ludus. Os jogadores de futebol como os galos de brigas também têm estes treinamentos. Quando os gladiadores iam lutar em outras cidades seus treinadores, chamados lanistas (provavelmente derivado da palavra carniceiro) iam juntos. No futebol também tem os lanistas (torcidas organizadas) que sempre acompanham os jogadores. Quando o jogo termina sempre acabam apanhando de outras torcidas organizadas. Toda esta encrenca, este ranço de furor já está no sangue desde a concepção do individuo principalmente macho. Eu me lembro quando guri participava, por conta de ser o proprietário da bola, do time de futebol da molecada da cercania de casa. A gente mais treinava socos e pontapés do que jogava. Quase nenhum time se arriscava a vir jogar conosco ou nosso time a ir jogar noutras regiões ou ruas. Mesmo nos treinamentos sempre saia um bate boca e uns tapas pela cara e uns socos pelo nariz, era este o sinal de que o final do treino tinha chegado. Certo dia, um dos moleques da minha rua veio com a notícia de que no domingo a tarde estaria ali o time de Santa Sofia. Santa Sofia era uma fazenda de café aproximadamente a uns dez quilômetros da cidade. A molecada toda se reuniu e deu uma geral no campo. Catou alguns pedaços de paus e tijolos esparramados pelo campo, espantou os lagartos e tatus entocados, passou a foice para abaixar um pouco o mato; demarcou com cal as divisas do campo; Deu uma amarrada nos paus das traves e ajudou a concertar a bola que já estava com a barrigada de fora. O domingo chegou de sol escaldante. Logo após o almoço alguns moleques, molequinhos alienígenas começaram a chegar. Ficamos a um canto só observando. O jogo de futebol deve ter onze jogadores de cada lado e três juizes – um de campo e dois que atuam pelas laterais. Juizes nunca foram necessários para as nossas contendas. Como o time deles só conseguiu chegar com nove jogadores nós então escalamos honestamente nove e duzentos ficaram do lado de fora dando aquela força necessária. E o jogo teve início. Eu não tinha muita noção de futebol, mas como era dono da bola jogava no gol. O jogo terminou antes do final com o placar favorável ao nosso time com o maior quebra pau da história daquela rua. Duzentos massacrando nove. O comentário perdurou por meses. Naquela época não havia jornal, mas se houvesse com certeza estaria estampado na primeira página: - “Os reis do futebol e da luta livre são invencíveis. São cruéis com seus adversários”. O tempo passa, a vida continua e da memória se apagam muitas coisas. Uns moleques ficam outros se mudam e muitos vão chegando. Um dia o moleque chefe da nossa rua chegou e anunciou eufórico antes do treino ter início: - Domingo à tarde vamos jogar em Santa Sofia. - Que legal gritamos em coro e iniciamos um treino bem forçado que terminou como sempre em pancadaria. Domingo chegou e lá fomos nós os quinze de estilingue no pescoço e pedras no bolso. Passamos pela chácara do Totó apanhando algumas canas e roubando alguns ovos dos ninhos que ainda estavam quentinhos das bundas das galinhas. Levamos tiros de sal que não nos atingiu. Passamos pelo campo dos japoneses, gritando impropérios para a raça. Nadamos nos riachos para nos refrescar do sol. Cruzamos a primeira mata e contornamos a segunda. Atiramos em passarinhos, enfrentamos cobras que fugiam cuspindo veneno e roubamos melancias. Para percorrer os dez quilômetros levamos aproximadamente três horas. Chegamos ofegantes e cansados, tiramos água de um poço e imediatamente os onze escalados estavam postados em campo. O ambiente parecia bastante hostil. Acredito que havia mais de quinhentas pessoas armadas de paus e pedras para dar apoio ao jogo. O cemitério ficava contíguo ao campo e pude ver lá dentro uma enorme vala aberta esperando pelos defuntos. O coveiro olhou para mim e deu uma baita gargalhada. Uma coruja pipilou agourenta trepada numa velha cruz podre e quase tombada. Passou então um calafrio danado pela minha espinha. O jogo teve início tenso e nervoso com onze do nosso lado e quinze do lado deles sem juiz ou bandeirinhas. O nosso time era valente, mas estava respeitando o poderio do time adversário. O jogo transcorria numa calmaria violenta e aos vinte minutos já tínhamos levado quatro bolas no fundo do chiqueiro. As traves não tinham rede e os travessões que eu defendia terminavam num lamaçal de porcos. Eu tive que ir buscar a maldita bola sob as vaias daquela multidão quatro vezes no meio deste imundo lodaçal. Logo em seguida ao ter levado o quarto gol um dos nossos fez uma lambança inacreditável e conseguiu marcar um gol fenomenal. Este gol foi o estopim de que a galera precisava. Gerou um tremendo protesto dos quinze jogadores adversários e dos mais de quinhentos espectadores que começaram invadir o campo com pedras e paus. A morte se acomodou tranquilamente de um lado do campo e de braços abertos nos esperava feliz. Quando eu vi o enorme tumulto se agigantar, olhei o cemitério, a coruja e o coveiro, e não tive dúvidas, mostrando a banana com os braços ao coveiro corri. Atravessei o lodo, passei por debaixo da cerca de arame farpado deixando pedaços de carne nas farpas, e já estava no meio do pasto para uma retirada estratégica quando os componentes do nosso time, debaixo de pedras e paus conseguiram fazer a mesma coisa. Logo atrás a multidão enfurecida invadia o pasto com altos berros de guerra atirando paus e pedras. Acabei levando uma pedrada nas costas. Estaríamos completamente fudidos e enterrados se não fossem os dois toros que estavam já de língua de fora e de olhos virados cobrindo suas amadas vaquinhas no meio do verde pasto. Com o tumulto e umas pedradas no dorso a excitação dos touros acabou e eles furiosos investiram contra aquela multidão enlouquecida que medrosa, em desembalada corrida retornaram para o campo, e nós em ritmo de retorno de uma guerra, quebrados, machucados, ensangüentados e gemendo fizemos o caminho de volta para casa. Perdemos no jogo e na briga. Um dia eles também vão esquecer e virão jogar em nossa rua. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

UM GUAPECA SARNENTO

Sempre gostei dos animais de um modo geral. Já tive até um cavalo, fruto que foi da troca por uma bola. Era tão velho, e desdentado que o infeliz acabou morrendo, no portão de minha casa, logo após a permuta. Era menino ainda, e pedia insistentemente ao meu pai um cachorro, para que eu pudesse com ele brincar pelas pradarias, pular valetas e se banhar nos riachos. Seria meu companheiro para todas as horas, e dormiria no meu quarto ao pé da cama. Meu pai resistia a idéia. Não queria ter mais uma boca para alimentar, e também não queria aumentar os latidos e uivos noturnos de que a rua era campeã. Mas eu não abandonava meu desejo. Meu sonho era ter comigo este companheiro. Vivia arquitetando em sonhos como seria nossos folguedos. Era um dia chuvoso, que despencava cinzento e friorento lá no horizonte. Meu caminhar era solitário como solitários são todos os caminhares das crianças. Absorto divagava com o meu imaginário companheiro, e nesta fantasia doida, corria alegre jogando pedaços de pau para que ele, aos pulos e feliz latindo trouxesse para mim. Flutuando meus pensamentos ao sabor do vento, andava a esmo quando ouvi, ali na valete, esquelético, sarnento, quase sem a pelagem, uivando melancolicamente um cachorro pedindo misericórdia. Olhei demoradamente para aquele animal pestilento, perdido em pulgas, e constatei que ele não representava o companheiro que tanto tinha idealizado. Alem de feio, pulguento, estava completamente combalido. Continuei olhando, e me veio na lembrança dos cuidados com que minha mãe tratava de meus ferimentos, e com que rapidez eu me restabelecia. Pensei, olhando demoradamente para o cachorro: - Vou levá-lo, e minha mãe vai tratar dele, e por certo vou ter rapidamente curado o companheiro que tanto quero. Peguei-o com cuidado acomodando em meus braços, e ele ganiu, não sei se de dor ou sabe lá Deus porque. Olhei para ele, mais uma vez agora já em meus braços e disse: - Você vai ser meu grande amigo, e companheiro! olhava condoído para ele que, quase desfalecido, se dependurava em meus braços. Meus passos eram agora mais vigorosos e rápidos. Minha ansiedade era maior ainda. Pensava nele já curado, e serelepe pulando, de um canto ao outro, nos folguedos comigo. O pensamento era tão real que meu coração se descompassou. Esbaforido cheguei em casa e fui apresentar o cão a minha mãe; Ela quase caiu de costa quando viu aquele canino quase cadáver, feito uma gelatina pendurado em meus braços, e me perguntou: - O que isto meu filho! Você trás para casa um animal sarnento, quase morrendo! O que faz ele em seus braços? Por favor, vá imediatamente tomar um banho, completou ela. - Eu o trouxe para a senhora tratar dele! - incontinente respondi. Minha mãe olhou, com seu olhar de compaixão, primeiramente para mim e em seguida para o pobre animal e sentenciou: - Mas ele está morrendo! não podemos fazer nada. Brotou em mim um desespero e gritei: - Não, não é verdade! ele é meu companheiro e não vai morrer! E eu continuava sustentando o animal em meus braços. Minha mãe se acercou de nós, colocou sua mão em meu ombro, e partilhando de meu sofrimento não disse mais nada. Eu desesperado, aflito, olhando o cachorro moribundo, vi, que num esforço medonho, ele levantou a cabeça, olhou-me com um olhar de felicidade, lambeu minha mão, pendendo morto sua cabeça em meus braços. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

terça-feira, 14 de novembro de 2017

UM JEEP NADA CATÓLICO

Todo #moleque que se preze sonha com uma #bicicleta. Quer estar em cima da magrela zanzando por aí. Eu já era diferente, nunca tive uma e por isto não tinha a menor idéia e nem me interessava como se equilibrar nesta geringonça. Meu sonho mesmo era estar ao volante dirigindo um carro. Eu achava o máximo alguém na boléia de um carro. Aquilo exercia um fascínio incontrolável em mim. De ônibus ou de carro eu me punha atento aos movimentos mecânicos de mãos e pés do motorista. Aquilo para mim era poesia, era música divina. Eram estas as minhas aulas teóricas que aos poucos eu ia absorvendo. Durante o dia ou à noite, acordado ou dormindo imaginando estar ao volante fazia freneticamente os movimentos de pés e mãos na troca de marcha e aceleração. Com a boca bru e mais bru imitando o ronco do motor lá me ia eu dirigindo um hipotético carro pelas ruas. Muitas vezes surpreendido por alguém que me encarava com estranheza imaginando-me insano. Durante minhas férias do seminário ficava o dia todo na Igreja fazendo algumas tarefas para passar o tempo na esperança de poder a qualquer momento dirigir o #jipe do padre. O tão esperado e decantado dia finalmente chegou. O padre Rosalvo tinha que sair para uma visita fúnebre e estando atrasado para este compromisso gritou para mim: - Aqueça o motor do Jipe e o tire com cuidado da garagem para mim. Aquilo foi como se eu tivesse ganhado sozinho na loteria. No momento fiquei todo atrapalhado, nervoso, confuso não acreditando no fato. Fui incontinenti ao encontro do Jipe. Neste breve caminhar aproveitei para recordar todas as minhas lições que tive ao longo do tempo como condutor. - Devo primeiro ligar a chave apertando com o pé esquerdo o pedal da embreagem, depois eu devo bla, bla, bla. Repassei assim todas as lições e quando me dei conta já estava todo trêmulo e perturbado no assento do monstro. Suava frio à cântaros. Quis desistir, mas me faltou coragem. – Esta é a minha grande oportunidade, pensei eu – Que Deus me proteja, proteja também o patrimônio da Santa Igreja e lá vamos nós. Início do malogro. Liguei hesitante a ignição sem apertar com o pé a embreagem fazendo o jipe dar um salto violento para traz morrendo imediatamente para sorte minha. O resultado da operação foi um galo na cabeça e um hematoma no joelho. - Vamos Mario! Coragem e tente novamente, parecia ouvir meu pensamento nervosamente gritando em meus ouvidos. Eu acho que ele queria é ver o meu oco, pois continuava martelando no meu ouvido: - Vamos! Não tenha medo, não seja covarde, não seja cagão. A Igreja era contígua à garagem. A garagem ficava anexada à casa paroquial exatamente no pátio ao lado da Igreja. Quem estava dentro da Igreja tinha uma visão panorâmica de toda a garagem bem como da casa paroquial. Os fieis adentravam a casa santa tanto pela porta da frente como pela porta lateral que permaneciam escancaradas para amainar o calor que muitas vezes era infernal naquela região. Naquela manhã de domingo a Igreja estava apinhada de fieis que se acotovelavam até pelo lado de fora das portas. O momento era sagrado; Era mágico. Consagração da hóstia. O povo contrito num silêncio sepulcral fazia ouvir o virar de páginas do missal lá no altar. Aquele silêncio dos diabos me incomodava à beça naquele exato momento. Deixava-me doido; Era interminável; Era insustentável; Era diabolicamente insuportável. - Por que este maldito padre não canta ou faz o povo cantar? Perguntava-me eu desesperadamente. Preciso de muito barulho neste momento, continuava eu confabulando comigo mesmo. E a cerimônia não tinha fim, continuava lerda, muito lerda se arrastando dolentemente exigindo naquele momento um silêncio absoluto para que a magia se consumasse. Até os pássaros e a cachorrada vadia permaneciam em silêncio em respeito ao grande momento. Tentava feito um doido ligar o carro que com seu vum, vum, vum teimava em não ligar. A cada vum, vum do jipe roubava a compenetração dos fieis da Igreja que viravam a cabeça do lado olhando com ar de desaprovação a minha impertinência. - Liga logo seu filho de uma puta rezava eu baixinho, muito contrito para o puto do jipe endemoniado. -Liga seu merda, continuava eu na santa e bendita reza batendo violentamente com os punhos o painel do carro como que num flagelo colossal. Por fim o lazarento do jipe se deu por vencido, fez-se ligar e acabou aprontando uma merda comigo. A marcha estava engatada e o animal liberto foi todo faceiro beijar brutalmente estuprando a parede do fundo da garagem e assim a parede toda, gemendo, num gozo celestial, desfalecendo foi se quebrar com violência no chão num ruído ensurdecedor ao meio de um poeirão danado. Imediatamente no desespero pisei no freio engatando a marcha ré. Sem tirar o pé do acelerador ouvi os pneus cantarem no piso uma melodia nada sacra. O cheiro de borracha queimada e uma fumaça maldita invadiram como incenso o ambiente sagrado da Igreja. Vi desesperado que o lazarento do jipe saiu como um raio, de ré me carregando junto de encontro ao muro do jardim da casa paroquial. A garagem, aos berros de dor, não teve sustentação vindo ao chão porque o jipe violentamente na passagem arrancou a porta que estava meio aberta. O monstro só parou quando com um baque violento mais adiante pos impiedosamente o muro do jardim a nocaute. O momento na Igreja# era sagrado ainda e continuava a exigir silêncio absoluto, mas foi interrompido sacrilecamente pelo enorme – “puta que o pariu, estou fudido” que soltei a todo pulmão preso que estava entre as ferragens do jipe e tijolos do muro. Com os estrondos o padre Dionísio abandonou correndo a missa imaginando que fosse um ataque suicida e o povo aos berros em debandada saíu da igreja gritando: - É o final do mundo! É o final do mundo! Todo ensangüentado por entre os escombros e no meio da poeira que o jipe tinha deixado recebi a sentença máxima dita aos berros pelo padre Rosalvo ainda em cueca: - Está expulso da Igreja seu filho de uma puta. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

A #GALINHA CARIJÓ DA PORTUGUESA

Desde que me conheço por gente a minha memória, profundamente escavada me traz morando em casa de parede-meia. Tudo era mais dos outros do que nosso. Era um saco mesmo. O quintal compartilhado sem plantas, imundo com aquelas porcas valetas parecendo uma serpente conduzindo a céu aberto aquela água escura, ensaboada, nojenta das muitas tinas de lavar roupas que por ali existiam. O nosso mundo era restrito, apertado dentro de nossa casa e sem autorização para muita algazarra para não perturbar sabe lá Deus o que os bostas dos vizinhos estivessem fazendo. Era um saco escrotal pronto para estourar. A mãe quando dava umas chineladas para corrigir algumas peraltices praticadas por mim, Inca ou Laura estava sempre mais preocupada com o morador contíguo do que com os vergões vermelhos deixados nas nossas pernas dizendo: - Não chore alto, chore para dentro para não incomodar o vizinho. Nem isto a gente tinha o direito de praticar, tinha que engolir incontinente o choro contido. Animais de estimação neste gueto, nem pensar. Um dia, um gato magro, branco e preto meio adoentado se atreveu a adentrar a nossa casa não sei vindo de onde. Veio rosnando com seu olhar suplicando com sua espinha em v ao contrário e rabo empinado esfregando-se todo em nossas pernas. Os dias estavam pra lá de frios e resolvemos por caridade acolher o miserável. Naquele dia cobrimos o pobre diabo de muitos cuidados – água, comida e até colo. Aquela noite foi-lhe permitido permanecer dentro de casa – foi a última. No dia seguinte, acordamos mais cedo do que de costume e fomos sôfregos procurar o bichano. Reviramos a casa toda e não o encontramos; Deve ter ido embora o ingrato. Após o almoço, quando a mãe foi limpar o fogão de taipa deu de chofre, bem ao fundo, com o gato, todo retorcido assado. Deve ter se acomodado à noite no lugar mais quente que encontrou e de manhã quando o pai fez o fogo certamente não percebeu o bichinho que dormia à sono solto. Lamentamos inconsoláveis aquela catástrofe. Um dia, todo feliz o pai chega para o jantar e anuncia que iríamos mudar de casa e... mudamos. Esta casa foi um sonho encantado na época. Era ela absoluta reinando numa imensidão de terreno toda cercada em balaustre. Pra mim esta casa foi um castelo. Casa sem parede-meia e o terreno só nosso. A casa sem pintura, de duas águas fincadas em estacas de madeira a uma altura de 40 centímetros do chão ficava a direita de quem olhava da rua e a uns quinze metros afastada da frente. Ela tinha, do lado esquerdo de quem a olhava do portão de entrada da rua um gracioso puxado que a gente chamava de varandola. Dois degraus, em madeira e a gente estava nesta área pronto para entrar na sala da casa. Da porta de entrada se via que a casa por dentro era graciosa e simples toda assoalhada. Este assoalhado sempre bem enceradinho e cuidado. Não tinha forro. Da porta de entrada da sala, logo a direita via-se a porta do quarto chamado das crianças. Este quarto tinha a janela para frente da rua. Logo em seguida, fazendo vizinhança com o quarto das crianças encontrava-se o quarto dos pais, também com a janela para a rua. Correndo os olhos da porta do quarto do casal a esquerda encontrava-se a porta de um quartinho que era utilizado como despensa. Do lado oposto ao quarto das crianças encontrava-se a porta que dava para a cozinha. A janela da sala ficava ao lado da porta olhando a varanda. A cozinha ficava num puxado aos fundos e do lado esquerdo de quem descia as escadas da cozinha ficava mais um puxado aonde se tomava banho ou o pai usava para fazer às vezes alguns defumados. Do lado direito, na cerca se acomodava desasenvergonhadamente um maldito pé de chuchu. O quintal se estendia graciosamente por mais um vinte e cinco metros para os fundos. De fronte a cozinha, perto da cerca dando proteção ao chuchu se erguia majestoso pé de pêssego. Debaixo do pessegueiro, meio cambaleante, carcomido pelo tempo estava o forno à lenha equilibrado parcamente em quatro estacas aonde a mãe assava as gostosas broas. Na mesma direção da escadaria em madeira, a uns 3 metros se encontrava o velho poço que nos abastecia de água fresca. A mãe mantinha-nos distante dele dizendo que no seu interior era habitado por cruéis monstros que comiam criancinhas. Lá bem ao fundo do terreno, do lado direito de quem olhava estava o galinheiro aonde a mãe, muito feliz resolveu criar umas penosas. Atrás do galinheiro estava a privada. Do lado esquerdo do terreno, ao fundo abatido e já velho jazia deitado um tronco de árvore que o pai todos os dias tirava umas lascas para o fogão de taipa e para o forno. Do lado esquerdo do terreno, desde a frente até o fundo perto tronco estendido o pai resolveu plantar uns pés de mandioca, milho e feijão relembrando seus velhos tempos de roça. Com tudo isto ainda sobrava um bom pedaço de quintal para a gente fazer as estripulias. As galinhas eram nossos bichos de estimação que a gente desde pintainhos ia à busca para elas de minhocas e gafanhotos pelo quintal. Eram mansinhas e vinham comer milho e os bichinhos na nossa mão, mas viravam uns bichos ferozes todas arrepiadas quando estavam com seus pintainhos. A mãe dizia que um tal de gambá durante a noite vinha comer as cabeças das galinhas e por isto a gente ao entardecer recolhia pacientemente as penosas ao galinheiro e tratava de conferir se estava bem trancada a portinhola. Pela manhã conferia uma a uma se continuavam com suas devidas cabeças no lugar e então as soltava. O quintal era todo cercado de balaustre e não tinha nenhum vizinho nem do lado direito, nem do lado esquerdo e nem ao fundo. Isto nos dava uma liberdade para gritar a vontade e quando apanhava poder xingar e chorar bem alto. A gente vivia feliz correndo de um lado para outro neste imenso terreno colhendo ovos e tratando das penosas. Um dia esta vida tranqüila e prazerosa foi violentamente quebrada. Correndo pelos ninhos verificamos espantados que alguns ovos jaziam quebrados e vazios. – Será que o tal gambá come ovos também? Ficamos inquietos e começamos a montar guarda. Um dia surpreendemos um lagarto enorme que ao nos avistar se mandou atravessando a cerca feito um filho de uma puta indo se esconder num buraco no meio do terreno que ficava do lado do chuchuzeiro. Não demos trégua a este bicho. Toda vez que a galinha cacarejava em desembalada corrida lá íamos nós pegar o ovo antes do maldito lagarto. Quantas vezes com o ovo na mão mostrava uma banana e soltava a língua para o safado lagarto que de espreita desolado ficava com a cabeça de fora lá na toca lamentando a perda. Algumas vezes a gente jogava algumas pedras que nem perto dele chegavam. O pai dizia que carne de lagarto é muito boa, mas não fazia nada para matar este capeta que tentava invadir a nossa propriedade. Bem, o tal gambá nunca deu as caras, mas de repente começou a brigar e a bicar as nossas galinhas uma tal carijó muito estranha e arisca. Uma marginal sem família ou talvez sem um responsável por ela. A galinha carijó era muito abusada ou esperta demais, pois já bem de manhã lá estava ela, toda faceira no meio das nossas comendo o milho, ciscando as minhocas e apanhando os gafanhotos. Aquele abuso mexia com nossos brilhos. Todos os dias a mesma coisa. Muitos corridões atrás da infeliz até que um dia acertei uma paulada nas cadeiras dela que a deixou desfalecida por alguns instantes no chão o tempo suficiente para pegá-la. O lagarto apavorado assistia tudo do outro lado da cerca. - O que vamos fazer com esta putela? Perguntei para a Inca. - Vamos jogar para o lagarto comer sugeriu ela. - A mãe disse que lagarto só come ovo retruquei para ela. - Então vamos amarrar na porta do galinheiro, do lado de fora para o gambá vir comer a cabeça dela? Gritou então a Inca pegando a galinha de minhas mãos indo correndo para o local do crime. - O tal gambá deve ser muito medroso ou não existe, pois nunca apareceu, completei eu correndo atrás da Inca. Depois de muito confabular, medir os prós e contras lá fomos nós dar um corretivo nesta safada penosa pendurando-a de ponta cabeça amarrada pelos pés lá na cerca dos fundos. Para o nosso azar o animal que parecia não ter dono de repente aparece um. A galinha carijó era da portuguesa. O fundo do terreno dela fazia canto com canto com o fundo do nosso terreno. Depois de muito procurar a portuguesa chorando descobriu a galinha carijó, poedeira, criadeira e de muita raça pendurada na cerca dos fundos do nosso quintal. Chamou a nossa mãe. Confabularam as duas. Parecia que a portuguesa estava deveras nervosa. A mãe chegou, pegou um galho do pessegueiro e fomos eu e a Inca dormir com a bunda quente. Será que o lagarto tem dono também? POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 24 de setembro de 2017

UM VAPOR, UM RIO E UMA SAUDADE

Era uma daquelas madrugadas fria, final de primavera. As flores em profusão, respingadas do suor da serração, ainda em êxtase, exalavam mil perfumes pelo ar. As borboletas ainda dormiam embriagadas ou dopadas pelo néctar roubado nos jardins. Tudo era maravilhosamente deserto em descanso profundo, e assim, maculando este cenário, caminhava eu a esmo no ritmo da dança das recordações. Mais adiante avistei o solitário vapor Pery. Ele me viu e feliz, bocejando, acenou para mim. Mecanicamente acenei também. Cheguei, como quem não quer nada, e me postei encostado nele como puta velha buscando soluções para coisas impossíveis e insolúveis. - Oi! Velho camarada, disse a ele batendo várias vezes com a palma da mão no seu casco. - Oi, respondeu-me ele parecendo um pouco triste e saudoso. - O que acontece? Algum problema? Sempre o vi alegre e esperançoso? Ele suspirou, num suspirar de imensa tristeza e como se estivesse num divã desfiou suas mágoas em torrentes sem fim. O Pery estava ali, preso, estaleirado como um corpo inerte numa cirurgia completa de restauro. De onde ele estava tinha uma visão privilegiada do rio, e por isto, perdia-se em tantas ferrugens almejando desesperadamente o singrar por aquelas águas como dantes navegara. Tinha esperança e, de qualquer forma, isto alentava a sua vida metal. - Há tempo não vejo meus amigos vapores Leão, Paraná, Iguassu, Sara, Vitória e tantos outros! O que é feito deles? Perguntou-me em voz rouca. Bateu-me a saudade e uma imensa tristeza invadiu minha alma. Pensei um pouco e disse que estavam felizes aguardando a volta dele nas águas do rio. Foi para ele uma gota de alento esta informação. Contou-me da alegria quando, rio acima ou rio abaixo, cruzava com seus amigos. O silvo rouco, a chaminé soltando fumaça e fagulhas era o conversar deles na solidão do rio, que feito uma serpente, com suas águas deslizando transparentes e lépidas lambendo sôfregas as margens que as continham. Ele, numa voz quase sumida, contou-me dos lenços brancos nas mãos dos passageiros ao cruzar das embarcações. Subi até ao convés para melhor conversar com ele. Para não desanimá-lo completei dizendo que os amigos dele estavam também sendo preparados para a grande festa da volta. A certeza que todos tinham é de que sem tardança aquelas águas novamente estariam felizes acolhendo todos os barcos e vapores; E no vai e vem das ondas espumantes provocadas pelas rodas d’água, transportariam felizes mercadorias e pessoas. Seria tudo como dantes. Ele sorriu! Fui até a proa, passei a mão nela, e sentado por alguns momentos olhei o rio que se perdia numa curva mais adiante. Olhei demoradamente, e colocando-me no lugar dele pude perceber a angustia que meu querido vapor passava, estaleirado ali, e tanto tempo sem o contato com as águas. O gigante estava no ancoradouro, quase inútil preso, um tanto carcomido pela ferrugem, sendo aos poucos restaurado, apenas para servir de deleite para alguns curiosos que se postarão junto a ele para fotos futuras de recordação. A condenação para a inutilidade do Pery estava numa situação irreversível. Ninguém tinha mais paciência para estas viagens de prolongado tempo, e o rio maculado pela imundície e de leito aterrado pelo areal não se prestaria para qualquer tipo de navegação. E o pobre Pery isolado, triste desconhecia tudo isto. Estava ali, tal qual um moribundo que lhe escondem a doença, acreditando que ainda navegará pelo rio Iguaçu. E continuei meu conversar. Lembrei com ele a beleza e o encantamento da procissão de Nossa Senhora dos Navegantes. O Rio ficava apinhado de barcos e vapores enfeitados que deslizavam graciosos pelas águas do rio. Sumiam na curva da nascente e apareciam logo mais para o delírio, com palmas e vivas, gritadas pelo povo que se aglomerava na margem direita, na entrada do porto. Lembramos dos momentos festivos, e o burburinho buliçoso do povo no embarque e desembarque. Da retirada das entranhas dos vapores as mercadorias, e da cena bucólica das senhoras de vestidos longos e chapéus enfeitados e de seus homens em terno e gravata. A chegada do vapor no porto, anunciada pelo seu silvo rouco, era motivo de festa. A população se enfeitava, e feito criança descia para ver, para saber, para fofocar, e para participar. Ele riu um pouco do jeito dele, matutou por alguns segundos e perguntou depois de um longo suspiro: - Você acredita mesmo que eu posso novamente singrar todos estas milhas de água novamente? O sol já aparecia despertando as borboletas, os entregadores de pão, as fofoqueiras de plantão e tantos outros viventes. O campanário lá mais para o alto tocou o sino do nascer do dia. Não respondi. Apenas fiquei olhando condoído para aquele gigante e confesso que vi lágrimas em profusão nas suas feições. Mudei de direção o meu lacrimejado olhar e olhei saudoso para aquele rio podre, lodoso; Muitas lembranças boas me vieram; Voltei-me então para o Pery, e mais uma vez contemplei condoído o vapor enferrujado; E para não chorar com ele, afastei-me dali no meu passo mole, de um passar incerto que me levou para a realidade nua e crua que me vestia do agora cruelmente. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

MINHA MÃE E O SISTEMA KANBAN

O sistema Kanban, segundo vários autores consultados é um dispositivo sinalizador visual, um cartão que fornece instruções para que a produção inicie a fabricação dos itens marcado no cartão ou então para mostrar quanto de material está em estoque e quanto deste material vai ser preciso comprar. É um sistema largamente usado pelas indústrias e pelos supermercados. A palavra é de origem japonesa e significa, na língua deles etiqueta ou cartão; O sistema se utiliza de um quadro, estrategicamente localizado para colocar estes cartões que servirão de aviso ou de lembrete para as compras ou fabricação. Por que é dado o privilegio da invenção do sistema Kanban aos japoneses? Somente pelo nome Kanban? Não só por isto. Então vamos ver. Conta a história que na década de cinqüenta o Japão pós-guerra estava faminto por organizar e deixar com qualidade seu parque fabril. Dependia desta organização para se ter um custo reduzido aos seus produtos fabricados e se ter um controle refinado sobre o terrível desperdício principalmente no chão de fábrica. A indústria automobilística americana pela pujança e mecanização despertava muita a atenção e muitas vezes servindo de exemplo. para o mundo. Um grupo de empresários japoneses desesperados por organização nas suas empresas resolveu fazer uma espionagem industrial. Viajaram disfarçados de turistas para os Estados Unidos – óculos escuros, binóculo e máquina fotográfica dependurados no peito, chapeuzinho de pano com aba, ar de besta com suas camisetas e bermudas floridas e um caderninho de apontamentos. Eram os verdadeiros calçudos da época. Chegaram e cada um foi para a porta de uma fábrica. Disfarçados de operários entraram e conferiram a organização. À noite, no hotel cansados, estropiados, pois tiveram que trabalhar para não despertar a atenção, chegaram a um acordo de que nada do que viram não estava sendo praticado no Japão. Desanimados começaram a fazer as malas para o retorno. Como naquela época era muito comum quem visitasse os Estados Unidos desse uma chegadinha e fizesse umas compras na Sears, foram então, para cumprir este cerimonial no dia seguinte antes do embarque comprar algumas quinquilharias para suas esposas, filhas ou namoradas ou mesmo amantes. Quando estavam passando pelo caixa verificaram que a atendente retirava uma parte da etiqueta dos presentes e colocava num recipiente. Curiosos perguntaram qual o significado daquela ação. A atendente gentilmente explicou que a etiqueta seria recolhida por alguém que daria comando para repor na gôndola aquele material que eles estavam levando. - Kanban, gritaram felizes em coro os japoneses. Beijaram a atendente, deixaram um monte de gorjeta e saíram felizes para o aeroporto. A atendente não entendeu nada, mas ficou feliz com a gorda gorjeta recebida. E dizem as más línguas que a partir desta data os japoneses inventaram o sistema kanban. Mas... Continuemos a história. Muito antes deles minha mãe, de origem polonesa já tinha inventado este maravilhoso sistema que ela chamava carinhosamente de grepel. Ela quis um dia registrar em marcas e patentes, mas os organismos internacionais recomendaram a ela que desistisse do intento porque achavam de pouca importância o assunto e também, segundo eles causaria um conflito internacional em vista da palavra em japonês já ser de domínio público. Os malditos filhos de uma puta enganaram minha mãe. Então vamos aos fatos em defesa do invento desta simpática polonesa. Ainda quando pequeno, na década de quarenta tenho na memória bem registrado de que maneira minha mãe comunicava ao meu pai a necessidade da compra da casa, principalmente dos mantimentos. Como ela não gostava muito de verbalizar o pedido, porque sempre esquecia alguma coisa criou um sistema muito legal que visualmente informava ao meu pai o que de imediato precisava comprar para a casa. De tantos vou apenas descrever um. O café era comprado em grãos verdes que torrávamos em casa. Era acondicionado em uma lata mais ou menos na quantidade de 5 quilos. Minha mãe deixava no fundo uma quantidade de 1 quilo colocando o cartão (grepel) em cima e cobria com o restante dos quatro quilos. Usava, dia a dia até chegar ao cartão. Pegava o grepel e pendurava num prego perto da porta de saída. Meu pai olhava, anotava e trazia o café na quantidade solicitada. O grepel registrava o nome do item e a quantidade que deveria ser comprado. Minha mãe de posse do café comprado procedia religiosamente da mesma forma. O ciclo se repetia sem erro para o café como para todos os outros itens controlados. Assim, esta polonesa graciosa, geria tanto o estoque de mantimentos como os itens de produtos de limpeza para que não sobrasse e nem tão pouco faltasse nada na despensa de casa. Por esta razão a minha querida mãe é a verdadeira criadora do sistema controlado por cartões e que vá a merda os japoneses. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

O #SAPATO SAGRADO

Nos tempos idos em que era guri não atinava muito com estas coisas de obediência, de temor a Deus. Queria ter meu próprio reinado. A bíblia, no entanto é muito severa quanto a isto e deixa a criança a mercê dos seus progenitores. Ela coloca a falta de submissão à vontade dos pais na mesma latitude e longitude de outros terríveis pecados que pululam soltos por aí, tais como o tráfico de drogas, pedofilia; corrupções, sonegação ou apropriação indébita com dinheiro em cueca, meia, mensalão e dos diários secretos da câmara dos deputados. Eu acho que Deus, por preguiça ou por falta de controle, colocou nos ombros dos pais estas leis para se ver livre da molecada. Veja em Efésios: Honra teu pai e tua mãe para que te vá bem e tenha vida longa. Meu pai com seus 96 anos deve ser o exemplo disto. Não sei não se viverei muito! Na bíblia está escrito que os pais devem orientar seus filhos na disciplina e na admoestação do Senhor. Tarefa cruel esta! No meu tempo de piá, Deus era mais moço e muito severo. Não me afinava muito com Ele. Eu ia com meu pai a Igreja e enquanto ele rezava eu ficava de olho naquele olho cruel dentro do triângulo onde se lia que Deus tudo vê e castiga. Isto me deixava puto da vida e um tanto apavorado. Nunca quis conversar com Ele, mas se fosse conversar iria dizer umas boas. Hoje o meu Deus é mais velho e mais experiente e me permito bater uns bons e saudáveis papos. Tenho aprendido muito com a Sua experiência e ele tem sido mais compassivo, mais tolerante e até mais humano. Bem eu vivi nesta severidade toda onde a lei de proteção ao menor não era observada e o trabalho menor escravo corria solto sem qualquer fiscalização. Entre muitas atividades que tinha que fazer a contra gosto em casa uma tarefa odiosa era o de engraxar o sapato de meu pai. E aí eu ficava mais e mais encanado com Deus, pois sempre o sapato engraxado aos finais de semana era para ir visitar a Sua casa aos domingos. No final de semana minha mãe sempre me lembrava: - Já engraxou o sapato do seu pai? E lá ia eu furioso com Deus e meu pai executar a terrificante, impiedosa e laboriosa tarefa. - Por que será que Deus exige que meu pai tenha os sapatos engraxados para ir visitá-lo? Perguntava isto resmungando furioso para mim mesmo enquanto me desgastava, me acabando todo nesta labuta. Um dia ao iniciar a fatigante e terrível tarefa de engraxar o sapato verifiquei que não tinha a graxa marrom. Não sei se por espírito criativo ou por revolta mesmo peguei a graxa preta e fiz o processo tranquilamente. - Meu pai nem vai perceber e até vai gostar, pensei cá com meus botões. O sapato ficou com uma cor toda atrapalhada que variava do marrom ao preto. Ficou da cor de vão de cerca. Talvez uma nova cor tenha sido criada. Não gostei muito, mas a tarefa foi cumprida. No dia seguinte é que fui sentir as conseqüências do inconseqüente ato. O sapato da cor marrom era de exclusividade para a casa do Senhor e o da cor preta para trabalho. A cor que elaborei e compus no sapato certamente seria para conduzir à casa do capeta, pois meu pai quando viu aquilo virou o bicho e como servo obediente daquele Deus rigoroso, fez sua oração ali mesmo. Não pode ir a Igreja e me aplicou umas lambadas na parte posterior traseira amaciada. Passei o dia todo sem poder sentar removendo a graxa preta do sapato sagrado. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

MALDITA SOMBRINHA

Minha mãe# sempre foi de uma prestimosidade a toda prova e cheia de cuidados com todos os filhos. O tempo, aquele dia estava muito feio. Nuvens negras e carregadas passeavam alegres no céu fazendo faísca com seus puns barulhentos. Eu estava admirando as diferentes figuras formadas por estas criaturas do céu. Era um homem deitado logo depois um coelho correndo ou então um galo cantando. Era tudo tão rápido tão mágico tão lindo que eu ficava desejando um dia poder fazer o mesmo numa folha de papel. Estava absorto, perdido em pensamentos por algum instante embevecido namorando aquelas nuvens. Achava-as linda, graciosas, mas que às vezes mijava aqui na terra. Minha mãe tinha outra explicação para estes traques e para este líquido vomitado pelas nuvens. – Meu filho, dizia ela, São Pedro esta lavando o céu e para lavar é necessário afastar os móveis, cadeiras e mesas do lugar e jogar muita água e é por isto os grandes barulhos e a água que cai. Não botava muita fé nisso; Divertia-me os ruidosos puns e fugia da urina quando as nuvens mijavam. Ainda absorto com tudo isto minha mãe chega perto de mim e fala: - Guri, vá pegar suas coisas que está na hora de ir para a escola. Freqüentava já, nesta época o segundo ano do grupo escolar. Tinha nove anos e já quase um homem maduro embora ainda sem pelo no saco e na cara. Coloquei meu guarda-pó branco, cruzei no pescoço as alças do embornal de tecido – costurado pela minha mãe e já ia saindo quando minha mãe me interpelou: - Lavou as mãos, penteou os cabelos? E lá ia ela fazer uma vistoria completa nas orelhas, unhas e cabelo. Quando finalmente ia saindo me entregou sua sombrinha# de seda toda florida com um colorido muito lindo, mas admiravelmente extravagante. Antigamente não se escamoteava facilmente as sombrinhas; Eram enormes e continuavam enormes o tempo todo e muito maior quando abertas, escancaradas, chamando a atenção como putas velhas de pernas abertas. - Não minha mãe, eu não vou levar isto, imediatamente interpus à sua vontade acrescentando – nem vai chover hoje. Neste momento as nuvens filhas de uma puta, rindo e fazendo diversas caretas no céu soltaram estrondosos puns obrigando minha mãe a fazer três vezes o sinal da cruz. Não tive argumento contra este fato. Peguei a maldita colorida e tentei camuflar por entre o embornal e o guarda-pó. Meu andar ficou troncho, mas consegui chegar até o Grupo e me esgueirar até a sala de aula. Dispensei as brincadeiras no pátio antes da aula e consegui camuflar a sombrinha perto da parede. A aula era sobre... Nem sei sobre o que era só sei que passei o tempo todo rezando para que aquelas malditas nuvens fossem embora. Elas me acompanharam de casa até o grupo e ficaram soltando traques em cima da escola. Eu as escutava rindo e dizendo: - Quando a aula terminar eu vou mijar em você, e gargalhavam, peidavam e soltavam labaredas que riscavam rapidamente o céu. Minha carteira ficava perto da parede debaixo da janela e o tempo todo de duração da aula eu fiquei ouvindo isto. - Vou mijar em você... Vou mijar em você – e gargalhavam, gargalhavam sem parar. Certo momento, perdi a paciência e gritei: - Chega de peidar# e mijar# sua filha de uma puta. A classe toda se virou boquiaberta para mim. Fui levado para a Diretoria O diretor perguntou: - Por que você disse isto para sua professora#? - Eu não disse isto para ela eu disse isto para as nuvens, tentei explicar ao Diretor. Foi em vão; além do sermão e de me chamar de doido levei 10 palmatórias na palma da mão e voltei envergonhado para sala de aula com uma tarefa a mais: escrever 500 vezes “não devo xingar a minha professora”. E as nuvens continuavam lá, peidando, arrotando e vomitando fogo. O sinal tocou e em alvoroço todos saíram da sala. Camuflei novamente a sombrinha entre o embornal e o guarda-pó e meio troncho saí da sala. A água descia à cântaros. A turma se acotovelava a saída uns abrindo guarda-chuva e outros esperando a chuva passar. Por entre a turba, debaixo daquele aguaceiro saí disfarçadamente, vagarosamente, troncho como se nada estivesse acontecendo até virar a esquina. Tirei a maldita sombrinha da camuflagem para facilitar minha movimentação e saí em desesperada corrida até em casa. Cheguei encharcado dos pés a cabeça. Já na porta de entrada virei-me mostrando uma banana com os braços para as nuvens, entrei em casa completamente molhado, joguei a sombrinha a um canto e recebi uma puta bronca da minha mãe por estar todo molhado. - A sombrinha não quis abrir, disse pra ela. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 12 de agosto de 2017

SER PAI

Mario dos Santos Lima VOCÊ É PAI QUANDO NUM ATO CONTINUO DE AMOR PARTICIPA NA GERAÇÃO DE UM FILHO! VOCÊ É PAI QUANDO NA GRAVIDEZ DE SUA AMADA SENTE ENJOOS E ATÉ DESCONFORTO ABDOMINAL AO MESMO TEMPO QUE ELA. VOCÊ É PAI QUANDO ESTÁ PRESENTE NO NASCIMENTO DE SEU FILHO DIZENDO DE SUA ALEGRIA NA LÁGRIMA QUE ESCORRE VADIA PELO SEU ROSTO! VOCÊ É PAI QUANDO ENSINA PACIENTEMENTE SEU FILHOS NOS PRIMEIRO PASSOS E CHORA FELIZ EM VÊ-LO CAMBALEANDO MUDAR SOZINHO SEUS PEZINHOS! VOCÊ É PAI QUANDO CORRIGE COM AMOR SEUS PEQUENOS DESLIZES! VOCÊ É PAI QUANDO ACOMPANHA A VIDA TODA O CRESCIMENTO DE SEU FILHO! VOCÊ É PAI QUANDO SENTE FALTA DOS ABRAÇOS DE SEU FILHO POR ELE ESTAR DISTANTE! E FINALMENTE VOCÊ É REALMENTE PAI QUANDO AMA INCONDICIONALMENTE A MÃE DE SEU FILHO DESDE OS PEQUENOS GESTOS, PALAVRAS AMOROSAS DE APOIO E CARINHOS ABRAÇOS. PARABÉNS A TODOS OS PAIS!

sábado, 5 de agosto de 2017

A FALSA VIRGEM

A liberação dos comportamentos sexuais permitida pelo uso de contraceptivos químicos ou mecânicos, e a emancipação social das mulheres alterou profundamente a visão da virgindade nas sociedades contemporâneas. Ao mesmo tempo em que o contraceptivo permitiu separar o ato sexual do ato de procriar, a virgindade perdeu o seu papel de garantir a filiação do casal. Estas mudanças fizeram com que o papel da virgindade perdesse o atributo de caráter sagrado, e hoje, não tanto pela expansão de movimentos religiosos mais conservadores, e sim, muito mais pelo medo das doenças sexualmente transmissíveis tem levado a uma renascença da virgindade como um ideal positivo e desejável para alguns. Medo apenas, eu acredito. A virgindade hoje para a mulher é uma questão de opção. Com relação ao sexo ela está plenamente preparada. Tudo é uma questão de ponto de vista de uma cultura, de uma época ou de recalques. Na nossa cultura, aqui nesse Brasil grande, no milênio passado perto da metade do último século a coisa era bem diferente de como é hoje. Para o homem a mulher só tinha valor se fosse virgem, e isto era pregado pela igreja, respeitado pela sociedade, e cultivado no seio da família. Sociedade machista. Santo hímen! O namoro era controlado e severamente vigiado pelos pais. Pegar na mão e dar uns beijinhos só depois de noivos. O sexo era uma palavra proibida entre eles. Se a moça ficasse grávida era o fim do mundo, ela era expulsa de casa e forte candidata ao prostíbulo. Ela era considerada uma leviana, uma putinha se experimentasse as delícias do ato sexual antes do casamento. Ao homem tudo era permitido. Ele tinha as primeiras lições de sexo na escola de prostituição, lá na zona, ao derredor da cidade com as putas rameiras professoras ensinando-lhe, e colocando em prática tudo o que elas sabiam. Muitas vezes, a primeira vez eles eram acompanhados de seus orgulhosos pais a este prostíbulo. E as mulheres? Ah! Elas apenas se embebiam das informações truncadas de alguma amiga mais vivida que tinha informações de livros, ou conseguiam isto de casadas indecentes revelando suas tristes vidas íntimas. Para a mulher o sexo era uma coisa feia, terrível e inevitável. Seu corpo em formação sensualmente pedia, mas sua cabeça com informações destorcidas rejeitava. A primeira noite para a mulher casada era a noite do terror, e se tornava pior ainda quando o cavalo do marido tinha sido um péssimo aluno na escola de prostituição. Foi neste período que presenciei uma cena de casamento dantesca. O matrimônio envolvia duas famílias geograficamente distantes. A família do noivo trabalhava na fazenda no estado do Mato Grosso e a família da noiva trabalhava na fazenda no estado de São Paulo. As fazendas tinham um laço íntimo de parentesco, pois pertenciam ao mesmo dono. O rapaz era capataz do fazendeiro e acompanhava-o muitas vezes por todas as fazendas. Nestas idas e vindas conheceu a bela morena da outra fazenda. A cabocla tinha os olhos negros, cabelos lisos e longos, e um corpo lindo escultural convidando para o pecado. Apaixonaram-se perdidamente e trataram de marcar o casamento. Poucas foram às vezes que se encontraram. A cerimônia foi realizada na casa da noiva. A festa rolava solta com os convivas se deliciando com a comilança de mesa farta. Lá num canto alguém riscava uma viola numa cantilena cabocla qualquer. Tentando sorrateiramente escapar, os noivos se recolheram ao aposento nupcial que ficava ali próximo. Todos perceberam e se agitaram. Com certeza o assunto agora era apenas um. O povo todo, num burburinho danado fazia as fofocas. Vi muitas mulheres suspirando e se entreolhando coniventes, debochadas, e outras tantas com risinhos safados fazendo gracinhas, se cutucando, talvez tentando imaginar a pornografia que rolava lá dentro. Esta cena não perdurou mais que trinta minutos. De repente, lá dos aposentos íntimos fez-se ouvir gritos disformes. Gritos horríveis, sufocados. - Será que é ela que grita de dor no ato da deflora, ou é ele que urra cavalarmente por não conseguir penetrar em tão virgem vulva? Eu acho que no início era este o pensamento geral da multidão incontida do lado de fora. Todos esperavam ansiosos. Fez-se silêncio sepulcral. A viola parou de chorar, e o povo todo aguardava o desfecho final desta luta sangrenta. De repente a porta da intimidade se abre e sai o noivo escabelado, gritando: - Ela não é virgem! No início o povo quis aplaudir, mas em silêncio se conteve estranhando este anuncio. Na época não era de bom tom e de costume revelar a intimidade do casal. Muito bem que ele tenha conseguido o defloramento, mas não precisava anunciar assim bombasticamente a todos os ventos. Mas o noivo, de pau murcho, calça mal abotoada, camisa solta no dorso e descalço gritou a todo pulmão. - Esta vagabunda não é virgem! Ela me enganou! É uma puta vadia! Dizendo isto, rasgou passagem por entre o público que de boca aberta assistia tudo, e foi direto a um suposto advogado dizendo: - Vamos acordar o padre e o tabelião para cancelar este maldito casamento. E desapareceram na escuridão da estrada. O povo, punidamente olhando os pais da noiva, saiu de fininho e eu pensei cá com meus botões: - Puta que o pariu, como é que a falta de uma pequena membrana na vulva pode transformar de repente a paixão incontida num ódio infernal? Eu acho que naquela época a cabocla foi expulsa de casa, e sem saída transformou-se numa professora rameira num puteiro qualquer. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

quinta-feira, 27 de julho de 2017

LAMENTO DE UM PINHEIRO

Hoje, inerte, ao chão estendido, sinto choroso meu corpo ressecando e, pela unidade do repouso em que me encontro, o apodrecimento está se apoderando de meu tronco. Sofro o abandono cruel de tudo e de todos; Já não gorjeiam mais as aves em revoada em meus galhos; já não caem, das altas galhadas, a pinha esfarelando-se no chão; já não me abraçam mais os viventes para me estreitar e admirar meu esbelto tamanho; já não vejo mais o brilhar do sol lá do alto, pois tudo aqui em baixo é um imenso vale sombrio. Hoje, apenas me pisam em conversas desconexas de como vão me cortar, de como vão me puxar. Sofro o esfriamento de meu tronco na condensação da resina, e no verde musgo que me cobre todo tal qual fúnebre mortalha. Ah! quinhentos anos de crescimento e tudo passou tão rápido! Lembro-me ainda! Ah como me lembro, e lembro bem! Apareci pequenino, curioso furando a terra, no meio da folhagem despontando para a vida. Medroso fui tomando corpo e entre árvores fui me espichando, me esgueirando pacientemente, pedindo para passar por entre a ramagem; Num primeiro momento, como de mão postas, fui rogando e abrindo espaço; já nas alturas, estendi meus galhos em sinal de proteção. Fui ganhado corpo e altura e respeito. Abriguei milhares ninhos, e servi de dormitório para muitas aves. Ao longo desses anos, vi muitos dos meus, ao som cruel das serras, tombarem inertes ao chão; e eu sobrevivi, isolado, mas feliz contemplando do alto o nascer e o fenecer de tantas coisas. Imaginei-me eterno Mas um dia. O implacável vendaval futilmente empurrou-me ao chão. Tentei inutilmente desesperado me agarrar em alguma coisa, e tombei o bom tombar. Já sem vida, abatido no solo, eis que um alento invadiu o infinito de minha seiva; Recordo então que um passarinho, certa vez me estribilhou, enquanto soluçava o tombar de um dos meus: - Não chore não, doutro lado desta vida enraizada, esses troncos de pinheiros serão lindas casas ou encantadores moveis. E assim, sinto triste a seiva morna correr pelo meu tronco frio, mas na flamante esperança de estar neste outro lado que o gorjear do passarinho um dia me sussurrou. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

segunda-feira, 24 de julho de 2017

CHUCHU E MAIS CHUCHU PARA A PROFESSORA

Em casa era assim, se você manifestasse uma aversão a qualquer alimento a mamãe servia à mesa por alguns dias aquela especiaria. Não adiantava reclamar, ou comia ou comia. Caí na besteira de levantar a bandeira em luta contra o chuchu. Que alimento mais lazarento de ruim. Era, no almoço e no jantar chuchu. Em casa tinha um pé de chuchu. Todos sabem do dito que quando uma zinha resolve dar a periquita sem qualquer controle ou restrição o povo vai logo dizendo: “Ela está dando mais que pé de chuchu na cerca". Pois é, o maldito pé de trepadeira dava chuchu pra caralho. Milhares de flores cobriam aquela trepadeira ordinária. Milhares de chuchuzinhos e outros tantos milhares de chuchus adultos esperando ansiosos para serem colhidos e degustados. O pé de chuchu se estendia por mais ou menos dez metros na cerca de balaústre. A cerca estava camuflada no meio da ramagem verde desta trepadeira maldita. Nas minhas orações noturnas pedia ao bom Deus, já que Ele é o criador de todas as coisas que fizesse alguma coisa para que o pé de chuchu não desse mais aquela bosta de fruto. Pedia, mas achava que Deus por ser velho demais estava surdo e não estava me escutando, pois no dia seguinte ao levantar, rápido eu ia dar uma olhadela naquela trepadeira sem vergonha. Ficava decepcionado. Estava cada vez mais linda. Até parecia que ela quando me via mostrava a língua dizendo: Aí seu filho de uma puta não adianta rezar; O seu Deus não tem forças contra mim. Eu sou mais poderoso que este seu Deus. Insultava-me, me deixava louco da vida e na hora do almoço e o jantar ainda tinha que sofrer de náuseas por ter que engolir aquela merda toda. A minha aversão era tanta que sempre eu via no prato o chuchu mostrando a língua pra mim com as duas mãos unidas à língua imitando um tocar de flauta. A mãe não conseguia ver aqueles abusos e falava: - Mario coma tudo e não deixe nada no prato. Nesta época estava freqüentando o grupo escolar, correspondente ao primeiro ano do primeiro grau de hoje. Tudo ia normalmente e sem grandes lances na escola: - aprendendo a ler e escrever; fazendo muitas tarefas; me socializando até que um dia a professora veio quebrar uma rotina que para mim veio mudar a minha triste vida. Era uma aula de botânica. A professora muito entusiasmada falava das plantas, dos diversos tipos, seus nomes e propriedades. Eu não prestava muita atenção ao que a professorinha falava. De repente eu ouço uma palavra familiar. Fiquei ligado no que ela falava do chuchu e o que mais me antenou foi ter ouvido que ela gostava muito desta merda. Daquele momento em diante comecei a maquinar alguma coisa. - Preciso saber aonde esta professora mora, pensava cá com meus botões. Um dia não tive dúvida, após a aula, a uma certa distância disfarçadamente fui seguindo aquela que por certo seria a minha grande salvação. À medida que avançava na caminhada de perseguição fui verificando com espanto que ela se dirigia para o lado aonde eu morava. Ela passou pelo portão de casa e se encaminhou a uma quadra pra frente quando adentrou. Fiquei feliz e nesse momento acreditei que Deus não estava tão velho assim e estava atendendo as minhas preces. Cheguei em casa e fui logo dizendo pra mãe: - Mãe, minha professora pediu um pacote de chuchu para mim e ela mora aqui na outra quadra. - Muito bem meu filho, então vai levar para ela. O plano estava perfeito. Levarei os chuchus, além de fazer um moral com a professora me livro destes malditos. Apanhei um pacotão de chuchu mas fiquei desesperado, pois parecia que o pé a cada fruto que tirava brotava mais um montão no seu lugar. Levei até a casa da professora. Ela com um largo sorriso agradeceu. No dia seguinte fiz a mesma coisa. A professora apenas agradeceu. No terceiro dia fiz a mesma coisa. A professora só recebeu. No quarto dia a professora me disse: - Mario, não consegui ainda comer a primeira remessa. Quis falar com ela, explicar, pedir algum endereço aonde pudesse descarregar aqueles malditos frutos. Fiquei triste, abaixei a cabeça e vim de volta pra casa com aquele pacotão de bosta. Passei desesperado pelo pé de chuchu e ainda o vi mostrando a língua pra mim. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sexta-feira, 14 de julho de 2017

CAVALGANDO UMA BICICLETA# MUITO LOUCA

Quem, quando guri não morreu de vontade de andar de bicicleta? Pois sou um destes indivíduos que quando imberbe ainda, e não pubescente sonhava com a magrela dia e noite. Implorava insistentemente uma para meu pai, mas ele impassível ignorava as minhas doridas súplicas. No meu tempo, lamentavelmente não tinha ainda a grande motivação de –“Não esqueça de minha caloi”. A bicicleta povoava meus sonhos. Era uma coisa boa e um tormento ao mesmo tempo. Eu sonhava com aquelas lindas propagandas de bicicletas que apareciam nos jornais e revistas. A sueca Monark, por exemplo, era considerada a rainha das bicicletas e era feito em aço de primeira, acabamento esmerado e cores lindas. Era a preferida do Brasil segundo a propaganda. Era a minha preferida também. A danada vinha com dínamo Hackel para os faróis Riemann e estava acoplada com a bomba pneumática Progress. Uma belezinha. Eu vivia fazendo coleções de recortes destas propagandas. Nos meus sonhos eu já havia andado milhares e milhares de quilômetros deslizando ruas, estradas, vielas e campos. Eu estava perito no assunto em botar a bunda no selim. Para mim, um estilingue no pescoço, um picuá carregado de pedras na cintura, um pião, umas bolinhas de gude e uma magrela para me carregar era o máximo de minha ambição. Nada mais eu queria. O estilingue, o picuá, o pião e as bolinhas de gude eu os tinha, mas a bicicleta em meio a névoas ficava turva em meus anseios. Quando eu a teria? Martelava constantemente em meu cérebro esta pergunta. Quando? Um dia vou possuir uma, pensava otimista olhando demoradamente aqueles recortes de propaganda. Este dia não demorou a chegar. No meu tempo, todo bom moleque que já sabia ler e escrever# tinha que procurar alguma ocupação ou ofício para desenvolver. E lá fui eu aprender o ofício de marceneiro. Tinha 12 anos de pura inocência e muitos sonhos a realizar. Muito mais sonhos e pouca realidade. Na marcenaria trabalhavam alguns marmanjos, eram os meus professores e a um canto, lá mais para o fundo do barracão, tal qual uma princesa encantada permanecia sempre uma linda e indescritível sueca. Pareceu-me, algumas vezes que ela dava umas piscadelas para mim. Eu acredito que foi amor à primeira vista. Minha iniciação na arte# de construir tranqueiras em madeira estava indo muito bem, mas minha paixão pela sueca aumentava desesperadamente dia a dia. O percurso de casa até a oficina de artes em madeira era bem longo, mas minha motivação em estar lá antes da hora e sair depois da hora era esta linda e graciosa sueca que impassível permanecia lá como se estivesse obcecadamente me esperando. Era uma atração fatal. Dois tímidos. Eu de um lado fazendo minhas tarefas, jogando de quando em quando um olhar furtivo e enamorado e ela de outro lado, calada, linda me espreitando. Um dia o dono da oficina me surpreendeu passando a mão nela. Fiquei sem jeito, esperei uma bronca, mas ele simplesmente me disse: - Cuidado com ela, moleque#, ela é minha e sou muito ciumento, mas como sou bastante liberal, se você quiser um dia eu o deixo sair com ela. Minha alegria foi tanta naquele momento que quis gritar, dar um abraço nele, mas apenas timidamente agradeci. Isto nos fez, eu e a sueca mais próximos um do outro. O nosso namoro estava cada vez mais forte. Ela era caladona, mas me permitia que eu ficasse ali ao seu lado falando qualquer coisa, sobre mim, sobre meus amigos; Era um bla bla danado sem fim. A minha paixão pela sueca estava em proporções descomunais. Quando em casa não via a hora de retornar ao trabalho para estar ao lado dela. Os finais de semana me pareciam longos e intermináveis. O grande momento de realizar o meu sonho chegou! Meus lindos sonhos seriam realidade agora. Vou finalmente andar de bicicleta. Alguém da oficina precisaria ir fazer uma entrega de uma encomenda qualquer do outro lado da cidade. Eu fui o escolhido. - Você sabe andar de bicicleta? Perguntou-me o dono da Marcenaria. Esperei um pouco dei um tempo para responder. O treinamento que fiz nos meus muitos e variados sonhos me pareciam reais. Eu sabia, é claro que eu sabia andar de bicicleta e muito bem. Recompus-me não acreditando ainda na pergunta e de imediato, meio gaguejando respondi. - Sim, sim eu sei. Colocaram com cuidado a obra de arte restaurada no bagageiro da bicicleta dizendo-me: - Cuidado com esta peça, ela é antiga e de muito valor. - Sim, gaguejei. - Guri, cuidado com a minha Monark, ela é uma coisa preciosa que tenho, acrescentou o dono da marcenaria. Finalmente a sueca estava em meus braços e logo logo estaria sob minhas pernas. A minha alegria era tanta que acabei acreditando que sabia realmente bicicletar e com isto tive um orgasmo precoce. Olhei aquela formosura toda reluzindo de impecável pintura preparada para a missão quase impossível. Os primeiros 100 metros eu os fiz apenas empurrando a sueca. Fui num monólogo tranqüilo com ela. Queria estar longe das vistas do dono dela no memento sublime de dar à primeira trepadinha. A cidade até parecia que parou para me permitir andar sem problema. Suas ruas em colossal areal se estendiam desertas por quase todo o trecho. Até os cachorros vadios se recolheram. Criei coragem, mas tremendo de medo frente a uma enorme descida me encavalei desajeitadamente em cima dela. Pareceu-me ouvi-la dizendo: - Vá com calma meu amor! Eu estava tarado, estava afoito, na realidade eu era naquele momento o noivo virgem doido pela primeira foda e não atendi ao seu reclamo, comecei a descida em desembalada corrida. Ela gemia sob meu corpo que quase solto queria escapulir. Meus cabelos soltos ao vento acenavam felizes e eu em início de operação radical começava a suar frio. O medo estava solto correndo lado a lado comigo. Meu anjo da guarda suplicou aos céus e me abandonou. A Monark desgovernada, zig zagueando doida engolia a distância, gritando frases desconexas. Meus pés soltos não encontravam os pedais e o selim fazia bolhas na minha bunda. A sueca gritava frases de ordem, rebolava toda, mas eu juro que ela estava feliz pela liberdade incondicional que eu estava lhe proporcionando. Como um peão nos corcovos da mula xucra eu tinha presa apenas uma mão no guidão da desgovernada Monark. Pouco mais de 50 metros, nada mais do que isto foi palco da mais ousada e radical desembalada corrida ciclística que se tem notícia coroando ao final com um fenomenal acidente. Um banco de areia ao nos ver doidamente se aproximando gritou, acenou, gesticulou, quis sair do lugar e nos seus braços espetacularmente fomos parar. A sueca quando colocou seu rodado dianteiro no areal, deu um espetacular corrupio no ar, xingou largando-me em pleno vôo. Planei por alguns segundos e vertiginosamente de cabeça cai. A minha fuça foi a primeira a chegar ao areal vindo logo em seguida a Monark que num baque se enrolou toda em mim para amaciar sua queda. A logística da entrega foi estancada neste ponto. Apenas 50 metros de adrenalina pura. Foi uma experiência incrível cavalgar numa xucra sueca que acabou culminando na realização do meu sonho – Andar de bicicleta. Desastrosa experiência, mas foi o início. Finalmente andei de bicicleta. No local uma boa alma me ajudou a se desvencilhar da magrela# que toda retorcida prendia-me a ela num abraço funeral; juntou cuidadosamente os pedaços da obra de arte que levava na garupa e me entregou com cuidado. Eu estava todo empoeirado e sangrando, mas estava muito mais feliz que preocupado. De repente, recompondo-me um pouco bateu loucamente em minha memória a recomendação: - Cuidado com esta peça ela é uma obra de arte e de muito valor. Cuidado com a minha bicicleta, ela é bla e bla e mais bla. Comecei a chorar desesperadamente reunindo os restos mortais da obra de arte e juntando do areal maldito a linda sueca toda retorcida. - O cara vai me matar, pensei eu, enquanto caminhava de volta. Pensei em fugir, desaparecer deste mundo, mas criei coragem e continuei o meu regresso. Como um bom empregado, ao emprego estou retornando. Ao chegar de volta com aquele monte de ferro e lata retorcida disse ao dono da marcenaria: - Fui atropelado e não me lembro de nada. A sueca, no seu último suspiro teve forças e me deu um beliscão pela mentira. O dono da marcenaria, esbravejou, vomitou impropérios e quando quis me bater desmaiou caindo espetacularmente ao chão. Mudei de cidade, fui para o seminário e até hoje não tive coragem de ir lá receber o meu salário. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 11 de junho de 2017

ORIGEM DO TROVÃO

Eu, quando guri, sempre brigava com as malditas nuvens que vomitavam chuva. Dizem que de louco e físico cada um tem um pouco, mas disso tudo eu fui lesado. Definitivamente não sou físico, mas vou explicar de como eu entendia, quando criança, aquele barulhão filho de uma puta que acontecia lá nas alturas do céu. Muito das coisas aprendi com minha mãe. O trovão já era tema de muitos estudo pelos antigos filósofos e, segundo pesquisa, foi Aristóteles, pai que era de muitos filhos, ao ser inquirido a origem do trovão, imediatamente, para se livrar da molecada, deu uma explicação plausível sobre a barulheira toda que acontece lá pelos altos.. Ele disse para seus filhos, e depois dizia para seu alunos, que o trovão é o som provocado pela trombada das nuvens umas contra as outras. Era bem engraçado, mas eu imaginava as nuvens como carros, soltos, desgovernados, de um lado para outro, lá nas alturas. Quando era guri pequeno entendia que as nuvens eram dirigidas pelos anjos e almas boas que moravam nela, mas pelo jeito traquinas, e com pouca experiência no trânsito, provocando assim as focinhadas das nuvens. Lendo Aristóteles fico imaginando, nestes choques violentos das nuvens, os anjos e almas caindo lá do alto. Talvez seja por isso que anjos e almas nascem novamente ou vem povoar as casas mal assombradas. Tenho uma vaga lembrança de uma aula de física que assisti, na qual o professor dizia que, o trovão é um evento, que acontece pela velocidade incrível do raio, que vai passando, e rasgando tudo pelo caminho criando um vácuo super aquecido que acaba explodindo. Depois desta aula, eu olhava para o céu nublado e via o raio, sendo montado por um imbecil qualquer - uma dessas almas que não tem o que fazer. O raio xucro, querendo derrubar a alma inoportuna, galopava feito um lazarento, como se tivesse pimenta no fundilho, peidando feito um doido. Corcoveia daqui, corcoveia dali! Corcoveava e ao passar corcoveando em alta velocidade, provocava uma confusão entre as nuvens, as quais ao se chocarem, derrubavam muitas almas e muitos anjos, em forma de chuva na terra. Os urros nas nuvens, na realidade eram os gritos de desespero das almas que tentavam se segurar para não caírem. Uma vez alguém me disse que o trovão é um gigantesco empurrão de ondas sonoras. Eu olhava para as nuvens, e via as almas mais saradonas surfando estas ondas, e com isto provocando o som do trovão. De todas estas figuras, entre Aristóteles, professor de física e outros, a minha mãe foi a que mais me convenceu com sua sábia teoria. - Meus filhos, dizia ela explicando a origem do trovão, é São Pedro lavando o céu e afastando os móveis. Imediatamente eu imaginava a nossa casa sendo lavada. E continuava ela na sua didática explanação: - A chuva é a água que São Pedro lava o céu. Quando a nossa casa era lavada, eu via debaixo do assoalhado a água vazando pelas frestas em forma de chuva. Era a prática na teoria. Eu sempre imaginava todos os santos e anjos empurrando, de um lado para outro, os imensos móveis lá no céu. Pelas frestas do assoalhado do céu eu via a água que corria em profusão. Quando trovoava, incontinente pensava: - Lá vem a turma fazer faxina! Ao ameaçar um temporal, minha mãe imediatamente nos punha por debaixo da mesa, e corria, medrosa, queimar alguns ramos verdes. Ela dizia para nós, justificando a mesa como proteção: - Quando estão lavando o céu é muito perigoso para nós as coisas que acabam caindo lá de cima! De fato, as chuvas de pedra me davam medo. Para minha mãe era apenas o medo do temporal destelhar a casa, e cacos de telha cair por cima de nossas cabeças. Ainda hoje, quando avisto alguma nuvem que passa sorrateira, rápida, ziguezagueando pelo céu, com saudade vejo minha mãe toda feliz brincando nela. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

segunda-feira, 5 de junho de 2017

MOLEQUE PIRRACENTO

Chorando, então voltei, e fui enxugar as lágrimas na saia de minha mãe. Você já foi birrento, pirracento? Não tem na memória, ou está mentindo? Pergunte então para seus pais. Eu acho, apenas acho que não fui nada birrento, mas, por ironia da vida, infelizmente tem uma cena registrada em minha cachola, que diz o contrário. Por mais que queira apagar, ou negar, tem meu pai para dela me lembrar. Diz a lenda que o fedelho, a partir dos dois ou três anos até uns aos cinco, começa a se manifestar ruidosamente principalmente em público. Dizem os psicólogos e pedagogos que os pequenos projetos de gente começam a radicalizar suas vontades, a apavorar seus pais, ao descobrirem, por encanto, que é através dessas manhas, dessas birras que eles conseguem se fazer ouvir rapidinho. As birras muitas das vezes vêm para extravasar um descontentamento ou então um aviso: - “Ei, eu estou aqui e quero ser atendido!” Se os pais ou responsáveis pelo menor não o atender vai, com certeza, pagar o mico. Na minha época umas boas chineladas na bunda e puxões de orelhas resolvia rapidinho o beco sem saída, mas hoje isso é considerado violência, e o aplicador dos tapas pode apodrecer na prisão. Recebi injustamente muitas chineladas, isso muito bem me faz lembrar. A cidade em que a gente residia era de chão vermelho. Era tão vermelho que o pessoal usava a terra para tingir roupas e pintar as casas. Era um torrão grudento, incrivelmente pegajoso, tão aderente que a polícia usava para engessar os bandidos. Era o terror para as mães, principalmente quando chovia. Quando levava umas chineladas de minha mãe, lá ia eu me vingar dela me espojando, quase chafurdando, naquela imundície. Rapidinho ela tinha que me lavar para não virar moleque de pedra. Eu adorava fazer isto para ver minha mãe esbravejando. Era como uma pequena vingança para abrandar o ardume das chineladas. Um dia, numa viagem de vapor, de Porto Amazonas a São Mateus, aprontei alguns inconvenientes, e recebi como paga umas boas chineladas. Eu achava que era preterido pelos meus pais por causa de minha irmã mais nova. Coisa de moleque ciumento. Diga-se de passagem, uma viagem de vapor para uma criança, de três ou quatro anos, julgada excluída pelos seus pais, não poderá ser comparada com um passeio pela Disney. Quando o vapor estava atracando em São Mateus, ainda sentia minha bunda ardente pelas chineladas recebida. Arquitetei um monstruoso plano que iria colocar minha mãe e meu pai numa verdadeira sinuca. Talvez essa atitude fosse a maneira deles me notarem, foi isto que pensei. Seria uma pequena grande vingança. O vapor atracou. O tempo estava chuvoso. Saí prancha abaixo em direção ao lamaçal, ouvindo minha mãe desesperada gritar: - Mario, cuidado! Volte aqui menino! Sem dar ouvidos a ela, só não chafurdei para não sujar a roupa que adorava vestir, mas meti as mãos naquele barro com fé e coragem. Ao invés de bravos, ouvi meu pai e minha mãe gargalhando. De imediato, olhei para minhas mãos e não acreditei no que via. Fiquei decepcionado. Minhas mãos estavam limpas, limpíssimas, apenas cheias de areia, e nada mais. - Que bosta de terra é essa que não suja? Questionei-me perplexo e desconcertado. Chorando, então voltei, e fui enxugar as lágrimas na saia de minha mãe, que ainda ria passando amorosamente a mão na minha cabeça. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

domingo, 14 de maio de 2017

MINHA DOCE MAEZINHA - HOMENAGEM PÓSTUMA

A separação é como um elo que se rompe, como uma parte boa de nós arrancada que se perde em pedaços irrecuperáveis. É uma interrupção que causa um desconforto, um mal estar deixando um vazio enorme e uma tristeza que não tem fim. Nossa mãezinha como um anjo partiu suavemente desta vida bem ao seu jeito, abençoando a todos e com uma expressão feliz no rosto. Seu corpo frágil, debilitado pela enfermidade, pelas dores cruéis que sofria foi vencido e sucumbiu ao peso da morte. Nós ficamos tristes, pois se foi a alegria de seu sorriso; foi com ela seu humor irreverente e no fechar de seus olhos foi se embora a eterna mãe sempre preocupada com seus filhos e com seu querido velho Chico. Gritei por Deus e em vão procurei uma justificativa uma explicação, pois a emoção muito maior que a razão me tapou o raciocínio lógico. Aos poucos, rosto lavado pelas lágrimas, entre soluços, inconsolável bradei ao Senhor que me mostrasse, pelo menos mais uma vez a minha querida mãezinha. Ele atendeu. Uma luz muito forte, brilhante num primeiro momento tornou-me cego e aos poucos fui me recuperando e fiquei fascinado pela visão deslumbrante que se me apresentou. Uma verdadeira pintura foi o que vi. Era um lugar muito lindo. Via-se ao fundo uma serraria e um pouco para frente uma casa grande com sótão com as janelas semi abertas. Um riacho de águas limpas serpeava por entre as grotas e se perdia distante banhando a floresta verdejante de pinhais e erva mate. Parecia um dia de festa. Muita gente rindo, conversando alegremente. Fizeram um corredor enorme enquanto o apito da serraria soava sem parar para receber a ilustre e tão esperada Marina. Ainda aturdida pela morte e preocupada com o pessoal que chorava a sua volta ficou por momento inerte. A sua frente um pessoal festivo que aguardou impaciente sua chegada e para trás seus filhos, esposo e amigos inconsoláveis com sua partida. Passou carinhosamente a mão pela cabeça do pai tentando confortá-lo e amparou cada um que a volta de seu corpo sem vida rezavam a Ave Maria. Veio ao seu encontro o vô Silvestre e a vó Rosália acompanhada pela Alice que disse: - Oi dona Maria, que bom que a senhora veio, estamos felizes por isto. Vamos cuidar da senhora. A mãe Rosália pega com ternura em suas mãos e o seu pai diz: - Vem despreocupada, pois eles vão ficar muito bem e amparados, dizia isto enquanto ainda a mãe olhava para seus entes queridos ao lado de seu corpo já sem vida. E ela olhou consternada mais um pouco para o pessoal que chorava a sua morte e foi, e muito feliz ficou ao ouvir do seu pai que o baile lá na sala da casa estava preparado e que ele queria dançar a primeira valsa com ela. Vamos, vamos Maika, pois temos muita coisa para fazer. E a mãezinha muito feliz passou pelo corredor de gente abraçando cada um festivamente. Tio Lúcio foi o primeiro e disse quando a abraçava: - Não fui em vida morar com você, mas acompanhei feliz o teu crescimento, a tua abnegação e o teu amor incondicional para o cunhado Chico e para meus queridos sobrinhos. Tio Boles ria feliz. tio Valdo, tia Irene, tia Salca tia Amália tio Carlito cercando a irmã que acabara de chegar cada um a sua maneira queriam mostrar as coisas lindas daquele local a fim de deixá-la mais a vontade. Até o vô Moises, com tio Altino, tia Julinda, tio Ruy e tia Nena vieram abraçá-la. Assim Deus na sua infinita sabedoria mostrou para mim conforme meu entendimento a outra dimensão da vida. Mostrou a imensa alegria da recepção e da chegada do espírito ao se desprender deste mundo. Eu não vi o baile, mas vi meu avô gritando pelo pátio da serraria convocando o pessoal.

domingo, 26 de março de 2017

sexta-feira, 17 de março de 2017

AH! COMO ERAM LINDOS OS MEUS NATAIS!

Universal, abrangente, calorosa e cheia de amor assim é a festa de Natal, que inebria e povoa de fantasia a mente das crianças e adultos. É uma data esperada, cantada por todos, e é uma das mais coloridas celebrações da humanidade. É uma época em que toda a fantasia é permitida. Meus natais eram doces cheios de esperança e ansiedade. Dava a impressão que entre um e outro decorria um século, tal o tempo de espera. Eu sempre sabia que a data natalina estava próxima porque minha mãe sinalizava ao retirar de seus guardados o presépio, e o pai ao trazer, nem sei de onde, um pé de cedrinho que era bem grande; Eu acho que era do tamanho dele. Lá no canto da sala minha mãe ajeitava cuidadosamente, com pregos na parede o pé de cedrinho, e então, eu e minhas duas irmãs começávamos felizes o trabalho manual de preparar as correntinhas em papel celofane coloridas, os origamis de balões, fazendo cestinhas de papel onde minha mãe colocava os docinhos e bolachas que ela mesma fazia. Ela era muito hábil neste tipo de dobradura de papel. Ela delicadamente distribuía os algodões pela árvore, fazendo com que eles ficassem enroscados ou derretendo por entre as folhas como se fossem a neve. Eu nunca entendi o porquê destes algodões, mas também nunca perguntei. Achava fascinante e era o que bastava. As velinhas, finas em cera, em delicados castiçais eram dependuradas, uma a uma com cuidado, presas por presilhas. O presépio cuidadosamente disposto do lado do cedrinho dava o ar da devoção e da fé. Do outro lado um espaço reservado para os presentes. Eu acho que minha mãe conseguia deixar tudo arrumadinho e organizado uns dez dias antes do natal. Após o jantar, todas as noites que antecedia o tão esperado dia vinte e cinco, as velas eram acesas e meu pai, minha mãe e nós de joelhos rezávamos ao menino Jesus agradecendo pelo dia e pedindo saúde e muito amor para a família. Eu rezava, mas meu agradecimento era para este tal Jesus por ele permitir que no dia de seu aniversário a gente ganhasse presentes. Eu achava muito legal este tal menino deus e por isto acompanhava com entusiasmo meu pai e minha mãe nas orações. Meus joelhos às vezes doíam, mas eu agüentava firme até o final. Nas minhas orações eu prometia a este tal menino que iria me comportar, seria obediente a meus pais, e que não brigaria mais com minhas irmãs. Os dias passavam lentos parecendo séculos se arrastando. Lembro-me que quando chegava a tão esperada noite era de muita festa e de muita alegria lá em casa. O comportamento meu e de minhas irmãs neste dia era exemplar; Nenhuma briga, nenhuma desobediência. Eu acho que minha mãe gostaria que todos os dias fossem natais. O dia vinte e quatro de dezembro era mágico, fascinante, pois além de trazer o amor, a paz, trazia os tão esperados presentes. A gente nunca pedia, mas sabia que vinha. O presente sempre representou um momento ímpar que era trazido pela magia da primeira estrela surgindo na amplidão celeste. A oração da noite de natal me parecia não ter fim, mas ao seu término minha mãe sempre pedia para que eu e minhas irmãs fossemos para fora para esperar e anunciar a primeira estrela no céu. O céu era um grande palco e o breu da noite era uma cortina enorme que se abria para mostrar a sua principal estrela; A primeira que surgisse. Eu acho que às vezes o céu era trocista conosco ao demorar em abrir sua cortina. Naquela época, a escassa iluminação das ruas permitia um céu mais escuro revelando imediatamente a primeiro ponto luminoso ao aparecer de repente na amplidão. Às vezes me colocava deitado de costas para facilitar fiscalizar o surgimento da tão desejada e esperada primeira estrela no infinito céu. De repente, alguém de nós grita apontando com o dedo um ponto brilhante no céu: - É ela, é ela! E nós, em louca correria entrávamos estabanados na sala gritando para nossa mãe: - Ela apareceu! Ela apareceu! Minha mãe sorria, com aquele sorriso lindo para nós, meigamente nos abraçava e apontava para os presentes ao lado do presépio. Ah! Como meus natais eram lindos. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 11 de março de 2017

A GALINHA XIMBICA

Criança sempre tem cada idéia que as vezes faz na gente arrepiar os pêlos mais íntimos que temos. Quer pular de um andar para outro imaginando ser o homem aranha ou então quer morrer para ver se de outro lado é mesmo da maneira como os adultos contam. Quando ninguém ajuda, coloca nomes às coisas e aos animais que só mesmo ela entende. É sempre lógica e deduz de forma brilhante qualquer pesquisa de interesse de foro íntimo dela. Desde que nasce, a criança já entende que o mundo dos adultos não é o mesmo que o dela. Ela entende que o mundo fará dela uma besta, tão besta como o são seus pais, seus avós, seus tios e outras pessoas que se acercam dela fazendo bilu bilu ou então dizendo como se ela fosse um bicho inútil de estimação: “- Que gracinha”. A criança sabe por experiência e por muita pesquisa que também ela se tornará uma besta um dia. Isto normalmente acontece quando os pêlos começam a brotar aqui e acolá nas partes inferior e anterior do osso ilíaco. O ser humana nasce, se torna criança e aos primeiros apêndices filamentosos da pele vira uma besta e quando estes filamentos começam a cair retorna ao estado de criança que nunca deveria deixar de ser. Neste estado de criança outra vez, ele ou morre abandonado ou se torna um ente extra terreste, anormal no meio dos bestas considerados normais. Na realidade não quero falar dos bestas que habitam esta terra e sim dos seres normais impúberes que buscam sabedoria derribando sonhos e arquitetando conceitos e ações. Fui criança. Hoje sou um besta, mas a beira da criancice. Eu e minha irmã, antes que as hastes queratinizadas viessem perturbar as axilas e partes íntimas nossas brincávamos tranqüilos pelo quintal de casa. O quintal era grande e a mãe aproveitava para criar umas penosas a fim de ter o precioso ovo e nos finais de semana uma deliciosa depenada assada. Adotamos, desde o romper da casca do ovo uma carijó e não sei por qual razão batizamo-a de ximbica. Hoje quis saber o significado da palavra ximbica. Escarafunchando o Aurélio nada pude encontrar e então fui esgaravatar a internet e só então, eriçado completamente hirto descobri o significado quase imundo da palavra. Só não encontrei como nome de uma nobre galinha. A ximbica era uma graça de galinha; desde pequenina teve um apego sincero por nós dois. Vinha buscar os artrópodes que a gente buscava pelo quintal só para ela. Ela gostava de se aninhar em nosso colo para receber os carinhos na sua empenada cabeça. Um dia a curiosidade nos abateu e a pergunta bailou feito uma doida em nossas cacholas: Por onde sai o ovo da galinha? - Mãe, por onde sai o ovo da galinha? Perguntamos para nossa mãe e ela de pronto respondeu: - Pór um buraquinho debaixo da asa. Lá fomos nós, pegar a ximbica e esperar pacientemente a hora do ovo sair. Ficamos montando um plantão cruel; um pouco eu e um pouco a minha irmã com a ximbica no colo aguardando por onde saia o tão esperado ovo. Finalmente, a pobre ximbica não aguentando mais reter o ovo em suas entranhas despejou-o para fora. O ovo caiu diretamente em meu colo e eu gritei para minha irmã: - Eu sei por onde saiu o ovo. - Toda espavorida, correndo ao meu encontro perguntou incontinente: - Por onde? Por onde? Respondi então: - Por um buraquinho que abriu e fechou aqui debaixo da asa. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

terça-feira, 7 de março de 2017

BUSCAPÉ SEM RABO NA IGREJA

Sempre me encantou, mas tinha um medo danado dos fogos de artifícios. Aquele céu colorido das mil lágrimas e das estrelinhas, o barulho do estampido e o rastro riscado no céu pelas mil fagulhas como cuspidas do rabo de um cometa deixava-me um tanto extasiado e medroso. Já até corri apavorado de busca-pé. Segundo Roberto Benjamin o busca-pé está classificado como fogos de tiro juntamente com o rojão, salva, foguete de vara e pistola. Precisa ter cuidado e habilidade para solta-los para não se tornarem perigosos O busca-pé consiste em um pequeno cilindro de papelão grosso carregado de pólvora fraca, dotado de um orifício de escape e uma vareta estabilizadora, ordinariamente feita de taquara. Uma vez aceso o seu pavio, o busca-pé, por efeito do peso da taquara, desloca-se velozmente e rente ao chão, sempre na mesma direção sugerindo buscar os pés dos circunstantes; daí o seu nome. Lembro-me que a molecada, não gostando da tecnologia do busca-pé sempre cortava uma parte do comprimento da taquara. Com a vareta cortada e o fogo no rabo o artifício saia feito um filho da puta sem direção certeira apavorando quem estivesse por perto. Era divertido, mas inconseqüente. O padre da paróquia, um ex prisioneiro de guerra não suportava qualquer estampido e ao ouvi-los se jogava incontinente ao chão; por conta disto tinha excomungado todos os fabricantes de bombinhas e também todo aquele que comprava ou soltava estes malditos artifícios. No início da noite a Igreja estava lotada principalmente das senhoras do Sagrado Coração, das mocinhas filhas de Maria e dos homens Congregados Marianos. O padre de costas para o altar, ao centro do corredor principal da nave, sentado confortavelmente em uma poltrona conduzia fervorosamente a oração do terço. Os moleques na frente da Igreja, provavelmente filhos daqueles que em oração se encontravam no interior da nave conversavam, riam e brincavam despreocupadamente. Para aqueles meninos o mundo dos pecados, da morte, do inferno e das excomunhões pertencia aos adultos. Era tudo balela. Quando tudo parecia paz, abençoada pelo vozeio que vinha do interior da Igreja pelas ave-marias repetidas de forma lamuriosa apareceu um moleque trazendo um picuá com dezenas de taquaras a vista. Deus atendia pacientemente aquelas preces e anotava os pedidos de graça de cada um e não estava com muito tempo para atender a molecada e com isto deu brecha para o capeta fazer a festa. - Eu descobri uma forma mágica de melhorar o busca-pé, dizia o chegante todo faceiro para a turba. A molecada fez um círculo para ouvir a palestra e participar de uma oficina de como construir um busca-pé potente. Explica daqui e explica dali e a conferência teórica foi finalizada com o início da demonstração prática. Retirou cuidadosamente do picuá dez artifícios que já estavam caseiramente preparados em pólvora forte para dar maior volume ao estampido e as colocou alinhadas no chão. As varetas de curta metragem não passariam pela inspeção do IMETRO. O capeta, agrupado com os seus possíveis futuros clientes do inferno estava atento e dando maior apoio a tudo isto. - Vocês devem ficar de costas enquanto eu coloco fogo no rabo dos busca-pés, ordenava o moleque. O capeta se materializando implorou para ele esta responsabilidade ao que foi atendido. Rindo a gargalhada solta, não precisou de fósforos, trouxe um pedaço do inferno e iniciou o tumulto. Os artifícios acesos pegaram rumos diversos provocando uma gritaria infernal na frente da Igreja. Os fieis pararam com as orações e por segundos dentro da nave ficou em suspenso um silêncio sepulcral. Deus antevendo a encrenca se mandou para o céu. Enquanto alguns busca-pés regidos pelo capeta se divertiam voando de um lado para outro entre as pernas da apavorada molecada três deles, conduzidos pelo chifrudo adentravam a nave vomitando uma labareda enorme pelo orifício traseiro. Depilavam as pernas peludas das velhas, lambiam despudoradamente as virilhas das moças e chamuscavam as pernas das calças dos homens. Os fieis em terror deixaram de lado as lamuriosas orações para com palavrões se juntarem aos estampidos dos busca-pés; Desesperados se apinhavam tentando sair pela porta central. Na falta de Deus o capeta fez da Igreja um inferno. O padre de bruços, com a batina chamuscada desfiava maldições e distribuía excomunhões. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

MINHA MAGRELA HOLANDESA

Só bem mais tarde eu fiquei sabendo do que aconteceu. Ela desapareceu e nunca mais fiquei sabendo do seu paradeiro! Certa vez!... A saudade já corroia minha alma e eu absorto em mil pensamentos perambulava pelas ruas naquela madrugada fria. Aqui e ali um pulguento ladrava e em vôos rasteiros alguma ave noturna farfalhava suas asas, de um lado ao outro, na busca de alimento. E nada mais existia, apenas eu e o mundo. A lua, companheira das madrugadas, caminhava comigo silenciosa iluminando meus passos hesitantes. Ela, branca tal qual uma noiva, respingava em luzes respeitando meu silêncio. A viela, margeada de flores, cercas podres caindo, poças de água podre e postes bêbados enfileirados, dava um tom melancólico as minhas tristes lembranças. Caminhava no meu caminhar, de passos perdidos, quando ouço uma voz lânguida, medrosa, suplicante que em desespero me chama de um jeito especial. Reconheço aquela voz metálica. – Por certo é ela, pensei comigo, e perturbado, assustado, parei e feito sonâmbulo fui atraído involuntariamente para o local. - Meu chefe! Aquela voz sumida, triste foi melodia para meus ouvidos naquele momento. - É ela, é ela! Sim é ela, eu reconheço, pois era assim que me chamava. Um misto de tristeza e alegria invadiu minha alma. Alegria por encontrá-la finalmente depois de tanto tempo e tristeza pelo lamentável estado em que a encontrei. Quase de joelhos, ao lado dela, passei delicada e demoradamente meus dedos por todo o seu frio corpo. Queria absorver aos poucos, numa sensação de retrocesso, todo o tempo perdido. Uma lágrima morna desprendeu-se de meus olhos e correu salgada molhando o canto de minha boca. - O que aconteceu com você? Supliquei para ela. E assim, enquanto eu a acariciava, ela começou em profundo soluço falando. - Eu e a Laura nos divertíamos muito! Alguns segundos de sepulcral silêncio, e ela então continuou: - Eu me lembro bem que você me deixava a um canto pedindo para que dali não saísse até a sua volta, mas sua irmã vinha e dizia: - Vamos, vamos sair! Ninguém vai ficar sabendo! - Eu acho que não vou não. Meu chefe vai ficar zangado. - Vamos sim! Eu prometo que deixo você no mesmo lugar. E ela, demonstrando uma saudosa alegria continuou. - E saíamos às duas feitas doidivanas correndo de um lado para outro. Muitos tombos eu levei e ela preocupada cuidadosamente me limpava. Ela suspirou e por algum tempo ficou silenciosamente como que remoendo saudosos momentos passados. Respeitei o seu silêncio, mas com um pouco de raiva, neste intervalo de tempo, pensei: - Ah! Minha irmã, então era você que brincava escondida com a minha holandesa? Em voz sumida completou dizendo: - A minha vida era tão boa, com você e às escondida com sua irmã, mas numa noite escura, lamentavelmente fui seqüestrada. Suspirou demoradamente e continuou: - Enquanto ele me levava eu gritava em vão -“Deixa-me, deixa-me vil ladrão! Quero voltar para meu chefe; Quero brincar com a irmã dele. Deixe-me, deixe-me” E com uma tristeza infinda completou: - Inutilmente eu supliquei para aquele desalmado ladrão e assim fui usada, abusada e abandonada aqui neste local. - Maldito ladrão! Pensei eu. Seu sepulcral silêncio indicou que tudo era tristemente finalizado. Inutilmente eu a chamei. Gritei num grito de dor, e meu grito se perdeu confuso no grito de tantos outros gritos naquela madrugada fria. Chorei lágrimas de dor, raiva e desespero. Juntei o que restou dela e continuei meu caminhar solitário. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

BARQUINHO DE PAPEL

A tarde caia preguiçosa e se arrastava serpeando por entre os montes indo morrer negra nos baixios e vales distantes. O Rio Iguaçu estufava fora de seus sulcos cavados no chão e derramava suas águas como lágrimas de súplica pelas cercanias. O Porto Amazonas estava apinhado de gente que esperava ansiosa a chegado do Vapor Peri para recepcionar quem chegava de Porto União ou de São Mateus ou então para o embarque. Eu brincava o meu brincar de cinco anos e ficava admirando aquele fervilhar de final de tarde como se fosse num sonho lindo desenrolando alegremente. Eu ansiava por chegar a São Mateus e me perdia em contemplações seduzido pelas coisas que jamais tinha visto. Mais sonhava que brincava e lembrava. A viagem de trem de Curitiba até Porto Amazonas foi de uma beleza inexplicável. Praticamente desenrolou-se o dia todo e não me cansava de ver pela janela a paisagem que verde e densa corria em sentido contrário; observava lá adiante a Maria fumaça que gemendo, se contorcendo vomitava rolos de fumo e fagulhas pela chaminé engolindo pouco a pouco os trilhos a sua frente. O povo que entrava e saia a cada parada sempre alegre, falando línguas estranhas carregando malas de couro, sacos e caixas despertavam em mim a curiosidade. Tudo tão estranho, tudo tão belo. De repente um apito surdo e meu pai avistando na curva do rio o vapor que surgia grita para mim: - Mario vem pra cá, o vapor está chegando. Minha mãe, com a Laura no colo tratou de reunir a Inca e eu e deixar perto de si os apetrechos da viagem. O povo, como num formigueiro mexido se alvoroçou. Como se fosse numa festa festejou alegremente aguardando o vapor Peri que ao som do seu apito rasgando as águas do rio preparando-se para acostar parecia que feliz também festejava. O povo do vapor fazia acenos loucamente; As mulheres, lindamente vestidas movimentavam de um lado para outro os seus lenços brancos e os homens segurando pelas abas os seus chapéus ramenzoni acenavam também. O povo em terra respondia com a mesma alegria. Chapéus e lenços brancos num quadro místico se misturavam ao entardecer que veio tomar parte da grande festa. Que cerimonial demorado. Mais de uma hora para o desembarque do povo; Para retirar dos porões pelas escotilhas e colocar em terra firme a erva mate, os couros, as crinas, a madeira e os charques e para depois embarcar no lugar o sal para gado, o querosene, os tecidos, as bebidas, as comidas e as quinquilharias. Por fim lá fomos nós medrosamente passando na prancha para entrar no convés do vapor. Fiquei na popa do vapor sob os cuidados de minha mãe enquanto o pai arrumava o camarote onde passaríamos a noite. Permaneci ali por longo tempo absorto naquela pintura de cenário nunca imaginado. Vi lá no alto do barranco o trem chegando à estação e todo aquele povo, na plataforma embarcando. Olhava aqueles operários que incansáveis recolhiam nos vagões as mercadorias chegadas pelo vapor. Quase no lusco fusco, ouvi o apito estridente da locomotiva que dizia àquela gente que estava na hora da partida. Admirei aquele colosso de ferro comprido, que resfolegando soltava fumaça se esgueirando vagarosamente e novamente engolindo os trilhos. Tudo me fascinava. O clec cleque clec cleque de suas rodas de ferro foi rapidamente aumentando de ritmo e aos poucos como num sonho de criança o trem desapareceu devorado pelas matas, pela noite, ou... nem sei mais. A barulheira de agora pouco foi se aquietando. No céu em revoadas a passarada buscava seus ninhos, seus recantos. O povo, no interior do vapor foi se acomodando aos poucos. Reinava a ansiedade, pairava a angustia e a solidão da noite e o balouçar da nau amedrontava as entranhas do Peri. De repente o cheiro gostoso de um feijão, de um toucinho frito com arroz e da batatinha impregnou o ambiente trazendo o ânimo e o apetite. A vozearia então inflou novamente o convés. Achei engraçados aqueles marinheiros todos; pareciam noivas. Vestiam calças e camisas brancas. Usavam quepes brancos que adoraria ter um. Davam ordens. Recolheram a prancha e desamarraram as cordas que prendiam o vapor no cais. Conferiram e ajeitaram toda a palamenta para poder zarpar. A noite sem pedir licença chegou e abraçou tudo que encontrou. A máquina a vapor aliviou um pouco a pressão de sua caldeira num apito rouco indicando o início da viagem. A passarada assustada ou alegre abandonou incontinente seus aposentos dos altos dos arvoredos. Aquela enorme roda começou vagarosamente a girar, batendo cada uma das paletas na água fazendo o vapor aos poucos se afastar da margem desviando dos parcéis em busca do canal de navegação. Quase mais nada se via apenas o ruído borbulhante da água. - Venha jantar, minha mãe me chamou. Dormi tranqüilo ao som das orações pedindo ao Bom Deus uma viagem sem problemas e acordei todo molhado quando o dia se fazia presente. Meu pai, como sempre acertou o ocorrido dizendo: - A água do rio deve ter entrado no camarote pelas vigias mal embaçadas. Voltei para a popa e fiquei vendo hipnotizado o borbulhar das águas do rio fazendo rendas que ficavam estendidas e perdidas para trás. Um marinheiro chegou e vendo o meu entretenimento fez de um jornal um barquinho e amarado a um barbante soltou na água e me deu para segurar. Aquele barquinho era lindo singrando as águas espumantes deixadas pelo vapor. Parecia o filho pequeno seguindo feliz os passos do pai. Eu conversei longamente com ele no meu conversar de gente pequena; Segredei mil coisas e no seu jeito desajeitado, mas lindo confesso que me entendeu e até me disse alguma coisa que hoje não sei. Quis estar lá dentro dele no balançar das ondas. Nossa amizade casou-se ali no véu de espumas que o vapor e ele faziam. São Mateus aos poucos foi surgindo na curva do rio. Foi crescendo, foi crescendo e o apito rouco do Peri deixou no convés o povo feliz acenando para o povo do cais. Deixei tristemente o barquinho amarado na popa e pela mão desembarquei com minha mãe. Implorei para que minha mãe esperasse o vapor zarpar no que fui atendido. Algumas mercadorias desembarcadas e outras tantas embarcadas e novamente o apito rouco do vapor dizendo adeus e ele começou a navegar. Uma tristeza imensa invadiu o meu coração de menino. Vi de longe o meu barquinho feliz deslizando no embalo das ondas que o vapor deixava. Mais adiante, antes de desaparecer na curva do rio o vapor deu rouco seu último apito e me pareceu ouvir o meu barquinho de papel imitar o Peri e apitar também e no seu apitar dizer: - Adeus meu amiguinho, até qualquer dia. Uma lágrima incontida deslizou infame pela minha face indo morrer no canto de meus lábios. Ergui meu braço num adeus saudoso virei-me e segui os passos de minha mãe. Quedo de quando em quando me ponho a lembrar do meu barquinho de jornal No vapor Peri que se encontra recuperado em São Mateus se você olhar com atenção na popa dele encontra o sinal de um barbante amarado. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA