segunda-feira, 14 de maio de 2018

MINHA BICICLETA E O MALDITO PNEU

Qualquer moleque quando começa a ensaiar os primeiros passos pensa logo na bicicleta. É sintomático. A bicicleta é uma magia, é um adendo indispensável de seu corpo em crescimento. Sem ela o guri lamentavelmente não sobrevive e é por esta razão que como primeiro presente de aniversário os pais zelosos e preocupados introduzem na vida da criança primeiro o triciclo, mas na pressa de verem seus filhos equilibrados em duas rodas já no segundo aniversário introduzem a bicicleta com as indispensáveis rodinhas auxiliares. Normalmente é o pai que feito um bestão sai correndo ao lado da criança bicicletada. Ele incentiva e apóia seu filho que zigue zagueando vai se mantendo em cima do incrivel veículo de duas rodas presas a um quadro metálico, movido pela força motriz da mão paterna nas costas da criança que ainda se recusa a usar os pedais e assim vai arrastando seus pés pelo chão. Para o pai é o máximo, mas para o filho uma tremenda e radical aventura. Como não tinha passado de um triciclo usado ganho de um tio cresci sonhando ardentemente com esta máquina maravilhosa. - Um dia vou ter uma, convicto garantia para mim isto. Em vão passei minha infância e minha adolescência curtindo esta esperança. O tempo passava e eu ganhando peso, altura e idade e a magrela não vinha. Contentava-me em ver por entre as ripas da cerca alguns moleques que nas enormes bicicletas pretas se equilibravam por entre o quadro pedalando gostosamente. Um dia meu sonho explodiu em realidade. Lá estava ela, a holandesa toda linda, sorridente apoiada na parede esperando por mim. De pouco uso, mas impecável, um tesão mesmo. - Cuide bem dela por que ela será seu meio de locomoção para visitar as obras, admoestou o meu chefe. Naquele dia não via a hora que o expediente terminasse para poder me apoderar daquela maravilha. O porqueira do relógio a um canto da sala como se quisesse brincar comigo pareceu-me bater mais lento e girar ao contrário. O instinto protetor e a minha pouca intimidade em estar em cima da magrela holandesa fez com que eu a levasse empurrada até em casa. Aquela tarde não sai para minha costumeira pelada com meus amigos só para poder ter um tempo a mais e poder dar um trato esmerado na magrela. Subi em cima ensaiando algumas pedaladas; lavei, limpei e me assentei nos degraus da cozinha para ficar demoradamente namorando a bela holandesa. Ela pareceu toda faceira ao ser observada e me convidou: - Venha! Tenha coragem, venha me experimentar. Não resisti aquele apelo e lá estava eu montado na holandesa e aos trancos e barrancos, me apoiando, batendo aqui e acolá conseguindo dar minhas primeiras pedaladas. Nesta noite nem dormi de tanta felicidade e de dor nas canelas. De manhã lá estava ela toda faceira me esperando. Fui até ao trabalho um pouco em cima e outro tanto empurrando. Em poucos dias já estava bem familiarizado com a magrela. Só não dormia com ela na cama porque minha mãe não permitia. Eu a tratava com carrinho, com esmero como se fosse um ser humano. Ela era a configuração de um sonho realizado. Não permitia que ninguém a pegasse. Nossa convivência estava muito boa até que um dia, fatídico dia, aconteceu uma coisa terrível. Descia eu e a minha holandesa pela Rua Floriano Peixoto no maior papo. A rua não tinha calçamento e o areão dava certa instabilidade ao ciclista. Ia rápido, mas com muito cuidado para não derrapar. De repente, quando passava na altura do bosque de eucaliptos surge, medonho, maluco, vindo de encontro a mim um enorme pneu, e um moleque logo atrás, aos trancos e barrancos tentando pegá-lo. A cena era dantesca; O pneu crescia em tamanho e velocidade. Parecia um monstro com uma bocarra soltando labareda pelas fuças e gargalhando dizendo: - Vou te pegar. A colisão era certa. Deu tempo só de olhar, fazer às pressas o sinal da cruz e lá estava eu todo envolto, empoeirado, misturado com a bicicleta, pneu e o moleque. O filho de uma puta conseguiu se safar e escafedeu-se bosque adentro me deixando ao meio daquele amontoado de coisas. Uma alma boa passando conseguiu me livrar daquele amontoado. Levantei, olhei a rua deserta, limpei a terra do rosto, bati a roupa da areia e desesperado olhei a minha querida holandesa agonizante, toda retorcida, abraçada ao pneu. Em prantos cheguei a casa com a magrela às costas empurrando o maldito pneu. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 12 de maio de 2018

PARA MEU ANJO, MINHA DOCE MAEZINHA

PARA MEU ANJO, MINHA DOCE MAEZINHA Quando minha vida, em tantos tormentos, navegava ao léu perdida além, Ou quando passava tristes momentos Lembrava então com saudade de alguém. Era uma saudade, qu’ eu inda mato, afogando-a em lágrimas, mas enfim, mirava você num velho retrato Como se a tivesse perto de mim. Cofre de tesouro qu’em vida eu tinha, foi o mais puro amor que existiu; Nele, quanta coisa linda continha, Toda bondade e doçura sem fim Num coração gigante que foi o de minha doce mãezinha pra mim

quarta-feira, 9 de maio de 2018

CORRENDO ATRÁS DO #VENTO: UM PADRE ENFURECIDO

CORRENDO ATRÁS DO #VENTO: UM PADRE ENFURECIDO: Ouvi um uivo satânico, de dor ou de raiva, não sei. Todo moleque que se prezava sonhava em ser coroinha; sonhava em vestir aquela túnic...

Mario dos Santos Lima

UM PADRE ENFURECIDO

Ouvi um uivo satânico, de dor ou de raiva, não sei. Todo moleque que se prezava sonhava em ser coroinha; sonhava em vestir aquela túnica de cor vermelha com sobrepeliz branca, só para conquistar as menininhas. Participar das funções litúrgicas era como um fetiche sagrado. Sem que o padre soubesse, surrupiar algumas hóstias e tomar um pouco do vinho escondido na sacristia, fazia parte do processo. Eu fui moleque e fui coroinha, um acólito extraordinário na função de turiferário. Nas missas, o que me encantava, era o cerimonial envolvendo o turíbulo, ou como muitos dizem, o incensário. Hoje eu entendo, que este místico objeto possui a forma de um coração para representar o homem, e seu progresso na vida espiritual, mas naquele tempo eu queria era tê-lo na mão e vê-lo fumegar. Eu era craque com a lida do incensário. Dava um trabalho filho de uma puta para iniciar o processo, principalmente quando o turíbulo estava apagado e frio. Eu preparava uma fogueira, fora da sacristia. para pegar os carvões em brasa, e colocá-los dentro do incensário. Tinha que assoprar para manter as brasas incandescentes. Lembro-me que as brasas, pulando de alegria gritavam para mim: - Assopra aí, moleque! assopra mais! Assopra gostoso que o seu soprar nos deixa doidonas! E eu continuava assoprando e me deliciando com isso. Na vida da gente tem muitos momentos - alguns bons e outros ruins. Os momentos de bobeira, que causam grandes confusões, são os piores. Certa feita, proporcionei um desses momentos, tipo jogar merda no ventilador. Frei Dionísio era extremamente metódico, intransigente e exigente. Não era nazista, mas fazia jeito. Nas cerimônias, não permitia que nada saísse errado. meticuloso em cada detalhe. Eu acho, que para ele, Deus dava mais crédito e um lugar seguro no céu a medida que a cerimônia fosse perfeita, sem qualquer erro. Ficava uma fera, fudido mesmo, quando a coisa não dava certo, e por isso perdendo alguns crédito junto ao Criador. Por conta disso os coroinhas viviam ensaiando cada uma das funções litúrgicas. Naquele dia eu estava de posse do turíbulo na função de turiferário. Preparei as brasas, carinhosamente, e fiquei balançando o turíbulo, de um lado ao outro, para acomodar o maldito braseiro, que por toda a lei queria se apagar. De quando em quando, assoprava na bundinnha delas, e elas todas ardentes suspiravam para mim: - Ai, ai guri, teu sopro nos deixa doidinhas! Prestando atenção nas merdas brasas acabei me desconcentrando da tarefa e deu confusão da grossa. Frei Dionísio deu o sinal para que eu me aproximasse afim dele colocar o incenso. Trouxe o turíbulo, ergui o suficiente para o frei colocar o incenso quando vi, apavorado, as sapecas brasas se apagando, vestidas de cinza, com as bundinhas de fora. - Malditas brasas; mil vezes malditas! gritei a todo pulmão. Meu grito ecoou estrondoso por toda a nave sagrada. O frei encapetado e o povo da igreja espantado, pasmado, olharam para mim. - O que é isso moleque? Quero respeito dentro da igreja! Frei Dionísio, avermelhado de cólera, deu a sonora bronca. E as malditas brasas, continuaram a me provocar. Mais e mais se vestiam de cinza, mostrando suas bundinhas gritando sem parar para mim: - Assopra, assopra, menino, que seu sopro nos faz tão bem! Envergonhado, tentando consertar as coisas, ergui o turíbulo até a altura de meu beiço e lasquei um baita soprão. Foi a metamorfose perfeita do céu em inferno. Ouvi um uivo satânico, de dor ou de raiva, não sei. De olhos estalados de pavor, o povo da igreja parou de debulhar o terço, e em debandada correria evadiu-se da missa. O frei Dionísio, feito um zumbi, com o rosto encoberto pela cinza, cego, espumando de raiva, ali mesmo proferiu minha excomunhão. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

terça-feira, 8 de maio de 2018

CORRENDO ATRÁS DO #VENTO: UM JEEP NADA CATÓLICO

CORRENDO ATRÁS DO #VENTO: UM JEEP NADA CATÓLICO: Todo #moleque que se preze sonha com uma #bicicleta. Quer estar em cima da magrela zanzando por aí. Eu já era diferente, nunca tive uma e...

Mario dos Santos Lima

domingo, 6 de maio de 2018

CORRENDO ATRÁS DO #VENTO: BOLA DE MEIA

CORRENDO ATRÁS DO #VENTO: BOLA DE MEIA: É goooooooool É gooool minha gente! E a menina, para alegria dos fanáticos torcedores, passou feito um foguete por entre os três paus i...

Mario dos Santos Lima

sábado, 5 de maio de 2018

CORRENDO ATRÁS DO #VENTO: UM JEEP NADA CATÓLICO

CORRENDO ATRÁS DO #VENTO: UM JEEP NADA CATÓLICO: Todo #moleque que se preze sonha com uma #bicicleta. Quer estar em cima da magrela zanzando por aí. Eu já era diferente, nunca tive uma e...

Mario dos Santos Lima

quinta-feira, 19 de abril de 2018

DEFECARAM NO COTURNO DO SARGENTO

O primeiro dia de um homem nos tempos antigos era complicado, medonho e cheio de mistérios e que normalmente era com uma prostituta que toda despencando, desdentada, solícita, dengosa sempre dizia: - Enfim, sós. Você não sabia onde enfiar a cara e nem o falo. Mas o primeiro dia de um homem, no serviço militar era simplesmente muito mais terrível muito mais complicado que isto. Você nunca sabe aonde meter o corpo. Por mais que você capriche tudo dá errado e tem sempre um filho de uma puta de um sargento que aos berros, feito um monstro enlouquecido te recebe dizendo: - Bando de maricas, de imprestáveis, de vagabundos, de normalistas vou fazer de vocês homens, seus putos. Quando estava perfilado, ouvindo aquelas baboseiras todas pensei cá com meus botões: - Será que este imbecil vai colocar mais um grão no meu saco? E continuei absorto em meus questionamentos internos sorrindo pra dentro. - Será que o veado vai massagear meu pau e deixa-lo maior? Humilhou, xingou, chamou para a briga e por fim fez toda a tropa rastejar, rastejar até sangrar os cotovelos e joelhos. Com certeza, o lazarento ria por dentro por todo este sadismo sem precedente. Dia após dia era a mesma ladainha. Os dias iam passando e o contingente cada vez mais irritado, mais colérico querendo a todo custo a pele do sargento. O cabra da peste era sergipano de nascença, mas deve ter sido resultado de uma trepada da mãe dele com um nazista alemão. Quem sabe, com o Hitler. Se Jesus Cristo servisse o exercito sob o comando deste estúpido e insano animal por certo perderia a calma e partiria para a ignorância. - O exército é pra homem, gritava ele feito uma desvairada. - É pra macho mesmo e não para normalista ou marica, continuava ele com a fervorosa oração doutrinária. Praticamente quase toda a tropa tinha família descente aonde o pai com todo o seu rigor e disciplina era coerente e tinha por objetivo levar o filho ao bom caminho. Mostrava este caminho. Discutia sobre este caminho. Para ele, no entanto todos eram bastardos. O sádico sargento era fleumático; No alto de sua empáfia não permitia qualquer aproximação. Era sim senhor; Já vou e pronto. Se alguém ousasse enfrentá-lo, ficava imaginando que com certeza até a alma sairia em frangalhos. Ele era o dono do mundo, dono de cada um daqueles que compunham a tropa. Era ele que compunha e regia ao bel prazer as leis para aplicar no desenvolvimento da tropa. Era a marcha noturna. Treinamentos estratégicos. Corridas pela cidade. Lutas marciais. Para o treinamento de tiro, certo dia nas cercanias da cidade cada soldado levou seu lanche. Seria um dia todo ouvindo o estampido violento dos fuzis e os uivos esganiçados do sargento. Enquanto alguns exercitavam o tiro o resto da moçada, esperando pacientemente a sua vez se agrupava ruidosamente tal qual bando de lobos famintos por diversos pontos executando diversas patifarias para tentar se vingar do temível sargento. Quase duas horas da tarde e a seção de desperdício de munição teve fim. Famintos, tanto o sargento como a tropa foram reunidos para o lanche. Cada um se acomodou como pode para o início da devora quando de repente, vociferando feito um doido o sargento uiva: - Quem foi o filho de uma puta que comeu o meu lanche? Na sua mão trazia um pedra que tinha sido embrulhada no lugar do lanche. A tropa se perfilou e amedrontada tremia tanto que até os bois que estavam pelos pastos ali por perto caíram por terra. Como nenhum imbecil quis se acusar, o sargento furibundo passou por cada um pegando seus lanches, inclusive o meu e se pos na frente da tropa comendo feito um porco velho todos eles e a tropa faminta, cansada olhava aquela dantesca cena lambendo os beiços. Uma hora depois o bom e santo homem tinha comido uma parte e outra parte jogado fora. Tomou o que pode dos refrigerantes e o restante derramou na grama. A tropa cansada e com fome fervia por dentro. Apitou colocando a tropa perfilada dando um minuto para se aprontar. Vestir a farda, vestir a meia, calçar o coturno e colocar o quepe. O tempo para esta operação seria impraticável. Ouviu-se então um uivo assustador. Via-se o sargento enfurecido, transtornado tirando o pé do coturno emporcalhado de merda. A tropa toda passou três dias na solitária e porção do bolo fecal foi enviada para análise de DNA na tentativa de descobrir o autor da façanha. Já passou por diversos laboratórios nos Estados Unidos, Japão, Alemanha e a pergunta que não quer se calar é: - De que porta saiu este quibe?

terça-feira, 10 de abril de 2018

A MARCA NA FORQUILHA DO ESTILINGUE

O estilingue, na mão de um moleque de práticas perversas, é uma arma de grande poder de destruição da passarada e das vidraças, ou então, apenas um adereço no pescoço de um guri que quer apenas exibi-lo para se impor perante o grupo. Hoje o celular, em tudo, substituiu este artefato - é uma arma de auto-destruição. No meu tempo, um moleque traquinas era paramentado principalmente com um embornal carregado de bolotas de barro queimado e pedregulho, vestido apenas de calção rasgado, e no peito pelado a forquilha do estilingue pendurado no pescoço. Meu pai, preocupado com a educação dos filhos, naquele tempo sempre me dizia: - Meu filho, nós temos dois anjos,um mau e outro bom. Cabe a cada um ouvir e se responsabilizar pela escolha e pelo que se faz. Por conta disso, acabei materializando e posicionando, em cada ombro, os dois anjinhos. O bom, de um lado, todo de branco, de asas lindas e transparentes, um tanto chato e afeminado, vivia dando bons conselhos. No outro ombro, o considerado ruim, todo de vermelho, chifrudo, cornudo por certo, querendo ser amigo, vivia instigando maldades e afirmando que isto era muito divertido. Presenciei e tive que apartar muita contenda entre estas duas criaturinhas. Era de costume marcar no cabo da forquilha os passarinhos abatidos. A forquilha do meu estilingue permaneceu virgem por muito e muito tempo. As oportunidades para desvirginar o cabo não faltavam. O anjinho mau me cutucava sempre quando, lá num galho mais adiante, aparecia um voante: - Mate aquele com tua cetra! Você vai conseguir! O anjo bom gritava no outro ouvido: - Não faça isto com o coitadinho! Sempre o instinto mau vencia e lá estava eu, com a bolota de barro na malha mirando o empenado voante. Shelept, e la ia o projétil, cortando o ar, gananciosamente em busca do alvo. O anjo mau às gargalhadas, sentado no meu ombro, batia palmas observando a pedra, que voava em direção ao pássaro, enquanto isso, o anjo bom, tentava, por todos os meios, desviar a pelota da rota. E conseguia. Eu errava mais uma vez o alvo, e por incrível que pareça, me deixando feliz. Tinha moleque que o cabo da forquilha de seu estilingue era enorme só para conter os milhares de risquinhos, marcando a quantidade de pássaros abatidos. O do meu pobre estilingue era do tamanho normal, apenas ensebado. Se me perguntassem de quantas marcas o cabo de meu estilingue tinha, eu simplesmente respondia: - Este é novo! os outros estão em casa. Um dia a oportunidade surgiu. A tarde já ia dando mostras de cansada, e com isto, aos poucos, se vestia com seu manto escuro. Estava sentado, debaixo de uma enorme árvore, descansando da correria do dia antes de me recolher em casa. Um bando de andorinhas, em revoada aos milhares, procurava abrigo, e foi exatamente nesta árvore que desceram. Com o peso a árvore quase veio ao chão. Eu debaixo dela não acreditava no que via. Estava completamente municiado e tendo o apoio irrestrito do anjinho cornudo que aos pulos no meu ombro gritava: - Hoje você vai fazer muitos riscos no cabo de seu estilingue! O anjinho bom, apavorado, já estava lá em cima na árvore tentando espantar a passarada. A passarada, aos milhares, chilreava já quase dormitando. Carreguei minha arma e a estiquei apontando para o alto. Soltei a pelota. Nesse momento uma grande confusão lá em cima e a passarada iniciava o vôo em fuga, e eu pensei: - Maldito anjinho bom, espantou minhas vítimas! O anjinho cornudo ficou possesso e disse palavrões no meu ouvido. A pelota rasgou o espaço e atravessou a folhagem da árvore. Alguma coisa cruzou na frente da trajetória do projétil vindo despencar lá do alto aos meus pés. Era um gavião enorme, com um pássaro ainda pequeno entre suas garras, e meu anjinho preso no bico. Naquele momento entendi que a passarada entrou em revoada não por causa de meu anjinho e sim por causa da predadora. O gavião estava atordoado e a jovenzinha penada se debatia entre as garras da ave de rapina. Meu anjinho, meio tonto, meio depenado se recompunha aflito a um lado. Enquanto libertava a pequena criatura das garras afiadas da monstrenga, o anjinho mau gritava a todo pulmão: - Mate as duas! Mate! Mate que você poderá fazer dois risquinhos no cabo de sua cetra! Mate! Mate! Neste momento, toda apavorada pousa na minha mão uma passarinha que feliz, com lágrimas em seus olhinhos, choraminga para mim. - Muito obrigado, guri por salvar meu filho querido. Mãe e filho levantaram vôo, e junto com eles lá se foi o risquinho desejado. A pedrada não foi suficiente para quebrar nada no gavião, mas antes de levantar vôo, puto da vida me diz: - Moleque imprestável, você quase me matou, e para completar atrapalhou minha caçada, e agora não tenho comida para levar para meus filhotes. O anjo vermelho ria dando cambalhotas no meu ombro, dizendo: - Bem feito, ficou sem os risquinhos, seu babaca! Puto da vida, meti a mão com força no meu ombro matando de vez o anjinho pestilento. Cheiro de enxofre, e penas vermelhas por todos os lados, foi o que sobrou do maldito. O anjo bom, agora sem emprego, bateu asas e foi morar em outro ombro. Peguei a forquilha e feliz fiz a tão desejada marca pensando. - Na verdade não foi um pássaro que matei, mas o diabinho cornudo, e ele tinha asas , e é como se fosse um passarinho, e completei meu pensamento: - Ninguém vai precisar saber! E fui feliz para casa. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

sábado, 10 de março de 2018

PRIMEIRA ESCRITA A TINTA

No meu tempo de grupo escolar a coisa era bem diferente do que é hoje. Você aprendia o B A BA e a caligrafia já no primeiro ano de aula; era simplesmente com lápis e só depois de você demonstrar certas habilidades manuais com o dito cujo é que passaria a ter direito de escrever à tinta. Escrever à tinta exigia uma parafernália louca de apetrechos e uma atenção do capeta do escrevente. Para a escrita à tinta o vivente tinha que estar familiarizado com estes apetrechos todos como, por exemplo: com um pau roliço, em madeira do tamanho de um lápis, sendo mais grosso na parte de baixo e mais pontiagudo na parte de cima, levando na ponta mais grossa a pena de aço – esta pena, em época ainda mais anterior já foi de ganso, galinha ou peru dependendo da disponibilidade da penosa no momento. É claro que não poderia faltar o encantado vidro tinteiro contendo o líquido, azul ou preto e também não se podia dispensar o salvador mata-borrão. O mata-borrão podia ser sofisticado tal qual um berço de balanço ou poderia ser simplesmente uma folha solta. O escritor à tinta ou de caneta tinteiro, tinha que ter uma expertise a toda prova. Verificava se a pena estava com a abertura melimetricamente suficiente para que a tinta pudesse prazerosamente deslizar pela fresta até a ponta e deitar suave e folgadamente pelo papel ao bel prazer dos movimentos alfabéticos ou numéricos da caneta. Quando vinha a tentação louca de escrever o escrevente mergulhava a pena no vidro tinteiro retirando-a cuidadosamente sem deixar de verificar a quantidade de tinta que ficava disponível na pena. Com um gesto delicado dirigia a pena ao local que iria dar inicio a escrita tendo sempre, na outra mão o mata-borrão para que a cada novo procedimento de mergulho da pena no tinteiro pudesse ao mesmo tempo cobrir a parte escrita com o mata borrão, pressionando-o levemente para que o excesso de tinta fosse delicadamente capturado. Bem, eu estava no primeiro ano e verifiquei que a professora – a gente não chamava de tia a professora naquela época e educadamente se levantava quando ela entrava na sala – como estava dizendo, ou melhor, escrevendo verifiquei que a professora cobria de elogios meus colegas quando eles apresentavam as tarefas com alguma coisa a mais além do pedido: - A classe tem que seguir o exemplo do Pedrinho, pois a ele foi pedido isto e fez mais aquilo, dizia a professora feliz para a sala. Era para o Pedrinho, Toninho, Mariazinha; todo mundo recebendo elogios e eu ainda virgem deste prazer. Tenho que fazer alguma coisa para estar na mídia também! Ficava eu matutando o tempo todo. Todos os santos dias tinha tarefa para ser executada em casa e todos os santificados dias tinha algum colega meu recebendo elogios. Pensei, pensei e acabei por resolver minha angustia e disse para mim mesmo: - Amanhã vou receber estes elogios custe o que custar. Amanhã a sala toda vai saber quem sou eu. Cheguei em casa todo feliz; cantarolando, assoviando. - O que se passa com você guri? Estranhou minha mãe. - Nada não, manhê, respondi para ela colocando meu embornal na mesa, retirando meus cadernos e livros para início da tarefa para o dia seguinte. - Manhê, cadê aquela caneta e tinteiro que o pai escreve cartas pro vô? - No armário, filho... Um pouco de silêncio e ela pergunta: - Mas por que? - vou fazer minhas tarefas. - Mas a professora já te ensinou a escrever com caneta? Perguntou ela admirada. - Sim. Respondi apressadamente. Peguei a caneta, o tinteiro e o mata borrão e comecei a fazer a tarefa. A tarefa era copiar 5 linhas do livro e nada mais. Treinamento de caligrafia e, com certeza com intuito de memorização da grafia de algumas palavras. Levei aproximadamente 3 horas para realizar a tarefa, com a ajuda da mãe e do pai. O pai, de semblante fechado criticava a professora: - Este tempo moderno acaba estragando a criançada. Terminei finalmente e pude dar uma olhadela - só eu é claro, pois o pai e mãe já tinham ido dormir. Fiquei todo orgulhoso de mim e já fui imaginado o grande sucesso do dia seguinte. Todos estariam morrendo de inveja. É claro que pela primeira escrita à tinta todos aqueles borrões e respingos de tinta seriam plenamente desconhecidos. Não fariam diferença alguma. Esta noite nem dormi; Feito uma betoneira me virei ansioso de um lado para outro na cama maçarocando todo o lençol. Na manhã seguinte apenas levantei. Fui o primeiro a chegar à escola. Estava deveras doido para mostrar a minha obra de arte à professora. Chegou o grande momento. Entregamos, um a um as tarefas e a professora, como de costume, pegando uma a uma foi tecendo os comentários e elogios. Pegou a minha... Olhou com um olhar indescritível. Ficou boquiaberta. Mudou de cor. Apoiou-se à mesa para não cair. Transtornada, alucinada gritou para a classe: - De quem é esta coisa aqui? Meu Deus! Com todo o trabalho que tive acabei por esquecer de colocar o meu nome. Aí passou um calafrio pela minha espinha e pensei: - Será que a maldita professora vai deixar de me elogiar só porque esqueci de assinar? Levantei o braço e me coloquei altivamente em pé. – É minha. Soberbamente respondi. Jamais eu perderia este elogio e por alguns segundos fiquei imaginado a professora me levando até a frente da sala dizendo: - O Mario superou todos vocês e de agora em diante ele será o exemplo para todos da sala. E ao dizer isto me abraçava chorando de emoção quando, de repente me vi voltando à realidade com o berro dela: - Quem mandou você fazer esta porcaria? Falou isto, rasgando em mil pedaços a minha tão sofrida obra de arte uivando furiosa tal qual um leão com os grãos esmagados entre dois tijolos. A sala toda tremeu por alguns segundos e eu recebi umas pesadas e doídas reguadas na cabeça e ainda de lambuja fiquei de joelho do lado de fora da sala fazendo a mesma tarefa mas agora a lápis. - Como foi, meu filho? Em casa todos ansiosos queriam saber o resultado de minha arte de escrever a tinta. Até o vizinho veio para conhecer o novo gênio da escrita. - A professora ficou encantada guardando a escrita pra ela, respondi rapidamente indo furioso me trancar no quarto. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

terça-feira, 6 de março de 2018

ADEUS A SERESTA - UM TRIBUTO AO LEONICEO

A noite estava tácita. Uma saudade infinda renascia em cada coração ao toque mágico de um violão distante. De repente uma voz e um violão. Aquela voz de sempre, quase que rouca e cansada de uma alma solitária impregnava o ar de uma melodia sublime que se fazia ouvir atenta aos corações apaixonados. Todas as noites era o mesmo sentimento, a mesma paixão da música dedilhada numa cantilena dorida que se perdia além, muito alem. Mas... Nesta noite foi diferente; quem o ouviu, sentiu apreensivo por certo, como se fosse um triste recado, como se fosse o derradeiro adeus; como se fosse uma despedida. As notas se desprendiam das cordas do violão como lágrimas incontidas. Sua voz melodiosa e chorosa buscava o último alento se perdendo assim na imensidão da noite. A madrugada viera um pouco fria encobrir a terra e de repente tudo é quietude. Funestamente calma – nem a voz, nem o violão a soluçar alhures, reclamando de saudade por alguém talvez que nunca existiu para ele; alguém maravilhoso que somente fosse sonho, somente fosse o castelo mais lindo no desejo romântico do seresteiro – só ele sabia, só ele conhecia e por isto suas serestas eram lindas, melancólicas e cheias de mistério. Por fim, o dia se fez presente e com o dia veio, no embalar do vento a desventurosa notícia. Ele sucumbiu afogado nas águas do rio, afogando quantos corações que choraram desesperados. Quantas lágrimas que escorreram pelas faces mil, pois sabiam que com ele desaparecia uma alma simples, apaixonada e boa; uma alma boêmia que gostava nas boêmias madrugadas sem fim, passá-las em serenata, embebendo com sua música a quantos fosse na amplidão de sua voz. Com ele desaparecia o encantamento desprendido dos sonhos despreocupados de paixões sem fim. Assim, Leoniceo, de onde estiver fique sabendo que agora aqui existe um vazio enorme, como uma chaga invisível, nas noites enluaradas das madrugadas sem fim. Existe também um violão calado a um canto, triste esperando a sua impossível volta – Ele não entende e nem pode compreender que você definitivamente não voltará jamais. E você foi calado para sempre, sem despedidas, sem flores como se não quiséssemos ouvir mais as suas serenatas; como se não entendêssemos as suas angustias. Não, muito ao contrário, éramos apaixonados pelas suas serenatas e agora sentimos sua ausência. O rio egocentricamente abraçou você e o levou para sempre. Agora nada mais, apenas uma sepultura fria e o vento choroso numa falácia tristonha que passa melancólico soluçando na madrugada imensa que não termina mais, como que reclamando quisesse ouvir ainda mais uma vez a sua voz... E há de soluçar sempre, pela vida afora, nesta saudade impossível que jamais voltará. No entanto, há de ficar nos corações daqueles que o conheceram, como uma lembrança carinhosa as serenatas lindas que não mais serão ouvidas. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

MILITARES VERSUS TRAFICANTES

Quando pensamos em guerras pensamos, de imediato, em muita estratégia militar, e também no teatro de operações em sangrentas lutas corporais. A estratégia era vista como a arte do general. Na realidade a estratégia militar trabalha como o planejamento, e a condução de campanhas, o movimentos e divisão das tropas para chegar ao objetivo final – que nada mais é do que a rendição total do inimigo. Segundo o estadista Francês Georges Clemenceau “a guerra é um negócio muito importante para ser deixada nas mãos dos soldados” Por isso os mentores da briga não estão lá no fronte, e sim em confortáveis poltronas recebendo informações e enviando instruções. Mas a guerra não é só estratégia de gabinete, ela precisa de recursos material e humano. O material precisa de um adequado carinho na sua manutenção, e o humano necessita de bom treinamento, comida e recurso financeiro para ele e sua família. Saco vazio não para em pé, já dizia meu pai. Para se ter uma ideia de como isso é importante, basta citar que a Primeira Guerra Mundial terminou quando a vontade dos soldados Germânicos para lutar diminuiu tanto, que estes soldados buscaram a paz. Por que disso? Foram exatamente destruídos durante a batalha de Amiens (de 8 a 11 de Agosto de 1918) quando a frente germânica, faminta e sem apoio logístico entrou em revolta geral contra a falta de comida. As guerras eram tão importantes na sociedade medieval que a nobreza militarizada, principalmente a cavalaria, tinha uma posição de destaque nos feudos e reinos. Os guerreiros possuíam grande importância e prestígio social e econômico. Preparavam-se desde a infância para serem guerreiros eficientes, leais e corajosos. Sentiam orgulho disso. Não é isso que os jovens, nessas favelas se sentem empunhando ostensivamente armas para que todos os vejam? As guerras sempre são levadas a conquista de alguma coisa, como por exemplo, terras, castelos, impérios, morros e mais otários clientes. Muitas vezes as guerras são de origem bizarras, como aconteceu na Batalha de Zappolino (15 de novembro de 1325). A única batalha da chamada “Guerra do Balde de Carvalho”, que começou quando soldados da cidade italiana de Modena sorrateiramente roubaram um balde da vizinha cidade de Bolonha. Os bolonheses declararam guerra a Modena, depois que eles se recusaram a devolver o balde. Um exército de 32 mil homens de Bolonha marcharam contra Modena, que foi defendida por uma força de 7 mil, mas depois de uma batalha feroz os Bolonheses fugiram, com os rabos entre as pernas, de volta para sua cidade, com os Modeneses perseguindo-os pelo caminho. E o balde continua até hoje pendurado na torre do sino principal da cidade. Faltou estratégia? Lembrando bem, que as guerras de hoje não são como na era medieval em que os reis, príncipes iam brigar diretamente no teatro de operações; Hoje são apenas briguinhas e fusquinhas, de alto escalão, apertando botões vermelhos para destruir alvos ou usando celulares para se comunicarem. São seres viventes que idealizam e põem em prática estratégias de combate. No teatro de operações estão apenas os executores do projeto, os chamados soldados e no caso do Rio, os traficantes pau mandados. E a guerra no Rio? São duas frentes. Os arrastões, que têm como origem a fome, falta de emprego e escolaridade, diferentemente das facções de traficantes, que em tiroteios constantes de embates procuram, entre eles, conquistar o melhor terreno para o comercio da droga. Os traficantes, com certeza tem sua estratégia para conquistar seu objetivo: - traficam armas, assaltam carros fortes tudo isto para montar o império na distribuição da droga. Quem é o grande inimigo nessa batalha no Rio? O usuário de droga – cliente costumas; O bandido infiltrado na política, infiltrado na polícia, infiltrado na justiça facilitando esse comércio ilegal. Não é contra o carioca que eles lutam, é uma briga de facções para conseguir pontos estratégicos para distribuir a droga. E os grandes chefes dessas facções criminosas onde estão? Confortavelmente instalados nas diversas penitenciarias desse país, ou soltos infiltrados por aí. Enquanto o interventor General Braga Neto traçar apenas estratégias de ataques a esses miseráveis briguentos subordinados às forças vinda das penitenciarias, serão apenas paliativas, pois estes caras fugirão para outros estados aguardando ordens, para o retorno, ao final da intervenção, ou então, conquistando, nesses estados outros espaços. Será a proliferação da miséria. E aí José, o que será de nosso país e da Cidade Maravilhosa? POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

UM CAVALO MORTO POR UMA BOLA ENSEBADA

Meu grande sonho, naquela época de guri era ter um cavalo. Mesmo que fosse um pangaré, mas que fosse só meu. A nossa casa era humilde, mas tinha um quintal, quintal esse que era dividido entre plantas frutíferas, horta e um punhado de galináceos. A gente se espremia entre esses animais, as árvores e a horta para brincar. A meu ver, mesmo assim o quintal parecia grande demais e bem que poderia ser um pouco mais otimizado o seu espaço. Em meus projetos poderia ter ali uma cocheira e nele um corcel. Sonhos meus da época e nada mais, bem difíceis de serem realizados. Como todo moleque que se preza também eu gostava de jogar futebol. Eu tinha uma bola, coisa rara na época e por conta disso sempre tinha lugar garantido em qualquer time da região. Eu era o possuidor da bola, seu guarda protetor e o seu consertador perene. A bola era feita em couro curtido e por isso sua camada externa apresentava uma rijeza tal qual uma pedra. Toda semana ia ao açougue para comprar sebo. Derretia numa lata no fogão de casa aquela substância nojenta graxosa e consistente, encontrada nas vísceras abdominais dalguns quadrúpedes. A mãe sempre reclamava da carniça que se espalhava pela casa. Eu não ligava e já nem mais a escutava. Com o sebo derretido e ainda quente passava na bola, deixando-a bem engordurada. Este cerimonial sempre era feito a fim de proteger principalmente os cordéis com que os gomos eram arduamente costurados. Fiquei mestre na costura. Comprava barbante, mergulhava-o no sebo e em seguida trançava com três fios para criar assim um cordel com mais resistência. Tinha duas agulhas curvas com as quais praticava a arte de unir os gomos da bola pela costura. Coisa complicada aos olhos dos outros, mas que para mim era uma festa. Aprendi esta arte com seu Joaquim sapateiro que cansado de toda a semana ter que costurar a bola e nunca poder cobrar, me presenteou as agulhas e de lambuja me ensinou pacientemente a complicada arte de costurar os gomos da redonda que mais parecia um ovo. Assim estrategicamente se livrou de mim e da fedorenta bola. A bola, embora com todos os cuidados e carinho que se tinha com ela sempre apresentava algum gomo despregado com a câmara sorrateiramente tentando escapar pela fresta dos cordéis arrebentados. O jogo era interrompido e a costura imediatamente iniciada. A gurizada agitada a minha volta tentando ajudar com mil palpites aguardavam o fim da operação. Não me recordo de nenhum jogo ou treino ter acabado de outra forma. Aquela coisa chamada por nós de bola, por causa daquele sebo acumulado com terra deveria pesar alguns quilos e isto não permitia que ninguém desse os famosos balões. Sempre tinha um ou outro moleque com o dedão do pé quebrado e enfaixado apenas assistindo por algum tempo ao jogo. O jogo transcorria sempre com a bola deslizando loucamente rente ao chão de um lado ao outro. Evitava-se assim alguma cabeça quebrada. Mesmo perigosa e complicada a bola era adorada e cercada de cuidado por toda a petizada. Sempre quando eu a estava remendando era como se eu, como médico estivesse fazendo uma cirurgia complicada em alguém muito importante para cada um daqueles moleques. Ficavam em silêncio sepulcral, a minha volta e com a respiração controlada aguardando ansiosamente o meu “pronto pessoal... vamos lá” gritavam então felizes e aos pulos íamos jogar. Eu acredito que era a única bola disponível naquelas cercanias. Não era uma bola de meia recheada de panos velhos. Era uma bola de verdade, de couro e tinha até câmara para armazenar o ar. Não era bem esférica, pois a câmara tinha a aparência com uma bexiga de festa e tinha um bico de uns 20 centímetros por onde se enchia de ar com uma bomba para encher pneu de bicicleta – nem sei de quem era esta bomba, mas sempre estava presente. O processo era um pouco complicado. Enchia, amarrava bem apertado o enorme bico, empurrava para dentro da bola e amarrava a boca com cadarço de couro. Aquela boca arregaçada, violentamente escancarada para fora, parecendo lábios generosamente grandes querendo um beijo, dava um trabalho filho de uma puta tentando deixar a bola mais cilíndrica possível. Por ser assim tão ovalada, quando batia no chão, no lado do bico todos ignoravam a direção que ela tomaria. Era esta a nossa gloriosa e bendita bola. Pertencia muito mais a turma do que a mim. Por certo eu era seu fiel guardador. Certo dia, ao final de uma pelada eis que de repente vejo um moleque no lombo de um lindo alazão. Cheguei perto e pedi para dar uma volta. - Quer trocar pela bola? Perguntou ele de cima daquela maravilha. Não pensei muito e dei a bola a ele que ao pular do cavalo saiu em louca disparada desaparecendo na próxima esquina. A molecada boquiaberta puta da vida querendo me bater gritavam: - Você é um panaca... Veja a situação deste pangaré, está morrendo. Nós queremos a bola de volta. Sem a bola você não faz parte mais do nosso grupo. A bem da verdade na hora eu estava achando que eles estavam é com inveja de mim. Não podendo ter um lindo cavalo como aquele faziam aquela arruaça infernal. Isto era perto das 15 horas. Todo feliz amarei o meu lindo cavalo na cerca de balaústre da frente de casa e fui para dentro tentar arrumar as acomodações para o novo integrante da família. Cheguei até a cozinha para dar a notícia para minha mãe e eis que logo em seguida chega o meu pai com os sobrolhos fechados perguntando: - O que é que aquele cavalo morto, amarrado na nossa cerca, atrapalhando a entrada do portão está fazendo lá? Fiquei petrificado; não quis acreditar no que ouvia e respondi. - É meu, mas não está morto não, deve apenas estar descansando. - Deixa de ser burro, aquele animal sem dente e com todos os ossos aparecendo está morto; Trate de tirar da frente de casa aquele monte de ossos, completou irritado o meu pai. Não querendo acreditar tratei de arrumar um balde com água e levar umas folhas verdes até a frente de casa para tratar do bicho. Ainda bem que ninguém estava por perto. Pude então analisar a cagada que fiz. De fato aquele pangaré estava pedindo para morrer e encontrou um amigo que o acolheu. Encontrou uma cerca amiga que o amparou. Pensei na bola. Pensei no filho de uma puta que me fez de otário. - Quem conhece o safado? Gritei para todos os lados, mas ninguém conhecia e ninguém sabia. Queria ir atrás tirar satisfação. Foi inútil. Alguns corvos já rondavam o lugar. Quis chorar. Quis passar a mão naquela coisa e acabei ficando com nojo. Pensei em pegar uma faca e tirar um pedaço de couro para fabricar uma bola. - Alguém me ajuda? Gritei desesperado varias vezes, mas da mesma forma ninguém apareceu para me ajudar. Pensei em fazer ali mesmo um buraco e enterrar o animal. Analisei e verifiquei que seria impossível realizar sozinho esta empreitada. Fui até onde meu pai trabalhava e pedi ao carroceiro da empresa para me dar uma mãozinha. Ele chegou até em casa, viu aquela coisa amontoada não contendo o riso sarcasticamente falou: - Quem foi o imbecil que amarrou este animal aqui? - Não sei, respondi prontamente. Amarramos a coisa pelas pernas traseiras e de arrasto levamos até mais para baixo, para sua última morada onde a erosão feita pela chuva criou uma enorme cratera. Enquanto o carroceiro ia indo embora fiz minhas orações finais encomendando a alma daquele miserável para um deus eqüino qualquer. Arrumei na época com minha turma dois gravíssimos problemas. A bola que troquei pelo falecido animal e o local sagrado das brincadeiras de esconde-esconde que ficou ocupado pela carcaça fedorenta daquele animal nojento. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

UM SANTO MOLEQUE

O moleque que nunca cometeu uma asneira ou praticou uma peraltice malogrará por certo uma vida patusca e estará condenado ao ostracismo social e familiar. Não terá assunto para contar ou bosta nenhuma para mostrar aos outros. Será um inútil na família e um zé ninguém para seus netos. Eu ainda estou na fase das peraltices e juntando letras para minhas narrativas. Sou moleque patusco, vivido e dos grandes. Vou ter muitas histórias para contar, disto tenho certeza. Já passei, quando guri por muitas situações complicadas, mas sempre acabei me saindo bem. Nunca fui de colocar em risco a minha preciosa vida, mas muitas vezes criava circunstâncias que acabavam provocando perigo para alguém. Depois de cumprida as tarefas caseiras e executado os deveres da escola lá ia eu para minhas caçadas armado de estilingue no pescoço e no bolso estufado de pelotas de barro de fabricação caseira. Uma estilingada aqui outra ali até o esvazio completo do bolso. Por sorte da passarinhada nunca fui bom de mira. Quebrei muitas vidraças e acertei muitas pessoas nas minhas estripulias de caçador incontrolável. Um dia encantei-me com uma brincadeira nova. Um moleque, o mais corajoso, o mais destemido, o mais suicida se embodocava dentro de um pneu e outro rodava, rodava e soltava em alguma ladeira. O embodocado girava, girava e quase sempre era arremessado para fora antes que o pneu se chocasse com uma cerca ou caísse violentamente numa valeta. Nunca tive coragem de embodocar, mas me divertia muito ver a coragem e o arremesso do moleque como se o pneu o tivesse vomitando. Meu grande desejo passou a partir daí a de possuir um pneu. Na minha época poucos carros existiam, meia dúzia no máximo e seus pneus eram fixos e desapareciam com eles em algum ferro velho. Não existia o borracheiro pelo que me lembro e o pneu velho era peça rara e de valor inestimável para a molecada. Quem tinha era o senhor absoluto da brincadeira e o mais respeitado dos moleques. Um dia consegui um e dos grandes. O moleque me emprestou por alguns dias por um favor que eu tinha feito a ele resolvendo uma tarefa escolar de matemática muito complicada. O pneu chegou com a recomendação: - Cuide bem dele e me devolva na próxima semana. E eu imediatamente me dediquei de corpo e alma nesta aventura. A rua tinha um leve declive que ia morrer na estrada que levava o pessoal até ao quartel da cavalaria. Era um lugar tranqüilo para minha aventura. Fiz um pouco o rolamento do pneu na parte mais plana para me familiarizar com ele e me aventurei a embodocar. Com um pé para fora dei o impulso inicial, mas ele rodou alguns metros e rodeou fazendo uma circunferência caindo pesadamente no chão. Assustado sai de dentro avaliando a cagada radical que estava fazendo. Resolvi dar um tempo a mais para esta doida aventura. Lá estava eu com o pneu novamente noutro dia treinando a brincadeira. Na bandagem com a mão dando o impulso corria atrás fazendo as manobras e controlando o seu percurso. Num certo momento o pneu numa bandalha filho de uma puta fez-me cair e aos poucos, pegando velocidade descia feliz a ladeira rumo à estrada. Pareceu-me que o pneu tinha vida ao rir escancaradamente para mim dizendo: - Venha me pegar seu moleque vadio! E rolava doido rua abaixo. Era inútil a minha desembalada corrida para alcançá-lo; Ele ganhava distância e se aproximava perigosamente da estrada. Imediatamente fiz o sinal da cruz quando meus olhos apavorados avistaram o caminhão que iniciava na estrada o cruzamento da rua. Escondi-me atrás de uma árvore. O pneu cantarolando, rindo e gritando passando por uma pedra, deu um pulo e foi se chocar num estrondo danado contra a porta do caminhão. O motorista assustado parou o caminhão para avaliar o que tinha acontecido e pegando o pneu gritava com toda a força de seus pulmões: - Cadê o filho de uma puta que fez isto? - Não sou eu a quem ele procura, pensei cá com meus botões, pois minha mãe é uma santa e não uma puta. Tremia feito vara verde atrás daquela árvore assistindo este melo drama. Vi apavorado que o desgraçado recolhia o pneu na carroceria indo embora. Passei alguns dias apavorados quase não saindo de casa, pois tinha que devolver um pneu que já não estava mais comigo, e me esconder da polícia que com certeza estaria chafurdando todas as casas e todos os cantos atrás de mim. E finalmente Deus, na sua infinita misericórdia, para me proteger desta confusão danada, iluminou-me indicando um caminho como saída, e assim, naqueles dias conturbados fugi para o seminário. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

DEFUNTO ATROPELADO

Aquele dia o Padre convidou-me para ajudar a missa na comunidade perto da Ilha Bandeirantes no Rio Paraná. O patrimônio era singelo e de indescritível beleza. Arrumei-me todo e fui com ele para o lugarejo. Fomos de Jeep. A estrada de terra arenosa em alguns lugares oferecia algum perigo fazendo o Jeep perder o equilíbrio dando algumas derrapadas. A velocidade máxima conseguida era de 40 quilômetros por hora. Levamos aproximadamente 3 horas. Hoje não sei, mas naquele tempo a estrada era ladeada por densa floresta. Às vezes o medo nos assolava pelo rugido repentino da onça outras vezes o encantamento pelo cantar da passarada. Tudo era tão mágico tão inebriante. Antes de chegar à localidade passamos por uma casa tosca a beira da estrada onde morava uma pobre e linda menina, de seus quinze anos. Dizia a lenda que era possuída por um espírito maligno. O Pe chegou e a menina incontinenti se escondeu no quarto gritando impropérios. O Pe em vão tentou conversar com ela. Inconformado com a situação, dizendo para os pais dela que ele não tinha o poder de tirar aquele espírito maligno fomos embora deixando para trás uma menina angustiada sabe lá por que raio de coisa. Chegamos e o povo em festa nos esperava. A Igreja toda enfeitada. Muita gente circulando pelas barracas armadas para a festa do padroeiro. Apenas um acontecimento estava entristecendo o ambiente, uma pessoa importante tinha falecido na comunidade. O velório estava acontecendo na própria casa do defunto. O padre me pediu para que fosse ate a casa do dito defunto para marcar presença enquanto ele se preparava para a missa. Nunca gostei de freqüentar estes ambientes macabros, não por medo da morte, mas, muito mais pelo fato do lazarento defunto, de repente ressuscitar e por em polvorosa todo o recinto. Fiquei ali com o cú na mão. A funesta hora não passava. Era gente que cantava uma maldita melodia sacra desafinadamente. Era gente que rezava o terço se arrastando melancolicamente pelas Ave-marias e o defunto ali quietinho, humildemente agüentando tudo. O defunto estava na parte principal e central da sala tranquilamente acomodado dentro do seu caixão que perigosamente se equilibrado sobre dois cavaletes. O esquife estava com seus pés voltados para a porta de entrada. A sua volta estavam sentadas, em toscas cadeiras e bancos de madeira as rezadeiras e as carpideiras contratadas para chorar. E como choravam estas malditas velhas! Eu estava num canto da sala, perto da saída observando atentamente toda esta cena. Do lado da porta, encostado, atrapalhando a passagem dos curiosos que por ali obrigatoriamente tinham que transitar encontrava-se um homem, vestido de vaqueiro que soluçava constantemente, provavelmente por excesso de álcool e que, em pé ali desrespeitosamente aproveitava para tirar uma cochiladinha. Entra gente, sai gente pulando por cima das pernas do maldito dorminhoco e de repente alguém, distraído olhando mais para o defunto, figura principal deste cenário tropica nos pés do bêbado filho de uma puta. e vai cair nos braços aflitos das rezadeiras. Tumulto geral e muitos ui ui ui das rezadeiras. Nem mesmo isto fez o bêbado dorminhoco acordar, que feito um palanque foi escorregando, escorregando batendo nos pés do cavalete. O impacto dos pés do bêbado no cavalete foi o suficiente para que o defunto fosse perturbado e lançado de dentro do caixão violentamente ao chão. Só vi, apavorado o caixão todo arrebentado, flores por todos os lados e o miserável cadáver todo enrijecido de mãos postas no peito sorrindo para mim. Na confusão todos se lançaram porta à fora aos gritos de socorro. Eu, é claro estava no meio da galera sendo esmagado na porta estreita de saída. Lá dentro ficaram abandonados estendidos no chão o bêbado, agora confortavelmente deitado dormindo e ao seu lado o infeliz defunto atropelado com enorme hematoma na testa. POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

URINOU NO QUARTO DA NOIVA

A mulher, em todos os sentidos, sempre foi mais recatada, mais discreta, mais delicada que o homem, principalmente quando tem vontade de fazer xixi; Ela vai fazer xixi com elegância, como quem vai passear; Vai disfarçadamente a lugar reservado, e sempre pede a companhia de uma amiga. O homem, pelo contrário, já é mais relaxadão, é um brutamonte, é mais porcalhão; Se estiver com a bexiga para estourar desocupa a urina em qualquer lugar; Atrás de uma árvore, atrás de um carro, atrás de uma moita sempre serão lugares encantadores, apaixonantes para espumar a urina no chão. Vou contar o pecado, mas preservando a figura do pecador. Eram dois amigos inseparáveis. Quase irmãos. Um deles gostava de usufruir em demasia do líquido que os passarinhos se recusam a tomar. Um dia, para o casamento da filha do que sempre se mostrava sóbrio, o amigo bebum foi convidado, como não poderia ser de outra maneira. Ele foi e bebeu pra cacete. A festa se desenrolava solta e alegre na casa da noiva. Muitos convidados se cotovelavam pela sala, pelos quartos, cozinha e quintal. A noite já pintava tudo de negro. A lua cheia, lá no alto, permitia com seu brilhar que as pessoas não se trombassem no quintal. A casa era simples e de madeira. No quarto, na cama de casal, se amontoavam dezenas de presentes. O líquido estonteante, espumando nos copos, rolava solto. As mulheres faziam fila na única privada que existia na residência – era uma casinha em madeira lá no fundo do quintal. Os homens aliviavam-se por de trás da casa. O amigo do pai da noiva sentiu-se na obrigação, no elevado dever de dar conforto a seu esqueleto, e para aliviar sua bexiga começou a dura procura pelo lugar adequado. A mangueira que ele tem no meio das pernas, usada para esvaziar a urina, estava exageradamente endurecida causando certo constrangimento no mulherio presente, que fugiam em gritinhos de temor ou de saudade. Cambaleando, sem se preocupar com o vexame, procura o bêbado incessantemente um lugar adequado para se aliviar. Por fim ele abre uma porta. O lusco fusco do ambiente que se descortinou, misturado com o álcool que ele ingeriu, deu uma visão de uma linda e convidativa privada para o quarto repleto de presentes. Não teve dúvidas e começou com dificuldade abrir a braguilha. A noiva se retocava a um canto na penumbra, e quando viu aquele jumento acomodando, para o lado de fora da braguilha, seu instrumento urinário, pensou que seria estuprada antes do noivo. Quando ela percebeu que não era ela o objeto do desejo do bêbado, e sim o conforto que o atrás da porta trazia para ele, começou a gritar. O bêbado ouvindo os gritos pensou que fosse seu cacete dando à bronca, e com voz entrecortada diz: - Calma meu companheiro, já estou te aliviando! A urina corria, caudaloso rio, por debaixo da porta invadindo o corredor e tomando conta dos aposentos. A noiva aos gritos, fugindo do quarto escorrega naquela imundície e cai de prancha. O pai dela vem em seu socorro enquanto o povo pisando nas pontas dos pés tapava as narinas para evitar o forte cheiro de ureia. Quando o pai da noiva vê o bêbado saindo de trás da porta, pega-o pelo colarinho e espumando de raiva grita. - Seu porco imundo, veja o que você fez! O bêbado, quase caindo, babando, coloca a mão no ombro do amigo para não cair, e com voz conturbada diz: - Bonita festa meu amigo, quero beber para comemorar! POR: MARIO DOS SANTOS LIMA

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

A FÉ AS VEZES MATA

Eu sempre fui de uma religiosidade fiel e a toda prova. Quase fui padre, mas acharam que eu seria mais útil a Deus fora da batina preta e me botaram para correr do seminário, mas mesmo depois servindo nas tropas do glorioso exército, vestindo a farda verde oliva levava a palavra de Deus aqueles infiéis e quase pagãos enfileirados comigo. Depois da caserna me achava em São Mateus, por alguns meses, e já sem trabalho, roupa e comida roguei desesperado a mãe maior, à sempre pronta e protetora Aparecida que me ajudasse no concurso para ingresso como trabalhador na Petrobrás. Prometi que quando pudesse iria fazer uma visita até Aparecida do Norte e pagaria a promessa. Fui atendido e fiquei na dívida com a santa. Alguns meses depois fui encaminhado pela Petrobrás à cidade de Tremembé para estágio de aperfeiçoamento e nivelamento. Fiquei feliz, pois lá fica bem próximo da cidade de Aparecida. Vou poder então pagar a minha dívida com a santa sem muito custo. A cidade de Tremembé linda e pequena quase engolida pela serra da Mantiqueira é banhada pelo Rio Paraíba. Cidade de Monteiro Lobato. Fiquei contente, quase desmaiei de alegria em saber que foram destas águas, lá em Aparecida que alguns pescadores retiraram a santa que quase morria afogada. Como um bandeirante comecei então a fazer sondagens e explorar a região, principalmente em Taubaté. Um dia, perambulando de um canto ao outro, descobri por acaso um ônibus estacionado e algumas pessoas adentrando-o. O que mais me chamou a atenção foi na testada do ônibus estar a placa indicativa com o nome Aparecida. Cheguei perto e de imediato perguntei ao motorista: - Este ônibus vai a Aparecida? - Vai sim, respondeu-me ele gentilmente. - E qual o preço da passagem? Indaguei curioso. O valor que ele me informou era algo irrisório, e desta forma pedi que confirmasse e ele garantiu que era aquele mesmo. Perguntei do horário e ele respondeu que era de hora em hora. Desta maneira, com este preço e estes horários vou todos os finais de semana para agradecer a santa e pedir mais alguma coisa para mim, pensei já determinado e pronto para a ação. Voltei todo contente para casa e já fazendo os planos de no próximo final de semana estar em Aparecida. Junto comigo, de São Mateus também vieram mais dez estagiários para a operação de treinamento e nivelamento na Petrobrás. A maioria deles ateus confessos, mas alguns com o ranço religioso herdado de seus pais. Comentei com os mais piedosos a grande descoberta e formulei o convite de viagem. A grande maioria, no entanto queria explorar a vida feminina, um tanto pacata de Tremembé. Eles estavam em outra sintonia, não tinham que agradecer a ninguém e nem pagar promessas alguma. De todos, apenas dois se entusiasmaram com a idéia e principalmente com o preço da passagem. Queriam mesmo é fazer turismo, mas ficou tudo combinado de na próxima semana estarmos em Aparecida do Norte. Sábado amanheceu maravilhoso com os pássaros entoando hinos celestiais. Tudo contribuía para a nossa felicidade – Conhecer Aparecida, e particularmente estar bem perto da santa e dizer de quanto eu sou grato a ela pela ajuda, e depois, junto com os outros ,, semi ateus dar umas voltas e tirar algumas fotos com minha kodak pinta vermelha. O ônibus que nos levou de Tremembé a Taubaté gastou mais ou menos trinta minutos entre pegar passageiros e deixa-los ao longo dos oito quilômetros de estrada. Chegamos finalmente e fomos ao ponto do ônibus rapidamente, pois faltavam apenas 10 minutos para ele sair. Caminhamos os três a passos rápidos e finalmente avistamos ao longe o danado que nos esperava. Olhei e fiquei admirado com a multidão de fieis que embarcavam. Embarcamos e como sardinhas em lata ficamos em pé, pois os assentos já estavam ocupados pelos fieis que madrugaram antes. - Tudo pelo santo sacrifício, pensei eu. Eu calculei umas duas horas de viagem e perguntei preocupado para meus amigos que de pé também estavam sendo espremidos: - Tudo bem com vocês? Vão resistir à viagem? Responderam laconicamente que sim. O motorista ligou o motor e o ônibus começou o que seria uma grande viagem. Peguei um terço e comecei a rezar umas ave-marias e uns pais-nosso. Quis pedir para o povo que me acompanhasse na reza e até quis entoar alguns hinos religiosos, mas me contive pensando que talvez a grande maioria daqueles fieis fossem tão pagãos quanto meus dois amigos e estavam ali apenas para ir conhecer a cidade de Aparecida. Fui rezando baixinho mil orações. Nem me dei conta de que o ônibus parava em todos os cantos, mas uma coisa me estranhou, foi o fato de que muita gente pedia para descer. - Será que é por causa da grande lotação? Pensei eu entre uma ave Maria e outra. Depois de mais de uma hora de viagem o ônibus parou e começou a descer todo mundo. Pensei eu que seria uma parada para comer e tirar a água depositada na bexiga. - Eu não vou comer e nem preciso urinar, por isto vou ficar aqui dentro, pensei comigo. Perguntei aos meus sofridos amigos - Se quiserem descer, fiquem a vontade. - Não, estamos bem, responderam de imediato. Desce um, desce outro e finalmente ficamos eu e meus dois amigos, ainda de pé no corredor do ônibus. - Vocês não vão descer? Perguntou o motorista saindo de seu assento. - Não, nós vamos ficar, obrigado, respondemos os três em uníssono como se tivéssemos combinado e ensaiado esta resposta. - Vocês tem que descer, pois aqui é o ponto final Quando o motorista disse isto, procurei pela janela do ônibus a Igreja de Nossa Senhora ou a rodoviária e só vi casas e o inicio de uma favela. - Meu Deus, será que teremos que andar muito até a cidade? Preocupadamente pensei. Calmamente, deixando meus amigos para trás no corredor fui até o motorista e perguntei. - Aqui é Aparecida? - Sim, aqui é a vila Aparecida. - Mas, e a cidade de Aparecida? - Vocês vão ter que voltar até a cidade e na rodoviária pegar o Pássaro Marron para Aparecida. Quando meus amigos ouviram isto, para não me matar, despojaram-me de todos os meus pertences e dinheiro inclusive o terço. Voltei a pé para Tremembé. POR; MARIO DOS SANTOS LIMMA