O mundo de fantasia que se cria para uma criança e a imersão que ela faz nele é algo indescritível. Pelo que observamos neste mundo do faz de conta, que para ela é real desenrolam-se cenas das mais variadas. Algumas vezes alegres, quando ela ri, mas outras vezes tristes e assustadoras, quando então ela chora. No mundo imaginário dela ela trava diálogos acalorados, repreendendo com o dedo em riste o seu interlocutor ou então, numa fala mansa despeja alguns conselhos. Às vezes é com sua boneca ou com um bichinho de estimação, mas muitas das vezes é com alguém não materializado.
Este é o cenário de uma criança ainda nos primeiros anos de vida.
Mas, muitas vezes, tem por aí criatura grande, crescida, vacinada que acredita na existência da cegonha como ave que traz o nascituro, acredita em papai Noel, que o coelhinho bota ovos de chocolate, que pode existir políticos honestos, mas por certo esta santa ignorância pode ser característica daqueles menos dotados de informações ou noções adquiridas pelo estudo ou pela experiência, daqueles sem a prática da vida e possuídos da pobreza de alma. São os pobres imbecis que a vida não lhes deu oportunidade ou então roubou muito daquilo que pouco tinham. Para estes infelizes o que resta unicamente é elucubrar perdidamente acreditando nos seus devaneios.
A classe estava atenta porque fazia eu uma revisão geral para a prova do primeiro bimestre.
Entre muitos conceitos passados e entonação mais incisiva para aquele ponto que provavelmente iria fazer parte da prova um aviso jocoso foi repetido algumas vezes para a sala:
- Não deixem de trazer o binóculo no dia da prova.
Os alunos estranharam aquele aviso e perguntaram:
- Um binóculo?! Mas por que um binóculo?
Apenas reafirmei o aviso:
- Não deixem de trazer o binóculo.
Tentei criar um mundo fantasioso. Estava induzindo aqueles alunos a escorregar do real ao mundo irreal.
Num primeiro momento não consegui.
O dia da prova chegou.
Distribui as provas e colei um minúsculo papel na moldura do quadro negro. Virei para a sala e perguntei:
- Alguém de vocês trouxe o binóculo?
Esperei alguns segundos e completei apontando para o miúdo papel colado no quadro.
- O gabarito da prova está neste papel. Ninguém poderá levantar-se para olhá-lo, apenas poderá conferir olhando pelo binóculo.
Os alunos se entreolharam, num burburinho danado na ânsia indômita em descobrir se alguém dentre eles havia trazido o maldito binóculo.
Ninguém havia trazido o binóculo.
Dois meses depois a turma está reunida para a realização da segunda prova.
Da mesma forma que você não conta duas vezes a mesma piada para a mesma pessoa, eu não brinquei, a respeito do binóculo com estes alunos quando fiz a revisão para a segunda prova.
Distribui a prova e me posicionei num ponto panorâmico para policiar e coibir as famosas colas quando alguns alunos de binóculos a punho pendurados no pescoço reclamaram:
- O professor não vai colar o gabarito no quadro negro?
Achei aquilo absurdo, muito engraçado e pensei:
- Estas antas de galocha se foderam!
A crença se constrói ou pela esperança ou pela santa ignorância. E a crença para aqueles imbecis fez-se então pela ignorância, pelo mais fácil, pelo tirar vantagem, morrendo estupidamente na desesperança.
Aqueles que trouxeram os binóculos acreditaram no absurdo.
por: Mario dos Santos Lima
Um comentário:
muito bom. coitados destes imbecis, como se referiu.
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