sábado, 29 de outubro de 2011

A SAGA DE UM LIDER

Um dia, curioso como sempre fui, quis saber tudo sobre liderança e conhecer alguma coisa a mais sobre as características de um líder. Li muitos autores, pesquisei e me preparei convenientemente para um curso de liderança do Instituto Tadashi que me inscrevi. Só não me preparei fisicamente para ele e aí me lasquei. O encontro aconteceu em Atibaia no ano de 1997. Foi um convite e presente de meus compadres Gustinho e Marilu.
O curso se apresentava como um programa de treinamento com fundamentos filosóficos de origem Oriental. O autodomínio era a arma principal e a resistência o teste que envolvia riscos fora do comum e exigia grande perícia para concluir com êxito o curso e receber o certificado de liderança.
O encontro pregava que o equilíbrio emocional sempre foi importante em nossa vida. Ele tinha por objetivo despertar o líder que cada um é e que muitas vezes não sabemos sê-lo tornando-nos mais conscientes dos medos e capacidades que temos. Aprender a lidar com situações estressantes do dia a dia e passar a se relacionar melhor consigo mesmo era também o foco deste encontro. Afinal, a proposta era boa e iria ajudar a identificar os limites e desbloqueá-los. Pelo conteúdo programático achei interessante.
Para isto você se internava na quinta à noite e era libertado no domingo ao cair da noite caso não desistisse antes do prazo final.
Aventurei-me neste episódio ao qual vou denominar de treinamento radical de liderança.
Cheguei curioso ao local e mal consegui depositar minha mala em cima da cama e já tive que em desembalada corrida ir me juntar aos outros pretensos líderes na sala de palestra.
O discurso inicial foi tenebroso. Foram as regras despejadas e a provação pela qual iríamos ter que passar. A turma toda foi dividida em grupos e as tarefas teriam que ser desenvolvidas todas em equipes e para a equipe. A comida e a cama eram apêndices desfrutadas pelas equipes que terminassem a contento cada atividade desempenhada. A cada erro individual o grupo todo perdia ponto e recebia uma canecada de água na cabeça como castigo. Este castigo era vexatoriamente executado a frente de todos os outros grupos.
Algumas das atividades eram individuais como, por exemplo, decorar algum trecho literário complexo e apresenta-lo em público. Defender um tema qualquer de improviso. Outras atividades em grupo como, por exemplo, montar um intrincado quebra cabeça. Tudo tinha tempo e era cronometrado. Missão quase impossível. Verdadeira loucura institucionalizada.
De quinta para sexta meu grupo não desfrutou da cama e nem da comida, pois terminou o compromisso às sete da manhã e imediatamente tivemos que assumir outro compromisso. Sexta feira sem almoço e a cada cochilada uma canecada de água na cabeça e pontos perdidos. De sexta para sábado a mala permanecia fechada em cima da cama. O palestrante proferia seus ensinamentos aos berros para não deixar a turma dormir.
Eu e quase todos os participantes agíamos como robôs ao final do sábado. Imaginei que iria abrir minha mala na noite do sábado, ledo engano, pois a maldita tarefa só pode ser completada às oito horas do domingo. O estresse era geral e com certeza se alguém se manifestasse com vontade em matar os orientadores seria seguido por todos e a carnificina seria total.
O domingo parecia lindo. O sol ardia lá fora e o sono e a fome rondavam a sala de palestras. Só a cabeça molhada despertava meu sono. As técnicas de liderança eram cautelosamente repassadas pelos palestrantes e memorizadas cuidadosamente por cada participante. O palestrante pregava que devemos ir além do horizonte, além das expectativas e que isto só é possível se formos até onde nossos olhos puderem ver. Meus olhos cansados e sonolentos já não conseguiam olhar além do meu nariz. Ele dizia que não há resultado sem dor psicológica e sem cansaço físico. E eu que pensei que ser líder seria bem mais fácil. Neste momento quase gritei – “Eu desisto, quero ser um vassalo!” Mas fiquei calado, pois a fome era tanta e o grupo já todo encharcado não poderia perder mais pontos. Tudo pelo almoço!
Tudo parecia caminhar para um final feliz. A tarefa estava sendo completada a contento e com isto eu e meu grupo poderíamos desfrutar da primeira refeição depois destes quase três dias de jejum. Completei a minha parte e aproveitei deslocar rapidamente o meu esqueleto, pela primeira vez, fora daquelas macabras paredes. Não devo ter consumido neste breve passeio mais que dois minutos os quais foram suficientes para eu caminhar sobre uma relva linda e macia e apreciar, como nunca dantes o esplendor de um dia de sol. Recolhi-me rápido ao som da maldita sineta, e fomos perfilar no salão. Cada grupo deveria fazer duas filas e aguardar o resultado das tarefas.
A ordem, a disciplina e o silêncio davam o tom ao austero ambiente.
De repente um cheiro avassalador começou a provocar a desordem. Eu pensei nos ensinamentos recebidos que dizia que um líder é aquele que tem visão, sabe olhar a esquerda e a direita – só não lembro se poderia olhar para cima ou para baixo - é aquele que descobre aquilo que outros não vêem. Definitivamente pensei: “Quero ser um líder!” Olhei então para baixo e atônito descobri a origem daquela fedentina toda. Os ensinamentos diziam que o líder deve anunciar a boa nova – esta não era uma boa nova com certeza – lembro-me também que dizia que o líder partilha sua missão com os outros definindo objetivos. Que contagia e sabe estar com o pé no chão. Eu estava com o pé no chão, mas naquele momento não poderia estar com o pé no chão, não poderia revelar meus objetivos e minha missão. Teria que resolver tudo sozinho.
Temerosamente olhei para todos os lados e fixei meu olhar para baixo.
Que cena repugnante!
Saindo pelas bordas do solado do sapato aparecia a merda, a mais fedida de que se tem notícia. Deveria ser de um maldito gato ou de um cachorro com enorme problema intestinal que esvaziou o intestino grosso na grama que pisei. Vagarosamente, num processo de equilíbrio e concentração com outro pé consegui me desvencilhar do sapato emporcalhado e sorrateiramente fi-lo deslizar até a parede.
Diz o ditado que em bosta quanto mais mexida mais fedida e foi o que aconteceu. O tumulto era generalizado e eu pensava no almoço que provavelmente seria suprimido pelos pontos perdidos.
Perfilado com um pé sem sapato e com outro calçado fazendo de conta que nada era comigo, vi apavorado naquela mesa lá na frente o meu sapato emporcalhando a toalha branca. Um dos orientadores deve ter visto o meu sapato encolhidinho perto da parede, pegou-o, sujado a mão e por isto encolerizado, aos berros perguntava:
- De quem é este sapato imundo?
Desmaiei e acordei só na segunda feira no hospital com uma agulha espetada no braço a qual permitia a passagem do soro. Ao meu lado carinhosamente meus compadres sorridentes diziam:
- Parabéns você conseguiu!

por: Mario dos Santos Lima

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