sábado, 30 de abril de 2011

TALVEZ

Na sala mal cabia o corpo, mas o povo compareceu em peso. Era Terça feira, 15 horas. “Qual o nome do defunto?” – alguém obstinadamente perguntou para um... para outro... principalmente para aqueles que, de olhos marejados de lágrimas, contritamente cabisbaixos estavam mais próximos do cadáver. “ Não conhecemos...” foi a resposta que bateu todos recordes, estatisticamente falando.

Mas... pela cara sofrida, amarela, barba por fazer e já esbranquiçada, e sulcada pelos anos ou pelos sonhos desfeitos, vamos batizá-lo de José.

Seu Zé talvez tivesse sido aquele homem que juntou numa trouxa o pouquinho que tinha, nalgum ponto qualquer deste imenso nordeste, mais mulher e penca de filhos e veio tentar a vida neste sul tão prometido.

Talvez tenha até conseguido um pedaço de terra; “este é o nosso pedaço de chão, muié” – dizia ele, certamente muito feliz, às tardes, quando retornava, suado, sujo, da labuta.

Talvez a seca... talvez algum financiamento... e lá se foram suas terras para o leilão.

Tentou, quem sabe, invadir alguma terra devoluta juntamente com outros infortunados iguais a ele. Talvez tenha apanhado de cassetete da polícia, pois, no meio de todos os sulcos que se via em sua testa, percebia-se perfeitamente um corte, mal costurado, que avançava por entre seus cabelos grisalhos e em desalinho.

Talvez tenha vindo para a cidade tentar emprego. “Ô vô. O senhor não sabe fazer nada e está na hora de se aposentar”. – foi talvez a resposta mais ouvida pelo seu Zé, ao bater de porta em porta pedindo emprego.

Tentou talvez vender rifa, mas o pobre diabo provavelmente não tivera o privilégio de freqüentar escola.

Com muito custo, talvez tenha conseguido se aposentar pelo Funrural e era talvez com estas míseras migalhas que seu Zé estivesse pagando os dois cômodos de fundo, de piso de chão batido.

Alguém solícito trouxe café em pó alguém fez fogo no fogão de taipa. Lenha verde ou chaminé entupida provocou uma fumaceira dos diabos.

Alguém puxou o terço... e aquela multidão toda contrita acompanhou. Poucos rezavam porque sabiam; a grande maioria, de cabeça baixa, abrindo e fechando a boca, dublava, porque não sabia... mas tinha que mostrar serviço.

Ninguém ousava conversar ou mesmo contar piadas, mas... quase todos exibiam crachás, bonés, camisetas e nos seus carros estava escrito...

O esquife sai... caixão de primeira; havia até uma faixa escrita, com coroas.

Segue o cortejo lentamente pela avenida... O comércio cerra as portas em sinal de respeito... O povo a pé – umas trezentas pessoas – faz lembrar uma grande jibóia, rebolando, pronta para o bote final. O eleitor, admirado, se acotovelando na calçada, perguntava curioso: “Quem morreu?” – e a pergunta morria no ar...

O seu Zé, talvez a vida toda não tivesse tido sorte. Nasceu pobre; não pode estudar; perdeu o pouco que tinha conseguido, mas foi um felizardo: teve um enterro de gente de bem ao morrer antes das eleições.

por: Mario dos Santos LIma

quinta-feira, 28 de abril de 2011

CHUCHU, MALDITO CHUCHU

Em casa era assim, se você manifestasse uma aversão a qualquer alimento a mamãe servia à mesa por alguns dias aquela especiaria. Não adiantava reclamar, ou comia ou comia.
Caí na besteira de levantar a bandeira em luta contra o chuchu. Que alimento mais lazarento de ruim. Era, no almoço e no jantar chuchu.
Em casa tinha um pé de chuchu. Todos sabem do dito que quando uma zinha resolve dar a periquita sem qualquer controle ou restrição o povo vai logo dizendo: “Ela está dando mais que pé de chuchu na cerca". Pois é, o maldito pé de trepadeira dava chuchu pra caralho.
Milhares de flores cobriam aquela trepadeira ordinária. Milhares de chuchuzinhos e outros tantos milhares de chuchus adultos esperando ansiosos para serem colhidos e degustados. O pé de chuchu se estendia por mais ou menos dez metros na cerca de balaústre. A cerca estava camuflada no meio da ramagem verde desta trepadeira maldita.
Nas minhas orações noturnas pedia ao bom Deus, já que Ele é o criador de todas as coisas que fizesse alguma coisa para que o pé de chuchu não desse mais aquela bosta de fruto. Pedia, mas achava que Deus por ser velho demais estava surdo e não estava me escutando, pois no dia seguinte ao levantar, rápido eu ia dar uma olhadela naquela trepadeira sem vergonha. Ficava decepcionado. Estava cada vez mais linda. Até parecia que ela quando me via mostrava a língua dizendo: Aí seu filho de uma puta não adianta rezar; O seu Deus não tem forças contra mim. Eu sou mais poderoso que este seu Deus. Insultava-me, me deixava louco da vida e na hora do almoço e o jantar ainda tinha que sofrer de náuseas por ter que engolir aquela merda toda. A minha aversão era tanta que sempre eu via no prato o chuchu mostrando a língua pra mim com as duas mãos unidas à língua imitando um tocar de flauta.
A mãe não conseguia ver aqueles abusos e falava:
- Mario coma tudo e não deixe nada no prato.
Nesta época estava freqüentando o grupo escolar, correspondente ao primeiro ano do primeiro grau de hoje.
Tudo ia normalmente e sem grandes lances na escola: - aprendendo a ler e escrever; fazendo muitas tarefas; me socializando até que um dia a professora veio quebrar uma rotina que para mim veio mudar a minha triste vida.
Era uma aula de botânica. A professora muito entusiasmada falava das plantas, dos diversos tipos, seus nomes e propriedades.
Eu não prestava muita atenção ao que a professorinha falava. De repente eu ouço uma palavra familiar. Fiquei ligado no que ela falava do chuchu e o que mais me antenou foi ter ouvido que ela gostava muito desta merda.
Daquele momento em diante comecei a maquinar alguma coisa.
- Preciso saber aonde esta professora mora, pensava cá com meus botões.
Um dia não tive dúvida, após a aula, a uma certa distância disfarçadamente fui seguindo aquela que por certo seria a minha grande salvação.
À medida que avançava na caminhada de perseguição fui verificando com espanto que ela se dirigia para o lado aonde eu morava. Ela passou pelo portão de casa e se encaminhou a uma quadra pra frente quando adentrou. Fiquei feliz e nesse momento acreditei que Deus não estava tão velho assim e estava atendendo as minhas preces.
Cheguei em casa e fui logo dizendo pra mãe:
- Mãe, minha professora pediu um pacote de chuchu para mim e ela mora aqui na outra quadra.
- Muito bem meu filho, então vai levar para ela.
O plano estava perfeito. Levarei os chuchus, além de fazer um moral com a professora me livro destes malditos.
Apanhei um pacotão de chuchu mas fiquei desesperado, pois parecia que o pé a cada fruto que tirava brotava mais um montão no seu lugar.
Levei até a casa da professora. Ela com um largo sorriso agradeceu.
No dia seguinte fiz a mesma coisa. A professora apenas agradeceu.
No terceiro dia fiz a mesma coisa. A professora só recebeu.
No quarto dia a professora me disse:
- Mario, não consegui ainda comer a primeira remessa.
Quis falar com ela, explicar, pedir algum endereço aonde pudesse descarregar aqueles malditos frutos. Fiquei triste, abaixei a cabeça e vim de volta pra casa com aquele pacotão de bosta.
Passei desesperado pelo pé de chuchu e ainda o vi mostrando a língua pra mim.
por: Mario dos Santos LIma

sábado, 16 de abril de 2011

EMPREENDEDOR



            Hoje resolvi falar sobre o que é ser um empreendedor. Resolvi, desta forma falar sobre um grande empreendedor que conheço.
            Corri por aí e deitei folgadamente meus olhos nas livrarias e bibliotecas e batendo um lero com gente especializada no assunto pude ouvir e concluir que empreendedor é aquela pessoa que se sobressai no meio em que vive, que é especial, que inova e se dedicando com amor e afeição às atividades de organização, administração, execução e principalmente na geração de riquezas, na transformação de conhecimentos e bens em novos produtos. É por excelência um inovador.
            Em qualquer pesquisa, em qualquer exemplo dado sempre aparece esta figura como alguém criando ou inovando alguma coisa.
            Do empreendedor que me atrevo falar a mídia não divulga, os livros não escrevem, nas palestras não se dá como exemplo, mas eu com orgulho quero gritar a todos os cantos deste universo. Vou descrevê-lo mostrando que as características de um bom empreendedor têm tudo a haver com as características deste homem. Ele é um exemplo de empreendedor a ser seguido. É um empreendedor da organização familiar.
            Meu pai é este homem.
            Um empreendedor é um indivíduo que imagina, vai atrás e realiza visões, nesta visão meu pai se ajusta bem nisto, pois ele sempre buscou novas idéias, criou alternativas para elas e ao estabelecer as metas sempre trabalhou com muita perseverança para conseguir a realização de seus sonhos. Buscou uma companheira, comprometendo-se com ela numa caminhada cheia de lutas, muitos reveses, mas também cheia de muitas realizações; segredou para ela seus sonhos, seus temores e a conquistou por muitas e muitas amorosas cartas e flores que ele enviou para ela. E minha mãe foi esta companheira destemida nesta exemplar caminhada ao lado de meu pai.
            Diz a lenda que na retaguarda de um grande homem sempre existe uma grande mulher, e minha mãe foi com certeza esta mulher.
            Meu pai, além da grande companheira que permaneceu com ele quase setenta anos na dura senda da vida teve no meu avo Moises, seu pai um modelo que o influenciou.
            - Teu avô nasceu numa época errada, diz sempre emocionado meu pai ao se referir ao pai dele, e continua:
            - Ele não tinha muito estudo, mas era criativo e autodidata. Era conselheiro, enfermeiro, vereador. Homem de fina estirpe respeitado e venerado por todos que o conheciam.
            Eu pude constatar isto, pois muito das obras de meu avô ainda persistem intactas num sitio nas cercanias da Lapa.
            Sempre vejo nas atitudes do meu pai um espírito de iniciativa. Embora hoje no alto de seu 96 anos e na dependência da amiga gabriela, sua inestimável bengala sempre gostou de autonomia. É exemplo de otimismo na prática diária de suas caminhadas para sempre estar em forma e é perseverante naquilo que faz.
            Este empreendedor que admiro e que chamo de índio velho é o exemplo de pessoa incansável e de grande energia. Sempre diz que devemos assumir nossos erros e saber tirar lições deles.
            Nunca vi meu pai desistindo de qualquer empreendimento que começasse. Tinha e tem forte intuição e é comprometido com a família seu maior bem sentindo orgulho de cada um de seus componentes. Participa de cada passo dado pelos seus filhos e netos e faz questão de estar em cada celebração, por mais simples que ela seja.
            Experimenta nas visitas que faz e nas que recebe de seus filhos e netos a alegria da convivência. Ele vê nisso a realimentação de como ele construiu esta grande família e para continuar no seu aprimoramento. Construiu-a no amor aos semelhantes, na gratidão a Deus e no respeito às coisas alheias.
            Meu pai sabe buscar, utilizar e controlar recursos da tecnologia para manter a rede de relações. Meu pai tem filhos e netos semeados por este mundão de Deus, mas sabe exatamente o que está acontecendo com cada um deles, seja em Brasília, em Navegantes, em São Paulo, em Natal, em Glória de Dourados, em Venceslau, em Florianópolis, em Maringá, em Curitiba, em Londrina e em Paris. Manda seus recados pelo Orkut e todos os dias está ligado feliz falando ao vivo pelo Skype.
            Meu pai é um sonhador realista, mas não se importa hoje de estar plantando um pé de pinheiro para usufruir mais tarde de sua sombra e de seus frutos.
            Meu pai não é um aventureiro e não gosta de assumir riscos calculados e tudo o que faz é bem planejado e pacientemente controlado. Ele é um influenciador principalmente quando se trata de ajudar aos mais necessitados. Idealizou e com outros companheiros construiu a Vila Vicentina de Venceslau. É uma obra de exemplo de amor ao próximo.
            Aprendi com este grande empreendedor que devo fazer as coisas com energia e nas dificuldades não desistir, mas devo sempre dizer: “posso fazer” e nunca “não posso” ou “talvez”.  Aprendi que o copo está metade cheio e não a metade vazia. Não devo nunca me satisfazer de como as coisas estão, mas procurar sempre a melhoria continua. Não devo correr riscos desnecessários, devo ser prudente. Que devo ter orgulho de minhas realizações, pois isto é contagiante.  Que a gente muitas vezes aprender com o erro cometido, pois é mais fácil implorar por perdão do que pedir permissão, por isto devemos ser pró ativos.
            O empreendedor é moldado e capacitado no meio em que vive e é por isto que pelo exemplo, pela dedicação e pelo amor deste grande empreendedor Francisco é que temos grandes empreendedores na grande família Santos Lima.
            A esse homem empreendedor, exemplo a ser seguido, amante da vida e pertinaz lutador, formador de uma linda família nós, seus filhos, netos e bisnetos prestamos uma sincera homenagem dizendo:
            - Você, índio velho, querido e amado por todos, é o verdadeiro empreendedor da organização chamada família.

                                                                                         por: Mario dos Santos Lima


sábado, 2 de abril de 2011

DESCARGA DO VASO SANITÁRIO

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                        Eu acho que em algum momento da vida sentimos vergonha, embaraço ou constrangimento por alguma coisa que tenha sido feito por nos e que por acidente veio a público. São momentos vexatórios, humilhantes que fazem parte de nossa bela existência.
                        A vergonha, segundo Wikipidea é uma condição psicológica consistindo de idéias, estados emocionais, estados fisiológicos que nos leva a ter o conhecimento ou consciência daquilo que nos levou ao vexame.
                        A vergonha difere do embaraço, principalmente quando o ato praticado vem a público. Isto é terrível!
                        E eu passei, certa feita por um hilário embaraço deste.
                        Freqüentava, em Venceslau o primeiro ano da Escola Técnica de Comércio. Em tudo me pautava por uma conduta toda regrada no vestir, no me apresentar, no respeito com meus semelhantes e superiores, na dedicação as tarefas, no zelo as coisas públicas e ao meio ambiente e por isto não admitia e exprobrava as coisas executadas fora desta linha filosófica.
                        A privada para mim deve ser publica e por isto respeitada e cuidada por todos.
                        Um dia, em sala de aula não me sentindo muito confortavelmente com o rebuliço intestinal solicitei minha saída e apressadamente fui ao destino apropriado. Quando lá cheguei pude perceber a imundície que pairava por tudo, muito mais provavelmente pelo uso inadequado do que pela falta de limpeza. Fedia e por toda a parte os excrementos estavam placidamente acomodados.
                        A lâmpada que pendia do bocal estava também emporcalhada por mãos imundas que mal e parcamente iluminava o recinto. Nas paredes, que mais parecia um painel escuro trazendo burlescas frases e poesias indecentes estavam também sacrilejadas por dedos emporcalhados.
                        Mesmo na penumbra pude ver que o vaso sanitário que originalmente era branco portava entupido um monte de excremento e papeis.
                        Enojado e com os dedos, o indicador e o polegar de tampão no nariz fiz um diagnóstico geral. Constatei muita sujeira e frente a isto o meu sistema digestivo trancou a possibilidade de qualquer operação naquelas condições ambientais.
                        Antes de sair desta pocilga quis, como um bom cidadão deixar minha contribuição para amenizar tudo aquilo.
                        - Uma descarga, por certo seria bem vinda, pensei cá com os meus botões.
                        Tal qual um detetive perscrutei minuciosamente o local no desejo incontido de encontrar a tal válvula hidra. Com certa dificuldade encontrei-a. Aproximando-me dela, olhei-a enojado e não tive a coragem de meter o meu dedo para pressioná-la, resolvi então fazer a operação usando o meu pé. Meu sapato já estava esmagando e dançando em tudo aquilo e por isto, conclui que mais uma porcaria agregada em sua sola não iria fazer nenhuma diferença. Ergui a perna e direcionei o meu pé na tal válvula. Pressionei e ao invés do barulho característico da descarga recebi um jato de água na área de junção de minhas coxas com o abdômen. Por alguns momentos eu pensei que o mecanismo de descarga estivesse se negando a executar o processo e vomitou em mim alguma coisa líquida. Ou então, pensei a água não quis se misturar aos excrementos e veio se aninhar por entre as minhas pernas.
                        Olhei pasmo para o vaso sanitário e pude constatar que o tubo condutor de água estava violentamente enferrujado e apresentava um enorme furo por onde a água escapulia mais facilmente.
                        Abri a porta e sai de dentro daquela imundície e olhando por entre as pernas fiz uma ligeira avaliação. Não estava emporcalhado, mas estava todo molhado dando a entender para quem olhasse que fiz o serviço nas calças. Esgueirei-me por entre as colunas para me safar de olhos curiosos, mas inutilmente, pois fui visto pelos malditos gazeteiros que imediatamente riram de minha desgraça gritando.
                        - Mijou na calça,!  mijou na calça! E seguiam em galhofas apontando para minhas calças molhadas.
                        Puto da vida, disfarcei a frente prejudicada com alguma coisa e apressadamente entrei na sala para pegar o material e ir embora. Ao sair, ainda escuto o professor sarcasticamente perguntar:
                        - Não deu tempo?

                                                                                       Por: Mario dos Santos Lima